Validade e direitos antidumping

Resumo: A proposta do presente estudo é aplicar os conceitos de validade de normas jurídicas às regras que veiculam a exigência de direitos antidumping. Partindo da natureza relacional do conceito de validade, o objetivo é analisar especificamente as condicionantes sistêmicas que conformam o ato de gênese das unidades normativas (critérios de reconhecimento de norma válida no sistema), ou seja, identificar a relevância/qualificação/pertinencialidade jurídica do fato referido pelo antecedente da norma que introduz enunciados inaugurais no sistema. Se tal fato jurídico merecer a pecha da invalidade, os enunciados introduzidos não poderão servir de fundamento à produção de normas ulteriores, visto que o sistema regula a introdução, permanência e expulsão de seus elementos constitutivos. Ademais, ganha relevo a natureza comunicacional do sistema jurídico (e os decorrentes elementos de todo ato comunicacional) que evidencia o inter-relacionamento das unidades normativas, bem como a relevância da competência material do sujeito e a necessidade de publicação dos enunciados como condição de validade para poder se falar em norma jurídica. Isto tudo sem que se olvide que o reconhecimento sistêmico da invalidade da unidade normativa demanda novo ato de fala (igualmente regrado pelo sistema) que terá como antecedente o fato de tal mácula e no consequente a aplicação das medidas de reação referidas pelo ordenamento.

Palavras-chave: Antidumping / validade

1 VALIDADE JURÍDICA E PREMISSAS

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1.1 Caráter relacional da definição

Lê-se com frequência nos textos produzidos pela doutrina que validade é conceito fundante para o estudo do Direito. Justifica-se tal assertiva tendo em conta as relevantes conseqüências que derivam a partir da definição do conceito de validade.

Com efeito, identificar norma válida (a partir dos critérios fornecidos pelo respectivo conceito) implica em apontar os fatos que ostentam relevância jurídica, importa em delimitar o objeto de estudo da Ciência do Direito, circunscrevendo sua zona de interesse (com a conseqüente adoção das adequadas ferramentas que potencializem seu estudo), além de tratar-se de assunto com íntima relação com outros temas relevantes, a exemplo de teoria das provas, competência, fontes do Direito, fato jurídico, etc.

Reconhecer que o sistema jurídico opera através de normas que apontam em seu antecedente a ocorrência de um fato que, ao ser qualificado como jurídico, autoriza a constituição de relação jurídica que visa disciplinar as condutas intersubjetivas (objetivo último do sistema) torna evidente a importância do tema.

Nas normas gerais e abstratas temos os critérios conotativos de identificação de um fato de futura ocorrência, ao passo em que nas normas individuais e concretas o antecedente projeta-se para o passado, denotando os critérios da norma geral e abstrata, constituindo o fato jurídico (que passa a integrar o sistema) e realizando a incidência por intermédio das operações lógicas de subsunção e implicação.

Neste contexto, importa reconhecer que validade é critério essencialmente relacional: só pode ser definida mediante a consideração de um determinado sistema, pelo que inexistiria um conceito absoluto (atributo da norma isoladamente considerada). A norma só é jurídica (assim como o fato só ostenta idêntica qualificação), quando contrastada com um determinado sistema (que lhe reconhece como tal, mediante mecanismos próprios). Se sua produção é conforme as condicionantes de um específico sistema, conclui-se pela validade do produto. Daí a doutrina de Amadeo Conte, citado por Tárek Moysés Moussallem (2005, p. 136-137):

“A validade é o específico modo de existir de uma norma; mas o especifico modo de existir de uma norma é a existência específica em um ordenamento (é a existência em um ordenamento, é a pertinência a um ordenamento); é o existir por um ordenamento, onde a preposição “por” significa seja ‘em relação a’, seja ‘em virtude de’.”

No mesmo sentido, as lições de Paulo de Barros Carvalho (2006, p. 57):

“A validade não deve ser tida como predicado monádico, como propriedade ou como atributo que qualifica a norma jurídica. Tem status de relação: é o vínculo que se estabelece entre a proposição normativa, considerada na sua inteireza lógico-sintática e o sistema de direito posto, de tal sorte que ao dizermos que u’a norma ‘n’ é válida, estaremos expressando que ela pertence ao sistema ‘S’. Ser norma é pertencer ao sistema, o ‘existir jurídico específico’ a que alude Kelsen. […] Seja como for, ingressando no ordenamento pela satisfação dos requisitos que se fizerem necessários, identificamos a validade da norma jurídica, que assim se manterá até que deixe de pertencer ao sistema.”

1.2Condicionantes sistêmicas

Na hipótese particular que será objeto de análise mais adiante, importa identificar os critérios de reconhecimento de norma válida no sistema. É dizer: identificar a relevância/qualificação/pertinencialidade jurídica do fato referido pelo antecedente da norma que introduz enunciados inaugurais no sistema. Se tal fato jurídico merecer a pecha da invalidade, não se poderá falar em efeitos válidos, pelo que os enunciados introduzidos não poderão servir de fundamento à produção de normas ulteriores. É a mácula do processo contaminando o produto e as construções de significação nele fundadas, conforme adverte Tárek Moysés Moussallem (2005, p. 136), referindo-se aos subsistemas idealizados por Paulo de Barros Carvalho:

“A validade do enunciado prescritivo é condição suficiente e necessária para a validade das proposições isoladas e das normas jurídicas. Pode haver validade do enunciado sem que haja validade das proposições isoladas e das normas jurídicas, mas não pode haver validade destas duas últimas sem a validade do primeiro.”

Neste contexto, importa fixar algumas premissas que emprestarão sustento às conclusões vindouras.

A primeira delas é a de que o sistema do direito positivo regula sua própria dinâmica, estabelecendo normas que ditam o ingresso, permanência e expulsão de seus elementos. Assim, analisar o conceito de validade importa em investigar o processo de gênese das unidades normativas (sejam elas gerais e abstratas ou individuais e concretas). Se a produção normativa se deu conforme as condicionantes do sistema, o produto pode ostentar a adjetivação de válido.

Vê-se, pois, que eficácia (seja ela jurídica ou social), não é critério para se aferir validade. Em verdade, a análise da eficácia tem por premissa a existência de norma válida. Norma inválida (uma vez reconhecida adequadamente pelo sistema) não gera efeitos.

1.3 Natureza comunicacional do sistema: atos de fala e programação da gênese normativa

Importa reconhecer, ademais, a natureza comunicacional do sistema de direito positivo (na forma preconizada pelo Prof. Gregorio Robles Morchón). Com efeito, admitir que o sistema opera mediante comandos/ordens/mensagens relacionados de forma escalonada/hierarquizada abre porta para uma análise hermenêutica e analítica das mensagens legisladas, mediante as ferramentas de investigação dos atos de fala. Com efeito, as mensagens legisladas não se encontram estanques/autônomas/independentes. Muito pelo contrário: se relacionam intimamente e a natureza da relação que mantém com as outras unidades do sistema (subordinação/derivação/coordenação) é de extrema relevância para sua admissão, prevalência, alteração ou expulsão.

Tal qual ocorre nos jogos, no sistema jurídico nem todos podem dizer tudo a qualquer sujeito, em qualquer momento e em qualquer lugar. Existem regras que ditam este tipo de comunicação específica, cuja inobservância acarreta a irrelevância da comunicação realizada defeituosamente. Daí se falar que sem norma prévia não há fato e sem fato não há a relação jurídica (a ele imputada pelo ato de poder em que se expressa a causalidade jurídica).

De tais regras, avulta a relevância de três delas: 1) as regras são formuladas pelos próprios participantes do jogo, através da eleição de representantes democraticamente eleitos, pelo que contam com a concordância deles; 2) portanto, não se pode alegar ignorância/desconhecimento dos enunciado que cumpriram com as condicionantes de ingresso no sistema; 3) como forma de impor o cumprimento de tais regras, o sistema prevê/garante que as normas terminais válidas (após serem submetidas ao processo de depuração igualmente regrado) serão coercitivamente cumpridas mediantes aparatos próprios (tal garantia afasta a tendência à infinitude do processo de atribuição de conteúdos de significação à mensagem legislada, mediante a atribuição de competência a órgão específico, encarregado de dar a última palavra acerca da matéria, encerrando o processo de depuração antes referido).

Ademais, além de identificar os elementos de todo ato comunicacional em geral (emissor, destinatário, mensagem, canal, código e contato), importa reconhecer que o sistema é mais que revestimento lingüístico: é uso de uma específica linguagem competente rigidamente condicionada. Se os fatos exteriores não forem traduzidos de acordo com as imposições do sistema, não terão eles qualquer relevância interna, dada a clausura operacional e a abertura cognitiva que operam mediante código próprio de filtragem/tradução das informações extra-sistêmicas.

Por isso, se diz que as mensagens legisladas encontram-se vinculadas através de específicas programações que ditam a produção das unidades normativas: sujeito específico, conteúdo específico, destinatário específico, local e tempo específicos. Neste diapasão, as lições de Tácio Lacerda Gama (2012, p. 53), que assim especifica os elementos da norma de competência que dita a gênese dos enunciados normativos:

“[…] i) qualificação do sujeito que pode criar normas; ii) indicação do processo de criação das normas, sugerindo todos os atos que devem ser preordenados para o alcance desse fim; iii) indicação das coordenadas de espaço em que a ação de criar normas deve se  realizar; iv) indicação das condições de tempo em que esta ação deve ser desempenhada; v) estabelecimento do vínculo que existe entre quem cria a norma e quem deve se sujeitar à sua prescrição, segundo as condições estabelecidas pelo próprio direito; vi) modalização da conduta de criar outra norma se obrigatória, permitida ou proibida; e vii) estabelecimento da programação material da norma inferior que é feita segundo quatro variáveis – sujeito, espaço, tempo e comportamento.”

Na mesma toada, o Professor Gregorio Robles Morchón, que, embora adotando como premissa uma concepção heterogênea que identifica espécies diversas de normas integrantes do sistema (em aberta discordância com a concepção Kelseniana que admite apenas a existência de regras deônticas veiculadoras de deveres), assim conclui:

“As regras ônticas estabelecem os elementos necessários do âmbito de caráter estático, isto é, o espaço, o tempo, os sujeitos e as competências. As regras técnico-convencionais criam a ação pertencente ao âmbito, isto é, o procedimento genérico que constitui a ação. Por último, as deônticas são aquelas que constituem os deveres. […] Estas, por sua vez, são válidas porque resultam de decisões intra-sistemáticas válidas, as quais têm a qualidade de validade porque foram adotadas de acordo com as regras ônticas e  técnico-convencionais correspondentes, tal como se expôs.” (MORCHÓN, 2005, p. 102, 108, grifamos).

Trata-se de considerar o sistema em movimentos contínuos de expansão e retração, analisando sua dinâmica, em oposição a uma visão estática.

1.4 Presunção de validade e as formas de reação

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Ademais, não se ignora que o sistema convive harmonicamente com a presunção de validade dos atos que introduzem novos enunciados. Isto se dá, porque o controle da validade do processo ocorre após a introdução do enunciado (produto) no ordenamento: é, portanto, controle que se realiza a posteriori, mediante o cotejo da produção normativa com as normas que fundamentam sua validade. Com efeito, as condicionantes de validade do sistema não têm o poder de interromper a produção normativa no curso de sua gênese, impedindo, de forma preventiva, a introdução de enunciados decorrentes de processo desconforme com o sistema.

Produzido o enunciado, ficam nele registradas referências que permitem a reconstrução do seu processo de gênese: a exemplo da autoridade que levou a cabo o processo de produção normativa, o local e momento em que se deu a gênese do enunciado, bem como os destinatários da mensagem legislada. São tais referências que servirão de amparo para o cotejo de tal atividade com as ditas regras de estrutura, que disciplinam conduta específica: a produção normativa. Se tal cotejo implicar em conformidade entre a norma de produção normativa e o produto de tal atividade, o sistema reconhece (mediante novo ato de fala próprio) o enunciado como validamente introduzido. Caso contrário, prevê meios de reação à atividade desconforme, aplicando conseqüências sancionatórias ao produto ilegítimo. Nesta linha de intelecção, assim conclui Tácio Lacerda Gama (2012, p. 334) acerca das conseqüências da norma que tem por pressuposto o defeito de produção que macula a norma inválida:

“[…] a aplicação dessa norma sancionatória pode ensejar reconhecimento da invalidade e com ela a suspensão da vigência e, ainda, da eficácia, quando a decisão for geral, de forma plena (ex tunc) ou parcial (ex nunc).”

Enquanto não reconhecida tal desconformidade (mediante nova mensagem produzida de acordo com as condicionantes do sistema), o produto ilegítimo opera efeitos, ancorado na presunção de validade antes referida. Neste sentido, o escólio do Professor Lourival Vilanova (2001, p. 307-308):

“O processo de geração de normas é sempre este: norma geratriz incidindo na subjetividade de um ato, cujo sentido objetivo (em virtude de norma incidente) é outra norma válida. Se ocorrer defeituosidade no percurso procedimental, a norma gerada não nasce nula, na espécie do inexistente. É anulável, o que requer outro procedimento, normativamente estruturado, para desconstituir a norma impugnável. […] Substancialmente, o mesmo ocorre com a norma inconstitucional que violar o processo de produção (o Eurzeuguns-prozess) de normas. A norma inconstitucional é válida, enquanto não desconstituída pelo órgão de competência para tal.” (grifamos).

No mesmo sentido, conclui Tárek Moysés Moussallem (2005, p. 142), analisando, também, a hipótese de contradição entre normas válidas:

“Por isso, é falsa a afirmação de que a norma N1 seja inválida antes que ela seja retirada do sistema do direito positivo por outra norma N2. […] Antes, pelo contrário, no caso de duas normas contraditórias, tem-se a validade simultânea de ambas as normas oriundas de respectivas enunciações felizes. É o sistema do direito positivo, por meio das regras constitutivas, que vai decidir pela permanência de uma das duas normas conflitantes. Enquanto não decidir; ambas permanecem no sistema normativo.” (grifamos).

1.5 A relevância da publicidade

Por fim, tais considerações levam a uma última premissa que interessa mais especialmente ao presente estudo: operando o sistema mediante atos de fala específicos, evidente a relevância do ato de comunicação de tal mensagem ao destinatário do enunciado. Sem que tal transmissão da mensagem legislada ocorra (mediante ato igualmente revestido de formalidade) não se pode reputar como implementada a dinâmica comunicacional do sistema. Portanto, o ato de publicação encarta-se no ponto terminal da produção normativa, mas nem por isso deixa de apresentar relevância, visto que seu descumprimento macula a validade do processo e do respectivo produto. Acerca de tal matéria, assim leciona Eurico Marcos Diniz de Santi, que, embora se reportando especificamente ao ato-norma do lançamento tributário, tece considerações aplicáveis a todo e qualquer procedimento de gênese normativa:

“A publicidade é, pois, requisito ontológico do ato-norma administrativo. Ela é o último e mais importante pressuposto da série procedimental. Sem a publicidade o enunciado do ato-norma não ganha juridicidade para elevar-se à categoria de norma jurídica. Sem publicidade, não há norma jurídica. Destarte, não abraçamos a tese de que a publicidade é “conteúdo” de ato-norma administrativo autônomo. Ao contrário, entendemos que integra a série procedimental como o último ato-fato, delineador de fato jurídico integrante do correspectivo suporte fáctico do fato jurídico suficiente para produção do ato-norma administrativo. Portanto a publicidade confere validade, e não “mera” eficácia ao ato-norma administrativo como aventa respeitável parcela da doutrina.” (SANTI, 2001, p. 107-108).

2APLICAÇÃO DAS PREMISSSAS NA ANÁLISE DOS DIREITOS ANTIDUMPING

2.1Direitos antidumping e a competência para instituição

Munidos das premissas antes referidas, passemos à análise do objeto específico.

A exigência em questão (de vigência necessariamente provisória) tem por objetivo eliminar ou neutralizar as práticas de dumping e a concessão de subsídios que estejam causando dano à economia nacional.

Em apertada síntese, verificada a ocorrência de dumping (caracterizado quando os preços dos produtos estrangeiros são inferiores ao preço normal, assim entendido como o preço efetivamente praticado para o produto similar nas operações mercantis normais, que o destinem a consumo interno no país exportador), exige-se do importador brasileiro montante em dinheiro, igual ou inferior à margem de dumping apurada em processo administrativo específico, com o fim exclusivo de neutralizar os efeitos danosos das importações objeto de dumping, calculado mediante a aplicação de alíquotas ad valorem ou específicas, ou pela conjugação de ambas.

Acerca da matéria em relevo, somente pode legislar a União Federal, conforme preceito constante do artigo 22, VIII da CF/88.

Arrimada em tal competência, foi editada a Lei n.º 9.019/95, que, em seu artigo 6º, assim preceitua:

“Art. 6o Compete à CAMEX fixar os direitos provisórios ou definitivos, bem como decidir sobre a suspensão da exigibilidade dos direitos provisórios, a que se refere o art. 3o desta Lei.” (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.158-35, de 2001) (grifamos)

Por sua vez, a Lei n.º 9.649/98 assim dispôs:

“Art. 20-B.. É criada a CAMEX – Câmara de Comércio Exterior, com a competência para deliberar sobre matéria relativa a comércio exterior. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.216-37, de 2001)

§ 1o O Poder Executivo disporá sobre as competências, a organização e o funcionamento da CAMEX.” (Incluído pela Medida Provisória nº 2.216-37, de 2001) (grifamos)

Por fim, a Lei 10.683/2003 assim ratifica a dita atribuição de competência:

Art. 29. Integram a estrutura básica: (…)

§ 5o A Câmara de Comércio Exterior, de que trata o art. 20B. da Lei no 9.649, de 27 de maio de 1998, com a redação dada pela Medida Provisória no 2.216-37, de 31 de outubro de 2001, terá sua vinculação definida por ato do Poder Executivo.”

Valendo-se de tal prerrogativa, o Decreto 4.732/2003 estruturou a CAMEX, merecendo destaque as seguintes disposições:

Art. 2o Compete à CAMEX, dentre outros atos necessários à consecução dos objetivos da política de comércio exterior: […]

XV – fixar direitos antidumping e compensatórios, provisórios ou definitivos, e salvaguardas; […]

Art. 4o A CAMEX terá como órgão de deliberação superior e final um Conselho de Ministros composto pelos seguintes Ministros de Estado: […]

§ 2o O Conselho de Ministros deliberará mediante resoluções, com a presença de todos os seus membros ou, excepcionalmente, com indicação formal de representante, cabendo ao Presidente o voto de qualidade. […]

Art. 5o Integrarão a CAMEX, o Comitê Executivo de Gestão – GECEX, a Secretaria-Executiva, o Conselho Consultivo do Setor Privado – CONEX e o Comitê de Financiamento e Garantia das Exportações – COFIG. (Redação dada pelo Decreto nº 4.993, de 2004) […]

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§ 3o O Presidente do Conselho de Ministros da CAMEX poderá praticar os atos previstos nos arts. 2o e 3o, ad referendum do Conselho de Ministros, consultados previamente os membros do Comitê Executivo de Gestão. (grifamos)

Por derradeiro, o Regimento Interno do órgão – Resolução n. 11/2005 – ratifica as atribuições de competência acima listadas em seus artigos 5º, XV (competência do Conselho de Ministros para impor direitos antidumping) e 7º, V (competência precária do Presidente do Conselho de Ministros).

Deliberada acerca da instituição da exigência, efetiva-se a publicação de Resolução Camex, conforme artigos 39 e 40 do referido Regimento Interno.

2.2Vício de competência

Da leitura dos referidos dispositivos verifica-se que a competência para instituição da exação em testilha é conferida exclusivamente a órgão colegiado, sendo precária (visto que necessariamente objeto de ratificação posterior), a atribuição de Poder deferida ao presidente do Conselho de Ministros. Note-se que a norma antes transcrita não delega – de forma irrestrita – competência ao Presidente do Conselho de Ministros, mas, preservando a competência no âmbito do órgão colegiado, exige a apreciação/ratificação posterior como condição para validade da novel exigência.

Assim, embora o Presidente do órgão possa atuar precariamente (autorizando efeitos imediatos), exige-se a ratificação do ato pelo órgão colegiado para permanência da exigência no sistema. Dito de outra forma: exigência pautada exclusivamente em ato do Presidente do Conselho de Ministros não atende à programação de competência fixada pela regra de produção normativa.

Portanto, decorrido prazo sem que a exigência dos direitos antidumping seja regularmente submetida ao crivo do Conselho de Ministros (órgão colegiado), justifica-se o reconhecimento da invalidade da norma fundante da exação, uma vez que desconforme com condicionantes do sistema. O cotejo entre as regras de produção normativa e o procedimento de gênese do enunciado veiculador do direito antidumping (cuja reconstrução pode ser feita a partir das referências constantes do documento legal – a exemplo da autoridade responsável pela criação da regra) autoriza a conclusão antes formulada.

Portanto, uma vez reconhecida a invalidade da norma inaugural não pode ela arrimar a produção subseqüente de normas individuais e concretas dentro do processo de positivação/concreção do ordenamento.

Conforme dito linhas atrás, no sistema jurídico nem todos podem dizer tudo a qualquer sujeito, em qualquer momento e em qualquer lugar. Existem regras que ditam este tipo de comunicação específica, cuja inobservância acarreta a irrelevância da comunicação realizada defeituosamente.

Portanto, o sistema não reconhece como relevante juridicamente a gênese normativa realizada em desconformidade com suas programações de competência. Desrespeitadas tais condicionantes, as ocorrências permanecem fora do sistema, visto que não corroboradas pelos filtros que impõe uma tradução lingüística específica.

2.3 Vício de publicidade

Ademais, admitindo-se tenha ocorrido a ratificação do ato do Presidente pelo Conselho de Ministros, a publicidade de tal ato do órgão colegiado (via publicação da ata da reunião ou nova Resolução CAMEX) é requisito indispensável para que se possa falar em instituição válida de direitos antidumping.

Com efeito, em um sistema de natureza comunicacional, impensável a exigência de novas obrigações, sem que o comando (regularmente introduzido) seja levado ao conhecimento do destinatário. Atenta contra a natureza do sistema jurídico a instituição de deveres arrimados em atos secretos.

É condição inarredável de ingresso da norma no sistema (que a reconhece como tal) sua publicidade.

Relembre-se o escólio de Eurico de Santi (2001, p. 107-108):

“A publicidade é, pois, requisito ontológico do ato-norma administrativo […]. Sem a publicidade o enunciado do ato-norma não ganha juridicidade para elevar-se à categoria de norma jurídica. Sem publicidade, não há norma jurídica. […] Portanto a publicidade confere validade, e não “mera” eficácia ao ato-norma administrativo […]”

Enquanto não publicada a ratificação validamente exercida pelo órgão colegiado (Conselho de Ministros), permanece a mácula competencial referida no item precedente.

2.4Impossibilidade de convalidação

Por derradeiro, note-se que diante de vício que fulmina elemento estruturante do enunciado introduzido (qual seja, sua publicidade), trata-se de hipótese de nulidade do ato, que não admite convalidação posterior, conforme ensina, mais uma vez, Eurico de Santi (2001, p. 113, 116):

“Os atos anuláveis e nulos são atos administrativos válidos passíveis de invalidação em sentido estrito. […] Cinge-se, entretanto, o legislador a limites ontológicos do próprio direito, às regras deontológicas que regram sua estrutura normativa: não se pode convalidar ato-norma administrativo em que se verifique falta de qualquer dos elementos de sua estrutura. […] Convalidação é o suprimento da invalidade de um ato com efeitos retroativos. Infere-se disto a impossibilidade de convalidação dos atos que apresentem vício em sua estrutura. Como vimos, a alteração de qualquer dos elementos do ato resulta na modificação de sua identidade, o que equivale à produção de um novo ato; barreira esta, incontornável à legitimação da irradiação de efeitos pretéritos do ato convalidador. (grifamos).

Assim sendo publicação tardia do ato de ratificação do Conselho de Ministros não tem o condão de operar retroativamente, apagando a pecha que maculou as exigências de direitos antidumping em período pretérito.

Dito de outra forma: publicada a norma regularmente produzida pelo órgão competente após decorrido prazo razoável em que a exigência esteve amparada exclusivamente em norma produzida por órgão destituído de competência plena, sua eficácia será “ex nunc”, visto que não tem ela o poder de afastar o vício originário antes apontado.

Embora a norma que defere competência precária ao Presidente de Conselho de Ministros não aponte prazo a ser observado para ratificação do ato pelo órgão colegiado, a periodicidade mensal das reuniões ordinárias do Conselho de Ministros (prevista no artigo 4, parágrafo 4 do Decreto 4.732/2003), aliada a relevância e premência de se deliberar acerca de atos praticados precariamente, deve ser usada como critério para aferir a tempestividade da dita ratificação.

CONCLUSÃO

Ante tais considerações, notadamente levando em conta as condicionantes sistêmicas que conformam o ato de gênese das unidades normativas (critérios de reconhecimento de norma válida no sistema, dentre as quais ganham relevo a competência do sujeito e publicidade do enunciado produzido), conclui-se pela invalidade de norma que obrigue o pagamento de direitos antidumping produzida exclusivamente pelo Presidente do Conselho de Ministros, sem que a mesma tenha sido submetida à apreciação/ratificação do órgão colegiado em sessão ordinária imediatamente posterior.

Portanto, não publicado o ato ratificador produzido neste interregno, a mácula que contamina o ato singular não pode ser afastada por ratificação intempestiva, operando efeitos meramente prospectivos.

 

Referências
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.
GAMA, Tácio Lacerda. Competência Tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2012.
MORCHÓN, Gregorio Robles. O Direito como texto. Quatro Estudos de Teoria Comunicacional do Direito. São Paulo: Manole, 2005.
MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Revogação em matéria tributária. São Paulo: Noeses, 2005.
SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Lançamento Tributário. 2. ed., 2. tir. São Paulo: Max Limonad, 2001.
VILANOVA, Lourival. Causalidade de relação no direito. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

Informações Sobre o Autor

Leoncio Ogando Dacal

Advogado, Procurador do Estado da Bahia, Mestrando em Direito Tributário pela PUC/SP


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