Tem-se
ventilado, em doutrina e julgados esparsos, que também em ação de despejo por
falta de pagamento cumulada com cobrança de aluguéis, tem cabência o
deferimento do pedido de antecipação parcial dos efeitos da tutela,
determinando-se o despejo compulsório, mormente quando o inquilino cingir-se a
contestar o “quantum debeatur”, sem se valer da faculdade que lhe confere o
artigo 62, inciso II, da Lei n. 8.245/91.
A questão certamente não é pacífica, conquanto não se veja muitos
julgados a respeito. Por sua aparente jovialidade, é que se tem discutido a
respeito, não havendo entendimento uníssono.
De
efeito, não se inferindo da contestação qualquer fundamento plausível a
improceder o pedido do locador, nem mesmo purga da mora se efetivou, afigura-se
que manter o inquilino na posse do imóvel, até que haja decisão definitiva do
processo, sem honrar com a necessária contraparcela, redundará em fundado
receio de dano irreparável ou de difícil reparação. Mais que isso, tem-se,
inegavelmente, que a objeção do locatário cinge-se apenas a abuso de direito de
defesa e manifesto propósito protelatório, porque não purgou a mora e
encontra-se há tempos sem efetuar os pagamentos, daí pretender-se apenas
continuar na posse do imóvel sem que haja qualquer garantia de recebimento.
Assim,
parecem estar presentes todos os requisitos insculpidos no artigo 273 da Lei
Instrumental Civil, de molde a autorizar a antecipação parcial dos efeitos da
tutela, para decretar o despejo do inquilino, executando-se provisoriamente a
Decisão nos termos do § 3º do artigo 273 em comento. Vejamos, pois, da
viabilidade e possibilidade do pleito:
Insta
acentuar que, qualquer que seja a ação objetivando a retomada do imóvel,
processar-se-á como despejo. Com as modificações introduzidas pela Lei Inquilinária,
as ações de despejo terão o rito ordinário, cabendo-lhes a concessão liminar
para desocupação em quinze dias, independentemente da audiência da parte
contrária e desde que prestada a caução no valor equivalente a três meses de
aluguel, nas ações que tiverem por fundamento exclusivo: o descumprimento do
mútuo acordo; o disposto no inciso II do art. 47, havendo prova escrita da
rescisão do contrato de trabalho ou sendo ela demonstrada em audiência prévia;
o término do prazo da locação para temporada, tendo sido proposta a ação de
despejo em até trinta dias após o vencimento do contrato; a morte do locatário
sem deixar sucessor legítimo na locação, de acordo com o referido no inciso I
do art. 11, permanecendo no imóvel pessoas não autorizadas por lei; a
permanência do sublocatário no imóvel, extinta a locação, celebrada com o
locatário.
Nesses
casos, faculta a lei a possibilidade de se conceder liminar para desocupação em
quinze dias, independentemente da audiência da parte contrária e desde que
prestada a caução no valor equivalente a três meses de aluguel.
Certamente,
estes não são os únicos casos de urgência e extrema necessidade da retomada do
imóvel. Casos estão aí, em que o locatário, deveras hipossuficiente, vê no
locativo a única fonte de renda e esperança de sobrevivência, própria e não
raro de toda a sua família. Desde o momento em que o locatário interrompe os
pagamentos, há grandes riscos de perecimento do senhorio. Se, de um lado, o
titular do direito e senhor da coisa imóvel, está na iminência do perecimento
pela impossibilidade de exercer irrestritamente o seu direito; de outro, há o
inquilino usufruindo graciosamente da coisa alheia.
A situação
beira as raias do absurdo, portanto. Apegar-se à letra fria da lei, cerrando os
olhos para a realidade da vida, é ignorar que atrás dos nomes das partes
rotulados na capa dos autos há pessoas, orgânicas e físicas, que sofrem e se
angustiam, clamando diuturnamente pela célere prestação da tutela
jurisdicional.
Como resolver o impasse? Como, através dos instrumentos legais,
atentar-se para os fins sociais que a lei se destina e evitar que a pessoa,
titular de direito indisputável, venha perecer ante a inércia e a
procrastinação da parte ex-adversa? Somente a tutela antecipada afigura-se
lenitivo suficiente para esta enfermidade jurídica.
Relevante instrumento posto à disposição do jurisdicionado, veio a lume
a antecipação dos efeitos da tutela, como corolário de uma das principais
preocupações dos processualistas e da necessidade da Justiça, qual a celeridade
da marcha processual. Justiça tardia equivale à injustiça. Tardando ou
prolongando demasiadamente a prestação jurisdicional, inegável que maiores
serão os sofrimentos, as angústias e os prejuízos das partes. Inelutável,
ainda, o descrédito do Poder Judiciário perante todos que dele se valem ou se
valeram objetivando a apreciação da lesão ou da ameaça a direito.
Sensível
a isso e de algum modo visando acelerar o resultado final do processo e a
efetivação da tutela jurisdicional, o legislador indígena estabeleceu a nova
redação do art. 273 da Lei de ritos.
Instituiu a antecipação, total ou parcial, dos efeitos da tutela. Através deste
instituto, atendidos os pressupostos estabelecidos pelo dispositivo referido, possibilita-se à parte-autora obter decisão
da espécie, o concedendo antecipadamente, inicialmente.
Anote-se, ademais, há situação em que, para salvaguardar os direitos do
autor, que provavelmente tem menos chance de sucumbir na ação, inegável que
poderá sacrificar o direito do réu. Diga-se sacrifício apenas tendo-se em mira
a situação de, concedida ab initio a
tutela e executada em seguida, venha a mesma ao depois ser modifica ou
revogada, quando então não se poderá retornar a situação ao seu status quo. A irreversibilidade no caso
ora explicitado, tem seu fundamento: salvaguarda dos interesses maiores.[1]
Citemos-se, apenas exemplificativamente, dois venerandos Arestos,
um acolhendo[2] e outro
indeferindo[3]. Em São
Paulo, há o Enunciado 31 do Centro de Estudos e Debates do E. Segundo Tribunal
de Alçada Civil vaticinando, in verbis:
“É incabível nas ações de despejo, a antecipação da tutela de que trata o art.
273 do Código de Processo Civil, na sua nova redação”.
Na
doutrina, confira-se Geraldo B. Simões, em artigo veiculado no Diário
Comercial, argumentando que o § 2º, do artigo 64 da Lei Inquilinária dispõe
que, ocorrendo o despejo, ainda que reformada a decisão concessiva da liminar,
não retorna o inqiuilino ao prédio, tendo que se submeter à reparação dos
danos, quer pêra caução quer pelo que demonstrar em ação de indenização.
De outra banda, pontifica Nagib Slaibi Filho, que:
“Plausível, assim, embora não possa o inquilino retornar ao prédio, que, em
lide privada, com caução estabelecida, ainda que nas hipóteses que a lei do
inquilinato tenha restringido a liminar de despejo, deva o juiz, em decisão
fundamentada, atento aos requisitos do aludido art. 273, conceder a antecipação
da tutela” (Comentário à Nova Lei do Inquilinato. 9ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1996 p. 386).
Esta
conclusão da Corte paulista competente para apreciar e julgar a matéria, às
evidências, não é súmula e não espelha de per si a posição prevalente em tal
Augusta Casa de Justiça. Ademais, não se tem notícia dos fundamentos que lhe
dão arrimo.
São de uníssona acolhida em nosso ordenamento jurídico, como
decorrência e corolário lógico do comando constitucional, as regras o devido
processo legal. Como exceção a esse princípio, em determinadas situações, a lei
processual admite a concessão de liminares inaudita
altera pars. Expressamente, o instituto criado pelo artigo 273, da Lei
Processual Civil, não menciona a possibilidade de concessão liminar, antes da
citação. Em se cuidando da antecipação da tutela, somente no artigo 461 é que
se vislumbra essa possibilidade A antecipação da tutela, antes da citação, será
viável somente em casos que, por sua especialidade, exijam do julgador uma tal
providência.
Sabidamente, a antecipação dos efeitos
da tutela jurisdicional poderá ser deferida pelo Magistrado sempre que
presentes os requisitos discriminados em lei. Esta é a dicção do artigo 273 do
Código de Processo Civil, quando exige que a parte demonstre, através de prova
inequívoca, a verossimilhança da alegação apta a autorizar sua concessão, assim
como o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação. O mesmo
ocorre, no que concerne à obrigação de fazer, ante o que preconiza o artigo 461
do mesmo diploma, ao eleger o requisito da relevância do fundamento da demanda
e o fundado receio de ineficácia do provimento final.
Ainda que possível, em casos excepcionais, o deferimento liminar
da tutela antecipada, não se dispensa o preenchimento dos requisitos legais,
assim a “prova inequívoca”, a “verossimilhança da
alegação”, o “fundado receio de dano irreparável”, o “abuso
de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu”,
ademais da verificação da existência de “perigo de irreversibilidade do
provimento antecipado”, tudo em despacho fundamentado de modo claro e
preciso.
A
prática tem-nos demonstrado que, não rara é a situação quando, versando ação de
despejo por falta de pagamento, cumulada ou não com cobrança, devidamente
citado o inquilino deixa de se valer da faculdade de purgar a mora e apresenta
defesa evidentemente protelatória.
Fá-lo
apenas para permanecer mais tempo no imóvel, sem pagar qualquer
contraprestação. Ocupa graciosamente a coisa alheia. Quando ao menos há uma
garantia e possibilidade de percepção dos alugueres vencidos, menos mal é a
situação do senhorio e credor; pior quando sequer garantia locacional há.
Quando então, além de nada receber, ainda ficará o proprietário, ou
simplesmente locador, sem receber qualquer numerário e ainda obstado de locar o
imóvel, na esperança de perceber do novo inquilino os valores devidos pela
locação.
Em
casos que tais, cremos não haja qualquer fundamento jurídico apto a obstar a
pretensão antecipatória da tutela.
Isso
porque, haverá prova documental do vínculo locacional e situação que
inelutavelmente se assemelha à verdade (não se mostra irrazoável ponderar que a
pretensão do inquilino é meramente procrastinatória: a prática demonstra isso).
Acresça-se ainda que, permanecendo o inquilino no imóvel, sem qualquer garantia
da locação e sem que haja o necessário pagamento do aluguel, até que haja
decisão definitiva, imensuráveis e irreparáveis se tornarão os prejuízos do
Autor, cuja Sentença certamente o favorecerá mas não retornará a situação
jurídica inteiramente ao status quo
(faltará a recomposição do patrimônio lesado do autor).
E mais.
Não se mostra plausível discutir se há ou não abuso de direito de defesa do
inquilino ou manifesto intento protelatório que, ao ser citado, apresenta
defesa com argumentos que sequer de longe serviriam para refutar o direito
ostentado pelo locador e nem mesmo emenda a mora. Certamente, abusa do
constitucional direito à ampla defesa. O princípio constitucional é norma
diretiva, não se presta para albergar toda e qualquer situação; não está aí
para dar guarida a pretensões atentatórias à dignidade da Justiça e ao direito
claramente ostentado pela parte.
Por tudo isso, não parece haver a menor óbice.
Mas há mais. Não obstante o já exposto,
resta observar a verificação da existência de “perigo de irreversibilidade
do provimento antecipado”, provavelmente o único empecilho à tese ora esposada.
A corrente negativista
observa que, no despejo, as conseqüências de fato da compulsória desocupação do
imóvel são imutáveis, embora indenizáveis os danos que o locatário vier a
sofrer, caso o locador resulte vencido na demanda. De certo modo, ela reconhece
a sua fragilidade, ao observar que eventuais danos causados ao inquilino serão
integralmente suportados pelo locador. Contudo, a possibilidade de reparação
pecuniária não se apresenta suficiente à tutela, porque a lei não cogitou de
indenização, mas de reversão.
Se declarado o despejo initio litis, tal poderá ser executado
provisoriamente, observando ao disposto nos incisos II e III do artigo 588 do
Código de Processo Civil, i. é., far‑se‑á do mesmo modo que a
definitiva, porém não abrangendo os atos que importem alienação do domínio, nem
permite, sem caução idônea, o levantamento de depósito em dinheiro; e, fica sem
efeito, sobrevindo sentença que modifique ou anule a que foi objeto da
execução, restituindo‑se as coisas no estado anterior, sendo que, aqui,
se a sentença provisoriamente executada for modificada ou anulada apenas em
parte, somente nessa parte ficará sem efeito a execução.
Como
alternativa, ainda, pode-se ladear a solução dada à sentença que decretar o
despejo. Fixará, ela, o valor da caução para o caso de ser executada
provisoriamente, não inferior a doze e nem superior a dezoito meses do aluguel,
atualizado até a data do depósito da caução. A Nova Lei do Inquilinato autoriza
a execução provisória da sentença que julga procedente ação de despejo por
falta de pagamento, desde que, oferecida caução pelo locador, a quem é
assegurado dar em garantia o próprio imóvel retomado, ex vi do disposto nos artigos 63 e 64 da Lei Inquilinária.
A execução
provisória da sentença prolatada em ação de despejo por falta de pagamento, por
força do disposto nos artigos 9º, III, 63, § 4º e 64 da Lei 8.245/91, deve ser
antecedida da necessária caução, pena de violação à expressa previsão desta
norma legal, salvo nas hipóteses das ações fundadas nos incisos I, II e IV do
art. 9°. Sobrevindo a reforma da sentença ou da decisão que concedeu
liminarmente o despejo, o valor da caução reverterá em favor do réu, como
indenização mínima das perdas e danos, podendo este reclamar, em ação própria,
a diferença pelo que a exceder.
Logo, a teor
do art. 64, § 2º da Lei 8.245/91, reformada a sentença que decreta o despejo,
aproveita ao locatário o direito de levantar a caução, a título de indenização
pela indevida desocupação do imóvel. Que se faça o mesmo, em caso de execução
da tutela antecipada, acaso ulteriormente modificada a decisão inicial; mas,
nunca, se objetem a antecipação dos efeitos da tutela para deferir o decreto
expulsório no começo do procedimento ordinário da ação de despejo por falta de
pagamento.
Como se vê, nem mesmo
interpretação rigorosa dos dispositivos processuais mostra-se bastante a
ensejar impossibilidade do deferimento da tutela em comento. Executando
provisoriamente a decisão, não se objetivará transferência de domínio, antes
apenas a imissão na posse direta da coisa locada; também, às claras, não se
pretenderá levantamento de quantia depositada. Quanto à modificação ulterior da
Sentença, ou até mesmo da decisão interlocutória que deferiu a tutela
antecipada (Como se sabe, a tutela antecipada tem caráter eminentemente
provisório, posto que pode ser modificada a qualquer tempo. Nesse sentido: Elza
Spanó Teixeira in Código de processo civil –
comentários e jurisprudência. São Paulo: LTr, 1998, p. 123),
cremos não haja muita possibilidade de acontecer, pois se houvesse então não
estariam preenchidos os requisitos necessários à concessão da tutela.
Por cautela, prudência e razoabilidade,
que também são corolário da Justiça, nada impede exija o Magistrado caução
idônea, tal como ocorre no § 4º, do artigo 63, da Lei n. 8.245/91. Com isso,
confirmar-se-ão ainda mais as possibilidades de deferimento da antecipação
parcial dos efeitos da tutela.
Para a
total viabilidade da concessão da tutela antecipada, portanto, basta seja dada
caução pelo locador, que até pode ser diversa de dinheiro, como a própria coisa
objeto da locação, que ficará em hipoteca judiciária, dês que provado o domínio
do locador sobre ela.
Notas:
[1] como exemplo, citemos o caso do paciente que demande
o seu plano de saúde para cobrir despesa de operação emergencial do coração,
cuja necessidade é atual e se não o fizer o falecimento é certo. Negou-se o
convênio ao pagamento, fundado em contrato que claramente, por expressa opção
do autor, não cobriria tal despesa. Em sede de antecipação da tutela, o juiz
determina a realização da cirurgia às expensas do plano de saúde. No final,
improcede a ação e a tutela concedida, certamente é irreparável. Mas a
irreversibilidade pautou-se no sacrifício de um bem menor (dinheiro do
convênio) em face de um bem maior (vida do conveniado).
[2] RJTAMG 64/77
[3] Agravo de Instrumento
1970/98, Reg. 22/09/98, fls. 20453/20460, v. u.; Des. Mauro Nogueira, j.
30/06/98. Partes: Luzes Shop Magazine Ltda. ‑ Combracenter Shopping
Centers S/A.
Informações Sobre o Autor
Alex Sandro Ribeiro
Advogado, Escritor e Consultor.
Pós-Graduado em Direito Civil pelo uniFMU.
Membro do IV Tribunal de Ética da OAB/SP.
Autor dos livros Ofensa à Honra da Pessoa Jurídica e
Arrematação e Adjudicação de Imóvel: Efeitos Materiais.
Autor de dezenas de artigos e trabalhos publicados.
Consultor especializado em ME e EPP.