Valor adequado nas ações de indenização por dano moral

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1. Introdução[1]


A partir da Emenda Constitucional n. 45/2004, a Justiça do Trabalho definitivamente passou a ser competente para apreciar indenizações por dano material e moral (art. 114). A partir de então, incontáveis ações visando reparação por danos morais ingressaram no Judiciário Trabalhista, versando sobre os mais diversos temas, desde a existência de câmeras de vídeo no banheiro das empregadas de uma loja de departamentos até indenização pela não obtenção de emprego por informações desabonadoras prestadas pelo antigo empregador (“lista negra”).


O número de acórdãos (decisões colegiadas) envolvendo o termo “dano moral” cresceu 12 vezes entre 2004 e 2009, passando de 642 para 8.222, conforme pesquisa de jurisprudência realizada pelo site Gazeta do Povo – Caderno Vida e Cidadania, acesso em 02/10/2010.


A resposta que advém da prestação jurisdicional em todo país é bem variada, parecendo, muitas vezes, que as indenizações são avultadas ou irrisórias para casos aparentemente bem semelhantes. Assim, não por acaso, as dificuldades para a fixação de valores a título de indenização por dano moral estão entre as questões mais debatidas atualmente na doutrina nacional.


Danos morais são


“[…] lesões sofridas pelas pessoas físicas ou jurídicas, em certos aspectos da sua personalidade em razão de investidas injustas de outrem. São aquelas que atingem a moralidade e a afetividade da pessoa, causando-lhe constrangimentos, vexames, dores, enfim, sentimentos e sensações negativas.” (BITTAR, 1996, p. 33).


O presente texto busca o melhor debate sobre possíveis critérios para as indenizações por dano moral nas relações de trabalho. Entre estas, incluem-se aquelas decorrentes de acidentes de trabalho. Algumas questões afins e prévias são apenas referidas.


A exemplificação e justificação com dados da realidade da Turma julgadora que os autores integram representam a tentativa de demonstrar a viabilidade prática dos argumentos explicitados. Desde já se declara que, diferentemente de diversos projetos que tramitam no Congresso Nacional (exemplificativamente citam-se os PLS n. 150/1999 e o PLS N. 7.124/02), não se tem a menor intenção de elaborar qualquer esboço de “tabela”, que seria uma tentativa simplista de contornar as dificuldades do tema. Ao contrário, em mais de um momento, afirma-se a crença no estudo e julgamento de cada caso, com suas peculiaridades.


A doutrina, no tema, mostra-se bastante dividida: a intrínseca extrapatrimonialidade do dano moral e a importância de se garantir uma compensação ao lesado parecem ser os únicos aspectos em que existe consenso na doutrina, conforme Maria Celina Bodin de Moraes (2003, p. 269). Assim, reconhece que,  ao contrário do que ocorre com o dano material, o dano moral não pode ser medido, nem integralmente reparado por indenização pecuniária, sem menoscabo da própria dignidade humana.  Por tais motivos, o dano moral não precisa mesmo ser provado, já que sentimentos pessoais não podem  ser objeto de comprovação.  Tratando-se de dano moral, não faz sentido falar, propriamente,  em “indenização” – talvez nem mesmo em “reparação”, que mais se liga ao dano material-, sendo provavelmente mais correto falar em “satisfação” ou “compensação”.


Judith Martins-Costa, para diferenciar dos danos patrimoniais, chega a preferir a expressão “danos extrapatrimoniais”. De qualquer modo, reconhece a vasta utilização da expressão “dano moral”. Aceita a mais utilizada, apenas com o registro do maior acerto da  outra. (2002, p. 419).


Conforme Alexandre Agra Belmonte, “a ausência de patrimonialidade dos valores morais não impede que a frustração, a indignação, a revolta, a dor e a mágoa causadas pelos atos lesivos aos sentimentos íntimos possam ter reparação pela via econômica” (2002, p.79). Assim, admitindo-se que a dor não pode ser substituída/medida por um valor econômico, trata-se de assegurar à vítima uma satisfação/gratificação que, ao menos, sirva como lenitivo à dor que não pode ser suprimida.


O objetivo da indenização é compensar o lesado pela atenuação de seu sofrimento, e não a recomposição do patrimônio do ofendido.  Propiciam-se ao lesado “lenitivos, confortos, prazeres e outras sensações, ou sentimentos aliviadores que, através da moeda, se podem obter, como os experimentados em viagens, terapias, leitura, e outras tantas” (BITTAR, 1996, p. 79).


Desde muito, sabe-se que a reparação do dano material deve ser integral. Quanto à “satisfação” ou “compensação” do dano moral?  Se, como se mencionou, não se pode pretender “medir” a dor moral, tampouco se poderá calcular o dano moral causado. Tal fato poderia levar à idéia de que a reparação do dano moral não possa, por definição, ser integral. Ao cuidar-se da satisfação ou compensação, a muitos parece ser difícil afirmar que deva ser plena ou total. Existe, sim, dificuldade para se avaliar acertadamente a extensão do dano moral. Com o avanço do conhecimento, provavelmente, amanhã, o Direito estará menos distante de outras áreas do conhecimento e da ciência. Esta tarefa estará mais realizável.


Sustentando vigorosamente em contrário, ou seja, advogando a possibilidade de integral reparação do dano moral, Ramón Daniel Pizarro pondera que a indenização pecuniária, nesse caso, tem função distinta da do dano material: não de recomposição patrimonial, mas de caráter “satisfativo, de modo que “la razonable armonia entre dado e indemnización no pasa exclusivamente por los carriles de lo econômico, sin que obste a este conclusión el hecho de que termine condenándose  al pago de uma suma de dinero” (2004, p.347).


Ademais, alerta o autor que as dificuldades de avaliação acontecem também nas indenizações por dano material, que, não raramente, ocorrem por arbitramento judicial com base em ponderações destituídas de certeza absoluta ou precisão matemática, sem que a ninguém ocorra duvidar do princípio de reparação plena ou integral.


Sendo assim, ainda que não se alcance a certeza quanto ao montante da indenização que represente essa integralidade, como assegurar  que a compensação proporcionada pela indenização possa, ao menos, ser satisfatória? Dizendo de outro modo, como se pode ter alguma certeza de que a indenização fixada seja suficiente?


Por outro lado, para muitos autores, há de se considerar, também, o critério da proporcionalidade, ou seja, que a indenização não deve representar um gravame excessivo, demasiadamente pesado ao ofensor, tendo em conta, especialmente, o grau de sua culpa, preconizando a adoção dos parâmetros previstos no art. 944 do Código Civil.


Por certo, não há uma resposta única – pois dependerá sempre das circunstâncias específicas do caso concreto.  Por ora, basta dizer-se que tal compensação é possível e não pode ser meramente simbólica.   Superada a idéia inicial de buscar a reparação do dano extrapatrimonial através de condenações simbólicas, passou-se a buscar a minoração do sofrimento da vítima. (MORAES, 2003, p. 268).


Além disso, a compensação não pode ser irrisória, sob pena de representar um verdadeiro incentivo ao ofensor e um gravame adicional ao ofendido.


2. Dano Civil e Direito Constitucional


O direito constitucional, hoje, ocupa posição de relevo, tendo papel mais estruturante do que outras áreas do Direito. Por sua vez, devido a estas novas influências, cada vez mais marcantes, é possível falar-se em Direito Civil “constitucionalizado” ou “reconstrução do Direito Privado” (MARTINS COSTA, 2002, p. 408).


Tal influência pode ser identificada nos avanços ocorridos no direito civil.  Eugenio Facchini, Juiz de Direito e Professor, tratando especificamente do novo Código Civil, em nosso País, sustenta que este “insere-se entre os modelos mais avançados” (2003, p. 168).


Não é pequena a lista de artigos inovadores no novo Código Civil. Próximo ao nosso tema, bastaria mencionar o art. 187: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.


A principal conseqüência desta constitucionalização do direito civil, mais especificamente no tema da responsabilidade por danos morais, é de que tal direito adquire uma “dimensão mais ampla, superior”, de forma que esse deva ser desenvolvido pelo legislador ordinário, mas jamais ser por ele desnaturalizado. Conforme Pizarro: “una dimensión superior, más amplia,… (que) assume objeto y contenido propio, de raigambre superior y puede – como todo Derecho constitucional- ser limitado razonablemente mas no desnaturalizado por leyes reglamentarias…” (2004, p. 345-353).


O fato de se estar dentro ou, no mínimo próximo, da abrangência do direito constitucional há de ter a devida consequência, em especial no que tange ao valor constitucional conferido à dignidade humana. Ainda existe resistência, por parte de alguns, em perceber o significado do constitucionalismo mais recente. Tanto isto ocorre que Miguel Carbonell tratou do “tema de las diferencias estructurales entre derechos sociales e civiles”. Foi necessário dizer que


“no hay, por tanto, “derechos gratuitos” y “derechos caros”: todos los derechos tienem um costo y ameritan de uma estructura estatal que, al menos, los proteja de las posible violaciones perpetradas por terceras personas” (2010, p. 34).


Conforme Clayton Reis, o eixo central das alterações no direito civil pelo direito constitucional se “concentra no fundamento da Ordem Constitucional Brasileira, sedimentado no princípio da dignidade humana”, já que o ser humano foi eleito pelo ordenamento constitucional como


“[…] centro da dignidade e de uma ordem valorativa maior, a merecer irrestrita tutela do ordenamento jurídico brasileiro. Para corroborar essa idéia, prescreveu no art. 5º, incisos V e X da Constituição Federal, a indenização por dano moral em face da violação à intimidade, vida privada, honra e imagem” (2010, p. 11).


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Na efetivação da tutela dos direitos da personalidade, não se cuida apenas de relações com interesses “privados”, devendo ser reconhecido, sim, um objetivo social a ser buscado, ou seja, a dignidade de todos, inclusive dentro do ambiente de trabalho, no caso destas linhas. Mais uma vez, conforme Clayton Reis,


“[…] não se justifica na pós-modernidade a ausência de tutela dos direitos da personalidade à pessoa, especialmente neste momento em que as violações se multiplicaram em virtude do aumento dos confronto de interesses presentes no ambiente social, que sujeitam o ser humano às mais notórias ofensas que violam seus valores, com graves repercussões na personalidade e na dignidade.”


Não são mais aceitos os altos números de acidentes de trabalho no Brasil. Nos últimos anos, o número de acidentes de trabalho no Brasil vem crescendo. Enquanto em 2001, foram pouco mais de 340 mil acidentes de trabalho, em 2007 este número subiu para 653 mil ocorrências. Um aumento de 92% no número de acidentes de trabalho (DIESAT, 2010).


A realidade de estarmos diante de um crescimento econômico “acelerado” e “tardio”, em expressões da área econômica e da sociologia, haverá de encontrar solução que preserve a dignidade do trabalhador, não sendo mais compatível com o estágio civilizatório já alcançado pela sociedade brasileira essa verdadeira tragédia representada pelo alto número de trabalhadores acidentados e vítimas de doenças profissionais.  Este é um dos aspectos mais relevantes do pequeno índice de civilidade que ainda encontramos nas relações de trabalho entre nós. Basta ver as informações trazidas no site www.assediomoral.org, bastante lembrado em Campanha Pública da Procuradoria do Trabalho, no Rio Grande do Sul, inclusive com prospectos em jornais da grande imprensa.


Não se pode aceitar que a satisfação do ofendido ou a compensação que o Estado lhe garanta deva, necessária e propositalmente, ser insuficiente e incompleta, por alegada ou efetiva impossibilidade. Não se deve propositalmente antecipar ou antever alguma provável impossibilidade. No extremo, ficaríamos na inércia. Se não se pode acreditar, facilmente, na reparação integral, tal como no dano material, que se busque a satisfação ou compensação, que, entre outras, justifique a ação estatal, pela atuação do Poder Judiciário.


3. O conceito de dignidade como central na fixação da indenização por dano moral


Os horrores ocorridos na Segunda Guerra Mundial nos alertaram para a necessidade de novos cuidados, na esfera do Direito. A  dignidade da pessoa humana deve ser o objetivo de todos. Esta dignidade, antes de ser respeitada, na verdade, necessita ser “construída”, na coletividade. 


Conforme Rizzatto Nunes, a dignidade humana foi uma conquista da razão ético-jurídica, que não pode ser esquecida em nenhum momento da interpretação do Direito:


“Está mais do que na hora de o operador do Direito passar a gerir sua atuação social pautado no princípio fundamental estampado no Texto Constitucional. A dignidade é um “verdadeiro supraprincípio constitucional que ilumina a todos os demais princípios e normas constitucionais e infraconstitucionais e por isso o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana ser desconsiderado em nenhum ato de interpretação, aplicação ou criação de normas jurídicas” (2002, p. 51).


Judith Martins-Costa lembra que “antes de a psicanálise instaurar o seu reinado, pondo a nu a relevância da saúde psíquica...” eram mais difíceis os atuais debates, inclusive, pouco se podendo visualizar muitos danos (2002, p. 409).


Assim, a evolução do conceito de dignidade humana decorre do próprio progresso humano, determinando, incessantemente, a emergência de novas demandas, como consequência inevitável do processo de luta dos povos pela conquista de maiores e mais elevados espaços de dignidade no mundo atual (HERRERA FLORES). Assim, o avanço civilizacional passa a exigir, nas relações interpessoais, novas posturas e novos comportamentos, mais compatíveis com um outro mundo, no qual a dignidade assuma um papel central.


O plano da intimidade de cada pessoa humana passa a ser objeto de proteção por parte do Estado, na perspectiva da renovação e reconstrução conceitual do tema da reparação civil dos danos à pessoa, abrangendo todos os aspectos da vida. Conforme Judith Martins Costa:


“Integram e concretizam a dignidade humana, no campo da responsabilidade civil, interesses tais como a vida privada, a intimidade ou “o direito de estar só, consigo mesmo”, a dor e os afetos, as expectativas de vida, as criações do intelecto em seus aspectos não-patrimoniais, a honra e o nome, interesses constitucionalmente garantidos e que servem a renovar o antiqüíssimo instituto da responsabilidade civil” (2002, p. 416).


O avanço da história nem sempre é percebido pelos desatentos. Entre estes desatentos não estava Pontes de Miranda. Tratando de tema mais específico, este jurista observou que:


“Com a teoria dos direitos de personalidade, começou, para o mundo, nova manhã do direito” (…) “a certo grau de evolução, a pressão política fez os sistemas jurídicos darem entrada a suportes fáticos que antes ficavam de fora, na dimensão moral ou na dimensão religiosa. É isso o que os juristas dizem quando enunciam que só há bem da vida, relevante para o direito, se o direito objetivo tutela”(1955, p. 6-7)


Conforme Clayton Reis, ainda que tardiamente, tal tempo também se iniciou para o Brasil, marcando a preocupação do legislador em


“[…] resguardar a pessoa em face das múltiplas agressões presentes na sociedade moderna”, cumprindo a indenização por danos morais “um papel determinante na preservação dos direitos fundamentais da pessoa, como, especialmente na tutela da dignidade do ser humano” (2010, p. 12).


4. A fixação do dano moral através de arbitramento judicial


O legislador brasileiro optou pelo sistema aberto ou não-tarifado, ou seja, incumbindo ao juiz a fixação da indenização por danos morais, tarefa para a qual deve se desincumbir levando em conta os avanços sociais e a centralidade do conceito de dignidade em nosso ordenamento jurídico.


Ao contrário de outros países, não se estabelecem limites máximos ou mínimos para a indenização, o que evidencia, conforme Carlos Alberto Bittar, (1996, p. 35-36) a superioridade de nosso sistema em termos de eficiência, já que os sistemas tarifados quase sempre não propiciam cabal satisfação ao lesado.


Para certos autores, como Lafayette, o dano moral não obrigava à indenização por não ser suscetível de avaliação econômica, pois seria “uma extravagância do espírito humano a pretensão de reduzir o dano moral a valor monetário” (MARTINS-COSTA, 2002, p. 434) e, portanto, a indenização teria uma natureza simbólica. Tal conceito, que se baseia numa suposta impossibilidade de reparação do dano moral através da pecúnia, encontra-se, hoje, inteiramente superado, de forma que se exige, como se disse, que a indenização seja integral,  ou seja, que represente uma compensação adequada à vítima. A jurisprudência nacional que, inicialmente, inclinou-se pela tese da irreparabilidade do dano moral, evoluiu para o acolhimento das teorias limitativas, o que perdurou por muitos anos, terminando, a partir do período próximo à atual Constituição, por abraçar a tese da plena reparação do dano moral, independentemente de diminuição patrimonial. (BELMONTE, 2002, p. 78-9).


Assim, nada mais afastado do sentido teleológico do instituto da indenização por dano moral previsto em nosso ordenamento jurídico do que a condenação em valores irrisórios. Manifestações jurisprudenciais com esta limitação, lamentavelmente, podem ser geradas por uma insensibilização do Judiciário ante a massificação das demandas, associada “a uma visão reducionista do alcance da reparação do dano moral” (ZANETTI, 2009, p. 70).


Ainda da mesma autora, mais adiante:


“[…] quando o sujeito de direito vinculado a um determinado ordenamento jurídico busca nas instituições judiciárias, garantidoras da harmonia da vida em sociedade, a reparação de uma violação à dignidade humana, e recebe como resposta a fixação de uma reparação em valor irrisório, perde a referência social exterior, o que compromete sua noção de sentido de vida” (p. 87).


No caso específico do processo do trabalho, há de se lembrar, como faz Fátima Zanetti, que a idéia de fixação de valores insuficientes para a integral reparação do dano moral tem vários reflexos nos sujeitos da relação de trabalho:


“[…] o primeiro deles de oficializar o pouco valor da moral do trabalhador e, depois, o de viabilizar a socialização do risco da reparação pelos infratores que, conhecendo de antemão a possibilidade de determinada condenação, incluí-la-ão, certamente, na taxa de risco do negócio, repassando-o para seus preços, transferindo-o para a sociedade. Mais do que isso, o tabelamento em valores ínfimos servirá de estímulo a práticas que desencadeiam transtornos e doenças mentais no trabalho, cujos custos repercutirão, no final, em toda a sociedade por meio da saúde pública” ( p. 25).


Tampouco parece útil a analogia a normas legais atinentes a danos morais, muitas já antigas e todas incompatíveis com a ampla proteção à dignidade humana prevista nas normas constitucionais que prevêem a indenização por dano moral. Assim, não cabe falar em aplicação analógica da lei de imprensa (Lei n. 5250/67), nem muito menos das revogadas disposições da lei sobre comunicações (Lei n. 4.117/1962) ou dos artigos 1537 e seguintes do Código Civil de 1916.


Não são poucos os recursos processuais e artigos doutrinários que apontam uma suposta exacerbação no arbitramento da indenização por danos morais, inclusive no Judiciário Trabalhista. No Tribunal Superior do Trabalho, recursos sobre montante fixado em indenização por dano moral são recebidos, desde muito, conforme pesquisa do Juiz do Trabalho no TRT de Minas Gerais Sebastião Geraldo de Oliveira. (2010, p. 274).


Sabe-se do debate ocorrido no Superior Tribunal de Justiça relativamente ao cabimento ou não de re-exame dos valores fixados (MORAES, 2005, p. 291). Não foi pequena a divergência, valendo registrar o entendimento do ex-Ministro Ruy Rosado de Aguiar. Pretendia que o Superior Tribunal de Justiça somente se manifestasse em situações extremas, diante de valores exorbitantes ou irrisórios. Hoje, percebe-se a apreciação em número não pequeno de situações, intermediárias entre estes extremos.


Já se tem noticia, até mesmo, de Ação Rescisória, no Tribunal de Justiça de São Paulo, questionando decisão com valor alegadamente exorbitante, comentado em artigo de Fernando Sacco Neto (2008). Desde logo, registra-se certa curiosidade, adiante, retomada para melhor análise e proposição. Os julgamentos com valores irrisórios quase passam desapercebidos. Os julgamentos com valores exorbitantes são noticia e objeto de comentários, nos meios jurídicos e fora destes. Ponderação é vista como se fosse sinônimo de “moderação”, o que não é correto.


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Da mesma forma, é preocupante a emergência de certa corrente doutrinária que preconiza um retorno à tarifação legal ou, mesmo, jurisprudencial, criando-se “tabelas”, a pretexto de uma padronização das decisões judiciais que fixam indenizações por danos morais para casos similares. Entre tantos Projetos de Lei, no atual momento, aquele mais avançado no processo legislativo, é o apresentado em 2003 e que faz acréscimos no art. 953 do Código Civil. Este Projeto de Lei, número 1.914, de 2003, é de autoria do Deputado Marcus Vicente, tendo como Relator o Deputado Regis de Oliveira, havendo aprovação em Comissão da Câmara dos Deputados, em julho de 2010. Embora trate somente dos casos de injúria, difamação e calúnia, pode vir a ser parâmetro para a jurisprudência, em outras situações. De qualquer modo, este Projeto de Lei não estabelece nenhuma tabela ou limite. Fixa alguns critérios, ou seja, “situação econômica do ofensor, a intensidade do ânimo de ofender, a gravidade e repercussão da ofensa, a posição social ou política do ofendido, bem como o sofrimento por ele experimentado”.


Não se pode pretender afastar o exame das situações peculiares de cada caso. A semelhança entre mais de um caso, provavelmente, resultará em decisões semelhantes. Não mais do que isto. Os detalhes fáticos e, talvez, mesmo o debate em cada processo levará a decisões não identicas. Negar isto seria negar a regra constitucional de livre acesso ao Poder Judiciário, Constituição art. 5º, inciso XXXV. Seria, também, numa outra esfera, invalidar a atuação das partes em cada demanda judicial.


Inúmeras são as peculiaridades de cada caso a merecer a devida consideração no momento de fixação do valor da indenização. Mais acertadamente neste ponto, a decisão de Primeiro Grau haverá de ser respeitada com maior frequência. Igualmente, as peculiaridades de cada caso desaconselham valores idênticos em casos diversos, salvo se o debate processual não tiver trazido nada de novo.


A esse respeito, diga-se que a não consideração das peculiaridades de cada caso, talvez, tenha maior poder destrutivo para a organização social do que a fixação de valores distintos para situações iguais. Tanto uma, quanto outra situação deve evitada, cuidando-se, acima de tudo, de externar coerência nos julgamentos e, principalmente, que estes aconteçam com o mais completo possível exame das questões trazidas por todos os litigantes, até mesmo, em obediência ao art. 5º, XXXV, da Constituição. Note-se que o inciso lembrado, aqui, mais uma vez, é este mesmo, sobre acesso ao Poder Judiciário.


Certamente, o Direito “é vivo”, como já afirmava Alfredo Buzaid (1985). Provavelmente, ao publicarem-se estas linhas, algum novo caso poderá nos levar a novas considerações e valores superiores, inferiores ou mesmo fora de quaisquer “tabelas” que se pretendesse criar.  De ninguém se aceita a petrificação. Muito menos, aos juízes é permitido fechar os olhos para os novos casos e situações inéditas.


5. Alguns parâmetros para a fixação do dano moral através de arbitramento judicial


Seria impossível citar todos os critérios apresentados na doutrina. Para citar apenas uma autora, Maria Cecília Bodin de Moraes fala no critério da razoabilidade, do caráter punitivo e do equilíbrio. Mas apresenta,  como amplamente aceitos pela doutrina, os critérios da dimensão da culpa (a culpa e a intensidade do dolo do ofensor); a situação econômica do ofensor; a amplitude do dano (a natureza, a gravidade e a repercussão da ofensa; a posição social, política e econômica da vítima e a intensidade de seu sofrimento (2003, p. 295).


Em um esquema bastante simplificado, pode-se dizer que, na doutrina, em geral, são apontados os seguintes critérios:


a) quanto ao ofensor:


A maior parte da doutrina entende que a responsabilidade do ofensor deve ser levada em conta no momento da fixação da indenização por danos morais, ao menos para que não haja desproporção entre a extensão do dano e a gravidade da culpa (parágrafo único do art. 944 do Código Civil). Em desacordo, Fátima Zanetti chega a sustentar a inaplicabilidade de tal norma excepcional aos danos extrapatrimoniais (2009, p. 145).. De toda sorte, parece curial que a gravidade da culpa do lesante deve ser tomada em conta como fator de agravamento da indenização quando se cuida do caráter inibidor ou pedagógico da mesma.


Um segundo critério é saber da situação financeira do ofensor. No caso trabalhista, se a empresa empregadora se caracteriza ou não como pequeno empreendimento. Não se trata, exatamente, de elevar o valor quanto for empresa de grande porte, o que já tem provocado questionamentos sobre tratamento desigual, ainda que em debate mal encaminhado. A dimensão econômica não pequena do ofensor é de ser considerada, até mesmo, para que o valor não seja fixado de modo que a indenização termine não cumprindo o papel inibidor.


Cuida-se, mais acertadamente, de registrar que, por não ser pequeno empregador, teria melhores condições de evitar acidentes e outros motivos de danos, inclusive com mais elaborada política de recursos humanos. Dito de outro modo, o valor deve ser considerável, a ponto de inibir alguma prática ou omissão não desejada. Inexistiria, pois, motivo para não se buscar a mais perfeita reconstrução da dignidade do ofendido, afastando-se totalmente a exceção do parágrafo único do art. 944 do Código Civil, o qual inclusive deve ter uma acolhida ainda bem mais restrita em casos de acidentes.


b) quanto à vítima:


Apresenta-se como critérios relativos à vítima, a natureza, a extensão e a gravidade do dano e de suas repercussões. Ou seja, a indenização deve, em tese, ser proporcional à dor sofrida pela vítima – dado subjetivo e de difícil apuração.


Fátima Zanetti, com grande dose de razão, pondera que o critério da extensão do dano deva ser utilizado com cautela. Exemplifica o caso hipotético de um agente social que dedique sua vida em favor dos oprimidos e, num conflito sobre a posse de terras, seja submetido a cárcere privado. Essa pessoa, por suas convicções filosóficas ou religiosas, pode ser capaz de entender a situação e suportar tais privações sem traumas psíquicos. Entretanto, tal fato não diminuiu a gravidade do crime contra ele praticado, nem a violação da dignidade humana ocorrida. Portanto, conclui certeiramente que “nem sempre no caso do dano moral é possível contrapor a extensão do dano como elemento de fixação do valor da reparação moral” (2009, p. 89).


Por outro lado, há de se ter presente que a indenização, para cumprir sua finalidade reparatória, deve ser adequada à realidade objetiva e subjetiva de cada vítima. Como a dor varia de pessoa para pessoa de acordo com suas peculiaridades e não há forma de calcular matematicamente o sofrimento de cada indivíduo, presume-se, de forma algo grosseira, de que, em uma mesma situação objetiva, as pessoas sofrem na mesma intensidade, tendendo-se a fixar um valor único para cada tipo de caso, desatendendo-se para as circunstâncias fáticas, certamente distintas em cada situação concreta.


Também é possível o equívoco com base no raciocínio inverso. Na tentativa de “adequar” a indenização à dor moral a determinado grupos de indivíduos, em outra forma de simplificação, pode-se pretender classificar a dor moral conforme o nível sócio-econômico da vítima, o que leva ao artificialismo de fixar a indenização conforme o salário da vítima.


Conforme Maria Cecília Bodin de Moraes:


“Tanto a suposição de que pessoas de classes diferentes “sofrem” em valores (quantias) diferentes quanto a de que todas as pessoas têm os mesmos sentimentos (donde concluir que não é cabível especificar-se, no caso concreto, a indenização) decorrem da errônea suposição de que é o “sentimento” que deve ser avaliado” (2003,  p. 300).


Tal raciocínio se baseia em um evidente erro lógico, porque leva à presunção de que a dor moral do rico– ou a gratificação do rico como compensação à dor – deve ser maior que a do pobre.


Em nome da igualdade, não se aceita a consideração da situação econômica da vítima, mas admite-se que se pondere sobre sua situação social, conceito mais amplo, que inclui o ambiente em que inserida, com todo o cuidado para que não ocorra discriminação ou análise preconceituosa.


Também parece que não é solução totalmente acertada, para o deslinde da questão, a fixação em salários mínimos. Em nosso país, o salário mínimo cumpre basicamente a função de estabelecimento de um “mínimo existencial”, conforme previsto no art. 7°, IV da Constituição Federal.  A própria norma constitucional veda que o valor do mínimo seja utilizado como base de cálculo para qualquer outro fim.  Além do mais, a utilização do salário mínimo como valor de referência trabalha, implicitamente, com a idéia de construção de uma “tabela geral” de indenização para danos morais que, a pretexto de “igualar” todos os cidadãos em um mesmo patamar econômico (a remuneração mínima nacional), traz o viés de rebaixar as indenizações a valores cada vez menores, desnaturando a finalidade de proteção à dignidade humana do instituto da indenização por danos morais.


Não poucos autores salientam o desacerto de falar-se, sem maiores cuidados, em possível “enriquecimento sem causa”, que é vedado pelo art. 884 do Código Civil.  Conforme Fátima Zanetti, tal instituto tem caráter nitidamente patrimonial, não sendo adequado para situações, como o dano moral, em que o bem atingido (o patrimônio moral) não pode ser restituído, sendo possível apenas a compensação pela dor sofrida. Assim, “o enriquecimento sem causa pressupõe, portanto, mesmo quando visto como princípio geral do Direito, a possibilidade de mensuração e equivalência entre o patrimônio atribuído a um e a causa justificadora dessa atribuição. Não há, no caso do dano moral, nem possibilidade de mensuração e, em conseqüência, nem de equivalência”.  E, mais adiante, citando Ripert e Planiol, afirma que “o que é proibido não é enriquecer a custa de outrem, é enriquecer injustamente”. Portanto, sendo o enriquecimento determinado em sentença judicial para abrandar os efeitos nefastos da lesão à dignidade humana, é mais do que justificado – é devido.


Quando um valor da indenização for fixado de modo excessivo terá ocorrido decisão injusta ou equivocada ou arbitrária, a merecer reforma. O conceito de enriquecimento sem causa refere-se a outras situações, que não estas decorrentes de decisões judiciais, ainda que mereçam modificação recursal.


Acredita-se que a expressão “meros dissabores”, presente com frequência na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, merece exame com mais cuidado. Talvez, um dano “pequeno” justificasse uma indenização em valor também “pequeno”. A improcedência seria mais razoável quando não houvesse nenhum “dissabor”.  A tese de que os “meros dissabores” do “quotidiano” devem ser suportados porque não atingem a dignidade carece de justificativas ou, no mínimo, não pode ter acolhida fácil. Quais seriam os limites aceitáveis? Outras áreas do conhecimento, tal como a psicologia, dariam guarida a esta tese? A sociologia convive facilmente com a tolerância das “pequenas” lesões? Estas lesões não tem repercussões sociais, talvez graves, pela sua repetição, às vezes, numerosa? Na verdade, já retornado à esfera do Direito, todos absorveram o conceito de “assédio moral” ou, lamentavelmente, muitos ainda resistem às novas exigências de maior civilidade? Enfim, a nossa expectativa é de uma sociedade que viabilize a construção da felicidade de todos ou não?


c) do caráter pedagógico da indenização:


Os autores concordam que na fixação da indenização do dano moral é de ter-se em conta que a sentença judicial também tem um caráter inibidor ou pedagógico, de forma que represente um reforço negativo para que o ofensor – ou qualquer outro (inclusive “a própria sociedade”, conforme Fátima Zanetti (2009, p. 97) – não volte a atentar contra a dignidade alheia. Conforme Bittar, ao lesionar, com sua ação ou omissão, os padrões de equilíbrio e de respeito mútuo que interessam ao Direito nas relações sociais, o lesante deve suportar as conseqüências de seus atos (1996, p. 35). Tal função, inibidora ou pedagógica, é muitas vezes, mencionada como uma função punitiva incompatível com as regras jurídicas que vedam a presença de penas privadas nas relações privadas (MORAES, 2003, p. 305). Talvez devamos analisar diferentemente a função pedagógica e uma suposta função punitiva.  Num caso, cuida-se, apenas, de que a manifestação judicial tenha  relevância para o agressor, levando-o a pensar ou planejar novas práticas e/ou evitar omissões. Para se afirmar que seja ou não “punição”, haverá de se avançar mais no exame deste conceito, o que se tentará adiante.


Judith Martins-Costa não rejeita tal função punitiva, pois, sustentando a necessidade de adequar a doutrina as novas realidades, a justifica com base na jurisprudência do Supremo Tribunal alemão que, para o jurista alemão Bernd-Rutinger Kern, assentada em um “aprimorado conceito de expiação, impõe que um pesado prejuízo causado ao ser humano não deva permanecer sem uma reparação, no mínimo simbólica”, configurando uma “expiação de modo simbólico” na qual “o pagamento deve atingir os ofensores como um sacrifício palpável” (2002, p. 444).


Para outros autores, entretanto, há de se diferenciar “sanção” e “pena”, que não são sinônimos, mas sim, gênero e espécie. Para Pamplona Filho, a sanção é “a conseqüência lógico-jurídica da prática de um ato ilícito”, pelo que “a natureza jurídica da responsabilidade, seja civil, seja criminal, somente pode ser sancionadora”, ao passo que a pena “é uma conseqüência da prática de um delito (o ato ilícito na sua concepção criminal), ou seja, a conduta que lesa ou expõe a perigo um bem jurídico protegido pela lei penal” (SOUZA, 2010, p. 173). Assim,


“a pena privada relaciona-se com a vingança pessoal; (…) já a utilização do mecanismo punitivo está longe da pequeneza moral da vingança, mas atua como instrumento para consagrar a intenção social de não repetição da infração” (SOUZA, idem).


Assim, não há falar em violação do princípio do “nullum crimen, nulla poena sine lege”, já que, por certo, não se está falando nem de crime, nem de pena – mas de ato ilícito e condenação punitiva baseada na responsabilidade civil.


6. A indenização nas hipóteses de dano moral coletivo


O caráter da pena de reparação se torna mais evidente quando se tem presente o dano moral coletivo, caso em que o valor da reparação é “destinado a um terceiro que nada sofreu e que não teve qualquer vínculo com o agressor” (ZANETTI, 2009, p. 97).


Nesses casos, a tendência é de exacerbação do valor da indenização a fim de que a condenação sirva de exemplo para a sociedade, prevenindo novas condutas ilícitas.


A maior intensificação das condenações relativas ao dano moral, nos EUA, ao início do Século passado, nos casos de incêndios do veículo Ford, “modelo pinto”, teve a finalidade de forçar o fabricante a resolver o problema, ao invés de tão somente pré-contabilizar as condenações. Sendo assim, a verificação da repetição dos atos causadores de dano não pode levar simplesmente à mera elevação do valor, em progressão aritmética. Impõe-se a fixação de um valor que exceda aquele a ser recebido pela própria vítima, em alguns casos. Trata-se, talvez já, de função punitiva e não mais, apenas, de providência com cunho “pedagógico”.


Aqui, mais do que inibir tal ou qual prática ou omissão, para o futuro, trata-se de penalizar pelo que já aconteceu e repetiu-se.  Para tanto, no Brasil, existem os Fundos, criados, respectivamente, pelo Ato Declaratório Executivo Corat n° 72/2004, que disciplina o Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT, e a Resolução n° 16/2005 do CFDD, que disciplina o Fundo de Defesa de Direitos Difusos – FDD, sendo o segundo de vinculação ainda mais direta aos temas de nossos julgamentos. Neste momento, a dimensão econômica do empregador haverá de ter uma bem maior influência.


7. Da necessidade de fundamentação das decisões que fixam indenização por dano moral


Como lembra Maria Celina Bodin de Moraes, o sistema do livre arbitramento como regra geral tem sido considerado o que menos problemas traz e o que mais justiça e segurança oferece, atento que está para todas as peculiaridades do caso concreto, pois permite que o juiz, “o único a ter os meios necessários para analisar o sopesar a matéria de fato, utilize da equidade e aja com prudência e equilíbrio” (2003, p. 270).


Em contrapartida, crescem as exigências quanto à fundamentação da decisão judicial.  Toda dificuldade de fundamentar o valor fixado há de ser vencida. Sabemos da necessidade de decisões fundamentadas, entre outras, para viabilizar o direito das partes aos recursos processuais, eventualmente cabíveis (GONÇALVES PERO, 2001, p. 69). Aqui, já estamos cuidando de evitar decisões arbitrárias, sem controle pelos demais órgãos do Poder Judiciário. Em se tratando de decisão judicial que arbitra indenização por dano moral, há exigência de um arrazoado maior, em que os critérios utilizados sejam “sempre explicitados, de modo a fundamentar adequadamente a decisão e, assim, garantir o controle da racionalidade da sentença”, sendo esta a “linha que separa o arbitramento da arbitrariedade” (MORAES, 2003, p. 270).


Quanto maior e mais intensa for a explicitação dos motivos da decisão judicial, maior a perfeição destas. Não existem razoabilidade e previsão processual para a circulação de fundamentos implícitos. No caso das lides trabalhistas, acaso exista efetivo risco de a empresa “fechar” ou ter dificuldades de funcionamento, em decorrência de uma ou outra condenação, isto não pode influenciar “implicitamente”, sem o amplo debate processual, acaso seja efetivamente considerado.


Na análise dos casos concretos tem-se, por óbvio, a preocupação com o sistema jurídico como um todo, incluindo-se, aí, a preservação ou obtenção da “segurança”, aliás, já quebrada com a própria lesão. Certamente, poder-se-ia avançar no debate sobre o valor “segurança” e sua conquista no Direito Social. Porém, o valor “segurança” que se busca não haverá de ser alcançado com o afastamento da ação estatal, via Poder Judiciário.


Os aprendizados do convívio social organizado, civilizado e solidário impregnaram o Direito e não podem mais serem esquecidos. Carmen Lucia Antunes da Rocha bem alertou que não se pode concordar com aqueles, não poucos, que não desejam nenhuma regra estabelecida na coletividade. (1999, p. 21-47).


Além disso, há de se reconhecer que a “segurança jurídica” não pode ser óbice à consecução dos amplos objetivos de tutela dos direitos da personalidade previstos na Constituição Federal, mas deve importar, sim,  numa maior exigência de fundamentação da decisão judicial, assumindo-se os inevitáveis riscos da incerteza quando o juiz se embrenha na árdua senda de enfrentar temas novos surgidos na turbulência das novas relações sociais. Como bem afirma Rodrigo Souza, “parece-se acreditar que a “segurança jurídica” ou a “segurança social” é preferencialmente alcançada impedindo que já reconhecidos transgressores do direito sejam punidos em demasia” (2010, p. 202).


No mesmo sentido, Fátima Zanetti:


“O reconhecimento de que o Direito precisa começar a aprender a lidar com a incerteza: de que a segurança jurídica não pode prevalecer sobre o justo e que pode sim ser construída a cada caso, se o objetivo da justiça social são novos paradigmas que precisam ser incorporados porque melhor respondem aos anseios da sociedade” (2009,  p. 89).


O risco de alguma outra providência legislativa apressada existe, repete-se. Igualmente, a própria natureza e desenvolvimento ao longo da história, até aqui, do dano moral há de ser considerada em novas proposições. Também por isso, é interessante é a lembrança da decisão em conhecida tragédia da construção civil, no Rio de Janeiro. Ali, o Tribunal de Justiça daquele Estado fixou um valor idêntico a todos moradores e uma outra parcela, diferenciada, para cada ex-proprietário, diante da peculiariedade de sua situação. A lembrança é de Maria Celina Bodin de Moraes, que chega a mencionar a possibilidade de termos sempre o exame de duas parcelas, uma fixa e outra individualizada, ambas relativas ao dano moral (2003, p. 333).


Uma das parcelas foi fixa, igual a todos, em algo próximo a uma “presunção legal” de dor. A outra buscou atender a peculiaridade de cada caso, necessitando indicativos da singularidade. Utilizamos a palavra “indicativo”, para não adentrarmos em outras controvérsias. Exemplificando, com o risco correspondente de estar abreviando o debate, um pianista com lesão no dedo, deveria provar que era pianista, e não que teve uma dor maior, o que seria presumível.


Com as atuais considerações, se acredita ter salientado, também aqui, no exame deste caso concreto, com suposta “tabela”, para uma das parcelas, a relevância do exame de cada caso, com a preocupação de construir uma coerência maior, não simplesmente com os valores de um e outro caso, mas, sim, de dedicado enfrentamento de uma realidade que nos é trazida a exame, quotidianamente. Entre tantas incivilidades a serem superadas, por inteiro, está o primeiro lugar de nosso País, em acidentes de trabalho, ao final do Século passado. (OLIVEIRA, 2010, p. 217)


8 Alguns critérios possíveis


– o objetivo da indenização por danos morais é a compensação não insuficiente do sofrimento da vítima, ao mesmo tempo em que se desestimula o ofensor ou qualquer outro à prática de novos atos ilícitos, contribuindo-se, assim, para a pacificação social;


– a finalidade constitucionalmente atribuída ao instituto da indenização por dano moral é incompatível com condenações irrisórias, que, a pretexto de não favorecer o enriquecimento sem causa, terminam por desatender sua finalidade social, constituindo, muitas vezes, um novo agravo à vítima e um incentivo para que o ofensor reincida no ato ilícito;


– para a dosagem da indenização há de se considerar a gravidade e, com cautela, a extensão do dano causado na vítima; a situação econômica do lesante e, para fins de agravamento, a dimensão de sua culpa, além das circunstâncias do caso; com vistas a prevenir novos ilícitos, a exacerbação da indenização para fins punitivos deve levar em conta a dimensão social dos danos causados e a capacidade econômica do ofensor;


– a necessidade de apreciação individualizada dos casos concretos não admite a fixação de qualquer “tabela”, seja legal ou jurisprudencial;


– tampouco se justifica certo entendimento frequente, nos processos trabalhistas, para a fixação da dano moral com base na capacidade econômica da vítima, assim como a modulação da indenização em salários mínimos ou contratuais;


– buscar na fundamentação, mesmo em situação de eventual  reforma do primeiro julgamento, revelar o respeito para com aquela decisão de primeiro grau.


 


Referências:

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ZANETTI, Fátima. A problemática da fixação do valor da reparação por dano moral. São Paulo: LTr, 2009.

 

Nota

[1] Contribuiu para o presente texto o Juiz Ricardo Hofmeister de Almeida Martins Costa, que esteve convocado na mesma 3ª Turma do TRT4, no momento inicial deste estudo.


Informações Sobre os Autores

João Ghisleni Filho

Desembargador do TRT4

Flavia Lorena Pacheco

Desembargadora do TRT4

Luiz Alberto de Vargas

Desembargador do Trabalho do TRT 4ª. Região

Ricardo Carvalho Fraga

Juiz do Trabalho no TRT RS
Coordenador do Fórum Mundial de Juízes


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