Há duas teorias fundamentais voltadas à conceituação da posse
-Teoria subjetiva (clássica): foi desenvolvida por Savigny, para esta teoria a posse decorre da conjugação de dois elementos básicos, primeiro é o “corpus”, e depois o “animus”. “Corpus” é o poder físico sobre a coisa, trata-se do elemento material da posse, já o “animus” representa o elemento subjetivo, o elemento ético, representando a vontade do possuidor de ter a coisa como sua, para esta teoria a vontade de possuir para si originaria a posse jurídica, então uma distinção entre posse e detenção, na detenção o possuidor não se comporta em relação a coisa com ânimo de dono, assim para a teoria subjetiva aquele que detém a coisa em nome alheio não é possuidor, como por exemplo, o locatário, o comodatário, o depositário, entre outros.
– Teoria objetiva: difundida por Ihering, segundo essa doutrina, o elemento objetivo, ou seja, o poder de fato sobre a coisa é o que caracteriza a posse. A posse é então a exteriorização de um direito sobre o bem, que importa na sua utilização econômica, ainda que exercida em nome de outrem.
O nosso Novo Código Civil, artigo 1.196, adotou a teoria objetiva. De acordo com a teoria objetiva pode haver a bipartição da posse, a co-existência da posse direta e da posse indireta sobre o mesmo bem, em situações como a do usufruto, do comodato e da locação, entre outros. E, desse modo o possuidor indireto também pode reclamar em juízo a proteção possessória.
Natureza jurídica da posse
Para aqueles que defendem a teoria subjetiva, a posse é ao mesmo tempo um fato e um direito, aponta-se que se trata de um acontecimento casual que produz efeitos jurídicos, já para teoria objetiva a posse é simplesmente um direito por representar um interesse juridicamente protegido. A doutrina moderna tem de a considerar a posse um direito.
O Professor Caio Mario da Silva Pereira realça que o debate doutrinário desse aspecto não tem hoje grande importância bastando dizer que nascendo a posse de uma relação de fato converte-se desde logo em uma relação jurídica.
Admitida a posse como direito perdura o dissenso sobre a natureza desse direito, ou seja, se ele é pessoal ou real. Civilistas como Caio Mario da Silva Pereira, Orlando Gomes, e Pontes de Miranda conclui que a posse é um direito real. Eles dão conta; realçam que a sujeição da coisa à pessoa é direta e imediata, e o direito do possuidor é exercitado “erga omnes” como todo direito real.
O Código de Processo Civil, no artigo 10, § 2º não reconhece que o direito de posse tem natureza real, dispõe que nas ações possessória, a participação do cônjuge do litigante só será indispensável no caso de composse ou de atos praticados por ambos os cônjuges. A participação do casal em uma ação possessória não decorre da natureza jurídica da posse, mas da comunhão de direitos e obrigações.
Classificação da Posse
No aspecto objetivo, a posse é justa ou injusta. Somente a posse justa é objeto da proteção judicial. Essa classificação tem em conta o modo de aquisição da posse.
Posse justa é aquela adquirida em conformidade com o direito. E, posse injusta é adquirida de forma violenta, clandestina ou precária, como prevê os artigos 1.200 e 1.208 do Novo Código Civil.
No aspecto subjetivo, a posse é de boa ou má-fé. Essa classificação interessa principalmente aos efeitos que produz em relação aos frutos e rendimentos auferidos pelo possuidor durante o tempo em que reteve a coisa, interessa também para definir eventual direito à indenização por benfeitorias e acessões introduzidas.
Se o possuidor ignora o vício ou o obstáculo que o impede de adquirir a coisa possuída, sua posse é de boa-fé. Se ele conhece o vício ou o obstáculo, age de má-fé, como disposto no artigo 1.201 do Novo Código Civil. O possuidor de má-fé tem plena consciência de que não lhe assiste o direito de reter a coisa, ou seja, está ciente da ilegitimidade da sua condição. E, por fim a posse pode ainda ser direta ou indireta, como prevê o artigo 1.197 do Novo Código Civil. Essa classificação é importante para identificar a ilegitimidade ativa nas ações possessórias. Tem a posse direta da coisa, aquele que não é o dono dela, mas exerce uma das faculdades inerentes ao domínio. Tem a posse indireta, o proprietário que se desvincula de um dos atributos ligados ao domínio cedendo-o a outrem o seu exercício.
Proteção Possessória
Um dos efeitos da posse é justamente o direito aos interditos, como previsto nos artigos 1.210 e 1.211 do Novo Código Civil. O Código de Processo Civil disciplina como ações possessórias típicas, à ação de reintegração de posse, a de manutenção da posse, e o interdito proibitório. Os embargos de terceiros, e a nunciação de obra nova não são consideradas ações tipicamente possessórias. O que determina o caráter possessório da ação não é o pedido, mas a causa de pedir. Somente será possessória, a ação que tem por fundamento a posse. Se o autor disputa a posse com fundamento no domínio, a ação será petitória, e não, possessória, como por exemplo, ação reivindicatória que é uma ação petitória, e ação de imissão da posse.
Diante do esbulho que é uma agressão que faz cessar a posse do autor cabe ação de reintegração de posse (a doutrina chama de ação de força espoliativa).
Havendo turbação, agressão que apenas embaraça o exercício da posse, cabe ação de manutenção da posse (na doutrina é ação de força turbativa).
O interdito proibitório é cabível para corrigir agressões que ameaçam a posse. Essa ação tem caráter preventivo, pois busca impedir a concretização da turbação ou do esbulho.
Os interditos são diferenciados no Código de Processo Civil levando-se em conta as providências a serem adotadas em juízo diante da agressão à posse.
Fungibilidade das Ações Possessórias
Diante do disposto no artigo 920 do Código de Processo Civil, admite-se a conversibilidade dos interditos, o juiz pode outorgar proteção possessória que seja adequada ao caso concreto, cujos requisitos estejam presentes embora o autor tenha formulado um pedido diverso.
A idéia é permitir a concessão da tutela pertinente e idônea diante da possibilidade de alteração do estado de fato no curso da lide.
Cumulação de Pedidos
Ao pedido possessório podem ser cumulados outros pedidos como prevê o artigo 921 do Código de Processo Civil.
Competência
Tendo por objeto coisa móvel, a ação possessória deve ser ajuizada no foro do domicílio do réu. Versando sobre imóvel, observa-se a competência do foro da situação da coisa litigiosa como dispõe o artigo 95 do Código de Processo Civil.
Trata-se de competência absoluta, pelo critério objetivo material.
Admite-se ação possessória no Juizado Especial Cível como prevê os artigos 3º, IV e 4º da Lei 9.099/95.
Natureza Dúplice das Ações Possessórias
O Código de Processo Civil, no artigo 922 admite que o réu formule em seu favor pedido contraposto ao do autor. O réu pode pleitear em seu favor a proteção possessória, além de indenização pelos prejuízos freqüentes para eventual agressão à posse praticada pelo autor. Autor e réu ocupam simultaneamente posições subjetivas na relação processual, pois o réu pode obter como conseqüência direta da rejeição do pedido do autor, a tutela da sua posse independente de reconvenção.
Deve haver pedido expresso na contestação para que se aplique a regra do artigo 922 do Código de Processo Civil.
Exceção de Domínio
No juízo possessório discute-se apenas o direito a posse como tutela de mero fato. Não se admite debate a respeito do domínio da coisa, salvo se ambos os litigantes disputam a posse alegando propriedade, ou ainda, quando duvidosas ambas as posses como dispõe a súmula 487 do Supremo Tribunal Federal.
Já no juízo petitório a pretensão reduzida tem por fundamento o direito de propriedade.
Consagra-se então, a autonomia da posse perante a propriedade, não podendo ser negada a reintegração ou a manutenção ao verdadeiro possuidor, pelo simples fato de alguém alegar e provar o domínio sobre a coisa legitimamente possuída por aquele como prevê o artigo 1.210, § 2º do Novo Código Civil.
Não se pode então utilizar a exceção de domínio como matéria de defesa, em uma ação possessória como reza o artigo 923 do Código de Processo Civil. A conseqüência imediata do dispositivo será que o possuidor, não proprietário, que uma vez ajuizada a ação possessória, poderá pedir a recuperação da coisa pelo legítimo dono.
Este não poderá recorrer ao juízo petitório enquanto a possessória não tiver sido julgada em definitivo. O objetivo da vedação legal seria impedir que a ação voltada ao reconhecimento do domínio possa retardar ao julgamento do pedido possessório. A doutrina e a jurisprudência tem reagido contra essa norma. Acórdãos do Supremo Tribunal Federal vêm aceitando que apenas na pendência de processo possessório fundado na alegação de domínio é defeso as partes mover ação de reconhecimento de domínio. Pode ser ação de usucapião ou reivindicatória.
Procedimento das Ações Possessórias
O procedimento da ação possessória é determinada por circunstâncias de natureza temporal. Se a ação é de força nova, ou seja, é proposta dentro de ano e dia da turbação ou do esbulho, observa-se o rito especial dos artigos 926 a 931 do Código de Processo Civil. Se a ação de for de força velha, ou seja, proposta a mais de ano e dia, após a violação da posse observa-se o procedimento comum (ordinário ou sumário dependendo do valor da causa).
Tratando-se de interdito proibitório, o procedimento será sempre especial de acordo com os artigos 932 e 933 do Código de Processo Civil.
Não se pode falar em força nova ou força velha em relação ao interdito, pois a ameaça de violação à posse deve ser necessariamente atual. Nas ações de força velha não incide o disposto nos artigos 928 e 929 do Código de processo Civil que autoriza a expedição do mandado liminar de manutenção ou de reintegração da posse, mas o autor pode obter a tutela antecipada nas ações de força velha com fundamento no artigo 273 do Código de Processo Civil.
A concessão da tutela liminar pode ficar condicionada a prestação de caução real ou fidejussória. A caução pode ser exigida se o réu provar que o autor carece de idoneidade financeira para responder por perdas e danos caso venha decair do pedido.
Nos processos possessórios não há instauração de execução autônoma para efetivação da sentença, ou seja, não há instância executiva somente. A posse é mantida ou restituída ao vencedor da ação mediante simples expedição de mandado ocorrendo então na mesma relação processual atividade jurisdicional de cognição e execução.
Fala-se que ação possessória é executiva “lato sensu”. Dessa forma, não se admite oposição de embargos em face da efetivação da sentença.
Se o demandado (o réu) tem benfeitorias a indenizar e pretende exercer o direito de retenção deve suscitar o tema na contestação. O direito de retenção deve ser reconhecido na sentença da ação possessória, o réu poderá se valer dos embargos de retenção após a sentença, pois esses embargos são cabíveis apenas na execução para a entrega da coisa fundada em título extra-judicial como reza o artigo 744 do Código de Processo Civil.
Procedimento das Ações de Manutenção e Reintegração na Posse
O procedimento é idêntico nas duas ações, embora os seus objetivos sejam diferentes.
De acordo com o artigo 927 do Código de Processo Civil, o autor deve:
1º) demonstrar a posse anterior sobre a coisa;
2º) a turbação ou o esbulho praticado pelo réu;
3º) a data em que a posse foi violada;
4º) a preservação da posse, embora turbada em se tratando de ação de manutenção e a perda da posse em se tratando de ação de reintegração.
Se houver prova pré-constituída da presença dos requisitos legais (prova literal) cabe deferimento da medida liminarmente “inaudita altera pars” em se tratando de ação de força nova. O réu pode manifestar agravo de instrumento contra essa decisão liminar.
Se não houver prova pré-constituída, os fatos mencionados no artigo 927, faculta-se ao autor, a justificação prévia devendo o réu ser citado para comparecer a audiência de justificação.
Nessa hipótese, o juiz não defere de plano o mandado liminar.
Na audiência o autor produzirá prova testemunhal podendo o réu, por meio de advogado contraditar as testemunhas e formular perguntas.
Entende-se que o réu não pode produzir prova oral nesta audiência. Não estamos diante de audiência de instrução e julgamento colhendo-se a prova apenas para fornecer ao juiz elementos para a apreciação do pedido de liminar.
Se for acolhida da justificação, o juiz determinará a imediata expedição do mandado de reintegração ou de manutenção. Rejeitada a justificação, a medida liminar será negada prosseguindo-se com a instauração de contraditório.
Cabe agravo de instrumento contra a decisão de juiz.
Se a ré é pessoa jurídica de direito público não cabe indeferimento de liminar sem prévia audiência de seu representante judicial como dispõe o artigo 928, § único do Código de Processo Civil.
Não sendo designada audiência de justificação, concedida ou não a liminar de plano, o réu será citado para apresentar resposta em 15 dias.
Se for realizada a audiência de justificação o réu já terá sido citado passando a fluir o prazo de 15 dias para resposta da data que foi intimado da decisão que deferir ou não a medida liminar.
Entende-se que se o réu não comparecer a audiência de justificação e nem se fez representar por advogado apesar de validamente citado considera-se intimado da decisão a ser proferida iniciando-se desde logo o prazo para resposta. A questão é controvertida.
Se o réu foi citado pessoalmente e pautou-se pela revelia aplica-se o artigo 330, II do Código de Processo Civil.
Se o réu foi citado por edital ou hora-certa, o juiz deve nomear curador especial para apresentar contestação.
Contestado ou não o pedido, o juiz deverá verificar se é caso ou não de extinção do processo ou julgamento antecipado de acordo com os artigos 329 e 330 do Código de Processo Civil. Caso contrário deverá observar o artigo 331 do Código de Processo Civil.
Na contestação, o réu pode postular a proteção possessória em seu favor, além da composição de perdas e danos, assim em princípio não cabe reconvenção.
Podem ser apresentadas, no entanto, as exceções instrumentais como prevê o artigo 304 do Código de Processo Civil.
Informações Sobre o Autor
Omar Aref Abdul Latif