Um enfoque sócio-jurídico sobre o princípio da indignidade

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Resumo: Nos moldes hodiernos da sociedade brasileira, é possível perceber a emergência de fatos individuais e coletivos que revelam uma dialética em diversos setores sociais, inclusive, exigindo a regência normativa imprescindível do Direito para legitimar e manter a paz social. Sob esse enfoque, no desenvolver da dinâmica social, confluem um conjunto de valores morais e princípios jurídicos referentes à pessoa humana que são de observância obrigatória no momento de subsunção desses fatos às normas jurídicas legais, de tal maneira que formam um alicerce fundamental para aplicação do Direito tendo em vista a conservação e respeito aos bens jurídicos e humanos. A partir disso, busca-se delimitar a natureza jurídica da indignidade reafirmando seus pressupostos jurídicos e sociais, de maneira a localizá-lo no discurso dos princípios jurídicos. Para tanto, faz-se necessário uma abordagem direcionada pelo método analítico dedutivo, pautado em pesquisas bibliográficas pertinentes à instituição civilista, com procedimentos referenciados pelos métodos comparativo e histórico. Nesse contexto, localiza-se o instituto da indignidade do Direito Civil, definido como princípio, conforme se depreenderá da exposição do histórico, fundamentos e natureza jurídica a seguir, apresentando a configuração atual do mesmo no ordenamento jurídico pátrio.[1]

Palavras-chave: Indignidade. Natureza jurídica. Princípio.

Abstract: Today Brazilian society, one can see the emergence of individual and collective events that reveal a dialectic in various social sectors, including requiring the regency normative imperative of law to legitimize and maintain social peace. Under this approach, developing social dynamics converge a set of moral values ​​and legal principles concerning the human person that are obligatory upon the subsumption of these legal norms legal facts, so that they form a key building block for application of Law aimed at conservation and respect for human and legal rights. From this, we seek to define the legal nature of unworthiness reaffirming their legal and social assumptions, in order to locate it in the discourse of legal principles. Therefore, it is necessary to approach directed by deductive analytical method, based on literature searches relevant to the institution civilist with procedures referenced by the comparative and historical. In this context, the institute is located indignity of Civil Law, defined as a principle, as depreenderá exposure history, legal foundations and below, showing the current configuration of even the national laws.

Keywords: Indignity. Legal nature. Principle.

Sumário: Introdução. 1 Abordagem Histórica. 2 Definição e Natureza Jurídica. 3 Fundamentos Éticos e Sociais da Indignidade. 4 Aspectos Legais da Indignidade no Código Civil Brasileiro. Conclusão. Referências.

Introdução

No contexto atual, as ciências jurídicas estão cada vez mais a dinamizar conceitos, aplicações e interpretações de institutos jurídicos, segundo os fundamentos destes e a configuração que este alcança na via normativa e o desenvolver nos setores sociais. Tal dinamização visa basicamente o aperfeiçoamento do Direito à realidade de maneira a possibilitar a resolução de conflitos e a harmonia com os interesses e valores coletivos.

Nessa esteira, tem-se a indignidade, aparente nas relações sucessórias como medida de exclusão dos herdeiros da sucessão. Ao se analisar mais detidamente este instituto, é possível perceber as dimensões históricas que o mesmo alcançou e o grau de conservação das diretrizes teleológicas do mesmo, mantendo a disposição normativa fundamental de segregação daquele considerado indigno.

Partindo desta acepção, reconstruindo uma avaliação do desenvolvimento do instituto durante a história, torna-se compreensível os sentidos alcançados na órbita social e moral, derivando os fundamentos que são expressos na regulação do instituto. Mas também é por este mesmo paradigma, que se extrai uma definição do instituto e a identificação de sua natureza jurídica, qual seja, no patamar de princípio jurídico.

Com isso intenta construir uma alusão sociojurídico sobre a caracterização da indignidade como princípio jurídico e as circunstâncias que denotam tal ponderação desta no contexto jurídico, de maneira a aperfeiçoar os ditames jurídicos para as respostas de casos que emergem no mundo científico. O percalço das pesquisas indiretas em bibliografia arquiteta, pelos métodos de comparação e a historicidade, o instituto da indignidade nos moldes hodiernos.

Dessa forma, coloca-se a importância da indignidade para as relações jurídicas e a imputação deste como princípio na valoração dos fundamentos éticos e sociais, conforme as determinações normativas decorrentes do Código Civil.

1 Abordagem Histórica

Especialmente nas ciências sociais e nas relações que tem o indivíduo como protagonista, a situação hodierna é a sombra e influência de aspectos e lutas do passado, moldada pelos fatores sociais e naturais que incidem sobre a vivência cotidianamente. Diante disso, para uma melhor compreensão destas relações e os objetos que as envolvem, torna necessário traçar, ainda que superficialmente, um arcabouço da história do item deste estudo.

O Direito tem suas raízes científicas e axiológicas diretamente arraigadas pelas teorias e fatos postos no passado, através de uma dialética travada no decorrer das décadas na sociedade perante os temas mais relevantes.

Noutros momentos, o que se percebe hoje no ordenamento jurídico não foi fruto apenas de passividades científicas, mas inclui lutas dos cidadãos e grupos sociais pela conquista e respeito no espaço natural fomentando uma concepção de Direito como “um corpo de procedimentos regularizados e de padrões normativos, considerados justificáveis num dado grupo social, que contribui para a criação e prevenção de litígios, e para a sua resolução através de um discurso argumentativo, articulado com a ameaça da força” (SANTOS, 2007, p. 290).

No debate entre as conquistas emancipatórias e as regulações estatais, são vários os fatores sociais que influem na construção do Direito, presentes em aspectos variados da vida humana, com questões que se levantam do nascimento até a morte de uma pessoa. Nesta última circunstância, em que o indivíduo expira seu fôlego final e permeiam sentimentos de tristeza, angústia da perda e felicidade, o Direito também se faz presente, regulando, por exemplo, a sucessão e causas de exclusão do direito de herança.

No que tange ao tema da indignidade, os primeiros resquícios são visíveis no Direito romano, local donde provêm diversos outros caracteres de estatutos do Direito atual. Não obstante os fundamentos de a indignidade estar atrelados ao senso da natureza humana, conquanto a inserção na conjuntura ético-social, a identificação no sistema romano é mais perceptível em efeito da codificação realizada neste período.

Tamanha influência do sistema romanístico na atualidade, em especial hipótese no Direito sucessório, que diversas características e definições derivam dos modelos normativos postos por aquele povo, como as espécies de sucessão, os casos de aceitação e renúncia da herança, os termos de possessão dos bens do espólio pelos herdeiros, entre outros. Assim, as raízes da tutela de direitos objetivos e subjetivos têm notáveis diretrizes no Direito Romano.

A localização da compreensão de indignidade é dada juridicamente, segundo o brocardo indignus potest capere sed non retinere, onde havia a possibilidade do herdeiro legítimo imputado em falha grave ser afastado da aferição da herança. A configuração da indignidade era tida, resumidamente, como, “o herdeiro declarado como indigno tinha a quota-parte que lhe cabia transferida ao Fisco. Importante se faz evidenciar que a herança lhe era devolvida, entrementes a lei o privava do direito hereditário do qual o indigno era detentor, em razão dos corolários emanados pelo adágio potest capere sed non retinere. Os bona ereptoria recaíam sobre o Estado e, de maneira excepcional, sobre outras pessoas que houvessem se distinguido por sua atuação misericordiosa em relação ao extinto ou, ainda, eram designados por ato de última de vontade. O Direito contemporâneo, reverberando as bases lançadas no Direito Romano, adota, ainda, o entendimento de que herdeiro ou legatário declarado indigno tido é como inexistente na sucessão” (RANGEL, 2012).

Diante da transcrição da passagem acima, esmiúça dois aspectos da juridicidade do Direito Romano em relação à indignidade. O primeiro toma por base o caráter de confisco da sanção aplicada ao indignus, dando direção aos bens que os pertenceria para as mãos do império, proposição esta que perdurou por muito tempo, inclusive no Brasil. Em segunda informação relevante, está a concepção que naquele tempo já havia os moldes acerca da situação jurídica do indigno, o qual era imputado por inexistente na relação sucessória.

A sociedade sujeitou-se a diversas transformações com o passar das décadas, nos diferentes lugares do mundo, encabeçadas pela emanação de um pensamento filosófico motivado pelas relações político-econômicas, que passam a repercutir na função do Estado e na positivação do Direito. Da mesma maneira que a força motora das transformações sociais foi motivada por indivíduo em classes, tais mudanças são perpetradas atingindo a organização social, beneficiando uns em detrimento de outros.

Nesse ínterim, houve a incorporação de valores e princípios dantes postos na periferia da sociedade e afastados do discurso legal, influindo direta ou indiretamente no comportamento das pessoas. Várias mudanças foram perpetradas na estrutural social que, atrelado à influência do sistema do civil law disseminado na Europa e, por conseguinte, no Brasil, deram uma nova moldura às relações jurídicas.

A previsão da indignidade nos ordenamentos jurídicos resiste a estas mudanças e retém sua definição em meio aos valores postos em uma sociedade liberal. A cultura e os fundamentos atrelados a este instituto fazem com que haja preservação nos ordenamentos jurídicos em diversas partes do globo, deixando margem para sua disseminação em outros Estados, que receberam ideais externos, como é o caso do Brasil.

Mas a verdade é que a incorporação do paradigma da indignidade em suas primeiras postulações no território brasileiro fica ainda mais evidente pela conservação do anseio da moralidade presenciada nas organizações humanas de per si, por obséquio analisada à frente.

A influência no Direito brasileiro e a subsequente adoção nos diplomas legais civilistas se fomentam pela incidência das Ordenações do Reino de Portugal no período colonial e imperial, com particular trato exposto nas Ordenações Filipinas.

Dentre aspectos a destacar, ligados aos fundamentos herdados pelo sistema romano, toma um dos efeitos da decretação da indignidade, transcrito no Livro II, Título 26, § 19, contidos nas Ordenações Filipinas (BRASIL, 2012), que expõe o caráter eminentemente de confisco sobre a parcela das coisas pertencentes à pessoa que cometesse algum ato maléfico, apesar de não se referir ainda ao indigno nesta parte. Assim apregoava a disposição sob o tema, “19 Item – todas as cousas, de que alguns, segundo Direito, são privados, por não serem dignos de as poderem haver per nossas Ordenações, ou Direito commum, salvo naqueles casos, em que specialmente as Leis permitem, que as possam haver, sem embargo de seu desmerecimento, ou sejam relevados per graça geral, ou special nossa”.

Por uma constatação da normatividade contida na disposição, é possível perceber que a sanção atingia tanto a pessoa quanto a herança, que prejudicava indiretamente os outros herdeiros. Desse modo, mediante a presença de causas referentes à indignidade, o Estado exercia um poder coativo legal de maneira que passava a deter a propriedade dos bens que passariam a pertencer ao sujeito que cometeu o ato de ingratidão, dada uma escolha notavelmente política de aquisição da propriedade particular pelo Estado.

Uma das causas contidas no bojo das Ordenações Filipinas era dirigida ao caso do instituidor da herança ser molestado na sua liberdade de testar pelo herdeiro ou legatário, contido no Livro IV, Título 84, item 1, que dispunha, “Mandamos que toda pessoa, que impedir a outra de fazer testamento, ou outra qualquer ultima vontade per força, ou engano, que lhe faça per si, ou per interposta pessoa, sendo herdeiro, que pretender succeder ab intestado, seja havido por indigno e perca para nossa Corôa toda a parte, que lhe cabia haver ab intestado por fallecimento da pessoa, que assi foi forçada, ou enganada” (BRASIL, 2012).

A defesa desta liberdade de testar, que até hoje se presencia, é algo tido por fundamental no Direito da Sucessão, pois revela o ato de última vontade de um direito personalíssimo, que detém em si uma maior relevância no contexto jurídico.

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Já no Código Civil de 1916, há uma alteração no efeito da indignidade, que passa do teor de confisco e vem a expressar o preceito da pessoalidade da aplicação sancionatória. Deste modo expunha a concepção que pairava no diploma de 1916, nas lições reveladas por Silvio Rodrigues (1985, p. 49), ao dizer que a indignidade está atrelada à privação do direito de herança como corolário da prática de atos de ingratidão em face do extinto.

Aliás, em análise do plano histórico até então abordado, pode-se afirmar que a concepção da indignidade conserva sua propriedade no tema das sucessões e expressa uma uniformidade no tratamento jurídico dispendido nos diplomas legais, apesar de perceber algumas alterações significativas quanto aos seus efeitos jurídicos em relação aos procedimentos que envolvem a sucessão.

Portanto, a dimensão alcançada pela regulação no estatuto civilista de 1916 proporcionou um arcabouço jurídico e científico que refletiu no modelo civilista editado em 2002, mais ainda pela afinidade com a Constituição Federal de 1988, em suas novas definições dos princípios e direitos fundamentais propostos.

Como se verá adiante, o Código Civil de 2002 forneceu uma melhor sistematização jurídica do tema e codificou alguns pontos referenciados pela doutrina e aceitos jurisprudencialmente, de maneira a fornecer maior segurança e publicidade ao instituto da indignidade. Ainda assim ocorre uma reformulação ideológica e normativa se comparado às demais transformações que advieram no contexto geral do Direito, em destaque pelas teorias e fatores ligados à hermenêutica jurídica.

2 Definição e Natureza Jurídica

Torna pertinente destacar a definição jurídica e a natureza da indignidade, os quais decorrem dos ideais de moral e justiça e é instituto próprio do Direito das Sucessões. Nesse primeiro momento, descreve os termos conceituais da indignidade, enquanto que em momento posterior, tratar-se-á dos fundamentos sociais e morais de tal assunto.

Como se percebeu, a indignidade retrata uma linha conservadora de penalidade aos herdeiros que atentam contra o extinto, com ideal originado na civilização romana e está contido no estatuto jurídico civilista brasileiro por acessão dos regulamentos luso-hispânicos. Da mesma forma, o termo tem resquícios semânticos do latim, a qual consubstancia a noção jurídica, que no dizer de Bruno Emílio de Jesus, parte do seguinte pressuposto conceitual para referenciar a indignidade dentro da concepção jurídica, “O vocábulo indignidade vem da palavra latina indignitas que ao contrário de dignitas, “elevação”, “honra”, indignidade, portanto, significa descida, queda, nível inferior. Se a dignidade é irmã gêmea da justiça, a indignidade o é da injustiça, do crime. Age como indigno juridicamente aquele que age contra a lei – linha de conduta normal exigida – vulnerando antes a norma ética geral. O conceito de indignidade e seu oposto são de ordem moral – religiosa antes de tudo, e, depois, assume características de natureza político – jurídica. A indignidade (moral) se traduz na ilicitude (jurídica)”. (JESUS, 2007).

Ao contrário da dignidade, onde permeia o raciocínio qualificativo de algo que deve ser louvado pela sua honra, a indignidade retrata uma situação de demérito em decorrência de o sujeito ser algo ou agir de tal maneira, não aceitável pelos padrões estabelecidos coletivamente.

Desde seus caracteres etimológicos basilares, compreende-se a aparência ética da indignidade na conduta realizada por um indivíduo em face da coletividade. Isto é, não se restringe a uma condição individual, mas a um atributo que expressa o caráter de reprovação posta pelos membros relacionados com o sujeito considerado indigno.

Juridicamente, a definição mais disseminada está à guisa das lições de Clóvis Beviláqua, apud Sílvio Rodrigues (2002, p. 65) que diz ser a indignidade “a privação do direito, cominada por lei, a quem cometeu certos atos ofensivos à pessoa ou ao interesse do hereditando, ou seja, o legislador cria uma pena consistente na perda da herança”.

Através desta definição, esclarece-se o posicionamento enciclopédico da indignidade no Direito Sucessório, ditada pelo legislador, contando com as determinações imperativas da lei de natureza civil. De outra maneira não poderia se apresentar na órbita jurídica, haja vista que mesmo após o momento final da vida, a sociedade não iria se coadunar e padecer do flagelo de injustiças oferecidas pela sucessão de um herdeiro que mata o instituidor da herança para se situar na linha sucessória e usufruir deste patrimônio.

Se isto fosse permitido, significaria que uma pessoa estava se aproveitando da própria torpeza, e obter vantagem em cima do ato ilícito praticado pelo mesmo, já que o herdeiro infrator estaria na linha de sucessão da herança.

Então, acontece a demonstração conceitual nos estatutos jurídicos. No Código Civil de 1916 a noção conceitual era alocada na denominada seção dos que “não podem suceder”, com tratativa pontual sobre as causas da exclusão da herança, assemelhando grande parte da abordagem com os moldes da indignidade estabelecidos contemporaneamente pelo Código Civil de 2002.

Os trabalhos envolvendo a elaboração do Código Civil de 2002, encabeçado por Miguel Reale, preservou muito as definições e estruturas de institutos jurídicos presente no diploma de 1916. Não foi diferente com a indignidade, inclusive manteve as causas e efeitos atinentes à aplicação do mesmo.

Mantendo a mesma coesão de pensamento doutrinário, fruto de uma linha mais conservadora construída sob a égide do regime jurídico civilista decorrente do pensamento do Código Civil de 1916, tem-se a lição de Maria Helena Diniz, que se norteia pelo seguinte conceito nos termos hodiernos, “A indignidade vem a ser uma pena civil que priva do direito de herança não só o herdeiro, bem como o legatário que cometeu os atos criminosos, ofensivos e reprováveis, taxativamente enumerados em lei, contra a vida, a honra e a liberdade do de cujus ou de seus familiares” (DINIZ, 2010, p. 50).

Com a estrutura normativa atinente ao tema da indignidade oferecendo uma disposição hipotética, caso haja o descumprimento de seu conteúdo com a violação da lei, na própria norma jurídica se encontraria a sanção pertinente que reprova a conduta ilegal. É o pensamento de Maria Helena Diniz, que aloca a indignidade com uma sanção, em eminente preceito secundário em relação ao ato ilegal acaso praticada por um herdeiro, dada a enumeração dos casos em lei.

Pelo decorrer desse texto e detido em uma análise mais específica, já é conveniente antever que a indignidade se constitui por um forte arcabouço derivado da moral social (ou ética) e de valores mais íntimos do ser humano, mediante a presença de um ato ofensivo ao psicológico ou ao físico do indivíduo. Nesse aspecto ratifica Silvio de Salvo Venosa (2010, p. 57), aludindo que “a indignidade se posiciona na sucessão legítima e seus casos constituem, na verdade, pelo padrão da moral, a vontade presumida do de cujus”.

Como preceitua Limongi França (1994, p. 918) seria definido como a exclusão da herança o “ato pelo qual, mediante sentença, prolatada e, ação provocada por quem tenha interesse na sucessão, o herdeiro ou legatário ficam inibidos de herdar”. Por estas lições apregoadas pelo ilustre jurista, a exclusão de herdeiros da sucessão estava mais atrelada ao procedimento do que à sua natureza jurídica.

Como pena civil a indignidade não atinge e não se confunde com a capacidade civil do indivíduo considerado nesta situação. Para solidificar este entendimento, pode citar entre outros fatores, o fato de que, se porventura houver a aplicação da indignidade, o sujeito vem a perder algo que foi anteriormente adquirido, ou seja, possui a condição de herdeiro.

Contando com isso, o indivíduo ao adquirir a herança, conforme o marco exegético do princípio da saisine presume a capacidade plena para o herdeiro figurar no pólo no momento da morte do autor da herança. Apenas em momento posterior, o sujeito declarado indigno será excluído da linha sucessória, em decorrência da aplicação da sanção, considerando-o como se morto fosse, assim, não possuía nem ao menos a personalidade da pessoa viva.

No entanto, relata Washington de Barros Monteiro (2009, p. 62) sobre a situação do indivíduo considerado indigno que “com a prática desses atos, incompatibiliza-se ele com a posição de herdeiro, tornando-se incapaz de suceder”. Pelas palavras expostas pelo emérito autor, a sanção imposta pela declaração de indignidade atinge a capacidade do herdeiro, excluindo-o da sucessão por esta causa.

Tangenciando esta divergência pontual da configuração do instituto, posiciona-se pela primeira orientação, pela qual no momento da indignidade ser aplicada, não atinge apenas a capacidade, mas vai além, tornando o indigno em condição análoga ao de pessoa morta. Portanto, a incidência da indignidade supõe a capacidade do sujeito de participar da sucessão, já que se esta fosse inexistente no momento da aplicação da sanção, não haveria lógica em aplicar a mesma.

Feita estas considerações e esclarecimentos sobre divergências presentes no plano doutrinário, bem como a sua definição, passa-se a analisar a natureza jurídica do instituto, fundamental para as diretrizes hermenêuticas a serem adotadas no estudo em tela.

Em referência aos textos acima apresentados, alguns autores ponderam pela natureza da indignidade como um ato jurídico de caráter sancionatório, e uma minoria põe o fato deste ser um procedimento, que irá culminar em um ato declaratório, por evidente. Entretanto, a busca da natureza jurídica de determinada instituição legal não está atrelada apenas à análise objetiva da lei, mas ao embasamento que deriva de todo ordenamento e da sociedade.

Assim, conforme se depreende da índole da indignidade em seus aspectos morais, faz o apontamento desta como um princípio do Direito, e não mero ato jurídico, conforme se depreende da abordagem abaixo e dos fundamentos traçados em tópico posterior.

Esta moldura da indignidade como princípio se legitima no seio da própria sociedade e nos valores morais, dos quais derivou aquele como um instituto jurídico, pois, de acordo com Heloisa Helena Jorge relata a característica da conduta praticada e a abarcamento que ela atinge nas relações sociais, mencionando que, “Tirar a vida de uma pessoa por motivos, torpes ou não, leva a sociedade a refletir até onde o ser humano é capaz de agir em poder de seu livre arbítrio. Se o homicídio já tem um lado sombrio, a reflexão acerca do assassinato de um ente que ocupa um lugar singular na vida do homicida, como o parricídio, é fator de desconforto e condenável, não apenas por ferir os valores morais, mas por ferir também os laços familiares, sobretudo a dignidade da pessoa humana” (JORGE, 2010).

Por tais afirmações, verifica que a indignidade, agora com um enfoque de princípio de ordem pública, precisa ser observada genericamente nas relações de tal maneira que, salvo motivo de exclusão e excepcional, deverá ser avocada nas situações análogas, ainda que fora do Direito Sucessório.

Este aspecto de princípio da indignidade não é uma visão renovada, fornecida pela publicação do Código Civil de 2002, pelo contrário, deriva de uma linha hermenêutica percebida desde antes o Código de 1916. Ratificando isso, transcreve-se o seguinte apontamento de Washington de Barros (2009, p. 63), ao dizer que “inspira-se o instituto da indignidade num princípio de ordem pública, porque à consciência social repugna, sem dúvida, que uma pessoa suceda a outra, depois de haver cometido contra estes atos lesivos de certa gravidade”.

A legitimação desta natureza jurídica, como se pode perceber, deriva do anseio social pela valorização maior do instituto, chegando ao ponto de alcançar repercussão na ordem e regulação social. “As normas de ordem pública são normas de aplicação imperativa que visam directa e essencialmente tutelar os interesses primordiais da colectividade” (TARANTA, 2012).

Por essa visão, a qualidade de ordem pública destinada à indignidade está atrelada aos termos normativos e de valor, unificados na sociedade, presentes no cerne do instituto.

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Essa condição tem harmonia com os fundamentos influentes na elaboração do Código Civil de 2002, socialidade, eticidade e operacionalidade. Na eticidade, menciona Carlos Roberto (2012, p. 43), “confere maior poder ao juiz para encontrar a solução mais justa e equitativa.

A perspectiva delimitada da indignidade leva a considerá-la em um projeto mais amplo para o Direito e destaca a relevância do tema nas relações jurídicas no geral, carreado o grau de abstratividade e imperatividade atinente a um princípio jurídico.

Desse modo, ligando o fundamento sociojurídico até então apresentado, avalia a possibilidade de utilizar a declaração de indignidade, inclusive, em outros ramos do Direito, desde que haja equivalência das relações jurídicas que permitam tal aplicação, coadunando com os valores de decoro e dignidade.

3 Fundamentos Éticos e Sociais da Indignidade

O movimento positivista eclodido no século XIX vez com que o Direito fosse abordado eminentemente como uma ciência objetivamente considerada, pautada no conhecimento e métodos próprios, dissociando-o cada vez mais das outras searas sociais, como política, moral e religião.

Por tal paradigma teórico, cria-se uma barreira que separa drasticamente o Direito e a moral movida pela racionalização objetiva daquele perante os fatos sociais e os anseios humanos contingentes em um fenômeno como este, derivados das diretrizes éticas estabelecidas no meio. Ocorre a otimização do dever-ser em plano concreto-experimental da natureza fática, em que o valor só teria definição se proviesse da dogmática legal.

 Todavia, ao contemplar os campos que são afins à natureza humana e social, fica difícil qualificar a juridicidade plena de alguns institutos do Direito afastada dos aspectos ético-morais.

Evidentemente que este movimento filosófico proporcionou grandes avanços para a compreensão e aplicação do Direito, e isto não se pode negar. “O positivismo jurídico é uma doutrina que não satisfaz às exigências sociais de justiça” (NADER, 2012, p.385). Restringir o Direito a uma ciência de métodos exatos torna-o vazio, pois afeta o principal valor constante nele, que é a justiça.

De acordo com esta concepção, nota-se um campo comum entre Direito e moral, capaz de exercer uma mútua influência. Em outro plano, no processo de formação da norma, algumas regulações emergem abalizadas pelos ditames da moral, inclusive com a humanização do Direito no século XXI e o realce proporcionado pela proclamação da dignidade humana.

Diametralmente, o Direito e a Moral (senão atentar também para a Ética) são fatores que são construídos e refletidos pela sociedade, característicos em determinado tempo e lugar segundo os anseios, interesses e necessidades apresentados por um grupo organizado. Assevera Goyard-Fabre (2002, p. XXV) que “o fato de as perspectivas teleológicas do direito e da moral lhes serem comuns, pois ambos estão a serviço da realização da humanidade no homem, em nada altera a irredutibilidade deles. Eles operam, cada qual à sua maneira, a síntese entre natureza e a liberdade”.

Em ponto de convergência entre Direito e Moral encontra-se a busca de realização da justiça. Por isso, diz-se que o Direito é uma condição organizada na concretização de valores não somente em termos de validade, mas também com a meta de atender ao ideal de justiça, proveniente da natureza axiológica da própria pessoa humana (REALE, 2002, p. 713).

Nesse contexto, reafirmam-se os enlaces desses fatores sociais, sobretudo perante a conduta humana, a qual é filtrada por valores e normas jurídicas que a definem conforme padrões de (i)moralidade e (i)legalidade, expressos pela sociedade ou Estado. Tal circunstância ainda é corroborada pelos fenômenos de construção do ordenamento jurídico, onde se captam os valores morais para definição de condutas e relações reguladas pela lei.

Como resultados dessa comunicação entre aspectos ético-sociais e Direito, emergem institutos jurídicos guarnecedores de forte teor valorativo, em que as disposições legais vêm a se apresentar sensíveis aos interesses humanos íntimos. Por tal situação e transformações que ocorrem no ambiente coletivo, os fatos insurgentes devem ser interpretados harmonicamente aos ideais de justiça e dignidade humana contida em todo o ordenamento jurídico para manter a identidade e essência de seu conteúdo jurídico com a realidade social.

Nesse percalço, toma, por exemplo, o objeto desse estudo como relacionamento íntimo entre Direito e moral, em que a indignidade somente guardará a sua essência quando detiverem na sua aplicação os fundamentos éticos que a legitima nas relações jurídicas e em consonância com o próprio ordenamento jurídico.

Nestes termos a indignidade convergem termos contidos na Moral e delimitam a emergência de instituto jurídico pautados nos valores do decoro e da dignidade, refletindo, evidentemente, valores contidos nas relações humanas. Nisto, somente a natureza humana pode ser conglobada, haja vista que tais sentimentos/ideais não se expressam fora destes seres intelectuais.

Naquilo em que ao indivíduo se apresenta como um sentimento de repugnância ou repulsa coletiva – quando se depara com um caso destes – começa a aquilatar um senso natural e normativo; levanta-se tal questão por ser não uma simples questão de moral, mas transformando em um fundamento de ordem de convívio, ou seja, um princípio.

Por este discurso mais uma vez o Direito, através da tutela estatal, chama para si a regulação de uma querela social, sem, contudo, esquecer os ditames da justiça, pelo contrário, realizando esta a partir do momento em que se aplica a regra da indignidade, de outra maneira a dizer, ocorre o fenômeno jurídico de legalização da indignidade.

Antes de a indignidade ser pensada pelos critérios fáticos da ética, deve-se ponderar pelo elemento mais sensível desse instituto, que provém do sentimento humano. Em meio a isso, cabe salientar o aspecto de repugnância e mediocridade que leva a pessoa (herdeiro indigno) agir de tal forma ao ponto de retirá-la da linha sucessória.

Em obra atualizada, preceitua Washigton de Barros Monteiro (2009, p. 63) o seguinte, “Efetivamente, o direito sucessório constitui lei de família, baseia-se precipuamente na afeição que deve ter existido entre o herdeiro e o de cujus. Se o primeiro, por atos inequívocos, demonstra seu desapreço e ausência de qualquer sentimento afetivo para com o segundo, antes, menospreza-o, odeia-o e contra ele pratica atos delituosos ou reprováveis, curial privá-lo da herança, que lhe tocaria por morte deste”.

O referido conteúdo fático, apontado pela ordem ética da sociedade, encontra-se a possibilidade de alguém vir a se aproveitar da ofensa cometida contra outrem (instituidor da herança) para conseguir uma vantagem patrimonial.

Por outro lado, em destaque ao fator subjetivo, põe-se o sentimento de ingratidão pela prática do ato e a ruptura da afeição entre o de cujus e o herdeiro, e neste último caso, expõe o campo propício de aplicação da indignidade por presunção.

Ao se deparar com as situações passíveis de aplicação da indignidade civil, ou outros casos análogos a este, elucida que por parte do agente há um apego aos interesses egoístas e a degradação da natureza humana. “Cada indivíduo ou grupo social se valoriza, pelo desenvolvimento contínuo de suas potencialidades, na medida em que se abre a todos os outros, neles reconhecendo o complemento necessário de si próprio” (COMPARATO, 2006, p. 700).

Na configuração da prática de uma conduta considerada indigna, passível da aplicação dos efeitos legais na relação sucessória, o rompimento deste desenvolvimento processa o contrário da citada, ou seja, ocorre a desvalorização humana. Isto assim se afirma, pois a conduta do indigno – tal como a violência e o desrespeito em si – em relação ao outrem leva a coisificação do ser humano e a degradação do bem da vida, liberdade, dignidade e outros tantos direitos.

Talvez por isso se aproxime e seja justificável o cerne jurídico da indignidade como um princípio de ordem pública, defendido anteriormente, pois a crença desta configuração normativa se aproxima, e muito, da área moral, onde os parâmetros da legitimidade e a força axiológica também fornecem grande ingerência na juridicidade.

4 Aspectos Legais da Indignidade no Código Civil Brasileiro

A amplitude de regência do Direito é descomunal, a quase totalidade das relações sociais tem repercussão no campo jurídico, por meio de atos, fatos, negócios e conflitos adjetivados pelo imo jurídico.

Na convivência humana travada cotidianamente, em meio a uma complexidade de fatos que se estende a outros fatores sociais, a regulação está presente, ainda que haja inércia do interessado em exercer ou exigir um direito. Em outros momentos, a norma jurídica apresenta índole cogente, determinando o seu cumprimento pelo destinatário sob o risco de ser aplicada uma sanção punitiva.

Pois bem, dentre os direitos e deveres, a vida de uma pessoa está repleta de regulações, desde antes de nascer até após a morte, ou seja, ainda que não tenha personalidade jurídica. No caso da morte, apesar da grande maioria das pessoas não desejarem que chegue este momento, o Direito também está presente, de maneira acentuada quando se trata da sucessão do patrimônio deixado pelo extinto.

No âmbito jurídico brasileiro, o Direito das Sucessões é uma parcela considerável do Direito Civil, ocupando o Título V, estabelecendo regras desde a aquisição da herança e a sucessão geral até a partilha. Dentro deste arcabouço, encontra-se o instituto da indignidade, apresentado nos artigos 1814 a 1818, do referido diploma.

A epígrafe que identifica a indignidade dentro do Código Civil é a chamada “Dos excluídos da sucessão”, que atinge tanto o herdeiro a título universal quanto o herdeiro singularmente considerado.

Pela análise do Código Civil, vê-se a cominação legal desta sanção civil, tal como outros elementos caracterizadores do instituto. Mas a percepção completa sobre a indignidade só se alcança por meio da abordagem doutrinária depreendida sobre a mesma, haja vista a interpretação de alguns termos técnicos da lei e a apresentação de especificidades que não estão alocados no diploma civil, mas são imprescindíveis para a compreensão do tema.

De início, a normatividade exposta no Código Civil traça as situações que implicam a declaração de indignidade, em face de atos que, basicamente, atentam contra a vida, a honra ou a liberdade de testar do instituidor da herança, e em outras hipóteses também aos familiares deste. Tais circunstâncias são típicas da sucessão legítima (art. 1814, CC), mas estende a sua aplicação nos termos da sucessão testamentária (art. 1961, CC).

Por se tratar de uma penalidade a uma ofensa praticada por alguém, a indicação geral da hermenêutica jurídica é dar taxatividade ao elenco do art. 1814, CC. Ainda mais, aduz Maria Helena Diniz (2010, p. 52) que “como se trata de uma pena civil, a exclusão por indignidade só pode ocorrer nos casos expressamente mencionados em lei, não comportando interpretação extensiva ou aplicação analógica no princípio ‘nulla poena sine lege’”.

Todavia, esta sanção civil não carrega consigo o mesmo rigor de uma sanção penal, a começar pelo fato do perdão ou reabilitação do herdeiro considerado indigno ao quadro sucessório. De outro modo, em regra, não pode ser a indignidade aplicada ex officio, a dizer que para haver a privação do herdeiro ou legatário ao direito de herança, requer-se que algum interessado mova uma ação para tanto, ainda que já tenha havido condenação criminal (GONÇALVES, 2012, p. 123). A constatação do fato taxado por indignidade sucessória deve ser realizada por meio de processo ordinário, garantindo a dialética dos interessados e ao sujeito considerado indigno, para este, dada a ampla defesa e o contraditório do acusado.

Esta ação judicial deverá ser ajuizada dentro do prazo decadencial de 4 anos, seguindo o rito ordinatório por não haver disposição diversa. Para proposição desta ação não se supõe a condenação no juízo criminal, inclusive, não é atingida se acontecer a extinção da pena criminal. Ao contrário do Direito francês e do belga, que instituem a prévia condenação criminal do herdeiro, o nosso não a erige em requisito da pena civil, reputando desta sorte indigno o que comete o fato, e não somente o que sofre a condenação” (CAIO MÁRIO, 2000, p. 22).

Por óbvio que se ocorrer a absolvição criminal pela não autoria ou materialidade, esta repercutirá no âmbito civil de forma a afastar a incidência da indignidade. Tudo reflete a independência das esferas da jurisdição e a apreciação específica de uma matéria de Direito.

Com relação às causas legais que ensejariam a exclusão do herdeiro, previstas no art. 1595, do CC/16, são basicamente as mesmas da indignidade do Código atual. Elas relatam os atos que atacam o bem jurídico e expressam relação direta com a sucessão, podendo ou não suas variações também ser aplicadas sub judice. O art. 1814, do Código Civil demonstra as causas na sucessão legítima, que são: “Art. 1814. São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários: I – que houverem sido autores, coautores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendentes; II – que houverem acusado caluniosamente em juízo do autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro; III – que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade”.

Tomando como exemplo a situação de crime doloso contra a vida do instituidor da herança, verifica-se que a lei afasta a circunstância da conduta culposa, entretanto, se porventura ficar caracterizado a legítima defesa (causa de exclusão da ilicitude), surtirá efeitos congêneres no âmbito cível e não se aplica a indignidade.

De modo paralelo, ocorre a aplicação ampliada na sucessão testamentária por previsão do art. 1961, do Código Civil.

Sucintamente, podem-se destacar três efeitos da declaração da sentença que profere a indignidade, presente comumente na doutrina pátria, convergindo situações atinentes ao sujeito e à herança. Em primeiro lugar, cita-se a pessoalidade da sanção aplicada à pessoa que cometeu o ato contra a vida, honra ou liberdade de testar do de cujus.

Por esta questão, a indignidade restringe seus efeitos somente à pessoa considerada indigna e como salientada em momento anterior, a mesma é considerada como se morta fosse. Portanto, pode o descendente do indigno participar da sucessão por meio da representação dos ascendentes.

Outra consequência da aplicação da indignidade é a retroatividade dos efeitos da sentença a data da abertura da sucessão, considerando a saisine; desse modo estabelece a incidência plena, tornando inválidos os atos praticados pelo indigno durante o período em que ele esteve na posse da herança.

Entretanto, com respaldo à segurança jurídica, estando presentes os elementos da boa-fé, os negócios realizados no interstício entre a abertura da sucessão e a sentença que declara a indignidade, deverão ser conservados, regredindo ações cabíveis em face daquele que agiu causando prejuízo aos herdeiros da legítima e testamentária. Este é outro efeito da indignidade, que de maneira indireta valida os atos imputados por vícios ou atos de anulabilidade capazes de invalidarem.

Atinentes aos bens do espólio que caberia ao herdeiro indigno, eles serão redirecionados ao monte partível, são os bens ereptícios, considerando aqueles bens que são “retirados do indigno e devolvidos aos demais herdeiros. Do latim ereptio que significa tirar, arrebatar. Diz-se das coisas que, por herança, tocariam ao herdeiro excluído por indignidade e que são obrigatoriamente restituídos ao monte, com frutos e rendimentos acaso percebidos pelo indigno” (LEITE, 2012).

Não obstante o herdeiro excluído não usufruir destes bens a título de sucessão, poderão seus descendentes figurar por representação, tendo em vista a pessoalidade da sanção (art. 1816, CC). Ausente esta configuração os bens ereptícios serão redirecionados para os demais herdeiros, devendo o excluído prestar contas daquilo que percebeu quando estava na posse dos mesmos bens, resguardado o direito de boa-fé de terceiros.

Em última inserção legal trazida pelo Código Civil, no art. 1818, coloca em destaque o perdão do indigno pelo instituidor da herança. Curiosamente que o ato praticado ainda não perfaz a condição de indigno de herdeiro, mas antes que esta seja declarada em sentença após a morte do instituidor da herança, este, ainda em vida, perdoa o herdeiro. Isto é chamado de reabilitação do herdeiro ou legatário e somente se valida pela declaração expressa do ofendido em testamento ou escritura pública.

Dentre outros elementos legais e doutrinários, ainda que aqui não expostos, atem-se aos termos até aqui descritos de maneira que será importante para as discussões adiante travadas, em especial no que se refere a sua controvertida abrangências às relações previdenciárias.

Conclusão

Nos ditames expostos nas linhas acima, estabeleceu uma percepção geral acerca da regulação da indignidade, com as causas de declaração da mesma e os efeitos aos casos judicialmente colocados, inclusive pela regularidade normativa do instituto durante a história jurídica brasileira.

Em meio a isso, conseguiu definir a indignidade e, em corolário, confluir os fatores que o caracteriza como um princípio jurídico, especialmente com a vinculação de ordem pública nas relações como um todo. Atenciosamente fundamentou esta situação jurídica da indignidade, outrora afirmados por autores civilistas brasileiros, pelos pressupostos sociais e morais que balizam a normatização segundo o Direito, e não somente nas linhas da sucessão.

Ademais, reforçou os liames existentes entre o Direito e a Moral, pautados na integração de elementos que são recíprocos na identificação de alguns fatores e a confluência perceptível em alguns institutos, como a indignidade. Tais elementos e fatores são tão proeminentes nos valores e traços sociológicos que, na repercussão do Direito, auxiliaram no fomento da natureza jurídica de entidades jurídicas, como a caracterização da indignidade como princípio.

 

Referências
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Notas:
 
[1] Trabalho orientado pelo Jailton Macena de Araújo, Professor Mestre na Universidade Federal de Campina Grande


Informações Sobre o Autor

Robson Soares Sousa

Bacharel em Direito na Universidade Federal de Campina Grande. Especialista em Direito Administrativo e Gestão Pública nas Faculdades Integradas de Patos. Especializando em Direitos Humanos


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