Resumo: A preocupação com a proteção jurídica da imagem é tema sempre atual. As conquistas tecnológicas, responsáveis pelo descobrimento de sofisticadas formas de captação e reprodução da imagem proporcionam a violação desse direito, que se materializa pela publicação, exposição ou utilização indevida da imagem. O direito à imagem é espécie do gênero direito da personalidade, portanto, inato ao indivíduo. O ordenamento jurídico pátrio tutelou a imagem no artigo 20, do Código Civil, bem como, o declarou expressamente no texto constitucional (art. 5º, inciso X, CF), inserindo-o no rol dos direitos e garantias individuais. Não muito raro, numa época cada vez mais midiática, percebe-se, flagrantes atentados à imagem dos indivíduos, notadamente, a das pessoas detentoras de certa notoriedade. Diante desta realidade, sem maiores pretensões, o presente trabalho objetiva uma abordagem do tema do direito à imagem, sob o enfoque da doutrina e da jurisprudência pátria.
Palavras-Chave: Direito à imagem. Proteção jurídica. Tecnologia. Abordagem doutrinária. Posicionamento da jurisprudência.
Abstract: The concern with the legal protection of the image is always current theme. Technological achievements, responsible for the discovery of sophisticated ways of capturing and reproducing the image, violate this right, which materializes through the publication, exposure or misuse of the image. The right to the image is a species of the right gender of the personality, therefore, innate to the individual. The legal system protected the image in article 20 of the Civil Code, as well as expressly stated in the constitutional text (article 5, section X, CF), inserting it in the list of individual rights and guarantees. Not infrequently, in an increasingly mediatic age, it is clear, striking attacks on the image of individuals, notably that of people with a certain notoriety. In the face of this reality, without major pretensions, the present work aims to approach the theme of the right to the image, under the focus of the doctrine and the jurisprudence of the country.
Keywords: Right to the image. Protection. Tecnology. Doctrinal approach. Positioning of jurisprudence.
Sumário: Introdução; 2. Uma abordagem doutrinária e jurisprudencial do direito de imagem; 3. Conclusão. Referências
INTRODUÇÃO
O estudo do direito à imagem é de suma importância no mundo contemporâneo, relacionando-se às questões cotidianas da sociedade e sendo objeto de estudo de doutrinadores e pesquisadores, bem como de decisões prolatadas pelo Poder Judiciário.
A sociedade, hoje, vê-se invadida por inúmeros e sofisticados instrumentos de captação, reprodução e divulgação da efígie, capazes de, numa fração de segundos, fixar, reproduzir e divulgar a imagem de determinada pessoa pelo mundo afora.
Portanto, patente é a necessidade de uma abordagem doutrinária e jurisprudencial sobre o direito à imagem, tão em evidência nos dias atuais, sobretudo em um momento de exagerada profusão dos meios de comunicação em que a exposição exagerada das pessoas, rende fontes inesgotáveis de lucros.
UMA ABORDAGEM DOUTRINÁRIA E JURSIPRUDENCIAL DO DIREITO DE IMAGEM
CONCEITO
O Direito de Imagem está diretamente ligado ao Direito da Personalidade, haja vista que a imagem, juntamente com o nome, a honra, a liberdade, a privacidade e o corpo, é um dos Direitos da Personalidade, que objetivam a proteção do ser humano e das origens de seu próprio espirito.
Como nos ensina Maria Helena Diniz[1], o direito à imagem é o de ninguém ver seu retrato exposto em público ou mercantilizado sem seu consenso e o de não ter sua personalidade alterada material ou intelectualmente, causando dano à sua reputação. Abrange o direito: à própria imagem; ao uso ou a difusão da imagem; à imagem das coisas próprias e a imagem em coisas ou publicações; de obter imagem ou consentir em sua captação por qualquer meio tecnológico.
Rui Stoco[2] resumindo o pensamento e ensinamento de um dos juristas que melhor desenvolveu, no Brasil, o tema concernente ao direito à imagem, Walter Moraes, conceitua a imagem como toda expressão formal e sensível da personalidade de um homem. Destaca o jurista, que a ideia de imagem não se restringe, portanto, à representação do aspecto visual da pessoa pela arte da pintura, da escultura, do desenho, da fotografia, da figuração caricata ou decorativa, da reprodução em manequins e máscaras. Compreende, além, a imagem sonora da fonografia e da radiodifusão, e os gestos, expressões dinâmicas da personalidade.
No tocante a imagem, Sérgio Cavaliere Filho define imagem como um bem personalíssimo, emanação de uma pessoa, através da qual projeta-se, identifica-se e individualiza-se no meio social. É o sinal sensível da sua personalidade, destacável do corpo e suscetível de representação através de múltiplos processos, tais como pinturas, esculturas, desenhos, cartazes, fotografias, filmes[3].
Como bem observa Carlos Alberto Bittar, a imagem consiste no direito que a pessoa tem sobre a sua forma plástica e respectivos componentes distintos (rosto, olhos, perfil, busto etc.) que a individualizam no seio da coletividade. Incide, pois, sobre a conformação física da pessoa, compreendendo esse direito um conjunto de caracteres que a identificam no meio social. Por outras palavras, é o vínculo que une a pessoa à sua expressão externa, tomada no conjunto, ou em partes significativas, como a boca, os olhos, as pernas, enquanto individualizadoras da pessoa[4].
O posicionamento jurídico moderno apresenta duas espécies de imagens: a imagem-retrato e a imagem-atributo. Neste particular, Maria Helena Diniz distingue os dois institutos da imagem: imagem-retrato é a representação física da pessoa, como um todo ou em partes separadas do corpo (nariz, olhos, sorriso etc.) desde que identificáveis, implicando o reconhecimento de seu titular, por meio de fotografia, escultura, desenho, pintura, interpretação dramática, cinematografia, televisão, sites etc., que requer autorização do retratado (CF, art. 5º, X). A imagem-atributo é o conjunto de caracteres ou qualidades cultivados pela pessoa, reconhecidos socialmente (CF, art. 5º, V), como habilidade, competência, lealdade, pontualidade etc. A imagem abrange também a reprodução, romanceada em livro, filme, ou novela, da vida de pessoa de notoriedade.[5]
Percebe-se, que pode haver violação da imagem, a qual se denomina imagem-retrato, sem, no entanto, haver uma violação da imagem-atributo. Cita-se como exemplo, os casos em que os meios de comunicação violam a imagem-retrato de um artista famoso pelo simples fato de divulgar sua imagem sem o seu consentimento, porém, colocando-o dentro de um contexto, por exemplo, que beneficie sua imagem-atributo, como no caso de uma campanha beneficente.
Ressalta-se que, em razão da imagem-atributo levar em consideração os atributos comportamentais, torna-se admissível a extensão dessa proteção às pessoas jurídicas.
PREVISÃO LEGAL
Com a evolução tecnológica, o aperfeiçoamento e surgimento de novos meios de comunicação, como a televisão, a internet, as máquinas digitais e, mais comumente, hoje em dia, os telefones celulares com câmeras fotográficas embutidas, a captação e a divulgação de um retrato é questão de segundos. Assim, atualmente, é grande e fácil a possibilidade de uma violação ao direito de imagem.
No Brasil, encontramos guarida ao direito de imagem nas nossas Constituições Federais, ainda que de forma implícita. A Constituição do Império (1824) previa a inviolabilidade do domicilio, protegendo, portanto, a intimidade. Assim, de forma reflexa, tinha-se a proteção da imagem do indivíduo, desde que dentro do domicílio. Neste mesmo sentido, acompanharam as Constituições de 1891, 1934, 1937, 1946 e 1967, sempre partindo da inviolabilidade do domicílio, do direito à vida e a utilização de princípios.
A Constituição de 1988 tratou do direito de imagem de forma mais abrangente, oferecendo expressa proteção à imagem em três de seus dispositivos, in verbis:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:(…)
V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;(…)
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;(…)
XXVIII – são assegurados, nos termos da lei:
a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas;(…)”
O conteúdo de cada inciso é diferente. O inciso V trata da proteção da imagem-atributo em caso de violação pelos meios de comunicação; o inciso X é a proteção genérica da imagem-retrato; e o inciso XXVIII é a proteção da imagem como direito do autor, estendendo o conceito da norma protetora da imagem-retrato para o campo do direito autoral.
Vale ressaltar que todos os incisos citados fazem parte do Título que cuida dos Direitos e Garantias Individuais, ou seja, o direito de imagem é elevado à condição de cláusula pétrea, portanto, matéria imutável, fora do poder de reforma.
O artigo 20 e parágrafo único do Código Civil tutela expressamente o direito à imagem e os direitos a ele conexos, ao prescrever, in verbis:
“Art. 20 Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.
Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.”
Há inúmeras críticas da doutrina quanto ao texto do Código Civil, no sentido de que a Constituição Federal tratou os direitos da personalidade com amplitude e autonomia enquanto o Código Civil os restringiu, na medida que impôs a condicionante” se lhe atingirem a honra, a boa fama, ou a respeitabilidade, ou se destinarem a fins comerciais”.
Convém registrar, ainda, que existem alguns dispositivos destinados à proteção da imagem, tais como: o Código de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96), a nova Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98), a Lei Pelé (Lei nº 9.615/98), a Lei nº 9.609/98, que dispõe sobre a proteção da propriedade intelectual de programa de computador e a Lei de Imprensa (Lei nº 5.250/67), a qual, entretanto, não foi recepcionada pela Constituição, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal (ADPF nº 130/DF, Min. Rel. Carlos Brito).
CARACTERÍSTICAS
Por estar o direito à imagem inserido no rol dos direitos da personalidade, reveste-se das mesmas características desses, com pequenas peculiaridades que serão ressaltadas a seguir.
A ideia de imagem, sobre a ótica do direito da personalidade, é entendida como sendo a representação que identifica e individualiza uma pessoa perante à sociedade. Ressalta-se, que não é apenas a forma integral do corpo do indivíduo, mas qualquer membro que seja capaz de identificá-lo em uma coletividade.
Desta feita, as características relativas ao direito à imagem, como espécie de direito da personalidade, são: seu caráter absoluto, disponível, extrapatrimonial, intransmissível e irrenunciável.
O direito à imagem é absoluto, no sentido de ser oponível erga omnes, exercitável contra todos. Manifesta-se nas esferas moral e patrimonial. No primeiro caso, resultando no direito em que o seu titular tem de opor-se à divulgação da sua própria imagem e, no campo patrimonial, pela possibilidade de exploração econômica de sua própria imagem, ainda que obedecidos os limites impostos pela lei e, quando da sua violação resultar em reparação pecuniária. Porém, vale ressaltar, que apesar da possibilidade de reparação econômica, produzindo reflexos patrimoniais, prevalece seu caráter extrapatrimonial, em razão da impossibilidade de sua aferição em pecúnia.
Assenta-se, que os atos de disposição relativos à imagem são válidos, portanto, disponível, desde que respeitado seu caráter de irrenunciabilidade, eis que a imagem não pode ser despojada do seu titular. Assim, embora comporte todas as características comuns aos direitos da personalidade, à imagem destaca-se das demais pelo seu aspecto da disponibilidade.
E é essa disponibilidade que estimula o fator econômico nesse direito, já que, com o consentimento, o titular pode extrair proveito econômico apesar do caráter extrapatrimonial já citado.
A disposição tem como característica o uso, o gozo e a fruição do bem jurídico da imagem. Por outro lado, seria nula a alienação ou renúncia da imagem em favor de terceiros para que dela se utilizem como se titulares fossem.
A imagem, assim como os demais direitos da personalidade são intransmissíveis, em razão da impossibilidade física e jurídica de sua transmissão após o evento causador da sua extinção, a morte de seu titular. Porém, impõe-se salientar a transmissão dos efeitos patrimoniais e morais da imagem, muito comum nos casos da imagem de pessoas de grande notoriedade, que mesmo após a sua morte, continua a exploração econômica daquela imagem, através dos mais diversos meios: filmes, fotografias, livros, biografias etc.
Nessa mesma linha, se pronunciou o Superior tribunal de Justiça, in verbis:
“Civil. Danos Morais e Materiais. Direito à imagem e à honra de pais falecidos. Os direitos da personalidade, de que o direito à imagem é um deles, guardam como principal característica a sua intransmissibilidade. Nem por isso, contudo, deixa de merecer proteção, a imagem e a honra de quem falece, como se fosse coisas de ninguém, porque elas permanecem perenemente lembradas nas memórias, como bens imortais que se prolongam para muito além da vida, estando até acima desta, como sentenciou Ariosto. Daí porque não se pode subtrair dos filhos o direito de defender a imagem e a honra de seu falecido pai, pois eles, em linha de normalidade, são os que mais se desvanecem com a exaltação feita à sua memória, como são os que mais se abatem e se deprimem por qualquer agressão que lhe possa trazer mácula. Ademais, a imagem de pessoa famosa projeta efeitos econômicos para além de sua morte, pelo que seus sucessores passam a ter, por direito próprio, legitimidade para postularem indenização em juízo, seja por dano moral, seja por dano material.” (REsp 521.697/RJ, 4ª Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relator Ministro César Asfor Rocha, Data do Julgamento: 18/09/2003).
Por fim, o Código Civil seguindo a linha da doutrina e da jurisprudência, legitima expressamente em seu artigo 20, parágrafo único, o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes para postularem a proteção à imagem de pessoa morta ou ausente.
AUTONOMIA
Primeiramente, ressalta-se que, a imagem que interessa à proteção jurídica, é toda e qualquer representação de uma pessoa, seja a pessoa considerada no todo ou em partes do seu corpo, seja a imagem sonora da fonografia e da rádio difusão.
Hodiernamente não há mais o que se discutir em relação à autonomia do direito à imagem em face dos outros direitos, como o direito à intimidade, à vida privada e à honra. Com previsão constitucional, o legislador cuidou de criar proteção a cada um deles independentemente, conferindo-lhes autonomia, e, assim, impossibilitando qualquer posicionamento contrário.
Nessa esteira, a imagem apresenta-se como um direito autônomo e independente dos outros direitos da personalidade. Assim, o direito à imagem não precisa estar em conjunto com a intimidade, a identidade, a honra etc., embora possam estar, em certos casos, nos quais a imagem guarda relativa afinidade.
Vale frisar, que o direito à privacidade ou à intimidade é um dos fundamentos basilares do direito à imagem e, comumente, ambos são simultaneamente violados. Assim, uma pessoa nos seus momentos de intimidade/privacidade, tem o direito de não tê-los devassados. Uma vez ocorrendo tal violação, verifica-se lesões distintas: a ofensa ao direito à imagem, se dá pela simples captação indevida da imagem, ou seja, sem a autorização do seu titular; e o direito a intimidade, por seu turno, será violado pela exposição de fato que deveria manter-se fora do conhecimento público.
Também, em relação a imagem e honra, embora não se confundam, podem vir associados na divulgação de imagem. Por exemplo, a imagem é violada pela simples ausência de autorização do titular para sua divulgação, enquanto, a honra somente será violada, se tal reprodução da imagem ofender a reputação do seu titular perante o meio social ao qual integra. Portanto, nesse caso, ocorreria uma lesão simultânea da imagem e da honra.
Podemos dizer então, que o direito à imagem, apesar de possuir certa relação com os demais direitos de personalidade e, por vezes, até com eles confundir-se, é um direito autônomo ou próprio, que possui tutela jurídica própria, não podendo a sua proteção ser conferida a subordinação de outros direitos.
Destarte, a imagem é um bem jurídico autônomo que se revela pela representação do aspecto físico sem autorização do seu titular, independentemente de gerar lesões de qualquer natureza.
Ademais, a Constituição Federal de 1988, elevou o direito à imagem ao status de direito autônomo, dotando-o de proteção expressa, independente de ofensa a outro direito.
Para concluir, Walter Moraes[6], em defesa da autonomia, afirma que:
“se o bem da imagem constitui objeto autônomo de tutela jurídica que determina como facultas agendi um direito a ele, pois assim deve entender-se a faculdade exclusiva de permitir, proibir ou revogar-lhe a reprodução, a exposição, etc., e se este direito é oponível erga omnes, segue que o direito à imagem é direito absoluto.”
TITULARIDADE
Segundo o doutrinador Francisco Amaral[7], sujeitos titulares dos direitos da personalidade são todos os seres humanos, no ciclo vital de sua existência, ou seja, desde a sua concepção, seja ela natural ou assistida (fertilização in vitro ou intratubária), como decorrência da garantia constitucional do direito à vida. A personalidade humana extingue-se com a morte, o que não impede o reconhecimento de manifestações da personalidade post-mortem, como ocorre nos casos do direito ao corpo, à imagem, ao direito moral do autor, e o direito à honra. Neste caso, cabe aos herdeiros a sua defesa contra terceiros.
Quanto à pessoa ficta denominada jurídica, essa não tem imagem, mas apenas símbolos. No entanto, também se admite serem as pessoas jurídicas titulares de direitos da personalidade, notadamente no caso do direito ao nome, à marca, aos símbolos e à honra, nos termos do artigo 52 do Código Civil.
É indiscutível a importância do direito à imagem para as pessoas, eis que consiste no direito que a própria pessoa tem sobre a projeção de seus atributos físicos e da sua personalidade perante a sociedade, que os tornará único dentro de uma coletividade.
O direito à imagem como espécie dos direitos da personalidade é direito que deve permanecer necessariamente na esfera do próprio titular, sendo, portanto, inalienável e não patrimonial por excelência.
Como já visto, o direito de imagem é irrenunciável, intransmissível, inextinguível (exceto com a morte) e imprescritível.
Trata-se, pois, de direito absoluto. As pessoas nascem já revestidas de uma figura, que naturalmente compõe uma personalidade. A própria imagem é para o seu titular um bem inato, como inato é o direito a ela.
É cediço que a imagem, bem como os demais direitos da personalidade, é intransmissível. Porém, não podemos esquecer da transmissibilidade dos seus efeitos patrimoniais e morais.
Se a imagem é bem jurídico essencial, seu titular pode exercer sobre ela os atos de disposição que lhe aprouver, exceto os que implicam privar-se dela. Daí, impossível aliená-la ou alienar o seu direito a ela, sendo permitido a cessão a outrem o exercício de certos direitos a ela relativos.
A imagem por constituir um bem jurídico essencial, permiti que o seu titular exerça sobre ela atos de disposição, desde que respeitado seu caráter de irrenunciabilidade, eis que não pode ser despojada do seu titular. Assim, a imagem é objeto de direito, exercendo o seu titular, os poderes que a ordem jurídica lhe reconhece. Esse direito, é do tipo real, considerando seu caráter de exclusividade, portanto, sendo oponível erga omnes.
A ordem jurídica confere ao sujeito o direito exclusivo de autorizar a disposição de sua imagem. Entretanto, como visto, o artigo 20, parágrafo único, do Código Civil assegura que em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes, inclusive a indenização que couber.
Vale frisar que, dependendo da notoriedade do seu titular, pode produzir e projetar efeitos jurídicos para além da sua morte, afetando os seus sucessores, bastante comum, no caso de pessoas famosas já falecidas cuja imagem continua sendo explorada comercialmente por diversos meios de projeção. Daí, os efeitos econômicos oriundos da exploração dessa imagem, incorporam-se ao patrimônio dos seus herdeiros, cabendo-lhes exclusividade na exploração comercial.
Ocorrendo a mesma situação na esfera moral, passando os sucessores do de cujus a ter, por direito próprio, legitimidade para postularem indenizações em juízo, nos termos do artigo 20, parágrafo único, do Código Civil.
TUTELA
O legislador constitucional cuidou expressamente da proteção ao direito à imagem, dispondo no art. 5º, V, X e XVII, alínea “a”, meios assecuratórios: direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral e à imagem; a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; tutela as participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas; respectivamente.
Quanto à tutela no campo infraconstitucional, pode ser encontrada em vários diplomas legais Primeiramente, está disciplinada no artigo 20, do Código Civil, que assim dispõe: “Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escrito, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se destinarem a fins comerciais”.
Também, a Lei 9.610/98, que cuida dos direitos autorais, artigos. 7º, inciso VII; 79, §§ 1º e 2º; 29, incisos I, VIII, “a”, e 46, que dispõe, respectivamente: “ São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como: VII – as obras fotográficas e as produzidas por qualquer processo análogo ao da fotografia; O autor de obra fotográfica tem direito a reproduzi-la e colocá-la à venda, observadas as restrições à exposição, reprodução e venda de retratos, e sem prejuízo dos direitos de autor sobre a obra fotografada, se de artes plásticas protegidas: § 1º A fotografia, quando utilizada por terceiros, indicará de forma legível o nome do seu autor; § 2º É vedada a reprodução de obra fotográfica que não esteja em absoluta consonância com o original, salvo prévia autorização do autor; Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como: a reprodução parcial ou integral; a utilização, direta ou indireta, da obra literária, artística ou científica, mediante; e as limitações aos direitos autorais.
Pode-se destacar, ainda, a proteção da imagem da criança e do adolescente, disposta na Lei nº 8.069/90, com redação dada pela Lei nº 10.764/03 (Estatuto da Criança e do Adolescente), nos artigos 240, 241, 247, §§ 1º e 2º, a qual criminaliza a utilização da imagem da criança e do adolescente de cunho pornográfico.
Acrescenta-se, também, a Lei nº 5.250/67, que regula a liberdade de manifestação de pensamento e informação, artigos. 49, 50 e 51, que cuidam da responsabilidade civil no exercício da liberdade de manifestação de pensamento e de informação.
Por fim, o parágrafo único do art. 20 do Código Civil transmite o direito de proteção da imagem do ofendido ao cônjuge, ascendente e descendentes.
O direito de imagem também possui a proteção jurisdicional por meio das tutelas de urgência positivadas no ordenamento jurídico pátrio. Notadamente, se opera por meio das medidas cautelares, como a busca e apreensão de exemplares de publicação ou através de antecipação de tutela nas ações indenizatórias, objetivando a impedir a divulgação ou distribuição da imagem, pelos diversos meios e canais de distribuição disponíveis.
Desta forma, tais medidas protetivas visam a apreensão ou a suspensão da divulgação ou utilização de obra, ou, ainda, a abstenção de ato, nos termos do artigo 461 c/c artigos 644 e 645, do Código de Processo Civil. Pode-se citar, ainda, o mandado de segurança, para os casos de violação ou ameaça de violação do direito à própria imagem, perpetrados por autoridade pública.
Admite-se, também, a propositura de ação de obrigação de não fazer, quando o objetivo é impedir a veiculação da imagem, tutela bastante utilizada nos dias de hoje, sobretudo, nos casos relacionados à internet. Deve-se lembrar do elevado grau de dificuldade para os interessados, em se tratando da internet, em razão das peculiaridades de localização desse veículo.
Por fim, temos o ajuizamento da ação indenizatória como tutela repressiva, haja vista que, via de regra, o dano já se consumou. Para a fixação do quantum indenizatório, o julgador levará em consideração as condições financeiras do lesante e lesado, a culpa e a gravidade do dano. Nos termos do artigo 944 e parágrafo único, do Código Civil, a indenização mede-se pela extensão do dano.
LIMITAÇÕES
O direito à imagem apesar de ser assegurado de forma plena pela Constituição Federal, encontra certas limitações em decorrência do interesse coletivo. Como qualquer direito, o direito à imagem sofre restrições em face do conflito com outros direitos, por exemplo, a predominância do interesse público sobre o privado, o direito à informação e de livre expressão.
A doutrina pátria aponta que o artigo 20, do Código Civil, que trata do direito de imagem, contém duas ressalvas: a primeira permitindo o uso da imagem quando necessário à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública; a segunda restringindo a proibição às hipóteses de a divulgação da imagem atingir a honra, a boa fama ou a respeitabilidade da pessoa, ou se destinar a fins comerciais.
O interesse público é protegido pela liberdade de informação resguardada no artigo 5º, inciso XIV, e artigo 220 e seu § 1º, da Constituição Federal. Logo, quando uma pessoa pública estiver no exercício de suas funções, não poderá impedir a livre divulgação de sua imagem. Nota-se a ligação do direito à imagem ao direito à intimidade, e quem participar de um acontecimento público renuncia à sua privacidade.
Porém, existem alguns limites nos quais a utilização da imagem, embora contrária a vontade do seu titular, será considerada lícita, como, por exemplo, nos casos de interesse da justiça e da ordem pública, a presença em eventos públicos ou como parte integrante de multidão e, ainda, em se tratando de pessoas notórias.
Embora não expresso na legislação brasileira, a pessoa que se torna de interesse público pela fama ou significação intelectual, moral, artística ou política não poderá alegar ofensa ao seu direito de imagem, caso sua divulgação esteja ligada à ciência, às letras, à moral, à arte e à política, destacando que a difusão de sua imagem deve estar relacionada com a sua atividade ou com o direito à informação, bem como sempre resguardando à sua intimidade.
Com efeito, as ditas pessoas públicas, a exemplo dos artistas e ocupantes de cargos públicos de grande repercussão, têm o direito à imagem um tanto quanto mitigado, em relação às demais pessoas sem apelo popular, comumente chamados, simples mortais. É quase como uma presunção de consentimento do uso da imagem daquelas pessoas, evidentemente, resguardada a vida privada delas.
Assim, a limitação do direito à imagem imposta às pessoas públicas só se opera nos casos de interesse à informação e estejam relacionados com sua vida pública, sem, contudo, violar a preservação da sua intimidade ou ter fins comerciais, caso em que, para ser lícita a divulgação da imagem, imprescindível o consentimento do retratado.
A grande questão é como resolver este conflito, ou seja, é determinar quando é caso de direito à informação e quando se viola o direito à imagem. Sergio Cavaliere Filho entende que se a imagem de alguma pessoa estiver inserida em um contexto amplo e genérico, de modo a ficar claro na composição gráfica que o seu propósito principal não é a exploração econômica, tampouco a identificação da pessoa, mas sim noticiar determinado acontecimento, não haverá que se cogitar de violação de direito à imagem[8].
A reportagem, retratando fatos verdadeiros e sem extrapolar os limites que lhe são fixados, não gera a responsabilidade do jornal, que tem o dever de informar. O que importa é saber se há correspondência exata entre a matéria jornalística e os fatos descritos.
Não haverá, igualmente, violação à imagem se esta não for distinguível, como por exemplo, fotografias ou imagens de multidão nas quais não há destaque de alguma pessoa ou de alguma característica marcante.
Também, não constitui ofensa ao direito à própria imagem a reprodução de fotografia, para fins publicitários, havida com o consentimento do interessado, ainda que tácito, podendo ser assim considerado ante o silêncio deste, corroborados por indícios e circunstâncias que autorizem presumir sua aquiescência.
Em resumo, se a imagem for capturada no contexto do ambiente, aberto ao público, de forma que a imagem integre o cenário (espaços públicos, espetáculos artísticos/esportivos) ou a algum acontecimento (manifestações públicas, acidentes), nenhuma lesão haverá à imagem. No entanto, se demonstrar o contrário, ou seja, a exploração da imagem de alguém potencialmente gerador de dividendos econômicos, leia-se, pessoa pública/celebridade, dará lugar a indenização.
Outra questão que gera discussões, diz respeito à limitação do direito à imagem daqueles que são retratados na companhia de pessoas públicas em locais públicos. Teriam eles, seu direito à imagem mitigado? A princípio, a resposta seria positiva, em razão de assumirem o risco de ter sua imagem captada e divulgada contra a sua vontade pelo fato de fazer companhia a uma pessoa pública.
Outra limitação ao direito de imagem é o interesse da ordem pública, em virtude da prevalência do interesse coletivo, sacrificando, em certa medida, o interesse particular. Assim, para garantir a segurança pública, requerendo a divulgação da imagem de um procurado pela polícia, o chamado “retrato falado” ou a manipulação de arquivos fotográficos de departamento de polícia para identificação de autores de crimes, desnecessária será a autorização do retratado.
Também, por exemplo, com a disseminação da violência, os órgãos públicos e principalmente particulares têm instalado câmeras de vídeo nas ruas e interiores de estabelecimentos, visando inibir os assaltos. Essa captação de imagens para fins de administração da justiça e manutenção da ordem pública não viola o direito de imagem.
EXTINÇÃO
O direito à imagem, enquanto direito da personalidade, acompanha o seu titular até a morte. Da mesma forma, em face do caráter da intransmissibilidade, esse direito não se transfere por causa mortis.
Vale ressaltar que, na jurisprudência nacional, prepondera o entendimento de que a imagem de quem falece pode produzir e projetar efeitos jurídicos para além da morte.
Como exemplo, podemos citar a exploração comercial da imagem de pessoas famosas já falecidas, através da utilização da sua obra. Assim, os efeitos econômicos daí decorrentes incorporam-se ao patrimônio dos herdeiros do falecido e só por eles podem ser comercialmente explorados.
O mesmo pode ocorrer quanto aos efeitos morais. A imagem de uma pessoa falecida, não muito raro, representa o patrimônio mais valioso para seus familiares, mais valioso até do que os bens materiais por ele deixados. Assim, a divulgação da imagem do falecido, em algumas situações pode atingir a honra dos seus sucessores, intimamente ligados à memória do de cujus.
Sergio Cavaliere Filho, cita o caso julgado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro em que a filha de renomado pintor obteve a apreensão de filme produzido por não menos famoso cineasta em que aparecia a imagem de seu pai, no caixão, durante o velório. Alegou a defesa do cineasta que se tratava de um acontecimento público, de interesse jornalístico, e que ali se exibia um cadáver, desprovido de personalidade, uma coisa, a quem não se concebe vergonha, constrangimento, vaidade – em suma, sentimentos da alma.
Decidiram os julgadores que a filha, ao pedir a apreensão do filme, não estava a defender o direito de imagem do morto, e sim direito próprio, de sua personalidade, o de cultuar e preservar a lembrança do pai[9].
Outro exemplo da jurisprudência, na qual a pessoa falecida não era famosa, foi em ação na qual os autores argumentaram que a instituição bancária ré, apesar de ciente da morte da correntista, abriu limite de crédito rotativo após o falecimento dessa e começou a cobrar taxas, do que resultou a indevida negativação do nome da extinta nos cadastros restritivos de crédito. Entenderam que a inscrição indevida do nome da falecida nos órgãos de restrição ao crédito atenta contra a sua imagem. Decidiram os julgadores, que a imagem estende efeitos jurídicos após o passamento do seu titular, os quais alcançam a unidade familiar.
Assim, os sucessores de pessoas falecidas, famosas ou não, por direito próprio, podem impedir a divulgação das referidas imagens ou retirá-las de circulação.
O nosso ordenamento jurídico tratou de positivar essa regra, no artigo 20, parágrafo único, do Código Civil, legitimando o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes para requererem a proteção da imagem do morto ou ausente.
JURISPRUDÊNCIA
Como já visto, a característica de disponibilidade do direito à imagem estimula o fator econômico nesse direito, já que, com o consentimento, o titular pode extrair proveito econômico, apesar do caráter extrapatrimonial. Assim, com muita frequência a divulgação da efígie de pessoas com relevante notoriedade, é objeto de disputa judicial.
O egrégio Superior Tribunal de Justiça, sobre a matéria editou a súmula 403:
“Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais”.
Vale frisar, que o consentimento ou voluntariedade da exposição representa fatores essenciais para a reparabilidade do dano à imagem, devendo ser compreendidos nos estritos limites em que foram concedidos.
O Supremo Tribunal Federal já se pronunciou acerca da disponibilização não consentida da imagem com fim lucrativo, nos termos da ementa exarada pelo Ministro Djaci Falcão, nos autos do RE 91.328/SP, publicado no DJ de 11.12.1981, in verbis:
“Ementa: Direito à proteção da própria imagem, diante da utilização de fotografia, em anúncio com fim lucrativo, sem a devida autorização da pessoa correspondente. Indenização pelo uso indevido da imagem. Tutela jurídica resultante do alcance do direito positivo.”
É importante ressaltar a preocupação da jurisprudência em afirmar a intenção lucrativa e comercial como ensejadora do dano, abrindo espaço para outras discussões quando a veiculação da imagem tiver cunho informativo ou jornalístico.
Não se olvide que o consentimento tácito deve ser admitido com substanciais reservas, conforme ensina a melhor doutrina. Portanto, relativizadas quando tratar-se de pessoas de grande notoriedade. Todavia, cumpre salientar que, em qualquer circunstância, o direito à intimidade e o direito à privacidade devem ser sempre resguardados, seja pessoa anônima ou celebridade, em atenção ao princípio da dignidade da pessoa humana.
Em julgamento versando sobre a matéria, o Superior Tribunal de Justiça assim se posicionou, in verbis:
“RESPONSABILIDADE CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃOINDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS. EXISTÊNCIA DO ILÍCITO, COMPROVAÇÃO DO DANO E OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR. PESSOA PÚBLICA. ARTISTA DE TELEVISÃO. LIMITAÇÃO AO DIREITO DE IMAGEM. JUROS MORATÓRIOS.INCIDÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS E CUSTAS PROCESSUAIS.REPARTIÇÃO.Ator de TV, casado, fotografado em local aberto, sem autorização, beijando mulher que não era sua cônjuge. Publicação em diversas edições de revista de “fofocas”;A existência do ato ilícito, a comprovação dos danos e a obrigação de indenizar foram decididas, nas instâncias ordinárias, com base no conteúdo fático-probatório dos autos, cuja reapreciação, em sede de recurso especial, esbarra na Súmula 7/STJ;Por ser ator de televisão que participou de inúmeras novelas (pessoa pública e/ou notória) e estar em local aberto (estacionamento de veículos), o recorrido possui direito de imagem mais restrito, mas não afastado;Na espécie, restou caracterizada a abusividade do uso da imagem do recorrido na reportagem, realizado com nítido propósito de incrementar as vendas da publicação;A simples publicação da revista atinge a imagem do recorrido, artista conhecido, até porque a fotografia o retrata beijando mulher que não era sua cônjuge;Todas essas circunstâncias foram sopesadas e consideradas pelo TJ/RJ na fixação do quantum indenizatório, estipulado com base nas circunstâncias singulares do caso concreto. A alteração do valor fixado implicaria em ofensa à Súmula 7/STJ;Tratando-se de responsabilidade extracontratual, decorrente de ato ilícito, os juros de mora contam desde a prática do ilícito, de acordo com a regra do art. 398 do CC e com a Súmula 57/STJ;Tendo o autor decaído apenas em pontos de pouca significância em face do pleito indenizatório, a recorrente deve arcar com a totalidade das custas e honorários advocatícios;Em ação de danos morais, os valores pleiteados na inicial são meramente estimatórios, não implicando em sucumbência recíproca a condenação em valor inferior ao pedido.Recurso especial não conhecido” (STJ – 3ᵃ T. – REsp1082878/RJ – Rel. Nancy Andrighi – j. 14.10.2008 – Dje. 18.11.2008).
As autoridades públicas estão naturalmente expostas a opiniões e críticas, razão pela qual a proteção do direito de imagem é relativizada nesse caso. Contudo, o exercício do direito de liberdade de imprensa encontra-se limitado pela proteção da dignidade da pessoa humana, havendo violação ao direito de imagem quando utilizada fora dos limites da informação, com intuito exclusivo de atacar a honra do indivíduo. Nesse sentido, o acórdão proferido no REsp 1.328.914-DF, in verbis:
“RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. PUBLICAÇÕES EM BLOG DE JORNALISTA. CONTEÚDO OFENSIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. LIBERDADE DE IMPRENSA. ABUSOS OU EXCESSOS. ARTIGOS ANALISADOS: ARTS. 186, 187 e 927 DO CÓDIGO CIVIL. 1. Ação de compensação por danos morais ajuizada em 09.10.2007. Recurso especial concluso ao Gabinete em 03.06.2013.
2. Discussão acerca da potencialidade ofensiva de publicações em blog de jornalista, que aponta envolvimento de ex-senador da República com atividades ilícitas, além de atribuir-lhe as qualificações de mentiroso, patife, corrupto, pervertido, depravado, velhaco, pusilânime, covarde.
3. Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC, quando o Tribunal de origem pronuncia-se de forma clara e precisa sobre a questão posta nos autos.
4. Em se tratando de questões políticas, e de pessoa pública, como o é um Senador da República, é natural que haja exposição à opinião e crítica dos cidadãos, da imprensa. Contudo, não há como se tolerar que essa crítica desvie para ofensas pessoais. O exercício da crítica, bem como o direito à liberdade de expressão não pode ser usado como pretexto para atos irresponsáveis, como os xingamentos, porque isso pode implicar mácula de difícil reparação à imagem de outras pessoas – o que é agravado para aquelas que têm pretensões políticas, que, para terem sucesso nas urnas, dependem da boa imagem pública perante seus eleitores.
5. Ao contrário do que entenderam o Juízo de primeiro grau e o Tribunal de origem, convém não esquecer que pessoas públicas e notórias não deixam, só por isso, de ter o resguardo de direitos da personalidade.
6. Caracterizada a ocorrência do ato ilícito, que se traduz no ato de atribuir a alguém qualificações pejorativas e xingamentos, dos danos morais e do nexo de causalidade, é de ser reformado o acórdão recorrido para julgar procedente o pedido de compensação por danos morais.
7. Recurso especial provido.” (STJ, REsp 1328914-DF, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 11/03/2014, T3 – TERCEIRA TURMA)
Assim, oportuno é transcrever os precedentes jurisprudenciais para a casuística do tema.
“RESPONSABILIDADE CIVIL. USO INDEVIDO DA IMAGEM. REVISTA DE GRANDE CIRCULAÇÃO. FIM COMERCIAL. SÚMULA N.º 403/STJ. PESSOA PÚBLICA. LIMITAÇÃO AO DIREITO DE IMAGEM. VALOR DA INDENIZAÇÃO. RAZOABILIDADE.1. "Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais"(Súmula 403/STJ).2. Mesmo quando se trata de pessoa pública, caracterizado o abuso do uso da imagem, que foi utilizada com fim comercial, subsiste o dever de indenizar. Precedente.3. Valor da indenização por dano moral e patrimonial proporcional ao dano sofrido e ao valor supostamente auferido com a divulgação da imagem. Desnecessidade de intervenção desta Superior Corte.4. Agravo a que se nega provimento” (STJ – 4ᵃ T. – AgRg 1345989/SP – Rel. Maria Isabel Gallotti – j. 13.03.2012 – Dje. 23.03.2012).
Direito à imagem. Fotografia. Publicidade comercial. Indenização. – ‘A divulgação da imagem de pessoa sem o seu consentimento, para fins de publicidade comercial implica locupletamento ilícito à custa de outrem, que impõe a reparação do dano” (STF – 1ᵃ T. – RE – Rel. Rafael Mayer – j. 10.09.1982 – DJU 1.10.1982 – RT 568/215).
Indenização. Responsabilidade civil. Direito de imagem. Uso indevido de foto de preposto, em revista, para divulgação de estabelecimento comercial. Fato de não ser a autora modelo profissional que não afasta seu direito à indenização. Recurso não provido. (TJSP – 6ᵃ C. – Ap. – Rel. P. Costa Manso – j. 20.02.1992 – RJTJSP 135/153).
“Ao modelo fotográfico profissional assiste o direito de proteção à própria imagem, vedada a veiculação e reprodução por quaisquer meios, sem sua autorização. Essa aquiescência para a divulgação é essencial, como deflui do art. 49, f, da Lei 5.988/73 (revogada pela Lei 5.988/73). Publicada sua foto em revista, editada pela ré, edição essa com evidente fim lucrativo, cumpre que seja indenizado pelo uso indevido de sua imagem”(TJSP – 5ᵃ C. – Ap. – Rel. Marcus Andrade – j. 03.08.1992 – RT 696/104).
Direito à imagem. Indenização. Dano material e moral. – “São invioláveis a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral, conseqüente à sua violação” (STJ – 2ᵃ T. – REsp – Rel. Hélio Mosimann – j. 28.09.1994 – RT 711/214).
“Cuidando-se de direito à imagem, o ressarcimento se impõe pela só constatação de ter havido a utilização sem a devida autorização. O dano está na utilização indevida para fins lucrativos, não cabendo a demonstração do prejuízo material ou moral. O dano, neste caso, é a própria utilização para que a parte aufira lucro com a imagem não autorizada de outra pessoa” (STJ – 3ᵃ T. – REsp 138.883 – Rel. Carlos Alberto Menezes Direito – j. 04.08.1998 – RSTJ 116/216 e RT 760/211).
“Em se tratando de direito à imagem, a obrigação da reparação decorre do próprio uso indevido do direito personalíssimo, não havendo que se cogitar de prova da existência do prejuízo ou dano. Em outras palavras, o dano é a própria utilização indevida da imagem com fins lucrativos, não sendo necessária a demonstração do prejuízo material ou moral” (STJ – 4ᵃ T. – REsp 45.305 – Rel. Sálvio de Figueiredo Teixeira – DJU 25.10.1999 – RJ 265/126 – Bol. AASP 2.303/279, 24.02 a 02.03.2003).
Apesar do apego de parte da doutrina à noção de que o direito à própria imagem é bem personalíssimo, portanto, a priori, exclusivo do ser humano, não sendo possível reconhecê-lo na pessoa jurídica, a reparabilidade do dano à imagem causado à pessoa jurídica tem encontrado guarida nos julgamentos do Superior Tribunal de Justiça, que assevera que a veiculação de notícia injuriosa afeta a reputação, trazendo prejuízos à imagem e ao bom nome da pessoa jurídica.
Nesse sentido, o colendo Superior Tribunal de Justiça proferiu a seguinte decisão:
“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSO CIVIL. MANCHETE INVERÍDICA PUBLICADA EM VEÍCULO DE GRANDE CIRCULAÇÃO CAUSANDO DANO À IMAGEM DE EMPRESA. SUPERAÇÃO DO DEBATE ACERCA DO ÔNUS DA PROVA POR TER O TRIBUNAL DE ORIGEM RECONHECIDO COMO PROVADO O FATO LITIGIOSO. DANO MORAL. INDENIZAÇÃO ARBITRADA EM VALOR RAZOÁVEL. INVIABILIDADE DE MODIFICAÇÃO DO QUANTUM NA INSTÂNCIA ESPECIAL. SÚMULA 07/STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.” (Superior Tribunal de Justiça. Terceira Turma. AgRg nº 1151635/ES. Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino. Julgado em 03.05.2012.)
Com efeito, impõe salientar que a honra tem dois aspectos: o subjetivo (interno) e o objetivo (externo). A honra subjetiva, que se caracteriza pela dignidade, decoro e auto-estima, é exclusiva do ser humano, mas a honra objetiva, refletida na reputação, no bom nome e na imagem perante a sociedade é comum à pessoa natural e à jurídica. Assim, sendo inegável que uma notícia difamatória traz consigo o poder letal de macular o bom nome de uma pessoa jurídica no meio comercial.
Após a Constituição de 1988 a noção de dano moral não mais se restringe à dor, sofrimento, tristeza etc., ao estender a sua abrangência a qualquer ataque ao nome ou imagem de pessoa física ou jurídica.
Nesse sentido, deve ser entendido o art. 52 do Código Civil, que manda aplicar às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade.
Hoje a matéria está sumulada no Superior Tribunal de Justiça no Enunciado nº 227, que diz: “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral”.
O judiciário tem tutelado a imagem das empresas que em virtude de reclamações por parte de consumidores insatisfeitos com a prestação dos serviços ou fornecimento de bens, partem para protestos ofensivos à imagem dos fornecedores. Vejamos decisão do TJ/RS sobre o tema, in verbis:
“APELAÇÃO CÍVEL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. PEDIDO DE RETIRADA DE CARTAZ EM JANELA MANIFESTANDO DESCONTENTAMENTO COM A CONSTRUTORA. DIREITO À MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO. DIREITO À IMAGEM E HONRA DA EMPRESA CONSTRUTORA. COLISÃO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS SOLUCIONADA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. VALOR MANTIDO.
Colisão entre o direito de manifestação do pensamento do promitente-comprador de imóvel quanto ao descontentamento com a construção, tendo ele afixado cartaz em sua janela, e o direito à imagem e honra da empresa construtora, promitente-vendedora. Artigo 5º, IV e X, da Constituição da República. Aplicação do princípio da proporcionalidade, com a ponderação dos bens envolvidos. Prevalência, no caso específico, dos direitos da personalidade, tendo em vista que os problemas já estão sendo solvidos. Manutenção do valor fixado a título de honorários advocatícios. RECURSO DESPROVIDO À UNANIMIDADE. (TJRS – 17ᵃ – Ap. nº 70043745116 – Rel. Desa. Liége Puricelli Pires, j. 08.03.2012)
CONCLUSÃO
Em face do contexto atual, considerado a era da informação, a preocupação com a proteção jurídica da imagem vem angariando espaço considerável na doutrina e na jurisprudência.
Nesse diapasão, o presente estudo procurou abordar os principais aspectos doutrinários que cercam o direito à imagem, bem como trazer à baila o entendimento jurisprudencial que gira em torno desse direito da personalidade.
Nos dias atuais não cabe mais discussão sobre a autonomia do direito à imagem em face dos outros direitos, como o direito à intimidade, o direito à vida privada e o direito à honra. Com previsão constitucional, o legislador cuidou de criar proteção a cada um deles independentemente, conferindo-lhes autonomia, e, assim, impossibilitando qualquer posicionamento contrário.
Por fim, cumpre salientar, no que tange ao direito à imagem, que no Brasil, é imperioso que se continue a pesquisar sobre o referido direito, com o fito de enriquecer o debate, a fim de que haja maior consenso acerca das questões controvertidas, bem como sejam elucidados os aspectos omissos que envolvem o tema em estudo, o que é imprescindível para o seu domínio e eficácia plena.
Informações Sobre o Autor
Ana Carolina Mendonça Gomes
Advogada da União. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Anhanguera UNIDERP