Uma análise sobre a possibilidade de recategorização do Parque Estadual do Acaraí em São Francisco do Sul

Resumo dos Fatos

Em dezembro de 2006 foi instaurado o Inquérito Civil Público 19/06 (em anexo) com o objetivo de verificar a legalidade da criação e acompanhar o processo de implantação da Unidade de Conservação Parque Estadual do Acarai, sito no Município de São Francisco do Sul.

A proposta de criação de uma unidade de conservação ambiental no município de São Francisco do Sul tem seus antecedentes históricos registrados no ano de 2002, com a instituição de uma Comissão Municipal para discussão do projeto de implantação de uma Unidade de Conservação de proteção integral com o apoio da Associação Movimento Ecológico Carijós – AMECA, vinculada a Federação de Entidades Ecologistas Catarinenses – FEEC e a Rede de ONG da Mata Atlântica.

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O Decreto Municipal Nº 109 de março de 2002 inicia o processo de criação e implantação da Unidade de Conservação com os seguintes membros: Associação Movimento Ecológico Carijós – AMECA, Instituto de Defesa da Cidadania e Direitos Humanos – IDCDH, Colônia de Pescadores de São Francisco do Sul – Z2, Associação dos Agricultores – UFEA, União Francisquense de Engenheiros e Arquitetos, Associação de Moradores do Morro Grande, Assessoria da Secretaria Municipal da Agricultura e Meio Ambiente e FATMA.

A Associação Movimento Ecológico Carijós, em 2003, encaminhou à FATMA, sob protocolo FTMA Nº 886/033 as atas de reuniões realizadas para elaboração de uma proposta para criação da unidade de conservação, que se realizaram nas comunidades de Tapera, Ervino e Enseada, bem como reunião realizada a pedido da Associação Comercial e Industrial de São Francisco do Sul. Os eventos ocorreram nos meses de outubro e novembro de 2002 (cópia desta documentação anexa).

Estas reuniões e os esforços da comunidade para a criação da Unidade de Conservação culminaram na apresentação para a FATMA, de um abaixo-assinado a favor da criação do Parque subscrito pelos seguintes instituições: Associação de Moradores de Sandra-Regina – João de Barro, Associação de Moradores e freqüentadores da Praia do Capri, Conselho Comunitário Estrada do Forte, Associação de Moradores e Amigos da Praia do Itaguaçu, Associação dos Moradores da Praia de Itamirim de Ubatuba, Associação dos Amigos da Prainha, Associação de Moradores da Praia Grande, Associação dos Moradores do Ervino, Itaguasurf e AMECA, ainda, subscrito por 480 assinaturas (cópia do abaixo-assinado anexa).

Em 2004, a FATMA retoma os estudos técnicos para a criação da Unidade de Conservação, sob a coordenação da Diretoria de Estudos Ambientais – DEAM (atualmente Diretoria de Proteção dos Ecossistemas – DPEC) com o propósito de estabelecer a área e verificar seus limites, prospectar os recursos naturais, bem como avaliar as relações sócio-ambientais com as comunidades avizinhadas a área de planície de restinga que margeia o rio Acaraí.

A ré Fundação de Meio Ambiente – FATMA, efetuou estudos técnicos na ilha de São Francisco, mais precisamente na região que abrange a restinga da Praia Grande e o complexo hidrológico do rio Acaraí, rio Perequê e lagoa do Capivaru, com o objetivo de criar uma Unidade de Conservação de Proteção Integral, com recursos provenientes de compensação Ambiental decorrente do licenciamento ambiental para a instalação da Empresa Vega do Sul neste Município, nos termos da Lei Federal Nº 9.985/00 e do decreto Nº 4.430/02 que a regulamenta e Lei Estadual Nº 11.986/01, que institui os Sistemas Nacional e Estadual de Unidades de Conservação, respectivamente.

Fundamentou sua iniciativa nas conclusões seguintes:

As características naturais da região, de inúmeras manifestações da comunidade científica e da sociedade francisquense que por mais de uma década, busca através de grupos da sociedade civil organizada, uma ação governamental no sentido de garantir a preservação de áreas de valor cênico, de relevância em biodiversidade e importante para o conhecimento de nossa história pré-colonial e colonial.

Com base na dinâmica dos elementos naturais e dos atuais usos dados, das limitações legais para ocupação de Áreas de Preservação Permanente (APP) e da cobertura vegetal lá existente, definiu-se um polígono buscando um arranjo espacial para manter as funções ambientais desempenhadas pela restinga da Praia Grande e complexo hidrológico formado pelo rio Acaraí, rio Perequê e lagoa do Capivaru. As ilhas do arquipélago Tamboretes compõem a proposta da unidade de conservação devido à proteção a diversas espécies de aves marinhas que utilizam as ilhas para reproduzir ou em busca de local de repouso durante os deslocamentos para alimentação.

Diversas reuniões foram realizadas entre técnicos da FATMA e a Comissão Mista para a criação da unidade de conservação, criada através de Decreto 109/02 da prefeitura municipal de São Francisco do Sul (cópia do Decreto em anexo). Integram a comissão, representantes da Secretaria da Agricultura e Meio Ambiente da Prefeitura Municipal de São Francisco do Sul, FATMA, Associação Movimento Ecológico Carijós – AMECA, Instituto de Defesa da Cidadania e Direitos Humanos – IDCDH, Colônia de Pescadores Z-2 de São Francisco do Sul, Associação dos Agricultores de São Francisco do Sul, União Francisquense de Engenheiros e Arquitetos – UFEA, e Associação de Moradores da Localidade de Morro Grande. O Decreto criou a referida comissão com o objetivo de discutir o projeto de implantação da unidade de conservação de proteção integral, em cumprimento do acordo resultante de processo judicial relativo ao licenciamento da Vega do Sul (cópia em anexo do Acordo – Ação Civil Pública Nº 2001.72.01.001559-0).

Consultas públicas foram realizadas nos dias 6, 7 e 16 de dezembro de 2004, no auditório da Câmara de Vereadores de São Francisco do Sul, no Centro comunitário da Praia da Enseada e na Escola Municipal Izidoro Curvello, na comunidade da Tapera (listas de presença anexas). Nestas reuniões foram apresentadas as justificativas para a proposta de criação do Parque com base na vocação ambiental e turística, os limites de sua área proposta, a categoria da unidade de conservação, as restrições e oportunidades geradas pela implantação.

O processo de indenização e a suspensão da pesca foram as principais preocupações relatadas nestas reuniões.

A conclusão dos estudos técnicos é pela criação do Parque Estadual Acaraí, abrangendo um mosaico de ecossistemas com representação de Floresta das Terras Baixas, Vegetação de Restinga, Mangues, rios, banhados e lagoa. A área proposta forma um polígono de aproximadamente 7.500 ha, quase totalmente desabitada. Exceção se faz pela presença de alguns caseiros em grandes propriedades, ocupações na APP do rio Acaraí e região das nascentes.

O fato de quase 100% da área estar protegida pela legislação ambiental, aliado às características históricas, físicas, biológicas e cênicas indicam a vocação para a preservação e uso público e favorecem a criação do parque.

A Área sugerida para o Parque estende-se basicamente desde a linha da água da praia ao lado do ponto conhecido por “forte apache”, na Praia Grande, até a Praia do Ervino. Inclui as nascentes dos rios Perequê e Acaraí, a lagoa do Capivaru, a Praia Grande, a Restinga da Praia Grande e o fragmento de Floresta das Terras Baixas que acompanha as nascentes dos referidos rios e continua sua distribuição por longo trecho das margens do rio Acaraí.

O Parque tornará possível a preservação de um importantíssimo fragmento da Floresta Ombrófila Densa das Terras Baixas, ecossistema que é limitado a altitudes de 0 m a 30 m. Nesta região, a composição florística se caracteriza pela presença do guanandi ou olandí, da cupiúva, dos ipês e da figueira. A Floresta das Terras Baixas com esta característica fitosociológica só ocorre hoje em Santa Catarina, do extremo norte do litoral até São Francisco, e ainda no município de Paulo Lopes, no Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, sendo ali o limite austral da distribuição de muitas espécies. A preservação desta Floresta dentro do Parque Estadual Acaraí garante a manutenção da conectividade entre os remanescentes florestais ainda preservados nos municípios de Garuva e Joinville.

O Parque contribuirá para a preservação de riquíssimo Patrimônio Histórico e Arqueológico. Numerosos Sambaquis e outros Sítios Arqueológicos estão identificados na área.

Merece destaque ainda o alto grau de acessibilidade desta área natural, devido a sua proximidade ao centro urbano e a existência da rodovia que liga a Prainha à Praia do Ervino (geograficamente Praia Grande), que deverá transformar-se na “Costa do Encanto”, facilitando o acesso ao Parque e aos seus equipamentos de educação ambiental, lazer e recreação. Esta facilidade de acesso é rara para a grande maioria das unidades de conservação e constitui-se mais um diferencial para o Parque Estadual Acarai e para o município de São Francisco do Sul.

A imediata criação do Parque é possível, uma vez que há recursos financeiros disponíveis para iniciar o processo de regularização fundiária, assim como estão atendidos os requisitos legais, pela realização dos Estudos Técnicos e das Consultas Públicas, de acordo com o preconizado na Lei Nº 9.985/00, Lei Nº 11.986/01 e Decreto Nº 4.340/02, Leis do Sistema Nacional e Estadual de Unidades de Conservação e Decreto que regulamenta o primeiro, respectivamente.

Após o desenvolvimento de estudos técnicos para a determinação do melhor desenho para a unidade, considerou-se que deveriam estar incluídos todos os ecossistemas representativos da região, abrangendo com isto locais de expressiva beleza cênica como: dunas, restinga, floresta, mangue, rios e laguna. Também, para que a população residente nas adjacências e os turistas potenciais possam conhecer a região e desfrutar destes atributos cênicos, optou-se pela categoria de manejo da unidade, um Parque Estadual.

Os parques são as primeiras unidades de conservação criadas pelo Direito Brasileiro. Oriundas do antigo Código Florestal de 1934 vieram sendo aprimoradas na prática administrativa e muitas unidades criadas, que já vinham funcionando, serviram de base e fundamento para a elaboração legislativa posterior.

Os parques existem praticamente na legislação de todos os países e têm a finalidade de preservar o ambiente contra os efeitos da degradação e eliminar a possibilidade de intervenção artificial que importe em lhe alterar o aspecto.

O Código Florestal, Lei Nº 4.771/65 em seu artigo 5º determina a criação de parques que serão nacionais, estaduais ou municipais se criados pela União, Estados ou Municípios respectivamente. Diz o Código que a criação deve ter a finalidade de resguardar atributos excepcionais da natureza, conciliando a proteção integral da flora, da fauna, e das belezas naturais com a utilização para objetivos educacionais, recreativos e científicos.

Esta categoria constitui pela legislação recente, tanto federal quanto estadual, (Lei Nº 9.985/00 e Lei Nº 11.986/01) como uma unidade de proteção integral, a qual deve ser de posse e domínio público, são bens públicos, inalienáveis e indisponíveis. Diz a lei que os parques são bens destinados ao uso comum do povo e devem ser criados por ato administrativo motivado. Se a área que o Poder Público elege para criar um parque é pública, o decreto de criação configura a destinação do bem público, tornando-o indisponível, se privado o domínio, o Poder Público deve promover a desapropriação.

Os recursos financeiros para iniciar a regularização fundiária da área do Parque Estadual Acaraí estão garantidos através da medida compensatória pela instalação da Vega do Sul.

Cada parque deve ter o seu plano de manejo composto pelo zoneamento da área e seus programas de gestão. O zoneamento estabelecerá os diversos usos permitidos para cada uma das zonas, que podem estar constituindo zonas de uso primitivo, zonas de uso intensivo e extensivo, zonas de recuperação, intangível e histórico-cultural, regulamentando assim as atividades humanas de: onde, como, quem. O planejamento da unidade, também como ação de implantação, será realizado através do plano de manejo, de forma participativa, envolvendo representantes dos diversos segmentos da sociedade que tenham interesse na área. Neste plano deverão ser previstos algumas estruturas físicas, recursos humanos e materiais para iniciar a implementação da gestão da unidade. No planejamento do Parque também devem ser consideradas ações de mobilização comunitária e de incentivo ao desenvolvimento sustentável na área de entorno do mesmo.

Para tanto deverá ser definida a melhor estratégia para iniciar o processo de implantação deste Parque Estadual, considerando a necessidade de demarcação física da unidade, que consiste na colocação de marcos e placas indicativas nos limites da mesma, para que estes sejam visíveis publicamente, auxiliando a fiscalização.

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Não são permitidas as coletas de frutos, mudas ou sementes, assim como a caça ou apanha de animais e aves. Da mesma forma é proibida a introdução de espécies animais ou exemplares de flora estranhos ao ecossistema do parque.

A visitação pública estará sujeita às normas e restrições estabelecidas no Plano de Manejo da Unidade, às normas estabelecidas pelo órgão responsável pela sua administração e àquelas previstas em regulamento.

A pesquisa científica estará sujeita à autorização prévia da FATMA e às condições e restrições por ela estabelecidas, bem como àquelas previstas em regulamento.

E dessa forma, LEVOU-SE EM CONSIDERAÇÃO APENAS A PARTE FÍSICO-AMBIENTAL E NÃO SÓCIO-AMBIENTAL.

É preciso ser entendido que as Unidades de Conservação não são criadas ao acaso. Para que o Poder Público escolha os espaços territoriais a serem especialmente protegidos, faz-se necessário o levantamento de uma série de informações, bem como a manifestação da sociedade civil e de órgãos públicos interessados.

As etapas do processo que orienta o Poder Público a se decidir pela criação de uma unidade de conservação são basicamente as seguintes:

1. Identificação da demanda pela criação da unidade: sociedade civil, comunidade científica, poder público, etc.

2. Elaboração dos Estudos Técnicos: poder público por meio de seus órgãos executores ou por meio de consultorias contratadas.

2.1. Vistoria da área:

2.1.1. levantamento de dados planimétricos e geográficos; e

2.1.2. laudo acerca dos fatores bióticos e abióticos da área

2.2. Levantamento Sócio-econômico:

2.2.1. presença de comunidades indígenas e tradicionais (estudo sócio-ambientais); e

2.2.2. diagnóstico das ações antrópicas, como formas de uso do solo.

2.3. Elaboração do Diagnóstico Fundiário dos imóveis:

2.3.1. levantamento da cadeia sucessória dos imóveis;

2.3.2. Identificação das áreas de domínio público e privado; e

2.3.3. avaliação do valor de mercado de 1 ha de terra na região.

2.4. Elaboração da Base Cartográfica abrangendo:

2.4.1. limites políticos;

2.4.2. fitofisionomia;

2.4.3. hidrografia;

2.4.4. uso do solo;

2.4.5. altimetria;

2.4.6. malha viária; e

2.4.7. áreas sob alguma forma de proteção (Terras Indígenas; Unidades de Conservação; Áreas de Mineração; e Áreas das Forças Armadas).

3. Encaminhamento ao Órgão de Meio Ambiente (Ministério do Meio Ambiente; Secretarias Estaduais e Municipais de Meio Ambiente) para a elaboração de pareceres técnico e jurídico.

4. Encaminhamento a outros órgãos da estrutura do Poder Executivo, que tenham algum tipo de interesse alcançado pela criação da Unidade.

5. Realização de Audiência Pública.

6. Encaminhamento, ao Chefe do Poder Executivo, dos seguintes documentos:

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6.1. Solicitação dos moradores, em se tratando de Reservas Extrativistas ou de Desenvolvimento Sustentável;

6.2. Estudo Técnico que justifique e embase a criação da Unidade de Conservação, os limites propostos e a categoria de manejo definida, incluindo diagnóstico expedito sobre a situação fundiária da área, em se tratando de Unidades de Conservação de domínio público, bem como mapa de situação e de perímetro da Unidade proposta;

6.3. Pareceres Técnico e Jurídico elaborados pelo Órgão de Meio Ambiente;

6.4. Manifestação dos outros órgãos públicos interessados;

6.5. Ata da Audiência Pública realizada;

6.6. Minuta do Decreto de declaração da área como sendo de utilidade pública para fins de desapropriação, com a respectiva Exposição de Motivos; e

6.7. Minuta do Decreto de criação da Unidade, ou do Projeto de Lei a ser enviado ao Poder Legislativo, com a respectiva Exposição de Motivos.

7.Assinatura e publicação dos Decretos, ou envio do Projeto de Lei ao Poder Legislativo. [Fonte: Ministério do Meio Ambiente (www.mma.gov.br)].

Todavia, apesar dos pressupostos para a criação do parque, a equipe tem intenção em deixar os estudos sócio ambientais para a fase do plano de manejo, o que é inviável porque vai girar em torno da categoria já pré-estabelecida.

Também não houve efetivo estudo sócio-econômico, como não houve efetiva participação das comunidades afetadas.

Assim, verifica-se a impossibilidade da categoria Proteção Integral para a Unidade de Conservação criada em torno da Lagoa do Acarai, frente às comunidades tradicionais existentes no entorno da área, que utiliza os recursos naturais para seu meio de vida.

UNIDADES DE PROTEÇÃO INTEGRAL X UNIDADES DE USO SUSTENTÁVEL

Pela lei do SNUC, foram delimitados dois tipos de unidades de conservação: as Unidades de Proteção Integral e as Unidades de Uso Sustentável. No primeiro grupo estão as Estações Ecológicas, Reservas Biológicas, Parques Nacionais, Monumentos Naturais e Refúgios da Vida Silvestre. No segundo estão as Áreas de Proteção Ambiental, Áreas de Relevante Interesse Ecológico, Florestas Nacionais, Reservas Extrativistas, Reservas de Fauna, Reservas de Desenvolvimento Sustentável e Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs).

A diferença entre os dois grupos é que as Unidades de Proteção Integral têm como objetivo básico preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto de seus recursos naturais. Já as Unidades de Uso Sustentável têm como objetivo básico compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parte de seus recursos naturais.

Além dos levantamentos e pesquisas científicas relativos ao meio-ambiente a ser preservado, no processo de criação de uma unidade de conservação é de extrema necessidade um aprofundado estudo antropológico sobre o modo de vida dos moradores tradicionais da área, caso existam. Devem ser realizadas pesquisas sobre até que ponto o impacto ambiental desses moradores afetam a região, para que se verifique se existe ou não um equilíbrio ecológico entre essas comunidades e a utilização sustentável dos recursos naturais. A simples remoção dessas pessoas, mesmo através dos trâmites legais, pode não ser a solução adequada, principalmente no que se refere a áreas abertas a visitação como os Parques Nacionais.

No caso em que se perceba um equilíbrio ecológico entre os moradores tradicionais e a sua relação com a natureza, não há, inicialmente, razões para que eles sejam retirados de seus locais de origem. Essas populações poderiam, inclusive, fazer parte das atrações de um Parque Nacional, uma vez que seus estilos de vida, suas visões de mundo, suas formas de interagir com a fauna e a flora, seus hábitos alimentares, suas músicas, seus relatos orais, sua cultura e sua história são também patrimônios que devem ser preservados, conhecidos e divulgados.

O modelo de unidades de conservação adotado no Brasil, e no Terceiro Mundo em geral, é um dos principais elementos de estratégia para a conservação da natureza. Ele deriva da concepção de áreas protegidas, construída no século passado nos Estados Unidos, com o objetivo de proteger a vida selvagem (wilderness) ameaçada pelo avanço da civilização urbano-industrial. Esse modelo expandiu-se logo em seguida para o Canadá e países europeus, consolidando-se como um padrão mundial, principalmente a partir da década de 60 quando o número e a extensão das áreas protegidas ampliaram-se enormemente em todo o mundo.

A idéia que fundamenta este modelo é a de que a alteração e domesticação de toda a biosfera pelo ser humano é inevitável, sendo necessário e possível conservar pedaços do mundo natural em seu estado originário, antes da intervenção humana. Lugares onde o ser humano possa reverenciar a natureza intocada, refazer suas energias materiais e espirituais e pesquisar a própria natureza.

 

Estas áreas são sujeitas a um regime de proteção externo, com território definido pelo Estado, cujas autoridades decidem as áreas a serem colocadas sob proteção e sob que modalidade e, independentemente, formulam e executam os respectivos planos de manejo. As pessoas que vivem no interior ou no entorno das áreas não participam em nada destas decisões. Mais que isso, as decisões costumam ser mantidas em sigilo até sua transformação em lei, justamente para evitar movimentações sociais que possam criar embaraços para os planejadores oficiais.

Assim, esse modelo supõe uma dicotomia conflitante entre ser humano e natureza, supõe que as comunidades locais são incapazes de desenvolver um manejo mais sábio dos recursos naturais (o que pode ser verdade nos casos de extrativismo comercial em grande escala, mas não em todos os casos), e finalmente, que estas áreas podem ser perpetuadas num estado de natural equilíbrio.

Ainda que este modelo possa ser relativamente adequado aos EUA, dada a existência de grandes áreas desabitadas, sua transposição para o Terceiro Mundo mostra-se problemática, pois mesmo as áreas consideradas isoladas ou selvagens abrigam populações humanas, as quais, como decorrência do modelo adotado, devem ser retiradas de suas terras, transformadas de agora em diante em unidade de conservação para benefício das populações urbanas (turismo ecológico), das futuras gerações, do equilíbrio ecossistêmico necessário à humanidade em geral, da pesquisa científica, mas não das populações locais.

Quando as populações resistem e permanecem, suas necessidades de exploração dos recursos naturais inerentes a seu modo de vida e sobrevivência raramente são reconhecidas. Ao invés disso, passa a ocorrer uma “criminalização” dos atos mais corriqueiros e fundamentais para a reprodução sociocultural destas comunidades. A caça, a pesca, a utilização de recursos da floresta para a manufatura de utensílios e equipamentos diversos, a feitura das roças, a criação de galinhas ou porcos, o papagaio na varanda, a lenha para cozinhar e aquecer, a construção de uma nova casa para o filho que se casou, etc., tudo isso é, de uma penada jurídica, transformado em crime e seus praticantes perseguidos e penalizados. Ao mesmo tempo, são instados a proteger e respeitar o meio ambiente, sendo encarados como os principais responsáveis (e não o modelo urbano-industrial em expansão) pelo futuro da humanidade, coorporificado na preservação da área em questão.

O que tem ocorrido em todos os países do Terceiro Mundo, guardadas as particularidades e ênfases locais, é um conjunto de conseqüências indesejáveis da aplicação deste modelo, que poderia assim ser sumarizado:

1) Tem promovido em muitas comunidades humanas um agravamento de suas condições de vida;

2) Tem se somado aos processos de expulsão das populações tradicionais para as periferias das cidades, engrossando as multidões em situação de miséria e a proliferação de favelas.

3) Muitas vezes promovem uma maior degradação ambiental. Em muitos países do Terceiro Mundo tem aumentado o nível de destruição florestal, à medida que a população expulsa passa a ocupar e derrubar novas áreas para moradia. Os que não conseguem ou não querem mudar para novas áreas são obrigados a superexplorar as áreas ainda acessíveis (florestas vizinhas às unidades de conservação). Muitas vezes, passam a encarar os recursos naturais da área como perdidos para sua comunidade;

4. O crescimento do conflito rural. As restrições decorrentes do estabelecimento de unidades de conservação de uso restrito têm produzido descontentamento crescente em muitos países. No Brasil, país com graves problemas de desemprego urbano, péssima distribuição de renda e estrutura fundiária superconcentrada, a contribuição desse modelo para o agravamento da situação rural tem sido grande.

5) Em contrapartida, pressões de grupos econômicos e, de outro lado, das populações locais mais organizadas, somadas às dificuldades financeiras, operacionais e políticas de fiscalização e manejo dessas áreas, fazem com que a legislação, em parte ou totalmente, não seja cumprida.

Dessa forma, têm se multiplicado os casos em que os objetivos de conservação não são cumpridos ao mesmo tempo em que as populações locais são criminalizadas e, simultaneamente, impedidas de explorar os recursos naturais de forma sustentável e garantir sua reprodução sociocultural. Nesse contexto, são beneficiados os grupos que comercializam irregularmente no mercado mais amplo os produtos de extração clandestina, em detrimento da preservação da bio e da sociodiversidade e, finalmente, da credibilidade e aceitação dos ideais de conservação ambiental.

É verdade que no Brasil há aberturas nesse modelo que, entretanto, ainda tem a hegemonia na política conservacionista nacional. Essa abertura corporificada na criação das reservas extrativistas, no reconhecimento de terras de quilombo e nas propostas de criação de modalidades de áreas de conservação de múltiplos usos (a serem definidos em “mosaico” nos planos de manejo) é fruto justamente da auto organização das populações tradicionais e de propostas que delas emanam, recebendo apoio de outros atores e setores sociais. Porém é ainda uma abertura tímida que encontra pouca sustentação ou apoio das autoridades responsáveis pela política ambiental.

Parece que essas populações são invisíveis (além de indesejáveis) para o poder público que, preso a concepções ambientais tecnicistas e inadequadas, não vê outra saída fora do padrão vigente.

Um caso exemplar citado por Diegues (1996a) é o plano de manejo da Ilha do Cardoso, produzido em 1976, em que sequer se menciona a presença de centenas de famílias de moradores tradicionais caiçaras e em que se proíbe as atividades de subsistência delas, obrigadas assim a migrar para a cidade de Cananéia, engrossando o número de moradores pobres dos bairros periféricos.

Outra situação ilustrativa da “invisibilidade” destas populações, mas de resultado oposto ao anterior, é o caso da Estação Ecológica do Iquê, no Mato Grosso, criada em 1981 totalmente dentro do território do povo indígena Enauenê-Nauê.

No caso do Brasil, a recorrência da criação de unidades de conservação superpostas a áreas de comunidades tradicionais é um exemplo da incorreção dessa suposição e da cegueira generalizada em relação à existência destas populações.

As florestas tropicais brasileiras abrigam comunidades humanas de grande diversidade sociocultural, que desenvolveram estilos de vida relacionados a ambientes naturais específicos, com suas visões de mundo particulares, conhecimento extenso e minucioso dos processos naturais e que estabelecem relações com o mundo natural distintas das que prevalecem nas sociedades urbano-industriais.

As tentativas de solucionar este problema dentro do padrão de atuação dos órgãos públicos têm esbarrado na ineficácia da ação repressiva, nas dificuldades de fiscalização, nos problemas sociais decorrentes da expulsão das populações e conseqüente formação ou ampliação das favelas nos municípios próximos, nos conflitos crescentes e, conseqüentemente, na disseminação do significado das políticas ambientais como políticas repressivas e contra os interesses e necessidades das populações locais.

Será essa situação inerente a qualquer política de preservação dos recursos naturais? Será que podemos imputar a responsabilidade dos conflitos e da dilapidação dos recursos naturais, como costuma ocorrer, inteiramente a pretensas características destrutivas do ser humano? Não é paradoxal que as populações tradicionais sejam colocadas como antagônicas às necessidades de proteção dos recursos naturais em áreas de conservação? Normalmente, não são estas as populações humanas que têm há décadas, às vezes séculos e até milênios, promovido o manejo sustentável de áreas naturais? Não é sua presença permanente que tem preservado tais áreas do modelo de exploração econômica capitalista industrial responsável pela destruição crescente do meio ambiente? Enfim, não são elas as responsáveis até o presente pela conservação das áreas que agora tentamos colocar sob nossa proteção legal?

RECATEGORIZAÇÃO

É necessário que seja transformado o Parque Estadual do Acaraí, que é Unidade de Conservação Integral em área de Unidade de Conservação de Uso Sustentável. Seguem os motivos.

De acordo com o §1°, inciso III, do art. 225 da Constituição da República de 1988, a supressão e a alteração dos espaços territoriais especialmente protegidos devem ser feito mediante lei. Entretanto, deve-se interpretar a norma em seu sentido finalístico, ou seja, como um dispositivo que tem por objetivo estabelecer mecanismos flexíveis para a proteção do meio ambiente e instrumentos rígidos para as hipóteses que possam vir a causar diminuição da área ambiental protegida.

Nesse sentido, ensina Luís Roberto Barroso[1]:

As normas devem ser aplicadas atendendo, fundamentalmente, ao seu espírito e a sua finalidade. Chama-se teleológico o método interpretativo que procura revelar o fim da norma, o valor ou bem jurídico visado pelo ordenamento com a edição de dado preceito.

A importância das populações tradicionais é reconhecida internacionalmente, a DECLARAÇÃO DO RIO SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, da Conferência Das Nações Unidas Para Meio Ambiente E Desenvolvimento, RIO–92, ao reafirmar a Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Humano, aprovada em Estocolmo em 16 de junho de 1972, e tratando de basear-se nela com o objetivo de estabelecer uma aliança mundial nova e eqüitativa mediante a criação de novos níveis de cooperação entre os Estados, os setores chave das sociedades e as pessoas, procurando alcançar acordos internacionais em que se respeitem os interesses de todos e se proteja a integridade do sistema ambiental e de desenvolvimento mundial, reconhecendo a natureza integral e interdependente da Terra, proclamou no PRINCÍPIO 22 queOs povos indígenas e suas comunidades, assim como outras comunidades locais, desempenham um papel fundamental na ordenação do meio ambiente e no desenvolvimento devido a seus conhecimentos e práticas tradicionais. Os Estados deveriam reconhecer e prestar o apoio devido a sua identidade, cultura e interesses e velar pelos que participarão efetivamente na obtenção do desenvolvimento sustentável”.

Destaca-se que após o art. 225 da Constituição da República, definir como um direito de todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações, o § 1º III, para assegurar a efetividade desse direito, definiu como obrigação do poder público a criação, em todas as unidades da Federação, de espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente por lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção. Portanto, o constituinte não criou uma regra que vede diretamente a presença humana, mas refletiu a regra de ouro a que nos referimos, pois a vedação direta somente se dirige àquelas práticas que possam comprometer a integridade dos atributos protegidos.

Esse dispositivo percebe-se na Lei nº 7.797/1989, que criou o Fundo Nacional de Meio Ambiente, o qual foi instituído com o objetivo de desenvolver os projetos que visem ao uso racional e sustentável de recursos naturais, incluindo a manutenção, melhoria ou recuperação da qualidade ambiental no sentido de elevar a qualidade de vida da população brasileira(art.1º), sendo que o art. 5o, inc I e IV, considera prioritária a aplicação de recursos financeiros deste fundo em projetos de unidades de conservação e para aproveitamento econômico racional e sustentável da flora e fauna nativas.

Essa regra de ouro é identificada de forma bem clara na Lei n° 9.985/2000 – SNUC, como não poderia ser diferente, já que regulamenta o art. 225 da Constituição da República, como se verifica no CAPÍTULO II,- Do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza, onde o Art. 4º, incisos IV, V, X, XI, XII, XIII estabelecem entre os seus objetivos: promover o desenvolvimento sustentável a partir dos recursos naturais; promover a utilização dos princípios e práticas de conservação da natureza no processo de desenvolvimento; proporcionar meios e incentivos para atividades de pesquisa científica, estudos e monitoramento ambiental; valorizar econômica e socialmente a diversidade biológica; favorecer condições e promover a educação e interpretação ambiental, a recreação em contato com a natureza e o turismo ecológico; proteger os recursos naturais necessários à subsistência de populações tradicionais, respeitando e valorizando seu conhecimento e sua cultura e promovendo-as social e economicamente.

Nos dispositivos citados, além da clara referência às populações tradicionais, há um vivo encadeamento da promoção de práticas que promovam o desenvolvimento sustentável e valorização social e econômica da diversidade biológica. Este processo deve começar, obviamente, pelas populações locais, detentoras do direito a uma vida com dignidade.

Na realidade não poderia existir um sistema de unidades de conservação que exclua a princípio populações que representam a riqueza da diversidade humana e cultural, que desenvolveram durante gerações práticas que se apresentam harmônicas com o ambiente, e muito têm que contribuir com o processo de desenvolvimento de conceito de sustentabilidade. Somente aquelas populações que sejam incompatíveis com estas é que o sistema exclui. Aliás, essa regra de ouro tem, na realidade, fundamentos constitucionais muito mais largos no que tange ao respeito a estas populações tradicionais, pois estas se identificam com parcelas significativas da população nacional, que de longa tradição eram consideradas como subculturas, sem referência explícita como formadoras da cultura nacional, como podemos agora inventariar no texto constitucional de 1988.

De fato, não bastaria o constituinte elencar os Princípios Fundamentais da República, que se constitui em Estado Democrático de Direito, estabelecendo como fundamentos a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e estabelecer que todo o poder emana do povo (Art. 1o.), sem estabelecer de forma mais objetiva como realizar esses fundamentos. Assim, o seu art. 3º estabeleceu como objetivos fundamentais da República: construir uma sociedade livre, justa e solidária; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais, além de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

O texto constitucional, seguindo os objetivos de nossa sociedade, além de estabelecer os Direitos e Garantias Fundamentais, a que todos os cidadãos devem ter garantido (art. 5o.), deixou registrado expressamente no art. 210, que a fixação dos conteúdos mínimos para o ensino fundamental, deve ser estabelecido de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais, sendo que o § 2º assegura às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem, além da língua portuguesa.

No que tange à cultura, temos dois dispositivos que sintetizam bem o reconhecimento dessa diversidade humana, que as populações tradicionais representam, como um patrimônio que deve ser observado em qualquer tipo de ação do poder público, onde se insere a criação de unidades de conservação.

O primeiro dispositivo é o art. 215, § 1º, que preceitua que o Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional, complementado pelo art. 216, que preceitua que constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: as formas de expressão; os modos de criar, fazer e viver. Ora o ser humano somente constrói a cultura na relação com o espaço onde vive, desenvolve a luta na construção diária da sua dignidade. Assim apresenta grave violação destas normas constitucionais a pretensão de se criar unidade de conservação cujo conceito não admite a presença humana e que levaria a necessidade de realocação, indenização de comunidades tradicionais, olvidando que o texto constitucional acentua estas especiais regras de proteção das minorias, que justamente integram estas populações tradicionais, e, como destaca a lei do SNUC, abraça formas de unidades de conservação que são adequadas à presença destas comunidades.

Destaca-se que, embora o nosso legislador não tenha definido diretamente o que sejam populações tradicionais, apresenta no artigo art. 20 da Lei do SNUC quais os elementos que caracterizam esta, quando definiu o que seja uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável, pois apesar de inserir o conceito destas populações integrando essa modalidade específica de Unidade de Conservação, o seu conceito pode ser muito bem tomado como norte seguro para constatarmos que a sua concepção está de acordo com o que vimos expondo. Preceitua o art. 20:

Art. 20 – A Reserva de Desenvolvimento Sustentável é uma área natural que abriga populações tradicionais, cuja existência baseia-se em sistemas sustentáveis de exploração dos recursos naturais, desenvolvidos ao longo de gerações e adaptados às condições ecológicas locais e que desempenham um papel fundamental na proteção da natureza e na manutenção da diversidade biológica (grifos nossos)

Observa-se pela leitura do dispositivo legal que estas populações tradicionais possuem como características uma existência baseada em sistemas sustentáveis de exploração dos recursos naturais, desenvolvidos ao longo de gerações e adaptados às condições ecológicas locais e que desempenham um papel fundamental na proteção da natureza e na manutenção da diversidade biológica. Portanto, em pleno acordo com a nossa concepção de que estas comunidades, muito mais do que entraves à conformação de eventuais unidades de conservação, devem ser valorizadas como forma de reverência aos ditames constitucionais de dignidade da pessoa humana e respeito àquelas minorias e culturas que o constituinte colocou em especial guarda como integrantes do processo civilizatório nacional.

Na realidade, definindo o legislador a natureza do domínio e a possibilidade de presença humana ou não num dado tipo de unidade de conservação, ocorre apenas uma distinção de conceitos de cada uma, sem uma diferenciação do ponto de vista ontológico, pois tanto as de proteção integral como as de uso sustentável se definem como espaços especialmente protegidos[2].

Concluindo, a presença de populações tradicionais é que condiciona o tipo de unidade de conservação a ser criada, assim, no caso de esta ser criada sem a observância do direito dessas comunidades, é ilegal e inconstitucional, devendo o ato administrativo ser revisto, seja pela própria administração, seja pelo judiciário. A respeito a Súmula 473 do STF:

A ADMINISTRAÇÃO PODE ANULAR SEUS PRÓPRIOS ATOS, QUANDO EIVADOS DE VÍCIOS QUE OS TORNAM ILEGAIS, PORQUE DELES NÃO SE ORIGINAM DIREITOS; OU REVOGÁ-LOS, POR MOTIVO DE CONVENIÊNCIA OU OPORTUNIDADE, RESPEITADOS OS DIREITOS ADQUIRIDOS, E RESSALVADA, EM TODOS OS CASOS, A APRECIAÇÃO JUDICIAL.Ato administrativo e o princípio da juridicidade

O princípio da juridicidade consiste na conformidade do ato não só com as leis, decretos, atos normativos inferiores (e.g. regulamentos, portarias), como também com os princípios que estão contidos no ordenamento jurídico. Engloba o princípio da legalidade e acrescenta a este a necessidade de observância ao ordenamento jurídico como um todo.

No Brasil, verificamos a introdução do princípio da juridicidade com a positivação dos princípios regedores da Administração Pública no artigo 37, caput, da Constituição Federal de 1988: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência […]”.

Desta forma, a própria Constituição Federal, Lei Maior do Estado, impõe à Administração Pública o dever de atuar com observância àqueles princípios. Outrossim, reconhece-se também a existência de outros princípios gerais de direito que vinculam o atuar do administrador, com especial destaque para o princípio da razoabilidade, mediante o qual é permitido avaliar se os atos do Poder Público refletem um valor de justiça.

Nessa esteira de pensamento, Germana de Oliveira Moraes[3] propõe a substituição do princípio da legalidade pelo princípio da juridicidade:

A noção de juridicidade, além de abranger a conformidade dos atos com as regras jurídicas, exige que sua produção (a desses atos) observe – não contrarie – os princípios gerais de Direito previstos explícita ou implicitamente na Constituição.

A moderna compreensão filosófica do direito, marcada pela normatividade e constitucionalização dos princípios gerais do Direito e pela hegemonia normativa e axiológica dos princípios, com a conseqüente substituição, no Direito Administrativo, do princípio da legalidade pelo princípio da juridicidade, demanda, por um lado, uma redefinição da discricionariedade, e por outro lado, conduz a uma redelimitação dos confins de controle jurisdicional da Administração Pública.

Da mesma forma, Carmem Lúcia Antunes Rocha[4] trata do princípio da juridicidade, ressaltando sua importância para se atingir a justiça material:

O Estado Democrático de Direito material, com o conteúdo do princípio inicialmente apelidado de “legalidade administrativa” e, agora, mais propriamente rotulado de “juridicidade administrativa”, adquiriu elementos novos, democratizou-se. A juridicidade é, no Estado Democrático, proclamada, exigida e controlada em sua observância para o atingimento do ideal de Justiça social.

Verifica-se, pois, que os doutrinadores pátrios já reconhecem a necessidade de que a atividade administrativa não seja norteada tão-somente pela idéia de legalidade formal, mas por um valor mais amplo que é a justiça, consubstanciada em todo ordenamento jurídico.

A própria jurisprudência já se encaminha para reconhecer a força normativa dos princípios:

ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO. 1. Na atualidade, a Administração pública está submetida ao império da lei. 2. O Poder Judiciário não mais se limita a examinar os aspectos extrínsecos da administração, pois pode analisar, ainda, as razões de conveniência e oportunidade, uma vez que essas razões devem observar critérios de moralidade e razoabilidade. 3. O Ministério Público não logrou demonstrar os meios para a realização da obrigação de fazer pleiteada. 4. Recurso especial improvido. (STJ, REsp 510259 / SP, Rel. Min. Eliana Calmon, 2ª Turma, DJ 19 set. 2005 p. 252)

A redefinição no conteúdo da legalidade com o aparecimento do princípio da juridicidade acarreta alguns reflexos no âmbito da discricionariedade administrativa. Observa-se uma redução do conteúdo do mérito administrativo, elemento livre de apreciação através de controle jurisdicional. É que, com a positivação dos princípios administrativos, aspectos que antes eram pertinentes ao mérito, agora dizem respeito à juridicidade do ato. Permite-se ao julgador examinar o ato à luz dos princípios não só da legalidade, mas também da impessoalidade, da igualdade, da eficiência, da publicidade, da moralidade, da razoabilidade, da proporcionalidade. Amplia-se, portanto, a possibilidade de controle judicial da administração, na medida em que se permite ao julgador examinar aspectos antes impenetráveis do ato administrativo.

Parte-se da idéia de que a lei, ao conferir discricionariedade ao Administrador Público, assim o faz para que este adote a medida mais eficiente, mais adequada a cada situação, sempre tendo em vista a persecução do interesse público. O gestor público tem o dever de procurar adotar a conduta que melhor atende à finalidade legal:

É exatamente porque a norma legal só quer a solução ótima, perfeita, adequada às circunstâncias concretas, que, ante o caráter polifacético, multifário, dos atos da vida, se vê compelida a outorgar ao administrador – que é quem se confronta com a realidade dos fatos segundo seu colorido próprio – certa margem de liberdade para que este, sopesando as circunstâncias, possa dar verdadeira satisfação à finalidade legal[5].

Diante disso, muitas vezes pode acontecer que, não obstante a lei contenha previsão no sentido de possibilidade de realização de diversas condutas, diante do caso concreto somente uma delas esteja adequada a atender as necessidades, ou seja, aos fins daquela lei, chegando ao ponto até de suprimir a discricionariedade. Conclui-se, desta forma, que a liberdade contida na norma através da previsão de discricionariedade é maior que a liberdade resultante de sua aplicação ao caso concreto.

A previsão de discricionariedade pela norma, apesar de ser condição necessária para sua existência, não é suficiente, sendo imprescindível que esta esteja também presente quando da análise do caso concreto, pois “sua previsão na ‘estática’ do direito, não lhe assegura presença na ‘dinâmica’ do direito”[6]. Ainda, não se poderá invocar a previsão da discricionariedade contida na lei para afastar o controle pelo Judiciário, pois o exame no caso concreto acerca da ocorrência da discricionariedade não constituirá invasão de mérito administrativo.

Assim, a definição de mérito administrativo por Celso Antônio Bandeira de Mello é feita com base nestes argumentos, senão vejamos:

Mérito é o campo de liberdade suposto na lei e que, efetivamente, venha a remanescer no caso concreto, para que o administrador, segundo critérios de conveniência e oportunidade, se decida entre duas ou mais soluções admissíveis perante ele, tendo em vista o exato atendimento da finalidade legal, dada a impossibilidade de ser objetivamente reconhecida qual delas seria a única adequada[7].

Merece destaque também a observação feita por Maria Sylvia Zanella Di Pietro no sentido de que se deve tomar o devido cuidado para não se denominar mérito, impedindo o controle jurisdicional, o que na verdade se trata de questões que envolvem aspectos de legalidade e moralidade[8].

Dessa forma, verifica-se uma tendência da doutrina administrativista brasileira em ampliar o domínio do controle da discricionariedade administrativa pelo Judiciário.

O cerne de toda a problemática acerca da realização do controle da Administração Pública pelo Judiciário parece girar em torno dos limites que deve esse controle se pautar.

Retomando aquilo que foi dito quando do exame dos limites pertinentes ao exercício da discricionariedade administrativa, alguns doutrinadores tais como Hely Lopes Meirelles e Seabra Fagundes defendem que a extensão do controle realizado pelo Judiciário deve se restringir ao exame tão somente sob a ótica da legalidade. Para estes administrativistas, é vedado ao Judiciário adentrar na análise do mérito administrativo, sob pena do magistrado substituir o administrador no exercício da sua atividade.

Tais argumentos encontram fundamento no princípio da separação das funções do Estado, segundo o qual cada órgão do Poder deve agir nos limites que lhe são impostos quando da conferência de suas respectivas competências. Visa-se com essa medida evitar, portanto, o chamado “governo de juízes”, no qual a atividade administrativa é totalmente controlada por um órgão externo: o Judiciário.

Nesse sentido, acrescenta-se ainda que o Judiciário deverá se limitar, no exercício desse controle, a declarar a legalidade ou não do ato, isto é, se ilegal, decretará sua nulidade, negando-lhe os efeitos.

Esse entendimento, entretanto, vem sofrendo modificações na doutrina que, conforme demonstrado, tem revelado uma tendência à ampliação do exercício do controle da Administração Pública pelo Judiciário a partir da introdução da necessidade de adequação de sua atividade com os princípios positivados no ordenamento jurídico.

Nesse sentido, acerca do tema, Maria Sylvia Zanella Di Pietro assevera que:

O Poder Judiciário pode examinar os atos da Administração Pública, de qualquer natureza, sejam gerais ou individuais, unilaterais ou bilaterais, vinculados ou discricionários, mas sempre sob o aspecto da legalidade e, agora, pela Constituição, também sob o aspecto da moralidade (artigo 5º, inciso LXXIII e 37)[9].

Dessa forma, a citada doutrinadora inclui um novo parâmetro a ser observado no exercício do controle jurisdicional da Administração Pública: a moralidade.

Embora hoje não mais se adéqüem ao novo paradigma de Estado e de Administração Pública, os ensinamentos de Seabra Fagundes são de valiosa importância para compreensão do tema.

Não obstante, não se pode mais considerá-los como totalmente aplicáveis diante das mudanças pelas quais passa o Direito Constitucional e o Direito Administrativo. Também não se pode mais conceber que a Administração Pública, sob a escusa de que se estaria ferindo o princípio da separação das funções do Estado, possa praticar atos discricionários cujo mérito seja totalmente impenetrável.

Num Estado Democrático de Direito, em que todos estão sob o manto da lei, não é concebível que haja total liberdade para que o Administrador Público pratique ato discricionário, sem quaisquer limites no que diz respeito ao seu mérito, ainda mais quando este se encontra em total dissonância com a norma constitucional.

A nova concepção do direito por princípios, bem como a constitucionalização da Administração Pública acarretaram novos contornos ao exercício do controle jurisdicional. Conforme bem salienta J. J. Canotilho, “os princípios do Estado de direito (proporcionalidade, não retroatividade, confiança, segurança), e os princípios constitucionais da administração (legalidade, imparcialidade, justiça) forçam a reconstrução do direito administrativo à luz do direito constitucional”[10].

Nesse sentido, concebe-se o princípio da juridicidade como limite ao exercício do controle jurisdicional da Administração Pública. Este último exige que não só os aspectos de legalidade formal, mas também os princípios sejam levados em conta quando da apreciação dos atos administrativos.

O fenômeno da constitucionalização do Direito Administrativo, com o conseqüente enaltecimento da Constituição como Lei Maior de um Estado, de onde as leis inferiores retiram toda sua sustentação, e a ela devem estar em conformidade, resultou numa total submissão da Administração Pública aos preceitos constitucionais. Nesse sentido é a lição de Mauro Roberto Gomes de Mattos:

A vinculação da Administração à realidade constitucional faz com que seus atos sejam vigiados, não como uma forma de intervenção em sua conveniência e nem na respectiva oportunidade, e sim para mantê-la atrelada aos seus instrumentos condicionantes. É o mesmo fenômeno que ocorre quando o Poder Legislativo edita uma lei inconstitucional. Ou seja, quando o Poder Judiciário interpreta a norma e aplica a eficácia da Constituição, na prática ele não extrapola a sua função para transformar-se em legislador[11].

Desta forma, conclui-se que não há que se falar em mérito administrativo quando há afronta direta a disposição constitucional ou a princípios nela contidos. Este último, embora consista numa determinada esfera de liberdade conferida pela lei ao gestor público, não implica em autorização para que este pratique atos que resultem em desrespeito a direitos individuais, favorecimento de interesses pessoais em detrimento do interesse público, enfim, que desvirtuem totalmente sua finalidade.

Agora, considerando um segundo nível da discricionariedade, ou seja, no campo de aplicação concreta, entende-se que, implementada medida, caso a destinatário alegue lesão a direitos, o ato administrativo será levado à via judicial devendo ser  amplamente analisada pelo julgador. Portanto, o juiz não somente pode como deve apreciar – não se confunda com a substituição de decisões – na sua inteireza, quaisquer atos oriundos do poder público, tendo como parâmetros as garantias constitucionais e os direitos fundamentais cuja diretriz política estará referida à primazia do administrado frente à administração. Para efetuar tal controle, deverá o órgão judiciário considerar os pressupostos de validade do ato em questão (motivo, a finalidade e causa), verificando se foi observada uma relação de adequação axiológico-constitucional, do ato administrativo, com aquilo que, no caso concreto possa ser o razoável, proporcional, moral, de interesses do cidadão e demais exigências principiológicas. Portanto, sob o parâmetro garantista de validade, deverão ser observados todos os aspectos substanciais dados medidas do poder público, discricionários ou não, em consonância com os direitos fundamentais do ponto de vista axiológico”.

Com efeito, o Poder Judiciário deve analisar e declarar que a presença de populações tradicionais é que condiciona o tipo de unidade de conservação a ser criada, e se necessário for, readequar o ato administrativo, preservando-se assim o ato quanto àquilo que não for contrário ao interesse de toda a sociedade, ou seja, protege-se o meio ambiente como também protege-se as Populações Tradicionais assim, no caso de esta ser criada sem a observância do direito dessas comunidades, é ilegal e inconstitucional, devendo o ato administrativo ser revisto e reformado para que respeite os princípios constitucionais, devendo, ainda, a conformidade ou a compatibilidade do seu conteúdo normativo estar de acordo com as normas jurídicas de hierarquia superior.

Não cabe ao Judiciário, assim, substituir as definições de conceitos jurídicos indeterminados da Administração pelas suas próprias definições, porém, cabe-lhe reconhecer, num caso concreto, que os efeitos de um ato administrativo extrapolam os limites aceitáveis, importando num desvio de finalidade, numa ofensa à moralidade, numa desproporcionalidade entre motivos, numa irrazoabilidade.

O Poder Judiciário não está limitado ao controle estritamente de legalidade do ato administrativo dito discricionário, ao contrário, lhe é dado exercer um controle do mérito do ato administrativo, porém, nessa última hipótese, o controle deve ser feito, como dito, pela análise de extremos, de forma a apenas repelir os excessos, sem substituição de valores e conseqüente invasão de Poderes.

O ato administrativo, portanto, seja vinculado, seja discricionário, admite um controle judicial, que será mais ou menos amplo, conforme a natureza do ato. Se vinculado, o exame se fará, via de regra, de maneira mais simples, eis que os requisitos do ato estarão dispostos na lei; não percamos de vista, contudo, que a imoralidade, como conceito de existência própria, só tem sentido se desvinculada do conceito de legalidade, sendo, portanto, admissível um controle de moralidade também do ato vinculado.

O ato discricionário, além do controle de legalidade objetiva, admite também um controle de mérito, por desvio de finalidade, vício de motivos ou desproporcionalidade. Esse último controle, embora restrinja a liberdade de opção do Administrador, apenas tende a coibir ou reparar abusos, os quais, aliás, já converteriam a discricionariedade em arbitrariedade. O controle judicial de mérito do ato administrativo discricionário, portanto, se faz unicamente pela análise dos extremos, de modo a invalidar os excessos, que são mais facilmente perceptíveis e identificáveis.

Em cima de tudo quanto foi dito anteriormente, fica fácil extrair as conclusões desse estudo.

A Criação de Unidade de Conservação é um processo em que se pode distinguir três momentos de grande relevância: 1) o momento do início do processo; 2) o momento de consulta a população; e 3) o momento da decisão definitiva, com a escolha apropriada do modelo de Unidade de Conservação.

O primeiro momento – início do processo – é ato inteiramente reservado à avaliação de conveniência e oportunidade da Administração Pública, ou seja, é uma atividade discricionária.

Da mesma forma, a avaliação de interesse público, a qual se caracteriza como discricionariedade técnica.

Nesses dois momentos, portanto, o Poder Judiciário poderá efetuar um controle de legalidade objetiva – a fim de se averiguar se presentes os requisitos formais e se competente e civilmente capaz a autoridade (o objeto, por se tratar de proteção ao meio ambiente, será sempre lícito) – controle esse sempre possível. Quanto ao mérito do ato, ficará restrito a coibir a imoralidade e os excessos porventura existentes, representados por desvio de finalidade, vício de motivos ou desproporcionalidade, no caso dos autos a presença de  populações tradicionais deve condicionar o tipo de unidade de conservação a ser criada.

Nessa tarefa, o Judiciário fatalmente se deparará com a dúvida se existe ou não o interesse público a ensejar o processo protetivo ou, em outras palavras, se essas populações tradicionais tem valor cultural. Essa dúvida não poderá ser resolvida mediante uma análise, pelo Judiciário, dos contornos e características do valor cultural do bem, pois isto implicaria em fazer prevalecer a opinião (é essa a palavra correta) de um Poder sobre o outro, o que não é justificável, pois o Juiz decidirá com base em suas próprias convicções e, de forma mais contundente (pois não se pode exigir do juiz conhecimentos técnicos capazes de embasar um entendimento sólido), com base nas convicções de um perito. De qualquer forma, será um entendimento unissingular, o qual não tem porque se sobrepor ao entendimento do órgão colegiado da Administração. Isto seria simples substituição de valores, quiçá prejudicial, eis que a avaliação de interesse público pode envolver aspectos multidisciplinares (históricos, artísticos, etnográficos, culturais, arquitetônicos etc), os quais muitas vezes não possui o próprio perito, que avaliará a existência de populações tradicionais unicamente sob o ângulo de sua especialização. Já um órgão colegiado dispõe (ao menos presumidamente) de profissionais de diversos ramos, cuja análise, multifacetada, pode revelar com mais precisão o interesse público.

O controle judicial, assim, será feito mediante uma avaliação das populações tradicionais localizadas na área a ser transformada em Unidade de Conservação em questão, não com o intuito de precisar o seu valor cultural, mas com o intuito de avaliar se evidentemente aquela população não possui valor cultural. A distinção é sutil, porém importantíssima.

Por fim, resta o controle judicial sobre o último momento, o da decisão de escolha da categorização da Unidade de Conservação. Sendo ato administrativo vinculado, admitirá um controle mais estrito e também mais simplificado. O importante, aqui, será o resultado da avaliação acerca do valor dessas populações tradicionais. Caso positiva a avaliação, o administrador está obrigado a proceder ao reconhecimento do valor cultural da população tradicional existente, adequando a Criação da Unidade de Conservação à permanência da população tradicional merecedora da mesma proteção constitucional que o meio ambiente. Como também poderá o judiciário reconhecer a importância das Populações Tradicionais e adequar a Unidade de Conservação criada, vez que a presença de populações tradicionais deve condicionar o modelo de Unidade de Conservação, portanto, após os estudos que comprovam a presença de Populações Tradicionais, acaba por se ter nenhuma discricionariedade em face da categoria da Unidade de Conservação a ser escolhida.

 

Bibliografia
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Discricionariedade e Controle Jurisdicional. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. O Direito Constitucional Passa; O Direito Administrativo Passa Também. Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Rogério Soares. Studia Iuridica. Nº 61. Coimbra, 2001.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade Administrativa na Constituição de 1988. São Paulo: Atlas, 1991.
Ibraim José das Mercês Rocha, in http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto. asp?id=3972, acesso em 16/08/2007.
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MORAES, Germana de Oliveira. Controle Jurisdicional da Administração Pública. São Paulo: Dialética, 1999.
NUNES, Castro. apud MORAES, Germana de Oliveira. Controle Jurisdicional da Administração Pública. São Paulo: Dialética, 1999.
ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. Princípios Constitucionais da Administração Pública. Belo Horizonte: Del Rey, 1994.
Notas:
[1] Interpretação e Aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 138.
[2] Ibraim José das Mercês Rocha, in http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto. asp?id=3972, acesso em 16/08/2007.
[3] MORAES, Germana de Oliveira. Controle Jurisdicional da Administração Pública. São Paulo: Dialética, 1999. p. 24.
[4] ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. Princípios Constitucionais da Administração Pública. Belo Horizonte: Del Rey, 1994. p. 79-81.
[5] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Discricionariedade e Controle Jurisdicional. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 35.
[6] Idem, ibidem. p. 37. Nota 105.
[7] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Discricionariedade e Controle Jurisdicional. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 38.
[8] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade Administrativa na Constituição de 1988. São Paulo: Atlas, 1991. p. 91.
[9] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 15ª ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 616.
[10] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. O Direito Constitucional Passa; O Direito Administrativo Passa Também. Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Rogério Soares. Studia Iuridica. Nº 61. Coimbra, 2001.
[11] NUNES, Castro. apud MORAES, Germana de Oliveira. Controle Jurisdicional da Administração Pública. São Paulo: Dialética, 1999. p. 104.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Eduarda Alcione da Silva Kirchchoff da Rocha

 

Advogada licenciada, assistente de promotoria na 1a. Promotoria de Justiça em São Francisco do Sul, especialista em processo pela Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE.

 


 

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