Resumo: Por vezes alguns assuntos retornam ao cenário do debate nacional, sobretudo quando a mídia começa a retratá-los com mais veemência. É o caso da utilização das algemas que, principalmente após a prisão de nomes importantes do cenário político, volta a ser tema de decisões judiciais e acaloradas discussões. Entre uma prisão e outra, surgem diversas teorias sobre o assunto, diversos segmentos da sociedade, entre policiais, defensores dos direitos humanos, entre outros, opinando sobre o tema. Fato é que a situação exige uma regulamentação específica, o que ainda nos tempos atuais não vigora no ordenamento jurídico brasileiro. Por estas indefinições, ora as algemas são vistas simplesmente como símbolo de repressão, ora são vistas como fundamentais na segurança tanto do conduzido quanto do condutor. Independente do debate, elas são importantes quando o Estado, por meio da figura policial, atua com o chamado jus puniendi, ou seja, o direito que tem de punir condutas que são consideradas ilícitas. As algemas são importantes na condução de pessoas que, por suas condutas, assumem um elevado grau de periculosidade, pondo em risco, em uma eventual condução coercitiva, todos os envolvidos. O debate está armado. Cada corrente se municia com seus argumentos para que, num futuro próximo, espera-se, surja uma legislação que observe todas estas premissas e que possa por fim às interpretações errôneas e tendenciosas sobre o tema.
Palavras-chave: Uso de algemas; Atividade Policial; Liberdade.
Abstract: At times some subjects return to the national debate, over all when media starts portraying them with more vehemence. And that’s the case of the use of manacles that, mainly after the prison of important political names, comes back to juridical decisions and exciting argues. Between one imprisonment and another, comes up many theories about it, and a lot of opinions from different section of society, as police-officers, human rights’ defenders, and others. Actually this is a situation which demands a specific settlement, that is still a blank in the brazilian law. All this vagueness brings doubts, and sometimes manacles are seen as a symbol of repression and other times are seen as an essential part of security of the conducted as much as the conductor. Apart from this debate, manacles are important when the State, through police-officers, acts with jus puniendi, that is, the right of punish conducts considered illegal. Manacles are significant for lead people who, by their behavior, represent a high level of dangerous and show a risk to an eventual coercive conduct for all involved. The debate is set up. Each part must defend their arguments and then, in a forthcoming future, it is hoped that a legislation arises, observing each premise and ending all the misunderstandings about the subject.
Key words: manacles; police; freedom; police routine.
INTRODUÇÃO[1]
Assunto polemizado há algum tempo, a utilização das algemas está novamente em foco no cenário nacional, sobretudo pelas ações na Polícia Federal (PF), com ampla divulgação na mídia. O órgão policial judiciário da União vem atuando principalmente contra os chamados crimes do “colarinho branco”, onde estão envolvidas pessoas de classes sociais mais favorecidas, além de políticos e demais pessoas influentes.
A prisão de algumas destas pessoas na chamada Operação Satiagraha, realizada pela Polícia Federal, fez explodir a polêmica, com uma interferência, coincidente ou não, do Supremo Tribunal Federal (STF), que editou uma súmula vinculante sobre o assunto, tornando o debate ainda mais acirrado.
A legislação brasileira ainda é muito incipiente sobre o tema e alguns projetos de leis regulando o assunto tramitam em ambas as casas do Congresso Nacional – Câmara dos Deputados e Senado Federal, sendo que não há qualquer sinalização de quando estes projetos serão apreciados pelos congressistas.
Diante de tanta polêmica e da falta de uma regulamentação legal sobre o tema, encontram-se as forças policiais, que andam no tortuoso caminho que passa entre a segurança de seus servidores e dos detidos e as ações que possam ensejar o abuso de autoridade da condução destas mesmas pessoas.
O presente trabalho buscou analisar o tema, com foco na urgência de uma regulamentação que permita que as diversas polícias possam trabalhar com segurança, mas que não a transforme num pretexto para a degradação da dignidade humana de quem, porventura, tenha sido detido. Através dos estudos de outros trabalhos, decisões do STF e análise de projetos de lei que tramitam na Câmara dos Deputados, será possível encontrar respostas para alguns quesitos que ainda são tema de calosos debates em âmbito nacional.
1 METODOLOGIA
O artigo teve como fonte principal de pesquisas outros trabalhos de cunho acadêmico, como artigos, além da análise de textos legais e decisões dos Tribunais Superiores, bem como observação de notícias veiculadas na mídia nacional.
2 REVISÃO DE LITERATURA
2.1 POLÊMICA NA UTILIZAÇÃO DAS ALGEMAS
Algema, na análise trazida por Silva, significa “[…] palavra originária do idioma arábico, aljamaa, que significa pulseira. Definida pelo Dicionário Aurélio como ‘cada uma de um par de argolas metálicas, com fechaduras, e ligadas entre si, usada para prender alguém pelo pulso’ […].” (SILVA, 2007). Com uma análise mais sociológica do termo e do próprio objeto, tem-se que ele possui uma conotação negativa, sempre remetido a um ato de restrição da liberdade, coação física, entre outros.
Instrumento fundamental na atividade policial, as algemas têm sido alvo de duras críticas por diversos segmentos da sociedade, que ganhou voz de peso com a adesão do Supremo Tribunal Federal em agosto de 2008. Esta adesão veio em forma de súmula vinculante, instrumento previsto da Constituição Federal, em seu artigo Art. 103-A, que prevê, in verbis:
“O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.”
Como pode ser observado, o preceito constitucional menciona que as súmulas vinculantes somente podem ser editadas em casos de decisões reiteradas sobre um determinado tema e, ainda que tenham esse nome, elas de fato só possuem esse efeito até que seja editada uma norma que regule a questão. É importante frisar que essas súmulas não vinculam o Poder Legislativo, que possui total independência para editar normas que vão de encontro ao teor dessas decisões do STF.
A súmula, de número 11, foi editada com base em um precedente em julgamento perante o Tribunal do Júri. A tese da defesa alegou que o impetrante do habeas corpus havia sido prejudicado em seu julgamento, por permanecer todo o tempo algemado, o que teria influenciado negativamente o Júri, e o STF sumulou, por sua vez, o assunto, determinando efeito vinculante a ele e anulando o julgamento em questão.
Ao tomar esse posicionamento, o Supremo Tribunal acalorou o debate, visto que praticamente ao mesmo tempo a Polícia Federal desencadeava uma grande operação contra a corrupção, prendendo e algemando pessoas influentes, como o ex-prefeito paulistano Celso Pitta e o banqueiro Daniel Dantas. Essas prisões desencadearam toda a polêmica, ainda mais forte após a seqüência de habeas corpus para soltura de Dantas, que fora detido e liberado duas vezes em menos de 24 horas.
A súmula de n. 11 versa sobre as situações nas quais o uso de algemas está autorizado e, principalmente, demonstra o que poderá acontecer com o agente público que exorbita o limite da utilização desse instrumento durante as atividades policiais rotineiras. Além de aprovar o texto, o Tribunal ainda decidiu que para todas as decisões tomadas em conformidade com as Súmulas Vinculantes não caberá recurso. A Súmula Vinculante tem o seguinte teor:
“Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.”
Como pode ser observado no texto editado pelo STF, toda utilização de algemas deverá ser justificada por escrito, sob pena de o executor do ato ser responsabilizado nas três esferas, administrativa, civil e penal. Na atividade policial, em que a urgência das ações é preceito fundamental para uma missão bem sucedida, seria possível a justificação escrita todas as vezes em que as algemas forem utilizadas? Em uma atividade em que o tempo é precioso, onde a sociedade cobra a presença da polícia em todos os locais, é realmente relevante tal procedimento, que somente engessa a corporação?
Algumas polícias, como a Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), logo que tomaram conhecimento da edição dessa súmula, agiram de pronto, de sentido de resguardar seus policiais contra possíveis problemas que eles viessem a ter no âmbito administrativo e judicial. No caso específico da PCDF, a orientação é que os policiais continuassem com o procedimento já adotado em outros tempos, ou seja, que algemassem caso julgassem conveniente e seguro para ambas as partes, quais sejam, os detidos e os próprios policiais. Além desta orientação, foi editado um formulário padrão (em anexo) para que as prisões que envolvessem o uso das algemas fossem justificadas por escrito.
2.2 UTILIZAÇÃO DAS ALGEMAS NO ÂMBITO POLICIAL
Instrumento fundamental na atividade policial, as algemas fazem parte do conjunto mínimo de equipamentos de segurança que um policial deve ter ao exercer suas atividades. Por fazer parte dos órgãos que compõem a segurança pública nacional, conforme preconiza o artigo 144 da Constituição Federal, a força policial dispõe de prerrogativas que não são inerentes a todos os cidadãos, como por exemplo, o porte de armas sem restrição de lugar.
Por possuírem estas características, as forças policiais são cobradas a agir em caso de situação em que um flagrante delito está sendo cometido. O artigo 301 do Código de Processo Penal preconiza que “qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito”. Como pode ser observado, os agentes policiais são obrigados a agir em uma situação flagrancial, obviamente quando há possibilidade de ação e que não deixe o policial em desvantagem numérica ou de armamentos, por exemplo.
Ainda antes da edição da Súmula Vinculante número 11, alguns diplomas legais, ainda que não regulassem totalmente, já traziam espécies de orientações a serem seguidas na utilização das algemas nas prisões de infratores e suspeitos. Mesmo sem mencionar diretamente o nome algema, o Código de Processo Penal traz regulamentos que podem ser interpretados também para o uso legal do instrumento, sem ferir a dignidade da pessoa humana. Um exemplo desta afirmação está no artigo 292 do CPP, que dispõe do seguinte teor:
“Se houver, ainda que por parte de terceiros, resistência à prisão em flagrante ou à determinada por autoridade competente, o executor e as pessoas que o auxiliarem poderão usar dos meios necessários para defender-se ou para vencer a resistência, do que tudo se lavrará auto subscrito também por duas testemunhas” (grifo nosso.)
Como é observado, em caso de uma resistência do conduzido, é possível a utilização dos meios necessários. Ora, não há menção em algemas, mas induz-se que elas são fundamentais neste contexto, a fim de se evitar um possível confronto corporal ou até mesmo envolvendo armas de fogo. Como aduz Alves (2008), em seu artigo:
“Apesar de não elencados pelo CPP, consideram-se meios necessários todos os esforços materiais e humanos tendentes a repelir uma injusta agressão à autoridade e seus executores, bem como impedir a fuga do agente infrator, desde que o esforço seja usado na medida da agressão sofrida, bem como dentre várias possibilidades seja usado o meio menos lesivo. Portanto, as algemas englobam o universo extenso do termo ‘meios necessários’, desde que seja usadas como forma de conter uma agressão, resistência ou fuga, e não como meio de punição ou execração pública contra qualquer pessoa.”
No calor de uma situação flagrancial, não há tempo para se verificar completamente se a situação se encaixa dentro de um desses preceitos ou não. A contenção de indiciados ou suspeitos é feita para se evitar uma agressão ou uma tentativa de fuga. Não há como prever qual será a resposta de uma pessoa ao saber que está detida e, para se evitar uma possível reação desesperada, que pode levar à conseqüências piores, é que a utilização das algemas se faz necessária.
Até mesmo em caso dos detidos serem menores de idade, em razão do cometimento de algum ato infracional, é aceitável a utilização das algemas na condução desses. A proibição da legislação nacional versa somente no sentido de que os menores não podem ser transportados nos compartimentos fechados das viaturas policiais (conhecidos como cubículos), sob alegação que tal procedimento viola a dignidade do menor conduzido. As considerações da Promotora de Justiça Selma Sauerbronn de Souza, citada por Alves (ALVES, 2008), retratam fielmente o pensamento inequívoco que se deve ter em relação ao uso das algemas quando se tem menores envolvidos numa ocorrência:
“[…] Em face do vigente Diploma Menorista, perfeito o entendimento que o uso de algemas no adolescente a quem se atribua autoria de ato infracional, deixou de ser uma regra geral, passando a ser conduta excepcional por parte da autoridade policial, seja civil ou militar, quando tratar-se de adolescente de altíssimo grau de periculosidade, de porte físico compatível a um adulto, e que reaja a apreensão. Algemá-lo, certamente, evitará luta corporal e fuga com perseguição policial de desfecho muitas vezes trágico para o policial ou para o próprio adolescente. Portanto, o policial que diante de um caso concreto semelhante ao narrado, optar pela colocação de algemas, na realidade estará preservando a integridade física do adolescente, e, por conseguinte, resguardando o direito à vida e à saúde, assegurados pela CF, e como não poderia deixar de serem, direitos substancialmente, consagrados pelo ECA” […]
É notório que a utilização das algemas é relevante na função policial. Obviamente que os abusos não devem ser cometidos e, caso ocorram, devem ser investigados e punidos de forma exemplar, nos termos da lei. É preciso estabelecer critérios, que não devem ser engessar a atividade policial, mas que garantam a dignidade de quem for detido. Uma das principais queixas relatadas é quando há a presença da mídia no momento das detenções. Isso faz com que o uso das algemas se torne vexatório, humilhante e por isso é necessário que nos projetos de leis que tramitam no Congresso Federal se vislumbre alguma possibilidade de se evitar a exposição gratuita daqueles que forem detidos com algemas ou mesmo colocados nas viaturas policiais. Nas palavras de Gomes (GOMES, 2006), uma explanação que retrata a realidade:
“Um equívoco comum é associar o uso de algemas ao emprego de força, quando, na verdade, a algema é forma de neutralização da força, contenção e imobilização do delinqüente. É menos traumático, doloroso e arriscado imobilizar o meliante pelo recurso à algema, do que pelo acesso a técnicas corpóreas de imobilização. […] O ato de algemar não é um constrangimento ilegal. Poderá sê-lo se procedido tão somente para filmagem e divulgação em rede nacional, o que sujeita o policial a sanções disciplinares, sem prejuízo de outras que sejam pertinentes […].”
2.3 UTILIZAÇÃO DAS ALGEMAS NO ÂMBITO JUDICIÁRIO
Fator preponderante na decisão do STF que fez surgir a Súmula Vinculante número 11, é a utilização das algemas dentro do judiciário, sobretudo no Tribunal do Júri, é alvo de constantes polêmicas e assunto ainda sem uma definição legal. Segundo as diversas teses em contrário a esta utilização, a mais falada é a que expõe que o réu estaria prejudicado se permanecesse todo o tempo do julgamento algemado. Isso causaria uma imagem negativa do réu perante o Conselho de Sentença (formado por cidadãos de diversos níveis sociais e de maioria leiga em procedimentos juricicionais) o que tenderia a uma condenação sem uma análise profunda das informações no julgamento.
Como no caso da utilização na esfera policial, no âmbito judiciário também não há uma regulamentação plena sobre o assunto. Cabe sempre a decisão final do juiz que, ao constatar a periculosidade do réu, pode determinar que ele permaneça algemado nas audiências. No caso do Tribunal do Júri, ainda não há um consenso, sendo que, no caso do precedente utilizado pelo STF, o julgamento foi anulado pelo fato de o réu estar algemado durante toda a seção do Júri. É um posicionamento divergente. Há alguns acórdãos do Superior Tribunal de Justiça que trazem o posicionamento daquele Tribunal em relação ao tema, como é o caso do acórdão citado por Pinto (2007):
“Não há que se falar em constrangimento ilegal em decorrência da manutenção das algemas do paciente durante o seu interrogatório, pois, nos termos da Lei Processual Penal, ‘ao juiz incumbirá prover à regularidade do processo e manter a ordem no curso dos respectivos atos, podendo, para tal fim, requisitar força pública’. Se o Magistrado reputou necessária a manutenção das algemas para melhor regularidade do ato, não há nulidade no interrogatório do réu”. (HC 25856-PB – 5a. T., Relator Min. Gilson Dipp, j. 17.6.2003, DJ 25.8. 2003, p. 336).
Percebe-se que essa decisão fica a cargo do juiz e que ele deve levar em conta fatores que determinam sua segurança e a dos demais presentes ao julgamento. Não há como ser determinado taxativamente em quais situações ele deverá se valer da utilização das algemas ou não. Caso recente demonstra que, mesmo já tendo passado por revista pessoal, não estando armado, um réu pode gerar problemas graves referentes à segurança dentro de uma sala de audiência, conforme notícia vinculada no jornal Extra, do Rio de Janeiro:
“O Julgamento de um acusado de homicídio poderia ter terminado em tragédia. na quinta-feira passada, em Cambuci, região serrana do Rio de Janeiro. Após receber a sentença de 17 anos por homicídio, Rodrigo Vieira de Almeida, que aguardava o julgamento sem algemas, (para evitar o constrangimento segundo o STF), tentou agredir fisicamente a juíza, a promotora e os jurados, que esperavam que a sentença fosse impressa. Foram necessários 6 Policiais Militares para conter o acusado.”
3 DISCUSSÃO
Com a mais recente polêmica sobre o tema, percebe-se que não é somente a utilização das algemas que está no foco do assunto. A questão é muito mais profunda que isso, passando por quesitos de ordem social, principalmente. As algemas sempre foram utilizadas como forma de contenção na maioria das vezes, e como forma de humilhação, em outras. Fato é que nunca este tema chegou a tal ponto de ser discutido em plenário de Tribunais Superiores e ser ensejador de anulações de julgamentos e prisões.
Aqui há, claramente, a atenção de alguns operadores do Direito somente quando as classes superiores são atingidas por medidas que não lhes agradam. Nas precisas palavras de Bernardo Carvalho (CARVALHO, 2008), é possível verificar as tendências deste tipo de discussão:
“Temos, portanto, mais um apartheid social. Sim, porque essa súmula pode até deixar margens de dúvida a respeito de quando as algemas não devem ser usadas, mas quando elas devem ser usadas continua claro: quando se tratar daquele criminoso dos crimes com violência real, normalmente contra o patrimônio. Ou seja, em virtude da súmula vinculante nº 11, restará saber se determinado delinqüente do colarinho branco deve ou não ser algemado e na maioria das vezes, a autoridade policial não terá como sustentar que ele deverá sê-lo, em virtude dos requisitos erigidos pelo STF.” (grifo nosso.)
E, complementando esta tese, defende Gomes (GOMES, 2007):
“A maior parte das críticas (falta de regulamentação, excepcionalidade da medida) possui como pano de fundo o ‘preconceito de classes’, pois, na prisão de traficantes e assaltantes de bancos, cargas e valores, abordagens em morros, favelas e comunidades humildes, afastados dos círculos de influência e amizade da burguesia e altas autoridades, os medalhões do direito e os mecenas da ‘presunção de inocência’ nunca levantaram suas vozes.”
Percebe-se que de fato não há um padrão para o uso das algemas, mas que há divergência quanto ao tratamento em relação às classes sociais. Nas classes de menor poder aquisitivo, o uso de algemas é quase padronizado, utilizado em todas as pessoas que são detidas pelas forças policiais, ao passo que em classes com maior poder aquisitivo e de influência, o costume é por não algemar.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em um país que adota o chamado civil low, ou seja, as decisões judiciais são amparadas principalmente nas leis (em sentido amplo) e, tendência atual, nos princípios, é necessário que haja regulamentação sobre assunto que envolva conflitos entre os direitos fundamentais, como a liberdade, a dignidade da pessoa humana, e a segurança daqueles que são, em alguns casos, o único braço do Estado que tem contato direto com a sociedade, no caso, as forças policiais.
Não há como sustentar que um procedimento seja adotado de forma distinta em função de classe social. É preciso, conforme preconiza a Constituição Federal do Brasil, buscar um tratamento equânime, independente da classificação econômica do agente sujeito à condução coercitiva. O procedimento deve ser exclusivamente em função da situação, da periculosidade, da possibilidade de reação ou de fuga. Assim sendo, todos aqueles que se enquadram nestas situações, podem e devem ser algemados, para garantir não só a integridade física dos condutores, geralmente as polícias, mas também sua própria segurança, já que, numa possível reação, o uso de arma letal pode ser necessário.
O Congresso Nacional deve se movimentar no sentido de aprovar uma legislação para regulamentar essa questão e dar liberdade para que as forças policiais possam atuar e que, num eventual abuso de poder, os cidadãos possam lutar por seus direitos, punindo os agentes públicos de acordo com a Lei de Abuso de Autoridade (Lei n. 4898/ 65). Em síntese, a excelente conclusão de José Reinaldo Guimarães Carneiro, Promotor de Justiça do Estado de São Paulo, citado por Gomes (GOMES, 2007):
“Os argumentos contra as algemas são variados e criativos. Ora se diz presente excesso de poder, ora se afirma o desrespeito puro e simples a direitos constitucionais. O que não se diz, às claras, é que o argumento é essencialmente preconceituoso. Querem fazer crer, com péssimo propósito, que o colarinho branco não precisa ser algemado. Tiram do uso do equipamento somente a sua simbologia de suposta humilhação, para concluir, às avessas, que só quem merece as algemas é o réu ordinário, aquele que mal consegue defesa técnica digna. O Brasil não merece debate tão pobre.”
Informações Sobre o Autor
Victor de Oliveira Rosa
Acadêmico de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora, Servidor público