Resumo: O presente artigo se ocupa da regulação bancária nos Estados Unidos da América, mais especificamente do modelo regulatório lá adotado, conhecido como “dual banking system”, cujo traço típico reside no fato de às instituições financeiras captadoras de depósito ser facultada a possibilidade de se constituírem na esfera estadual ou federal e de serem reguladas em ambas. O escopo deste trabalho é apresentar um panorama sobre a formação e a organização do dual banking system e apontar vantagens e desvantagens a ele normalmente atribuídas.
Palavras-chave: Direito Econômico. Regulação Bancária. Dual banking System. Direito norte-americano.
Abstract: This study deals with the banking regulation in the United States of America, more specifically the regulatory model adopted there, known as the dual banking system, whose main feature is the fact that depository institutions can choose between state and federal charters and as a result choose their regulator. This paper aims to present an overview of the formation and organization of the dual banking system and point out advantages and disadvantages usually attributed to it.
Key words: Economic Law. Banking Regulation. Dual banking System. US Law.
Sumário: Apresentação e delimitação do tema. 1. Formação do dual banking system. 1.1. Banco dos Estados Unidos. 1.2. A Era do free banking. 1.3. O National Banking Act. 1.4. O Federal Reserve Act. 1.5. A crise bancária de 1929-1933 e a estabilização do sistema bancário. 1.6. Da década de 1980 até o Dodd-Frank Wall Street Reform and Consumer Protection Act. 2. Estrutura da regulação bancária nos Estados Unidos da América. 2.1. O Office of the Comptroller of the Currency. 2.2. O Federal Reserve System; 2.3. O Federal Deposit Insurance Corporation. 2.4. A National Credit Union Administration. 2.5. O Financial Stability Oversight Council. 2.6. Reguladores estaduais. 3. Vantagens e desvantagens do dual banking system. 3.1. Vantagens. 3.2. Desvantagens. Conclusões.
APRESENTAÇÃO E DELIMITAÇÃO DO TEMA
O sistema financeiro, em geral, e o setor bancário, em particular, representam segmentos que estão em constante transformação. A todo momento, novos produtos e serviços são criados, as instituições que operam nesse setor ampliam seus domínios e os critérios tradicionalmente utilizados para diferenciá-las perdem sentido.
O setor bancário, com efeito, consubstancia domínio regulado por excelência, apresentando-se talvez como um dos ramos da atividade econômica que mais sente o peso da atividade regulatória estatal. Embora sejam ressonantes as vozes em sentido contrário, parece prevalecer a idéia de que os bancos requerem tratamento regulatório diferenciado, porque são especiais. Costuma-se dizer que a atividade bancária é especial pelo fato de que os bancos, além de serem mais suscetíveis a solavancos econômicos, funcionam como vetores de transmissão da política monetária e atuam como intermediários financeiros, captando, emprestando e fazendo os recursos circularem.
Conquanto os dois aspectos acima apontados – a dinâmica e a natureza regulada do setor bancário – sejam comuns ao Brasil e aos Estados Unidos da América, curioso notar que eles trilharam caminhos bem diferentes, no que diz respeito ao modelo de regulação bancária.
Não se pense, porém, que se trata de estudo comparativo. O presente artigo visa, nessa conformidade, visitar as peculiaridades do modelo regulatório adotado nos Estados Unidos, conhecido como “dual banking system”, apresentando, de forma panorâmica, sua formação e organização, e as vantagens e desvantagens a ele normalmente atribuídas[1].
A sequencia da exposição obedecerá essa mesma linha de intelecção, de modo que, inicialmente, alinharam-se os principais aspectos históricos, políticos, jurídicos, econômicos e técnicos que explicam e justificam a formação do dual banking system. Em seguida, traçou-se, de maneira ampla, o atual desenho da regulação bancária, nos EUA, ou, por outras palavras, pretendeu-se apontar quais os entes estatais responsáveis pela regulação do setor bancário e suas principais competências. Por fim, tratou-se dos prós e dos contras que são atribuídos ao sistema em referência, expondo-se as conclusões alcanças com o presente estudo.
1. FORMAÇÃO DO DUAL BANKING SYSTEM
O dual banking system, como anteriormente observado, é peculiar. Trata-se de sistema caracterizado pelo fato de as instituições financeiras captadoras de depósito terem a possibilidade de se constituírem na esfera estadual ou federal e de serem reguladas em ambas. Confira-se, por oportuno, a esclarecedora lição sobre o que se define como dual banking system: “Unlike their corporate counterparts, bankers always have a choice between state and federal charters. They make their initial choice when organizing the bank. If later dissatisfied, they can readily convert the bank to a different charter. National banks, state banks, and federal and state thrift institutions have largely the same powers, so the choice of charter is preeminently a choice of regulators. This choice of charters and regulators is commonly known as the ‘dual banking system’”[2].
Debruçando-se sobre o tema, verifica-se que o sistema em referência não foi resultado de decisões políticas ou técnicas bem pensadas, antes se apresenta como fruto de fatores históricos de ordem política, jurídica, econômica e técnica. Vale dizer, muitas das peculiaridades do dual banking system somente são explicáveis sob a perspectiva histórica, em sua aludida dimensão multifacetada, cujo desconhecimento pode levar o estudioso menos atento a julgá-lo arbitrário.
Destarte, a escorreita compreensão do modelo em foco depende, em grande medida, do conhecimento dos aludidos elementos, não por acaso objeto dos próximos itens.
1.1. BANCO DOS ESTADOS UNIDOS
De acordo com Carnell, Macey e Miller[3], os EUA começaram a vida em uma desordem monetária e fiscal. Os pagamentos eram feitos de forma desordenada, por meio de papel moeda estadual e federal; moedas nacionais e estrangeiras; moedas emitidas por bancos. A falta de uma moeda confiável e uniforme atravancava o comércio.
A Constituição de 1787 trouxe várias disposições que pretendiam colocar ordem nas searas monetárias e fiscal. Nesse sentido, foi atribuído ao Congresso o poder de cunhar moeda e de regular seu valor. Os estados foram proibidos de cunhar moeda e o Governo Federal recebeu competência para disciplinar o comércio interestadual e internacional.
Em 1790, o Secretário do Tesouro propôs a criação de um banco nacional, inspirado no modelo do Bank of England, que, embora privado, exerceria importantes funções públicas. A proposta encontrou forte oposição no Congresso. Argumentava-se que a proposição seria inconstitucional na medida em que a Constituição não atribuía ao Congresso competência para criar bancos ou empresas. Temia-se, outrossim, que a criação desse banco pudesse ferir o direito dos estados de autorizar ou proibir bancos em seus territórios. A discussão refletia a disputa entre aqueles que temiam a concentração de poder no âmbito federal e aqueles que entendiam que somente um governo federal forte poderia levar a nação à prosperidade.
Em 1791, o presidente Thomas Jefferson sancionou a lei que criava o Banco dos Estados Unidos. Embora tenha tentado não interferir nos negócios dos bancos estaduais, o Banco dos Estados Unidos, na qualidade de banco comercial, tornou-se o maior emprestador de recursos do Governo Federal, detendo um quase monopólio dessa atividade. No que diz respeito as suas funções públicas, o Banco dos Estados Unidos passou a gerenciar o recolhimento de impostos, os gastos governamentais, o câmbio e criou uma moeda uniforme, para utilização em transações com o Governo.
O Banco dos Estados Unidos acabou tornando-se um banco central, conquanto não tivesse sido idealizado com esse objetivo, uma vez que se entendia que a competência do Congresso para cunhar moeda e fixar o seu valor criava um mecanismo de auto-ajuste que dispensaria controle monetário externo.
Em 1811, passados 20 anos da criação do Banco dos Estados Unidos, mudanças na cena política acabaram levando à sua extinção. O lobby dos estados e dos empresários sustentava que os bancos estaduais haviam crescido, espalhando-se por todo o país, de modo que poderiam fornecer ao Governo Federal os mesmos serviços prestados pelo Banco dos Estados Unidos. Por trás desse discurso, estava a idéia de que a atuação do Banco dos Estados Unidos como banco central afetava os bancos estaduais e interferia na autonomia dos estados.
Após o fim do Banco dos Estados Unidos, o setor bancário cresceu consideravelmente. O volume de negócios do setor aumentou vertiginosamente entre 1816 e 1836 e muitos bancos estaduais foram criados.
Ocorre que, com a invasão dos ingleses em 1814 e a consequente desordem instalada nas searas fiscal e financeira, o sistema bancário começou a ruir. Criaram-se condições ideais para a recriação de um banco nacional, o que viria a acontecer em 1816, quando o Congresso autorizou a recriação do Banco dos Estados Unidos por um novo período de 20 anos.
Com a economia aquecida, em razão da industrialização da nação, a demanda pelos serviços bancários só crescia, tornando o segundo Banco dos Estados Unidos maior e mais poderoso do que o primeiro. Todavia, menos de 2 anos após a recriação do Banco dos Estados Unidos, escândalos ligados à má administração e à gestão fraudulenta tornaram-no impopular e financeiramente apático. Solucionados tais problemas, o Banco dos Estados Unidos passou a atuar como verdadeiro banco central, estabilizando a moeda, protegendo os mercados de crédito e assistindo ao Tesouro em suas operações fiscais.
Apesar dessa atuação exitosa, banqueiros estaduais, especuladores e empresários passaram a enxergar o Banco dos Estados Unidos como uma ameaça aos lucros e ao crescimento econômico. Os políticos estaduais passaram a ver o Banco dos Estados Unidos como uma intromissão federal nos assuntos estaduais. Os opositores do Banco dos Estados Unidos ganharam um importante aliado com a eleição do Presidente Andrew Jackson, que acabou vetando a renovação da autorização para funcionamento do Banco dos Estados Unidos, aprovada pelo Congresso em 1832. Com isso, o Banco dos Estados Unidos foi padecendo lentamente, até que sua autorização para funcionamento expirasse em 1836.
1.2. A ERA DO FREE BANKING
O fim do Banco dos Estados Unidos, em 1836, criou as condições favoráveis para que os empresários interessados nos lucros do segmento começassem a pressionar os estados, para criarem leis permitindo a criação de bancos independentemente de autorização legislativa.
As pressões surtiram efeito e a maioria dos estados aprovou leis permitindo que a criação de bancos estaduais se desse sem a necessidade de autorização legislativa, criando aquilo que veio a ser chamado de “Free Banking Era”.
A regulação bancária, nesse período, ficou a cargo dos Estados, que, em sua grande maioria, falharam no papel de assegurar solidez e segurança ao sistema bancário. A falta de uma moeda uniforme, haja vista que os bancos eram livres para emitir suas próprias moedas, atravancava o comércio, na medida em que, em cada transação, os comerciantes tinha que ajustar o preço em razão do valor da moeda emitida por cada banco. Os problemas acima referidos e o grande número de falências bancárias fizeram com que o Free Banking passasse a ser encarado como um sistema ineficiente.
1.3. O NATIONAL BANKING ACT
A eclosão da Guerra Civil, em 1861, viria a fragilizar ainda mais a manutenção do Free Banking. Passou-se a defender, então, a criação de um sistema bancário nacional, no qual bancos autorizados a funcionar pelo Governo Federal poderiam emitir notas bancárias lastreadas em títulos do Governo americano, resolvendo, assim, o problema da falta de uma moeda nacional uniforme.
Em 1863, o Congresso aprovou o National Currency Act, aperfeiçoado com o National Bank Act, em 1864.
A partir de então, inicia-se um novo período do setor bancário, que duraria até a edição do Federal Reserve Act, em 1913, e cujos traços principais podem ser assim resumidos: i) dual banking system; ii) unit banking; iii) segregação entre bancos comerciais e instituições de poupança.
Após a edição do National Banking Act, o Congresso aprovou, em 1865, a cobrança de uma taxa punitiva, incidente sobre as notas emitidas pelos bancos estaduais. Pensava-se que essa restrição inviabilizaria a atividade dos bancos estaduais, que acabariam se convertendo em bancos nacionais. Ocorre que o desenvolvimento do “cheque” como substituto das aludidas notas acabou impedindo que tais previsões se concretizassem. Destarte, depois de alcançar um nível baixíssimo, em 1868, o número de bancos estaduais chegou a superar, em 1914, o número de bancos nacionais, em razão das vantagens oferecidas pelos estados para a constituição de bancos, como, por exemplo, menores requerimentos de capital e menos restrições quanto ao tipo de investimento que as citadas instituições poderiam fazer.
O sistema criado com o National Banking Act, com efeito, permitia que os bancos pudessem ser constituídos no âmbito estadual ou federal, provocando uma espécie de “competição” entre o Governo Federal e os estaduais por clientela regulatória. Nascia, assim, quase que por acidente, o dual banking system, traço típico da regulação bancária americana desde então.
Atribui-se ao National Banking Act a criação do unit banking. Entendeu-se que o aludido diploma proibia os bancos nacionais de abrirem agências pelo território nacional. Essa restrição, no entanto, não existia para os bancos estaduais, que, de uma maneira geral, estavam livres para abrir agências nos seus respectivos territórios. Poderiam, inclusive, manter suas agências, caso viessem a se tornar bancos nacionais. Apesar disso, no âmbito dos estados, também prevaleceu a estrutura do unit banking, responsável pela descentralização e pela multiplicação do número de bancos.
O aludido sistema, cabe registrar, fundava-se na ideia de que os bancos menores teriam melhores condições de atender à população local do que os grandes bancos. Nas palavras de Carnell, Macey e Miller[4] “[t]he ideal of local autonomy became a fundamental tenet of banking policy and powerfully shaped banking politics”.
Foi também sob a égide do National Banking Act que nasceram as instituições de poupança, as savings and loan associations e os saving banks[5]. Como os bancos, até então, não atendiam adequadamente as necessidades das pessoas mais humildes, as instituições de poupança surgiram para atender a esse mercado.
1.4. O FEDERAL RESERVE ACT
Conquanto o National Banking Act tivesse trazido melhorias significativas para o sistema bancário americano, o país ainda sentia falta de um banco central que regulasse a oferta de moeda e que funcionasse como emprestador de última instância, suavizando os solavancos da economia e contendo o pânico do mercado.
A quebra da bolsa, em 1907, fez crescer o desejo de reforma de muitos banqueiros, políticos e empresários. Ao assumir a presidência, Woodrow Wilson passou a defender a necessidade de reforma monetária e bancária, cuja concretização viria a ocorrer em 1913, com a aprovação do Federal Reserve Act.
Criava-se assim o Federal Reserve System, formado por 12 bancos Federal Reserve regionais e pelo Board of Governors. Os Federal Reserve regionais, cuja propriedade pertencia aos bancos membros do Federal Reserve System, basicamente descontavam os cheques e faziam empréstimos de emergência aos bancos da região. O Board of Governors, por sua vez, se encarregava da supervisão dos bancos e detinha a palavra final em matéria de política monetária.
O Federal Reserve Act obrigava os bancos nacionais a fazerem parte do sistema, mas dava aos bancos estaduais a liberdade de optar por fazer ou não parte do sistema. Em razão das restrições regulatórias que o sistema possuía, a criação de bancos nacionais tornou-se pouco interessante para os banqueiros e a maioria dos bancos estaduais em funcionamento optou por não integrá-lo, apesar dos benefícios que tal associação traria, como, e.g., acesso aos empréstimos de emergência.
Nas duas décadas seguintes ao Federal Reserve Act, o sistema bancário foi objeto de relevantes transformações, cujos traços principais podem ser assim alinhados: i) enfraquecimento do sistema do unit banking no âmbito estadual, dando lugar a bancos com varias agências; ii) surgimento das cadeias de bancos (chain banking)[6]; iii) criação de holdings bancárias; e iv) consolidação da indústria bancária por meio da realização de fusões entre bancos.
1.5. A CRISE BANCÁRIA DE 1929-1933 E A ESTABILIZAÇÃO DO SISTEMA BANCÁRIO
A partir de 1925, passou-se a observar significativo aumento no número de falência de bancos e de instituições de poupança. Com a quebra da bolsa, em 1929, e a Grande Depressão, a situação ficou ainda pior, de modo que, em 1933, quando o Presidente Franklin D. Roosevelt assumiu o poder, o sistema bancário entrou em colapso.
Com a confiança no sistema bancário abalada, a constante oposição à reforma bancária teve que ceder, permitindo que o Congresso, em 1933, editasse o Banking Act, diploma que promoveu grandes transformações na indústria bancária, conforme passamos a demonstrar.
O Banking Act promoveu a separação entre bancos comerciais e bancos de investimento, pois muitos achavam que a atuação dos bancos nos mercados de títulos teria sido um dos fatores responsáveis pela crise bancária, e promoveu a criação da Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC), com a missão de garantir os depósitos feitos nos bancos estaduais e nacionais, no caso de falência destes.
Além disso, o diploma em referência proibiu que os bancos pagassem juros sobre os depósitos à vista e atribuiu competência ao Federal Reserve Board para regular as taxas de juros nas contas-poupança, medidas que ficaram conhecidas como “Regulation Q”.
O Banking Act, outrossim, pôs fim ao tratamento desigual que os bancos nacionais sofriam, no que se referia à possibilidade de abertura de agências dentro do território do estado em que tivessem sido constituídos. Criava-se, assim, o princípio da igualdade competitiva entre bancos nacionais e bancos estaduais nesse tema.
O Banking Act deu o primeiro passo rumo à regulação das holdings bancárias. De acordo com a disciplina da referida lei, uma empresa que controlasse um banco membro somente poderia exercer seu direito de voto nas deliberações sociais se fosse autorizado pelo Federal Reserve Board. Ocorre que, para obter essa autorização, a empresa e os outros bancos da holding teriam que dar ao Federal Reserve Board a possibilidade de analisar as relações que tivessem travado com o banco membro.
Há de se ressaltar, ainda, a grande quantidade de normas relativas às instituições de poupança que foram editadas após a Grande Depressão. Em 1932, o Congresso criou a Federal Home Loan Bank System, mimetizando a estrutura do Federal Reserve System. Em 1934, o National Housing Act criou a Federal Savings and Loan Insurance Corporation, cuja função era garantir os depósitos feitos nas instituições de poupança.
Com o fim da crise, em 1934, o setor bancário passaria por um longo período de estabilidade, que duraria até o fim da década de 1970. De acordo com Carnell, Macey e Miller[7], três foram os fatores que permitiram esse relativo período de paz no segmento bancário. Em primeiro lugar, as acomodações políticas que se seguiram à Depressão. Em segundo lugar, a depressão teria deixado os banqueiros traumatizados, levando-os a adotar uma postura de aversão ao risco. Por fim, as falências bancárias tornaram-se extremante raras.
Trata-se de período caracterizado por uma grande expansão geográfica dos bancos, tanto por meio da abertura de novas agências pelo território dos estados e, posteriormente, pelo território nacional, quanto pelo aumento do número de bancos controlados por holdings.
O aumento do número de holdings bancárias levou o Federal Reserve Board a defender que todas as holdings bancárias, inclusive aquelas cujos bancos controlados não fizessem parte do Federal Reserve System, fossem por ele reguladas. Em resposta às pressões neste sentido, em 1956, o Congresso editou o Bank Holding Company Act, dando ao FED competência para regular todas as espécies de holdings bancárias[8].
Vale referir, por fim, ao significativo crescimento das instituições poupança e das cooperativas de crédito e à profusão de normas voltadas para a proteção do consumidor de produtos e serviços bancários ocorrida no período.
1.6. DA DÉCADA DE 1980 ATÉ O DODD-FRANK WALL STREET REFORM AND CONSUMER PROTECTION ACT
A estabilidade da era pós-depressão começou a ruir a partir da década de oitenta. De acordo com Carnell, Macey e Miller[9], o sistema bancário americano teria passado por uma verdadeira revolução, resultante da ação dos reguladores, das leis editadas no âmbito federal e estadual, das transformações ocorridas no mercado financeiro e fora dele.
Dentre as mudanças verificadas no período em referência destacam-se a eliminação da Regulation Q e das barreiras à expansão geográfica dos bancos[10], a queda do muro que separava as atividades de banco comercial e de investimento e a significativa redução das diferenças entre os diferentes tipos de instituições financeiras. Além destas, convém referir à onda de falências que abateu as instituições de poupança e os bancos, evidenciando a fragilidade da regulação a ela aplicáveis.
Em 2008, os Estados Unidos começaram a enfrentar uma das piores crises de sua história. A economia americana, e logo as economias de outros países, foi atingida por uma crise sem precedentes, iniciada com a falta de pagamento das hipotecas “subprime”, que levou à quebra de instituições financeiras e abalou a bases do sistema financeiro americano.
Como bem demonstra a história do sistema financeiro americano, as crises sempre tiveram um papel decisivo no que diz respeito à evolução da disciplina da regulação bancária. A crise de 2008 e a resposta a essa dada por meio do Dodd-Frank Wall Street Reform and Consumer Protection Act, de 2010, são mais uma prova disso[11].
De acordo com Greene[12], a lei em questão representa a maior mudança legislativa em matéria de regulação financeira desde a Grande Depressão. Considerando os limites deste trabalho, apenas serão noticiadas as principais alterações decorrentes da citada lei, no que diz respeito ao desenho regulatório do sistema bancário.
A esse propósito, deve-se dizer que o Dodd-Frank Act extinguiu[13] o Office of Thrift Supervision (OTS) e eliminou as principais vantagens que eram atribuídas à constituição de uma instituição de poupança, dando grandes incentivos para que estas se transformem em bancos.
O OTS, criado em 1989, tinha competência para regular as savings and loans associations, alguns savings banks e loan holdings que não fossem holdings bancárias. Com a extinção do OTS, suas competências regulatórias foram repartidas e atribuídas aos demais reguladores federais.
Assim, o Office of the Comptroller of the Currency (OCC) foi investido com poderes para regular as instituições de poupança federais e para promover a regulamentação de todas as instituições de poupança. Ao Federal Reserve, por sua vez, foi atribuída a competência do OTS para regular thrift holdings e suas subsidiárias que não fossem captadoras de depósitos. As competências regulatórias relativas às instituições de poupança estaduais foram transferidas para a Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC).
O Dodd-Frank Act instituiu o Financial Stability Oversight Council (FSOC), cujos principais objetivos são aumentar a supervisão do sistema financeiro como um todo e servir como uma espécie de alerta precoce na identificação de riscos derivados das atividades de holdings bancárias de grande porte e com elevado grau de interconexão ou de instituições financeiras não-bancárias, e também daqueles que possam surgir fora do mercado de serviços financeiros[14].
Outro órgão criado pelo Dodd-Frank Act foi o Bureau of Consumer Financial Protection, agência executiva que assumirá grande parte das funções exercidas por outros reguladores relativas às leis federais de proteção ao consumidor de serviços e produtos financeiros. Em termos gerais, tem a missão de administrar, fazer cumprir e regulamentar as leis federais que versem sobre os direitos do consumidor de serviços ou produtos financeiros.
2. ESTRUTURA DA REGULAÇÃO BANCÁRIA NOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA
Como restou demonstrado nos itens anteriores, o sistema bancário dos EUA estruturou-se de forma difusa, fragmentada, consolidando-se de maneira dual, isto é, nas esferas estadual e federal. A regulação desse setor, por sua vez, seguiu essa mesma lógica, de modo que as competências regulatórias foram divididas entre agências governamentais estaduais e federais.
Neste capítulo, apresentar-se-á, de forma panorâmica, as principais agências responsáveis pela regulação bancária e as suas atribuições básicas.
2.1. O OFFICE OF THE COMPTROLLER OF THE CURRENCY
Em termos formais, o Office of the Comptroller of the Currency (OCC) constitui órgão vinculado ao Departamento do Tesouro e sujeito à sua fiscalização. Na prática, goza de ampla autonomia, reconhecida pela lei, de modo que o Departamento do Tesouro não pode interferir em questões que estejam sob análise do OCC, nem tampouco vetar, retardar ou alterar as regulamentações por ele expedidas. A independência do OCC é reforçada pelo fato de suas despesas não serem custeadas pelo orçamento aprovado pelo Congresso, mas pelo valor arrecadado a título de tarifas cobradas dos bancos nacionais.
O Office of the Comptroller of the Currency (OCC) é responsável pela concessão de autorizações para constituição de novos bancos nacionais e pela regulação dos já existentes. Com a extinção do Office of Thrift Supervision (OTS), promovida pelo Dodd-Frank Act, passou a ter competência para regular as instituições de poupança federais e para promover a regulamentação de todas as instituições de poupança, com exceção das competências regulamentares que foram transferidas ao Federal Reserve.
2.2. O FEDERAL RESERVE SYSTEM
O Federal Reserve System (Fed) é composto pelo Board of Governors, por doze bancos Federal Reserve regionais e pelo Federal Open Market Committee (FOMC). O Fed possui funções de regulação bancária, mas sua principal missão consiste em supervisionar a política monetária.
O Board of Governors supervisiona os bancos regionais Federal Reserve, cuida da regulação dos bancos estaduais que são membros do Federal Reserve System e das holdings bancárias.
Os bancos regionais do Federal Reserve funcionam como emprestadores de última instância, inspecionam bancos estaduais membros e desempenham funções regulatórias por delegação do Board of Governors. O Federal Open Market Committee, por seu turno, cuida basicamente da política monetária.
Com a edição do Dodd-Frank Act e a extinção do Office of Thrift Supervision (OTS), conforme anteriormente afirmado, o Fed passou a deter competência para regular thrift holdings e suas subsidiárias que não fossem captadoras de depósitos. A referida lei promoveu, ainda, a criação do Bureau of Consumer Financial Protection, agência executiva criada dentro da estrutura do Fed, porém considerada autônoma em relação a ele, cujo principal atribuição é administrar, fazer cumprir e regulamentar as leis federais que versem sobre os direitos do consumidor de serviços ou produtos financeiros.
2.3. O FEDERAL DEPOSIT INSURANCE CORPORATION
A Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC) garante os depósitos feitos nos bancos e nas instituições de poupança afiliados e regula os bancos estaduais que não são membros do Federal Reserve System. Em decorrência da sua função de garantir os depósitos realizados nas aludidas instituições, tem autorização legal para inspecionar qualquer instituição segurada. Além disso, o FDIC possui competência subsidiária para adotar medidas regulatórias necessárias caso o regulador primário deixe de adotá-las.
Com o fim do Office of Thrift Supervision, passou a ter competência para regular as instituições de poupança estaduais.
2.4. A NATIONAL CREDIT UNION ADMINISTRATION
A National Credit Union Administration (NCUA) regula e autoriza a constituição de cooperativas federais de crédito, regula cooperativas estaduais de crédito pertencentes ao sistema federal, e administra o National Credit Union Share Insurance Fund, cujo objetivo é garantir os depósitos feitos nas cooperativas de crédito.
2.5. O FINANCIAL STABILITY OVERSIGHT COUNCIL
Conforme apontado no item 2.6., o Dodd-Frank Act promoveu a criação do Financial Stability Oversight Council (FSOC), cujos principais objetivos são aumentar a supervisão do sistema financeiro como um todo e servir como uma espécie de alerta precoce na identificação de riscos derivados das atividades de holdings bancárias de grande porte e com elevado grau de interconexão ou de instituições financeiras não-bancárias e também daqueles que possam surgir fora do mercado de serviços financeiros[15].
2.6. REGULADORES ESTADUAIS
No âmbito dos Estados, existe um grande número de agências que se ocupam, principalmente, das autorizações para constituição de bancos e cooperativas de crédito estaduais. Em geral, estas agências também possuem competência regulatória em relação às citadas instituições.
A estrutura organizacional da regulação a nível estadual varia bastante, muito embora a doutrina reconheça que certas características comuns podem ser identificadas. De acordo com MALLOY[16], os caminhos seguidos pelos Estados no que diz respeito à regulação bancária foram basicamente dois. De um lado, a grande maioria dos Estados adotou um modelo no qual reguladores relativamente especializados são responsáveis pela supervisão de todas ou de alguns tipos de instituições captadoras de depósito. A minoria dos Estados, por outro lado, optou por atribuir poderes regulatórios sobre a instituições captadoras de depósitos a um agente ou órgão que seja parte integrante de um departamento maior e menos especializado do Governo estadual.
3. VANTAGENS E DESVANTAGENS DO “DUAL BANKING SYSTEM”
Foi assentado que o dual banking system não foi fruto de uma opção política ou técnica bem ponderada, antes se apresenta como o produto de uma série de acontecimentos históricos e de jogos de poder travados pelos agentes estatais e privados atuantes nesse segmento.
É forçoso reconhecer que, durante o seu longo processo de formação, o dual banking system sempre foi objeto de duras críticas, mas também não se pode deixar de admitir que muitos méritos lhe são distinguidos.
Nas linhas que seguem, procurou-se alinhar, de maneira sintética, as principais vantagens e desvantagens que são reconhecidas ao dual banking system.
3.1. VANTAGENS
A principal vantagem atribuída ao dual banking system se baseia na ideia de que o sistema regulatório fragmentado por ele instituído proporciona proteção contra o indesejado excesso de regulação. Vale dizer, como os bancos, a depender da forma como se constituem, podem ser regulados por diferentes agências, basta que eles optem pela forma de organização que atraia a regulação da agência menos restritiva.
Esclarecedor, a esse respeito, é o trecho trazido à colação: “If any agency imposes overly burdensome restrictions and requirements, the banks it regulates may switch to another regulator lest their competitors gain an advantage. Thus national banks dissatisfied with OCC regulations can became state banks”[17].
Entende-se, assim, que a pressão pela perda potencial de instituições reguladas funcionaria como fator de compensação da tendência das agências de incorrerem em excesso de regulação.
Ademais, encara-se de forma positiva as “batalhas” travadas pelos reguladores na disputa por “clientela regulatória”, na medida em que os forçaria a atuar com diligência e eficiência no desempenho de suas atribuições. A competição entre os reguladores, à semelhança do que se verifica em relação ao setor privado, seria saudável. Invoca-se, nesse sentido, a boa atuação das agências de regulação bancária quando comparadas com a média das agências reguladoras de outros setores.
Sustenta-se que a pluralidade de reguladores, e, consequentemente, a disputa entre eles e os interesses que eles representam, refletiria a divisão da política americana entre os diversos grupos de interesse, produzindo melhores resultados do que aqueles que seriam alcançados na existência de um único regulador.
Na defesa do dual banking system, traz-se, ainda, o argumento de que a mudança do modelo, contrariando a tradição americana, poderia trazer problemas inesperados. Vale conferir, nesse sentido, o seguinte excerto, constante do projeto de reforma de 1984, preparado pelo Comitê sobre Regulação dos Serviços Financeiros: “Throughout American history, no single government authority has ever been entrusted with regulatory authority over all American banks. Such an unprecedented concentration of regulatory power in the hands, ultimately, of a single individual or board could have a variety of deleterious effects, including a significant erosion of the dual bank system and a possible increased risk of unanticipated supervisory problems affecting all banks. These factors suggest strongly that more than one federal regulator should continue to be maintained”[18].
3.2. DESVANTAGENS
O dual banking system está longe de ser uma unanimidade. Sempre que o setor bancário passa por uma crise, sobe-se o tom das críticas feitas ao sistema. Há quem veja no dual banking um sistema complexo, arcaico, ineficiente, ou, nas palavras do Senador William Proxmire[19], “the most bizarre and tangled financial regulatory system in the world”.
Acusa-se o sistema de sobrepor competências regulatórias, engendrando atividade regulatória excessiva, conflitante ou duplicada, distorcendo comportamentos econômicos, aumentando os custos de transação, e favorecendo injustamente certos tipos de instituições em detrimento de outras.
Entende-se, ainda, que o dual banking system acaba por reduzir a efetividade da regulação bancária, na medida em que permite que os bancos escolham o regulador mais leniente. Nas palavras do ex-Secretario do Tesouro Americano, Lloyd Bentsen, o dual banking system “[…] enables organizations to shop for most lenient regulator. Thus, the more faithfully an agency implements the laws enacted by Congress, the more likely the institutions it regulates will look for another regulator”[20].
Além disso, argumenta-se que o dual banking system não tem se mostrado capaz de antecipar e de ajudar a resolver as crises.
CONCLUSÕES
Ao longo do presente trabalho, tivemos a oportunidade de visitar as peculiaridades do modelo regulatório adotado nos Estados Unidos, conhecido como dual banking system.
A partir da identificação dos principais aspectos históricos, políticos, jurídicos, econômicos e técnicos relacionados à formação e ao desenvolvimento do dual banking system, pudemos observar que esse sistema não foi resultado de uma decisão política ou técnica bem ponderada. Trata-se de modelo que nasceu meio por acaso, como produto de uma série de acontecimentos históricos, em suas variadas dimensões, e dos jogos de poder travados pelos agentes estatais e privados atuantes nesse segmento.
No que diz respeito à estruturação do dual banking system, há de se destacar a possibilidade de as instituições financeiras captadoras de depósito terem a possibilidade de se constituírem na esfera estadual ou federal e de serem reguladas em ambas. No entanto, o que mais chama a atenção é a consequência daí derivada, ou seja, a oportunidade dada às mencionadas instituições de “escolherem” o regulador ou os reguladores a que se submeterão, dando lugar a uma verdadeira disputa por clientela regulatória e às implicações dela decorrentes. Outro aspecto digno de nota é a pluralidade de reguladores a que as instituições captadoras de depósito estão submetidas, quer se constituam na esfera federal quer na estadual.
Nesse contexto, cumpre salientar que, embora se reconheça no dual banking system um traço distintivo da regulação bancária americana, não há consenso sobre a sua eficiência ou ineficiência. A mesma característica que é apontada como ponto positivo por alguns é vista como negativo por outros. De fato, a proteção contra o excesso de regulação que o sistema oferece parece ser benéfica, mas, se vista sob outro ângulo, pode reduzir a efetividade da regulação.
Seja como for, fato é que, se já não havia muitas certezas nesse terreno, a recente crise cuidou de deitar mais água na fervura. O futuro do dual banking system, na esteira do sistema financeiro como um todo, é, pois, incerto. A ver que rumo a história da regulação bancária americana tomará, sempre sob os olhos atentos do touro de Wall Street.
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Notas:
Informações Sobre o Autor
Fabricio Torres Nogueira
Graduado em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Mestre em Direito pela Universidade de Coimbra. Professor de Direito Administrativo da Faculdade Ruy Barbosa Grupo DeVry. Procurador do Banco Central do Brasil