Uma nova abordagem da jurisdição no Processo Civil contemporâneo

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Resumo: O presente artigo tem a finalidade de tecer breves considerações acerca da jurisdição em face dos novos paradigmas que emergem na ciência processual moderna, sobretudo, em virtude das transformações que se espraiam nos tempos hodiernos. Outrossim, examinar, de forma concisa, as características da jurisdição. Ainda, expender sobre a jurisdição voluntária enquanto atividade tipicamente jurisdicional. Por fim, analisar a arbitragem como exercício da jurisdição e, assim, criar novos paradigmas a fim de efetivar o acesso ao Judiciário e zelar pelo Estado Democrático de Direito.


Palavras-chave: Jurisdição, Estado, Conflitos, Arbitragem.


Abstract: This article aims to make brief comments on the jurisdiction in the face of new paradigms that emerge in procedural modern science, especially in view of changes that spread in modern times. Also, examine, in a concise form, the characteristics of jurisdiction. Still, explains on the court as a voluntary activity typically court. Finally, consider the arbitration as an exercise of jurisdiction and thereby create new paradigms in order to carry out access to the judiciary and promoting the democratic rule of law.


Keywords: Jurisdiction, State, Conflicts, Arbitration


Sumário: 1. Introdução. 2. Jurisdição. 3. Características da Jurisdição. 4. Jurisdição Voluntária. 5. Arbitragem. 6. Conclusões. 7. Referências


1.Introdução


A ciência processual está sedimentada em três noções basilares que se constituem em pontos nevrálgicos dos estudos pertinentes à matéria sob exame. Assim, a jurisdição, a ação e o processo perfazem o conjunto de elementos que consubstanciam o processo civil moderno. A concepção de jurisdição tomou proporções muito mais significativas não sendo mais restrito à aplicação do direito material. É preciso romper com os antigos paradigmas que o norteiam e vislumbrá-lo sob o prisma teleológico do exercício da jurisdição que corresponde à composição de lides e não a simples aplicação da lei que torna a atividade do juiz puramente mecanicista que nem sempre resulta em efetivação da justiça e realização do bem comum. A concretização do direito por intermédio da efetivação da função jurisdicional, inclusive pela assunção da jurisdição voluntária e da arbitragem como típico exercício da jurisdição.


2.Jurisdição


A jurisdição é, indubitavelmente, o instituto do direito processual que apresenta maior valia no direito processual, caracterizando-se como o âmago da ciência processual, ocupando disposição nuclear nesta seara do Direito. Ab initio, insta afirmar que a terminologia “jurisdição” é oriunda do latim juris dictio, dizer o direito.[1] Não obstante esta acepção tenha se afastado do sentido primitivo, pois a atividade jurisdicional não está circunscrita a declaração de direitos por parte do Estado, mas também, em outras condições em que o Estado realiza a tutela jurídica processual sem, necessariamente, declarar direitos.


A doutrina não é pacífica no que se refere ao conceito de jurisdição. Dentre as diversas teorias formuladas, as mais proeminentes e reconhecidas são as concepções de Chiovenda e Carnelutti. Para o primeiro, conceitua-se a jurisdição como:


“Função do Estado que tem por escopo a atuação da vontade concreta da lei por meio da substituição, pela atividade de órgãos públicos, da atividade de particulares ou de outros órgãos públicos, já no afirmar a existência da vontade da lei, já no torná-la, praticamente, efetiva”.[2]


Nesse diapasão, a definição de Chiovenda acerca da jurisdição pressupõe que a lei, norma embebida de generalidade e abstracionismo, rege toda a realidade fática que, porventura, surja no plano concreto, incumbindo ao Estado exercer a função jurisdicional de forma restrita à atividade volitiva material do direito positivo. É de se notar, portanto, que o exercício da jurisdição pelo Estado está delimitado a efetivar o que prescreve a lei e, outrossim, declarar direitos já existentes.  


De outro lado, tem-se a teoria concebida por Carnelutti cujo entendimento gravita em torno do conceito de lide. Para compreendê-la, impende ter-se uma concepção precisa do que consistem os vocábulos interesse e pretensão. Afirma Carnelutti que interesse é a “posição favorável para a satisfação de uma necessidade” [3]; e pretensão é “a exigência de uma parte de subordinação de um interesse alheio a um interesse próprio”.[4] O conflito de interesses surge quando mais de um indivíduo busca desfrutar o mesmo bem. A lide tem origem quando o conflito de interesses resultante do concurso pelo mesmo bem não se resolve de forma natural entre as partes. Então, ambos resistirão ao que lhes são exigidos um pelo outro, de modo que caberá ao Estado, detentor do poder-dever de jurisdição, dirimir tais conflitos e declarar direitos. Por esta razão, Carnelutti sustenta que a jurisdição é “uma função de busca da justa composição da lide”. [5]


Não obstante há quem defenda a conciliação de ambas as teorias, situando-as como interdependentes entre si, razão assiste aos que perfilham o entendimento de que as duas concepções são divergentes.


Diante das posições doutrinárias ora alvitradas, parece que a teoria de Carnelutti apresenta maior solidez jurídica, pois se coaduna com a função jurisdicional do processo civil moderno. Entretanto, o ilustre processualista Alexandre Freitas Câmara ao divergir, defende, veementemente, que o “Estado, ao exercer a função jurisdicional, não tem a função de compor a lide, sendo possível mesmo afirmar-se que o processo é a antítese da composição”. [6]


Com a devida vênia, não se pode condescender com esta assertiva, pois, em primeiro lugar, frise-se, a jurisdição é função criativa[7], porquanto juiz ao aplicar a lei ao caso concreto, gera a própria norma jurídica do caso concreto. Em outras palavras, a decisão judicial está imbuída de uma norma jurídica singularizada, isto é, uma norma particular àquele caso concreto, estabelecida pelo poder judicante, a qual se difere de outras normas jurídicas, v.g, leis, não sendo suficiente a subsunção da norma ao caso sob judice. O juiz, portanto, deve ter uma atitude mais funcional que perpassa a letra da lei, buscando a resolução dos conflitos de forma consentânea com os princípios e direitos esculpidos na Constituição da República. Infere-se, por conseguinte, que a lei não encerra todo o conteúdo do direito e este não está adstrito à lei. Não existe ordenamento jurídico que perdure sem o ínfimo resquício ou abertura para o exercício da criatividade na concretização do direito.


Destarte, faz-se oportuno salientar o arguto raciocínio de Fredie Didier quando aduz que “os problemas jurídicos não podem ser resolvidos apenas com uma operação dedutiva (geral-particular)”. [8] Assim, os hard cases exemplificam esta atividade jurisdicional cuja solução não encontra resposta apenas na subsunção do fato à norma, mas requer uma atividade criativa do juiz. Diante do que foi expendido, não resta dúvidas que a jurisdição exerce a função de composição de lides, porque embora seja uma atividade abnegativa do conflito e mantenha a eqüidistância dos interessados, por se tratar de uma função calcada na imparcialidade, não tendo interesse direto no objeto do processo, cabe-lhe um interesse público na composição do litígio, isto é, um interesse na paz social. [9] Dessarte, consoante Theodoro Júnior, impende acrescentar a título de ilação que “dando ao direito do caso concreto a certeza que é condição da verdadeira justiça e realizando a justa composição do litígio, promove, a jurisdição, o restabelecimento da ordem jurídica, mediante eliminação do conflito de interesses que ameaça a paz social”. [10] Vê-se, assim, que o Poder Judiciário não exerce apenas a função de legislador negativo, ele também atua concretizando o sistema de direitos face ao caso concreto. Tal afirmação amalgama-se com o princípio da inafastabilidade da jurisdição, pois diante de um caso concreto não previsto em lei, compete ao juiz apresentar uma solução à questão levada a juízo, ainda que não haja resposta no direito objetivo.


Cabe ainda salientar que Câmara assevera que “a lide não é elemento essencial ao exercício da jurisdição, mas sim elemento acidental”. [11] Data vênia, ousa-se mais uma vez discordar, pois a ausência de lide é uma excepcionalidade. A regra é que haja lide, a exceção é a jurisdição sem lide. Ainda assim, nestes casos em que não há lide, o fenômeno jurisdicional atinge a sua finalidade compositiva na medida em que promove a ordem e segurança jurídica, eliminado potenciais conflitos de interesses que possam irromper em razão da incerteza jurídica, arrefecendo, assim, a ameaça à paz social e, sobretudo, zela-se pela proteção dos direitos.


Insta ressaltar que, partindo de uma abordagem fenomenológica do processo, avulta de importância as considerações de Antonio Adonias Aguiar Bastos ao expender que:


“Neste contexto, seria impróprio acreditar que o processo judicial é o método pelo qual o juiz (intérprete-aplicador) alcançará a verdade, dizendo a solução jurídica previamente existente para o caso concreto, como se a atividade processual não interferisse e não integrasse o próprio direito objeto de litígio. Com efeito, o magistrado formará sua compreensão no processo, pelo processo e do processo judicial, e, ao fazê-lo, cria uma norma jurídica (sentença) que operará seus efeitos, só aí produzindo conteúdo, anteriormente inexistente. (…) Esta nova situação exige uma mudança do paradigma cognitivo tradicional e da própria concepção do processo judicial”.[12]


 Faz-se oportuno esclarecer que não se pode afastar completamente a teoria da instrumentalidade, visto que o processo não pode ser examinado como um fim em si mesmo. O processo deve ser analisado na perspectiva jurídica de sua finalidade, qual seja, a composição de lides por meio de uma atividade jurisdicional criativa, bem como as implicações sociais e políticas. Este tema é amplamente examinado por Cândido Rangel Dinamarco. Pelo aspecto social, a jurisdição tem duas finalidades: a pacificação social de forma justa e a educação social.[13] Aquela, a meu ver, está intrinsecamente ligada ao sentido teleológico do exercício da jurisdição que corresponde à composição de lides e não a simples aplicação da lei que torna a atividade do juiz puramente mecanicista que nem sempre resulta em efetivação da justiça e realização do bem comum.


Finalmente, os escopos políticos da jurisdição, a saber: afirmação do poder estatal, culto às liberdades públicas e garantia de participação do jurisdicionado nos destinos da sociedade. [14]


3.Características fundamentais da jurisdição


A jurisdição é revestida de alguns elementos que a caracterizam cuja identificação é imprescindível para a compreensão desta função estatal. As características fundamentais da jurisdição são: poder-dever, heterocomposição, imparcialidade, inércia e natureza criativa.


É preciso repisar que ao erigir-se em uma função do Estado, tem-se que a atividade jurisdicional apresenta-se, inicialmente, como poder-dever, pois atua de forma imperativa através da aplicação da norma jurídica, sempre, porém, submetendo-se aos preceitos axiológicos e teleológicos que informam a Carta Constitucional e as leis extravagantes que, em apertada síntese, resume-se no dever de fomentar a ordem jurídica, o bem comum e a pacificação social.


A segunda característica que se atribui à jurisdição é a heterocomposição. A princípio, a jurisdição tocava aos próprios indivíduos interessados na tutela dos bens jurídicos em disputa. A autotutela que nos primórdios da construção da ciência jurídica era a regra basilar, hodiernamente, configura-se em exceção dentro do ordenamento jurídico, como, verbi gratia, a legítima defesa e o estado de necessidade, que encontra guarida em razão da inviabilidade de o Estado tutelar, de forma onipresente, todas as violações que irromperem contra o direito de outrem. Desse modo, o Estado é o titular da prestação jurisdicional e substitui a vontade e atividade das partes e determina a composição do conflito.


Não se pode olvidar que esta substitutividade, denominação empregada por Chiovenda, consiste na característica que diferencia a jurisdição de outras atividades realizadas pelo Estado. É incabível, porém, conceber a função jurisdicional como aplicação em concreto da vontade do direito objetivo, cuja natureza é meramente declaratória. É imprescindível insistir no fato de que a jurisdição é, fundamentalmente, de natureza criativa.


Outro aspecto importante que se deve notar é que a jurisdição cujo exercício é realizado por terceiro imparcial não lhe é atributo exclusivo. Os tribunais administrativos, malgrado suas decisões não tenham natureza jurisdicional, são manifestadas por terceiros imparciais.


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Outra característica da jurisdição é a imparcialidade, sendo mister assinalar, de antemão, que não se pode confundi-la com a noção de neutralidade. Nesse ínterim, Didier lança luz sobre o tema ao asseverar que:


“Não se pode confundir neutralidade e imparcialidade. O mito da neutralidade funda-se na possibilidade de o juiz ser desprovido de vontade inconsciente; predominar no processo o interesse das partes e não o interesse geral de administração da justiça; que o juiz nada tem a ver com o resultado da instrução. Ninguém é neutro, porque todos têm medos, traumas, preferências, experiências etc. (…) O juiz não deve, porém, ter interesse no litígio, bem como deve tratar as partes com igualdade, garantindo o contraditório em paridade de armas (fair hearing, como dizem os americanos): isso é ser imparcial”.[15]


Nesse sentido, o magistrado adota uma posição de eqüidistância em relação às partes interessadas e tem por escopo a composição do conflito de interesses. Nessa perspectiva, Theodoro Júnior caracteriza-a como a “atividade desinteressada do conflito”. [16]


É, ainda, característica da jurisdição é a inércia, isto é, a prestação jurisdicional está vinculada à provocação pelo sujeito interessado. Esta é a idéia contida no brocardo ne procedat iudex ex officio. O princípio da inércia arrima-se no art. 2º do Código de Processo Civil ao dispor que “nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a requerer, nos casos e formas legais”.


Assim, é defeso aos juízes o exercício da atividade jurisdicional sem que anteceda uma provocação por parte de um sujeito interessado. Como esclarece Alexandre Câmara, “não pode haver exercício da jurisdição sem que haja uma demanda”. [17]


Por último, impende asseverar a natureza criativa da jurisdição. O Poder Judiciário não exerce apenas a função de legislador negativo, ele também atua concretizando o sistema de direitos face ao caso concreto. A lei não encerra todo o conteúdo do direito e este não está adstrito à lei. Sob o lume destas afirmações, não resta dúvidas de que o Estado cria direitos ao cumprir a função jurisdicional.


4.Jurisdição Voluntária


O Código de Processo Civil preceitua no art. 1º que a jurisdição civil encerra em seu bojo a jurisdição contenciosa e a jurisdição voluntária. O estudo da jurisdição voluntária no Direito Processual tem despontado calorosas discussões no âmbito doutrinário.


Inúmeras são as teorias que buscam esclarecer a natureza da jurisdição voluntária. Dentre as correntes doutrinárias tem havido maior apreço e predominância aquela que considera a jurisdição voluntária uma forma de administração pública de interesses privados.[18]


Para esta posição majoritária, a jurisdição voluntária não deve ser concebida como genuína jurisdição, uma vez que não tem lide a ser apreciada em juízo. Não poderia ser substitutiva, tendo como argumento que o juiz se imiscui em meio aos integrantes do negócio jurídico, não havendo que se falar em substituição. Ainda, porquanto não existe jurisdição, não há ação e processo, mas simplesmente procedimento e, assim, só há interessados, não havendo partes. Os defensores desta teoria também argumentam que por na haver jurisdição, não grassam status de coisa julgada.


Primeiramente, a idéia de que não há lide na jurisdição voluntária não pode vingar, haja vista que não é pressuposto da jurisdição integrativa a existência de lide, esta não necessariamente deve vir expressa no pedido. [19] A potencialidade de conflitos que exsurge é bastante para a sujeição ao órgão judicante. Decerto, a finalidade jurisdicional se estende, até mesmo, para a tutela de interesses marcados pela ausência de litígios.


No tocante à substitutividade, é cediço que a lei proíbe que os sujeitos interessados resolvam conforme queiram o negócio jurídico em questão. O magistrado atua em um mister que, a princípio, não lhe compete, ocupando a posição de terceiro imparcial e, por esta razão, substitui a atividade dos destinatários do interesse, objeto da sua atuação. Por certo, a jurisdição voluntária é substitutiva do interesse privado.


No que concerne à coisa julgada, pode-se rechaçar a idéia segundo a qual na jurisdição voluntária as decisões judiciais proferidas não restam protegidas pelo manto da coisa julgada. Muito embora uma leitura apressada do art. 1.111 do CPC transmita uma idéia perfunctória que apresenta um sentido divergente, este não é o raciocínio que se deve ter. Faz-se necessária uma exegese com seqüência linear de idéias para a apreensão correta da norma. Deste modo, quando se determina que a sentença possa sofrer modificação se sucederem elementos supervenientes, assegura-se a coisa julgada. Todas as sentenças estão intrinsecamente ligadas à cláusula rebus sic stantibus. Perfilha-se, neste ponto, o entendimento de Alexandre Câmara que argúi àqueles que a coisa julgada “é atributo de alguns provimentos jurisdicionais, mas não de todos”. [20] Ainda acrescenta a sentença cautelar[21] como exemplo de decisão judicial não encoberta pela coisa julgada, malgrado encerre em seu arcabouço a natureza jurisdicional.


Ademais, não se pode olvidar que são aplicáveis à jurisdição voluntária os princípios e corolários fundamentais ínsitos ao processo, sobretudo, porque a função jurisdicional estriba-se na ordem constitucional. Afasta-se, portanto, a idéia de que jurisdição voluntária tem natureza de função administrativa. É mais correto afirmar que se trata de uma atividade jurisdicional.


5.Arbitragem


Como já foi dito, a atividade jurisdicional norteia-se pela inércia, isto é, a atuação do Estado-juiz estar na dependência de uma provocação, consoante o art. 2º do diploma processual. Os conflitos podem encontrar solução por outros vieses os quais são modalidades não-jurisdicionais de composição de lides. Denominam-se tais formas de solução de conflitos de equivalentes jurisdicionais ou substitutivos da jurisdição. Como exemplos, citem-se a autotutela, a autocomposição, mediação, entre outros.


A arbitragem, por sua vez, não deve ser entendida como um substitutivo jurisdicional, mas sim, como uma atividade jurisdicional. Consoante magistério de Fredie Didier trata-se de “exercício de jurisdição por autoridade não-estatal”. [22] No Brasil, é regida pela Lei 9.307 de 23 de setembro de 1996.


Insta observar, a priori, que o árbitro é considerado juiz de fato e de direito, sendo que o provimento jurisdicional que lhe couber proferir não ficará sujeito a recurso e, tampouco, à homologação judicial (art. 18 da Lei 9.307/96) e, outrossim, a sentença arbitral gera, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida por um magistrado, constituindo-se, até mesmo, título executivo em sentença condenatória (art. 31 da Lei 9.307/96; art. 475-N, IV, do Código de Processo Civil).


Observa-se, inequivocamente, que a livre opção pela arbitragem não implica exclusão da jurisdição. As pessoas capazes que assim o fizerem, apenas abdicam, abrem mão, da jurisdição estatal. Dignas de apreço são as palavras de Didier ao afirmar que “a jurisdição é monopólio do Estado, mas não é correto dizer há monopólio de seu exercício”. [23] Se a sentença arbitral produz os mesmos efeitos da sentença proferida por um órgão do Poder Judiciário, é razoável concebê-la como sendo oriunda de uma atividade jurisdicional.


Na doutrina alienígena, a arbitragem é consignada como sendo de natureza jurisdicional. Dentre os italianos, pode-se destacar Luigi Paolo Comoglio, Corrado Ferri, Michele Taruffo e Sergio La China.


Este último, ao ser citado por Gilberto Notário Ligero, ponderava que


“Antes de 1994, quando o laudo arbitral dependia da homologação do juiz de primeira instância (decreto pretoriale) para que produzisse efeitos, a arbitragem não tinha vida própria. Contudo, após a modificação a orientação de fundo do Código de Processo Civil foi a de reconhecer valor imediato e incondicionado ao laudo arbitral como instrumento de decisão da controvérsia”.[24]


Denota-se, portanto, que condescender e situar a arbitragem como atividade jurisdicional implicaria em um grande progresso que elevaria o Brasil ao mais alto grau de desenvolvimento, compatível, inclusive, com outros países avançados em ciência processual, haja vista que o instituto da arbitragem é copiosamente empregado no direito alienígena. Entender o tema desta forma significa preconizar pelo acesso à justiça.  Neste passo, é preciso fixar novos parâmetros de regulação do Direito, sobretudo, em função da sua ineficácia instrumental e a crise do aparelho jurisdicional estatal. Nesse ínterim, valiosas são as palavras de Antonio Carlos Wolkmer que ao tratar sobre o tema expõe:


“O alcance dessa crise de identidade do Judiciário condiz com as próprias contradições da cultura jurídica nacional, construída sobre uma racionalidade técnico-dogmática e calcada em procedimentos lógico-formais, e que, na retórica de sua “neutralidade”, é incapaz de acompanhar o ritmo das transformações sociais e a especificidade cotidiana dos novos conflitos coletivos. (…) A par dessas considerações sobre a prioridade de uma consubstancial, descentralizada e democrática mudança no aparelho tradicional de jurisdição do Estado, impõe-se, mais do que nunca, desenvolver procedimentos efetivos de acesso e controle da população à administração da Justiça, incrementando a luta não só para que os órgãos clássicos de jurisdição (juízes, tribunais etc.) reconheçam e saibam aplicar formas flexíveis ou alternativas de Direito, como, igualmente, que haja uma aceitação cada vez maior, por parte dos canais institucionalizados do Estado, das práticas de negociação e de resolução dos conflitos, mediante mecanismos não-oficiais, paralegais, informais etc.”[25]


A propósito, parte da doutrina brasileira, pôs em dúvida a constitucionalidade do referido instituto sob o argumento de que ofenderia o princípio do acesso ao Judiciário (art. 5º, XXXV/CF). Este entendimento perde completamente a razão de ser, uma vez que a redação do citado artigo, frise-se, faz menção à exclusão do crivo do Poder Judiciário de lesão ou ameaça a direito, sendo que a arbitragem constitui-se em uma opção, uma faculdade do jurisdicionado. A arbitragem não é obrigatória. Trata-se de zelar pelo direito à liberdade. Ora, ao se adotar a corrente que defende o caráter jurisdicional do juízo arbitral pressupõe-se que nele também valha as características da jurisdição, dentre as quais a inércia, que consiste no exercício da jurisdição mediante provocação. Esta se dá através da convenção de arbitragem.


À luz das idéias expostas, vê-se que a jurisdição deve ser examinada por uma nova perspectiva com a quebra de desgastados paradigmas que descaracterizam o Estado Democrático de Direito.


6.Conclusões


1.O vocábulo “jurisdição” é oriundo do latim juris dictio, dizer o direito. Não obstante esta acepção tenha se afastado do sentido primitivo, pois a atividade jurisdicional não está circunscrita a declaração de direitos por parte do Estado, mas também, em outras condições em que o Estado realiza a tutela jurídica processual sem, necessariamente, declarar direitos.


2.A definição de Chiovenda acerca da jurisdição pressupõe que a lei, norma embebida de generalidade e abstracionismo, rege toda a realidade fática que, porventura, surja no plano concreto, incumbindo ao Estado exercer a função jurisdicional de forma restrita à atividade volitiva material do direito positivo. Carnelutti sustenta que a jurisdição persegue a tarefa de justa composição da lide. Parece que a teoria de Carnelutti apresenta maior solidez jurídica, pois se coaduna com a função jurisdicional do processo civil moderno.


3.O processo deve ser analisado na perspectiva jurídica de sua finalidade, qual seja, a composição de lides por meio de uma atividade jurisdicional criativa, bem como as implicações sociais e políticas.


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4.A jurisdição é revestida de alguns elementos que a caracterizam cuja identificação é imprescindível para a compreensão desta função estatal. As características fundamentais da jurisdição são: poder-dever, heterocomposição, imparcialidade, inércia e natureza criativa.


5.São aplicáveis à jurisdição voluntária os princípios e corolários fundamentais ínsitos ao processo, sobretudo, porque a função jurisdicional estriba-se na ordem constitucional. Afasta-se, portanto, a idéia de que jurisdição voluntária tem natureza de função administrativa. É mais correto afirmar que se trata de uma atividade jurisdicional.


6.Situar a arbitragem como atividade jurisdicional implicaria em um grande progresso que elevaria o Brasil ao mais alto grau de desenvolvimento, compatível, inclusive, com outros países avançados em ciência processual, haja vista que o instituto da arbitragem é copiosamente empregado no direito alienígena. Entender o tema desta forma significa preconizar pelo acesso à justiça.


 


Referências

BASTOS, Antonio Adonias Aguiar. Uma Análise Fenomenológica do Processo: Crítica à Teoria da Instrumentalidade. Disponível em: http://www.conpedi.org/manaus/arquivos/Anais/Antonio%20Adonias%20Aguiar%20Bastos_Hermeneutica%20e%20Processo.pdf.  Acesso em: 27 de outubro de 2008.

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 17. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 9. ed. Bahia: JusPodivm, 2008.

LIGERO, Gilberto Notário. Uma Nova Visão da Natureza Jurídica da Jurisdição a partir da Arbitragem. Revista Jurídica da UniFil. Londrina, ano 02, n. 02, p. 194 – 210, 2005.

SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 47. ed. Vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 2008.

WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo jurídico: fundamentos de uma nova cultura no Direito. 3. ed. São Paulo: Alfa-omega, 2001.

 

Notas:

[1] SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

[2] Apud CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 17. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 66.

[3] Apud THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 47. ed. Vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 39.

[4] Ibidem, p. 39.

[5] Apud CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 17. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 66.

[6] CÂMARA, Alexandre Freitas. Op. cit.  p. 68.

[7] DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 9. ed. Bahia: JusPodivm, 2008, p. 68.

[8] DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 9. ed. Bahia: JusPodivm, 2008, p. 68.

[9] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 47. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 41.

[10] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Op. cit, p. 42.

[11] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 17. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 68.  

[12] BASTOS, Antonio Adonias Aguiar. Uma Análise Fenomenológica do Processo: Crítica à Teoria da Instrumentalidade. Disponível em: http://www.conpedi.org/manaus/arquivos/Anais/Antonio%20Adonias%20Aguiar%20Bastos_Hermeneutica%20e%20Processo.pdf.  Acesso em: 27 de outubro de 2008.

[13] Apud CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 17. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 79.

[14] Ibidem.

[15] DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 9. ed. Bahia: JusPodivm, 2008, p. 67.

[16] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 47. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 41.

[17] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 17. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 70.

[18] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 47. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 44.

[19] DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 9. ed. Bahia: JusPodivm, 2008, p. 97.

[20] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 17. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 77.

[21] Ibidem.

[22] DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 9. ed. Bahia: JusPodivm, 2008, p. 74. 

[23] DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 9. ed. Bahia: JusPodivm, 2008, p. 81.

[24] LIGERO, Gilberto Notário. Uma Nova Visão da Natureza Jurídica da Jurisdição a partir da Arbitragem. Revista Jurídica da UniFil. Londrina, ano 02, n. 02, p. 194 – 210, 2005.

[25] WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo jurídico: fundamentos de uma nova cultura no Direito. 3. ed. São Paulo: Alfa-omega, 2001, p. 99, 104.


Informações Sobre o Autor

Wesley de Lima

Acadêmico do curso de Direito da Universidade Federal de Rondônia – UNIR


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