Resumo: O presente trabalho visa proporcionar uma introdução a um tema que tem gerado grandes controvérsias no Brasil atualmente na seara do Direito Previdenciário: o rateio da pensão por morte entre viúva e ex-esposa alimentada. Para a compreensão da temática se faz necessário a compreensão do que é pensão por morte, quem são seus beneficiários, em quais casos ela e concedida, quais são seus requisitos, quem faz jus ao percebimento desses valores e quais os regramentos aplicáveis à casuística. Para tanto, parte-se de um estudo conceitual para uma melhor compreensão dos temas que cercam o assunto principal, para que assim, este possa ser abordado e compreendido. Dessa maneira, é possível, problematizar a questão, apontando os pontos nevrálgicos, explicitando os posicionamentos que brotam do Poder Judiciário através de seus órgãos judicantes. É uma tentativa de trazer uma ampla visão ao tema, sem apresentar a intenção de esgotar o tema é a proposta desta monografia.
Palavras-chave: previdenciário – pensão por morte – ex-exposa – viúva.
1. PRIMEIRAS CONSIDERAÇÕES
Sabe-se que em pouco se assemelham o Direito de Família e o Direito Previdenciário, vez que se tratam de ramos do Direito totalmente distintos, sendo que, vários institutos reconhecidos pelo segundo, são banidos do primeiro, como podemos citar a união entre pessoas do mesmo sexo ou o reconhecimento do concubinato para fins de benefício previdenciário.
No entanto, ambos possuem como pedra de toque a família. Ambos pautam-se nos vínculos familiares desenvolvidos na célula familiar.
Todavia, a proteção decorrente da previdência social, não está restrita apenas aos vínculos de família, e sim de dependência econômica, um vez que, mesmo não se verificando mais o vínculo familiar, em persistindo a dependência econômica para fins de subsistência é garantido o direito à percepção de benefício previdenciário, como se dá no caso da ex-esposa que percebe pensão alimentícia, tema que, será o objeto de estudo do presente.
Essa condição de dependência decorre da previsão constitucional, uma vez que, o inciso V, do artigo 201, da Constituição Federal (CF), prevê, o direito à pensão por morte ao “cônjuge, companheiro ou dependente”.
Da mesma forma, o artigo 6º, combinado com o artigo 5º, da CF, garante o direito à proteção da previdência à pessoa, sem fazer qualquer restrição. Obrigando, portanto, o legislador a estendê-la aos que mantém vínculo afetivo e de dependência econômica.
Dessa maneira, cumpre analisar qual é a posição mais acertada no que tange a determinação das cotas partes cabíveis a ex-esposa alimentada e a viúva.
Os debates mais recentes se concentram no quantum alimentar devido a ambas, se este deve ser partilhado 50% para cada uma das pensionistas ou se deve respeitar o valor fixado à título de alimentos.
O tema não é pacífico, quer por seus aspectos, quer pela interpretação da legislação pertinente ao assunto, suscitando controvérsias entre doutrinadores e legisladores, pois há quem afirme que a legislação é clara e portanto, deve-se dividir em cotas parte iguais, ou seja, 50% para cada uma das pensionistas. Todavia, outra corrente entende que a divisão igualitária de que trata a lei, não significa a divisão em 50% e sim a divisão consoante já se verificava ao tempo da fixação dos alimentos e ainda, respeitando os limites da coisa julgada.
Desta feita, estabeleceu-se como objetivo central desenvolver o assunto propondo como definição do problema a indagação acerca de qual seria o espírito da lei, ou seja, qual a vontade do legislador.
A metodologia utilizada teve por base a pesquisa teórica e jurisprudencial do direito previdenciário. Procurou-se esclarecer a questão, para por fim, proporcionar uma visão ampla do tema, possibilitado estabelecer uma postura diante de tal problemática.
Antes de qualquer coisa, é necessário conhecer o que é pensão por morte, quem tem direito à percebê-la, quais os requisitos para sua concessão, a natureza do benefício, enfim, uma breve análise a legislação aplicável a esta celeuma, para que seja possível uma estudo acerca do tema.
A partir de então, passa-se a analisar através dos julgados, a interpretação que pode ser obtida da lei. Dessa maneira, propõe-se uma explanação sobre o assunto, com base em casos concretos dos quais emanaram decisões judiciais em sentidos diversos acerca da mesma matéria, posto que, não se trata de matéria ainda pacificada.
Tendo o direito como regulador das relações sociais, tem-se que as expressões do poder jurisdicional do Estado, manifestadas através das decisões emanadas dos órgãos judicantes, tendem à uniformização da matéria, como forma de evitar as injustiças sociais.
Todavia, o que se pode perceber é que não houve uma preocupação nesse sentido, no que tange a problemática em tela.
Uma conceituação, explanação e revisão sobre o assunto, longe da intenção de esgotá-lo, é a proposta desta monografia.
2. PENSÃO POR MORTE
Para uma análise do tema, há que inicialmente se definir e compreender o que é pensão por morte, quem são seus beneficiários, os requisitos para a sua concessão, a questão da prescrição, enfim, algumas questões imprescidíveis para o entendimento da matéria, com vistas à uma posterior contextualização do assunto, passando-se a analisar, num segundo momento, a concorrência entre os beneficiários à pensão por morte do segurado e assim, entender como se dá o rateio entre a viúva e a ex-esposa alimentada.
A pensão por morte é uma prestação assistencial proporcionada pela Previdência Social com vistas a manter a subsistência das pessoas necessitadas as quais dependiam do segurado.
Pode-se ter por definição (MARTINEZ,1998, p.102):
“A pensão por morte é prestação dos dependentes necessitados de meios de subsistência, substituidora dos seus salários, de pagamento continuado, reeditável e acumulável com aposentadoria.
Sua razão de ser é ficar sem condições de existência quem dependia do segurado. Não deriva de contribuições aportadas, mas dessa situação de fato, admitida presuntivamente pela lei.”
A Constituição Federal, ao trazer disposições acerca do sistema previdenciário, nos traz que a Previdência Social terá caráter contributivo e, dentre os variados tipos de fatores aos quais oferece proteção, encontra-se o evento morte1.
A pensão por morte é um benefício de prestação continuada, destinada aos dependentes do segurado, podendo ser estes, seu cônjuge sobrevivo, a companheira ou companheiro, os filhos inválidos de qualquer idade, desde que a invalidez tenha ocorrido antes dos 18 (dezoito) anos de idade e, os pais, desde que não percebam qualquer tipo de aposentadoria ou pensão prevista em lei. A finalidade é oferecer aos dependentes do falecido os meios para sua subsistência. Consiste numa importância mensal conferida aos beneficiários do segurado quando do seu falecimento.
Poderá, ainda, ser concedida por morte presumida2 e ainda nos casos de desaparecimento do segurado em catástrofe, acidente ou desastre, sendo aceitos como prova do desaparecimento, o Boletim de Ocorrência da Polícia, o documento confirmando a presença do segurado no local do desastre, noticiário dos meios de comunicação e entre outros meios hábeis que comprove o evento.
Enfim, a finalidade do pensionamento é possibilitar que o dependente supérstite promova sua própria existência, visto que contava com um mantenedor e, após o falecimento deste, viu-se em situação de excepcionalidade.
Dessa maneira, tem-se a natureza assistencial da pensão por morte, a qual assegura a sua prestação aos necessitados, independentemente de contribuição.
2.1. A CONCEPÇÃO HODIERNA DE DE FAMÍLIA
A Constituição, de maneira aberta, admitiu expressamente três tipos de família: a fundada em matrimônio (art. 266, §1º), a fundada em união estável (art. 266, §3º) e a fundada na monoparentalidade (art. 266, §4º).
Dessa maneira, tem-se que a Lei Maior não estabeleceu de forma taxativa, um conceito de família, abrindo, assim, margem ao reconhecimento de entidades familiares formadas pela união de parentes consangüíneos ou jurídicos, que vivam em regime de interdependência familiar, por exemplo.
Enfim, a Carta Magna permite que seja dada proteção jurídica aos mais variados arranjos familiares que possam se estabelecer.
Diante de tal situação, abriu-se ao legislador, a possibilidade de estabelecer conceituações de família ampliativas, nos mais diversos campos do direito.
Sendo assim, ao legislador previdenciário, atento às peculiaridades de sua seara jurídica, foi permitido estabelecer um conceito de família, com vistas a definir os beneficiários de seus planos sociais, atendido o disposto no art. 203 da CF, que trata da assistência social e de seus objetivos.
Ademais, o atendimento desse conceito à determinação contida no art. 203, reclama que a política pública ainda atinja os necessitados, posto a natureza do benefício assistencial.
Cabe expor que não se afasta a possibilidade da análise da legislação sob a égide da proibição da não-suficiência.
Sobre o assunto, LEIVAS (2007; p.287-288) colaciona que:
“Trata-se de conceito equivalente à proibição de excesso e deixa-se deduzir logicamente do caráter principiológico das obrigações estatais.A proibição da não-suficiência exige que o legislador [e também o administrador], se está obrigado a uma ação, não deixe de lançar limites mínimos. O Estado, portanto, é limitado de um lado, por meio dos limites superiores da proibição do excesso, e de outro, por meio dos limites inferiores de proibição da não-suficiência. Como afirma Borowski: “A melhor realização possível do objeto da otimização dos princípios jus-fundamentais-prestacionais é um objetivo prescrito na constituição”.
Portanto, tem-se que o conceito de família não pode ser mais restritivo do que o disposto pela constituinte de 1988 em razão do princípio da não-suficiência, uma vez que, não pode enxugar o disposto na CF, sob pena de restringir a entidade por ela protegida, ferindo, assim, a nossa Lei Maior.
2.2. BENEFICIÁRIOS
Os beneficiários da pensão por morte são aquelas pessoas amparadas pela Previdência Social3.
A Lei nº 8.213, de 24 de julho de 19914, elenca em seu art. 16, quais as pessoas que fazem jus a proteção previdenciária em razão da morte do segurado:
“art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:
I – o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido;
II – os pais;
III – o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido;
IV – (Revogada pela Lei nº9.032, de 1995).
§ 1º A existência de dependente de qualquer das classes deste artigo exclui do direito às prestações os das classes seguintes.
§ 2º O enteado e o menor tutelado equiparam-se a filho mediante declaração do segurado e desde que comprovada a dependência econômica na forma estabelecida no Regulamento. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997).”
E ainda, o art. 76 da referida Lei:
“art. 76. … [omissis]
§2º O cônjuge divorciado ou separado judicialmente ou de fato que recebia pensão de alimentos concorrerá em igualdade de condições com os dependentes referidos no inciso I do art. 16 desta Lei.”
Dessa maneira, tem-se que são beneficiários do Regime Geral da Previdência Social (RGPS), na condição de dependentes do segurado, o cônjuge sobrevivente, o ex-cônjuge alimentado, o convivente que mantinha união estável com o segurado na forma do § 3º do art. 226 da CF, o irmão e o filho menor não emancipado, assim como aquele que estiver sob sua tutela e o enteado, desde que não receba pensão alimentícia ou benefícios previdenciários de Regimes Próprios da Previdência, que vivia sob dependência econômica e sustento do segurado, solteiro e que não exerça atividade remunerada.
Ainda, são beneficiários o filho inválido e o irmão de mesma condição, desde que comprovado que a invalidez seja anterior a data do falecimento do de cujus e, os genitores sob dependência econômica e sustento familiar.
Entende-se que, para qualificação como dependente, é imprescindível que o cônjuge separado ou divorciado, efetivamente percebesse a pensão alimentícia na data do fato gerador do benefício, ou seja, do evento morte.
No entanto, a jurisprudência tem se firmado no sentido de que, mesmo o cônjuge separado judicialmente, que não perceba alimentos fixados por sentença ao tempo do óbito do segurado, pode requerer a concessão do benefício por morte, uma vez comprovada a necessidade.
Nesse sentido:
“PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. CÔNJUGE SEPARADO JUDICIALMENTE SEM ALIMENTOS. PROVA DA NECESSIDADE. SÚMULAS 64 – TFR E 379 – STF. O cônjuge separado judicialmente sem alimentos, uma vez comprovada a necessidade, faz jus à pensão por morte do ex-marido. Recurso não conhecido”.(REsp. nº 195.919/SP, Relator o Ministro Gilson Dipp, DJ de 21/02/2000)
“PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. CÔNJUGE SEPARADO JUDICIALMENTE. RENÚNCIA ANTERIOR AOS ALIMENTOS. IRRELEVÂNCIA. É devida a pensão por morte ao ex-cônjuge separado judicialmente, que comprove a dependência econômica superveniente, ainda que tenha dispensado temporariamente a percepção de alimentos quando da separação judicial. Recurso não conhecido.” (REsp. nº 196.678/SP, Relator o Ministro Edson Vidigal, DJ de 04/10/1999)
Por outro lado, mesmo a viúva que contrai novo casamento ou vive em união estável, não perde o direito ao pensionamento recebido em virtude do falecimento de seu ex-marido, exceto se da nova união sobrevier alteração econômica para melhoria da situação financeira.
E, ainda, a Previdência reconhece o relacionamento de pessoas do mesmo sexo, sendo que, o próprio INSS, regulou, através da Instrução Normativa nº25 de 07 de junho de 20005 os procedimentos para a concessão de benefício ao companheiro ou companheira homossexual.
Mais uma vez, a tendência da jurisprudência e da lei previdenciária, deixa bem nítida a natureza econômico-assistencial da Previdência Social e sua separação dos outros ramos, como ramo do direito autônomo localizado dentro da seara do Direito Público, posto que a jurisdição previdenciária está nitidamente ligada ao fim social, assentada nos princípios constitucionais da cidadania e da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, incisos II e III da CF).
2.3. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO
O benefício pode ser concedido administrativamente através de requerimento junto ao órgão previdenciário ou mediante o aporte da pretensão no Poder Judiciário.
A busca da proteção judicial albergada pelo inciso XXXV do artigo 5º da Carta Magna não exige o prévio esgotamento das vias administrativas para que seja possível o aporte da lide no Judiciário, uma vez que é garantido a todos o direito ao acesso à Justiça.
Tem-se que (NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Maria 2006, p.131):
“Todos têm acesso à justiça para postular tutela jurisdicional preventiva ou reparatória de um direito individual, coletivo ou difuso. Ter direito constitucional de ação significa poder deduzir a pretensão em juízo e também poder dela defender-se. O princípio constitucional do direito de ação garante ao jurisdicionado o direito de obter do Poder Judiciário a tutela jurisdicional adequada. (…) Por tutela jurisdicional adequada entende-se a que é provida da efetividade e eficácia que dela se espera. (…) Não pode a lei infraconstitucional condicionar o acesso ao Poder Judiciário ao esgotamento das vias administrativas, como ocorria no sitema revogado (CF/1967 153 §4º). (…) Apenas quanto às ações relativas à disciplina e às competições desportivas é que o texto constitucional, exige, na forma da lei, o esgotamento das instânscias da justiça desportiva (CF 217 §1.º).”
Outrossim, o direito de ação não pode ser restringido e, portanto, não se pode exigir, como condição da ação, que se esgote as vias administrativas.
Ainda, acerca do assunto (MORAES, 2004, p.294):
“Inexiste a obrigatoriedade de esgotamento da instância administrativa para que a parte possa acessar o Judiciário. A Constituição Federal de 1988, diferentemente da anterior, afastou a necessidade da chamada jurisdição condicionada ou instância administrativa de curso forçado, pois já se decidiu pela inexigibilidade de exaurimento das vias administrativas para obter o provimento judicial (RP/60/224), uma vez que excluiu a permissão que a Emenda Constitucional nº 7 à Constituição anterior estabelecera, de que a lei a condicionasse o ingresso em juízo à exaustão das vias administrativas, verdadeiro obstáculo ao princípio do livre acesso ao Poder Judiciário.”
Cumpre citar ainda, a súmula n.º 9 do Tribunal Regional Federal da 3ª Região que trata: “Em matéria previdenciária, torna-se desnecessário o prévio exaurimento da via administrativa, como condição do ajuizamento da ação.”
2.3.1. Requisitos para a concessão do benefício
O caput do art. 74 da Lei 8.213/916 traz que, para que o dependente tenha direito ao recebimento da pensão por morte é necessária a existência de beneficiários na condição de dependentes do falecido e a condição de segurado do de cujus.
Este benefício prescinde de carência, ou seja, não requer tempo mínimo de contribuição, nos termos do inciso I do art. 26 da referida lei.
Cabe ressaltar que carência é o número mínimo de contribuições para adquirir a condição de segurado.
Todavia, mesmo não se exigindo este período, é necessário que o falecido seja segurado da Previdência Social ao tempo da morte. Há divergência jurisprudencial quanto à essa exigência, todavia, não nos cabe aqui analisar.
Ademais, para fazer jus ao benefício não é necessário ser filiado à Previdência ou ser contribuinte: basta ser o dependente do falecido.
O dependente do falecido é aquela pessoa incapaz de prover o próprio sustento e que necessita dos recursos proporcionados pelo segurado. Portanto, tem-se que o critério de seleção dos dependentes é econômico.
Sob esse aspecto, o Direito Previdenciário, ao relacionar os dependentes com direito à proteção previdenciária, se desapega dos outros ramos do Direito, como o de Família, posto que, e.g, se o segurado era casado e vivia em união estável com uma companheira, mantendo um relacionamento espúrio, isso não importa para definir a dependência.
Como bem expôs José Leandro Monteiro de Macedo (2006, p. 259) em seu artigo sobre o assunto, a Previdência Social não tem como fundamento a proteção da família, mas sim a proteção da pessoa em estado de necessidade. O fundamental é a vinculação econômica do dependente com o segurado.
In verbis:
“A remuneração do trabalhador não garante só a sua subsistência como a dos seus dependentes. Se a finalidade da relação jurídica previdenciária é a garantia de subsistência, a proteção previdenciária deve ser provida não só para o trabalhador, mas, também, para aquelas pessoas que dele dependem. São os dependentes do Regime Geral da Previdência Social.”
Os dependentes são denominados beneficiários indiretos, em virtude do modo como adquirem o direito. Todavia, a proteção previdenciária é devida ao dependente por direito próprio. Nessa esteira, prossegue (MACEDO, 2006, p.259) em seu magistério:
“Os dependentes são denominados beneficiários indiretos do Regime Geral da Previdência Social no sentido que se vinculam a esse regime por interposta pessoa. O direito à proteção previdenciária, no entanto, será exercido sempre em nome próprio.”
Diante ao exposto retro, entende-se que os dependentes vinculam-se à Previdência Social devido ao vínculo que o segurado mantém com estes e com aquela. Ocorrendo a morte deste segurado, surge o vínculo previdenciário entre o dependente e a Previdência, o qual se pode dizer, pessoal.
2.4. COMPETÊNCIA E PRESCRIÇÃO DA AÇÃO PARA PLEITEAR O BENEFÍCIO
Em relação à competência para a obtenção do benefício ou sua revisão, considerando que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) é uma autarquia federal, incide a regra do inciso I do art. 109 da CF, atribui à Justiça Federal a competência.
Outrossim, “compete à Justiça Federal processar justificações judiciais destinadas a instruir pedidos perante entidades que nela têm exclusividade de foro, ressalvada a aplicação do art. 15, II, da Lei 5.010/66” (Súmula 32/STJ).
A referida súmula, trata da jurisdição federal delegada à Justiça Estadual, prevista no art. 109, § 3º da CF.
Como se sabe, a finalidade da prescrição é gerar maior segurança jurídica e trazer a paz social, sendo este, o ônus da inércia por parte do titular do direito não exercido.
Para Marcelo Freire Gonçalves7 “A prescrição é um instituto jurídico que fulmina a exigibilidade do direito. Tem como escopo a pacificação das relações sociais, pois impede que a inércia do titular do direito gere intranqüilidade social”.
Todavia, a pensão por morte poderá ser requerida a qualquer tempo, prescrevendo tão somente as prestações exigíveis há mais de 5(cinco) anos.
Quanto à prescrição, trata-se de matéria abarcada pelo art. 103 da Lei Previdenciária:
“art. 103. É de dez anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão do benefício, a contar do primeiro dia do mês seguinte ao recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão definitiva no âmbito administrativo.”
“Parágrafo Único. Prescreve em cinco anos, a contar da data em que deveriam ter sido pagas, toda e qualquer ação para haver prestações vencidas ou quaisquer restituições ou diferenças devidas pela Previdência Social, salvo o direito dos menores, incapazes e ausentes, na forma do Código Civil.”
É importante salientar que é imprescritível o direito ao benefício de cunho alimentar. Sendo assim, apenas incide o prazo prescricional em relação às prestações anteriores ao qüinqüênio precedente à propositura da ação.
3. CONCORRÊNCIA ENTRE OS BENEFICIÁRIOS
A pensão será concedida integralmente ao titular da pensão vitalícia, se não existirem beneficiários da pensão temporária; na existência de vários titulares à pensão vitalícia, será rateado o seu valor em partes iguais, entre os beneficiários habilitados.
Ocorrendo habilitação às pensões vitalícia e temporária, metade do valor caberá ao titular ou titulares da pensão vitalícia, sendo a outra metade rateada em partes iguais, entre os titulares da pensão temporária; e, ocorrendo habilitação somente à pensão temporária, o valor integral da pensão será rateado, em partes iguais, entre os que se habilitarem (art. 77 da Lei 8.213/91).
Quando um dependente perde o direito ao benefício, a sua parte será dividida entre os demais.
A pensão será devida as dependentes na seguinte ordem: ao cônjuge e ao companheiro(a); aos filhos não emancipados menores ou inválidos de qualquer idade; aos pais; e, ao irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de idade ou inválido de qualquer idade.
A existência de dependente numa classe exclui o direito dos dependentes da classe seguinte, consoante §1º do art. 16 da referida Lei.
Ademais, do §4º extrai-se que, relativamente ao cônjuge e filho a dependência econômica que gera o direito ao benefício é presumida, devendo os dependentes das outras classes comprovar a dependência econômica em relação ao falecido.
Cabe ressaltar que é admissível a concorrência à pensão por morte entre esposa e companheira, no caso, concubina, bem como o rateio do benefício entre ambas: “É legítima a divisão da pensão previdenciária entre a esposa e a companheira, atendidos os requisitos exigidos” (Súmula 159/ex-TFR). Da jurisprudência:
“CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. SERVIDOR PÚBLICO. PENSÃO POR MORTE. COMPANHEIRA. UNIÃO ESTÁVEL. JUSTIFICAÇÃO JUDICIAL. INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO ESTADUAL. INTELIGÊNCIA DA SÚMULA 32 DO STJ. PROVA IMPRESTÁVEL. PROVA EXCLUSIVAMENTE DOCUMENTAL. POSSIBILIDADE. RATEIO COM A EX-ESPOSA. PROCEDÊNCIA. JUROS DE MORA. REDUÇÃO DA TAXA.
(…)A pensão vitalícia deve ser rateada em cotas iguais entre os respectivos beneficiários, sendo, no caso concreto, metade para a companheira e metade para a viúva. Apelação a que se nega provimento e remessa oficial, tida por interposta, a que se dá parcial provimento, tão-somente para reduzir a taxa de juros para 0,5% a.m., a partir da vigência da MP nº 2.180-35/2001.” (AC 1999.39.00.008064- Des. Federal Jóse Amilcar Machado, Primeira Turma 19/03/2007 DJ p.10)
Todavia, controvérsia principal cinge-se a interpretação da norma no que diz respeito a divisão entre a viúva e a ex-esposa alimentada, posto que, não há ainda um posicionamento uniformizado a respeito do assunto.
Destarte, esta é a maior discussão na atualidade, no que tange a concorrência entre os beneficiários à pensão por morte.
3.1. CORRENTES ACERCA DA DIVERGÊNCIA DO RATEIO ENTRE VIÚVA E EX-ESPOSA ALIMENTADA
Quanto a divisão entre ao(a) ex-esposo(a) alimentado(a) e ao(a) viúvo(a) do beneficiário(a), existem duas correntes jurisprudenciais: uma que afirma que o valor deve ser fixado em 50% (cinqüenta por cento) para cada uma, consoante assegura a legislação e outra que, defende que deve ser respeitado o valor fixado na sentença transitada em julgado que fixou os alimentos, e este deve ser o valor alcançado a ex-esposa à título de pensão previdenciária.
Os partidários da primeira corrente entendem que, independentemente do que fora estipulado em razão de separação ou em ação de alimentos, há que ser respeitada a lei previdenciária, pois, no pós morte do beneficiário, não impera o vínculo alimentar civil, e sim, o vínculo assistencial derivado da Previdência Social.
Dessa maneira, consideram totalmente infundada as alegações em sentido contrário, posto que, asseveram que a lei previdenciária é clara ao tratar do assunto, dispensando qualquer tipo de interpretação da lei diversa da interpretação literal ou gramatical.
Aduzem ainda que não há que se perquirir os institutos da coisa julgada e da segurança jurídica, posto que, com a morte do segurado extingue-se o vínculo alimentar e nasce o vínculo previdenciário que é totalmente desvinculado do que outrora existia.
Mais ainda, defendem a igualdade de direitos entre ambas as beneficiárias à pensão por morte, posto que se situam na mesma classe.
Por outro lado, os defensores da divisão consoante a segunda corrente, em uma de suas ponderações aduzem que deve ser respeitado os limites da coisa julgada, pois a fixação dos alimentos percebidos ao patamar de 50% (cinqüenta por cento) dos rendimentos, no caso de ter sido estes, fixado em sentença em valor diferente ao percentual de 50% (cinqüenta por cento), representa uma afronta a decisão da ação transitada em julgada que fixou os valores, ofendendo assim, a coisa julgada.
Embora o caput do art. 77 da Lei nº 8.213 de 1991 trate do rateio do benefício, quando existir mais de um titular da pensão vitalícia, os militantes desta tese, defendem que o rateio proporcional que a igualdade assegurada não significa dividir a pensão em partes iguais, mas garantir à continuidade do pensionamento da ex-esposa, respeitando o direito a pensão alimentícia, que lhe foi assegurada na sentença.
Assim, o benefício da pensão por morte deve respeitar a mesma proporção que os alimentos recebidos, pois ao fixar o valor do benefício para a ex-esposa em valor diferente do estabelecido como pensão alimentícia, consagra-se o desrespeito a coisa julgada, modificando a sentença proferida pelo juízo de família, quando da separação do casal.
Aduzem que, se o total dos proventos da alimentada nunca foi objeto de inconformismo quando ainda vivo o instituidor do benefício, tem-se que, esta sempre se satisfez com a verba alimentar percebida.
Destarte, rejeitar a proporção da dependência econômica, já estatuída e homologada judicialmente, subverteria o sistema jurídico-legal pátrio.
Ainda, defendem que a vocação previdenciária também está vinculada aos aspectos fáticos, bem como ao justo e razoável, assim como, principalmente, deve ater-se à coisa julgada.
Asseveram que a divisão em cotas partes iguais representa um enriquecimento ilícito à ex-esposa alimentada, uma vez que a lei que trata do regime jurídico dos servidores públicos da União tem por objetivo a manutenção da situação anterior ao óbito e não a premiação da ex-cônjuge pela morte do servidor.
Os que defendem que há que ser mantido o patamar outrora fixado em razão da sentença que delimitou os alimentos alegam que a interpretação restritiva da referida lei não é a interpretação correta, uma vez que no caput do art. 77 da Lei nº 8.213 de 1991 o legislador disse menos do que queria dizer.
Ou seja, aduzem que não se pode se ater à letra fria da lei, sem buscar seu espírito e analisar o princípio da razoabilidade, tendo em vista, que já se reconheceu que a parcela devida à ex-esposa, deve guardar proporção com os proventos que auferia quando este ainda era vivo.
Afirmam que dispositivo legal que menciona a distribuição entre partes iguais dos vários titulares à pensão vitalícia (art. 77 da Lei nº 8.213 de 1991) aplica-se quando ausente qualquer indicação concreta em sentido diverso.
Não obstante a legislação mencionar “rateio em partes iguais” do benefício, quando existir mais de um titular da pensão alimentícia, asseveram que a igualdade assegurada não significa a percepção de quotas partes iguais do benefício para cada titular, mas sim a garantia à continuidade do pensionamento à ex-esposa, com direito reconhecido a alimentos.
3.1.1. Primeira corrente jurisprudencial
Atualmente, pode-se perceber que a matéria ainda não está pacificada, posto que de nossos Tribunais emergem decisões em sentidos antagônicos.
O Tribunal Regional Federal da Quarta Região, através da Quarta Turma, manifestou-se recentemente no sentido de que o valor do benefício há que ser distribuído em partes iguais entre a viúva e a ex-esposa ressaltando a diferença entre a obrigação civil de prestar alimentos e o vinculo previdenciário que se estabelece entre o particular e a Administração.
Dos repositórios do Tribunal Regional Federal da Quarta Região, nesse sentido:
“EMENTA: SERVIDOR PÚBLICO. PENSÃO POR MORTE. VITALÍCIA. COTAS IGUAIS ENTRE VIÚVA E EX-ESPOSA COM PERCEPÇÃO DE PENSÃO ALIMENTÍCIA. POSSIBILIDADE. O RJU coloca no rol dos beneficiários das pensões vitalícias, tanto o cônjuge, quanto a pessoa divorciada, com percepção de pensão alimentícia, isto em seu art.215. Adiante, em seu art. 218, § 1º, o RJU prevê a hipótese de vários titulares a se habilitar ao recebimento da pensão vitalícia, determinando que, nesta hipótese, o valor do benefício será distribuído em partes iguais. É de ser ressaltada a diferenciação entre a obrigação civil de prestar alimentos, que se extingue com a morte do obrigado, e o vínculo previdenciário que prende a ex-mulher, dependente econômica à Administração. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao apelo, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 29 de novembro de 2006.” (TRF QUARTA REGIÃO; AC-APELAÇÃO CIVEL – 2003.71.06.001682-0; QUARTA TURMA; Relator Des. Federal VALDEMAR CAPELETTI; DJU DATA: 21/02/2007).
3.1.1.1. O vínculo previdenciário e a obrigação civil de prestar alimentos
A família, como base da sociedade, merece atenção especial do Estado (art.226 da CF). Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), é a comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes (art.25).
A CF reconhece como entidades familiares: aquela originária do casamento; a união estável entre homem e mulher; a comunidade formada por um dos pais e seus descendentes.
No Direito de Família, a união estável – convivência pública, duradoura e contínua com objetivo de constituição de família, entre homem e mulher (art. 1723 do CC) – por sua própria definição, impede que sejam estendidos os seus efeitos ao concubinato (art. 1.727 do CC) ou a uniões de pessoas do mesmo sexo. Todavia, no Direito Previdenciário não há esta limitação, posto que, o seu interesse maior é prestar a assistência material a entidade, não a preservação de seus valores.
Os que defendem a divisão em partes iguais, consoante dispõe o art. 77 da legislação em comento, asseguram que em nada se assemelham a obrigação civil de prestar alimentos, a qual se extingue com a morte, com o vínculo previdenciário que surge após a morte do segurado, a qual vincula a ex-esposa alimentada à Administração.
É de ser ressaltada a diferenciação entre a obrigação civil de prestar alimentos, que se extingue com a morte do obrigado, e o vínculo previdenciário que prende a ex-mulher, dependente econômica à Administração. Difere da assistência previdenciária, a obrigação civil de prestar alimentos1.
Englobam os alimentos regidos pelo regramento civilista (DIAS, 2006, p. 407) “tudo que é necessário para alguém viver com dignidade”, incluindo as despesas com educação (art. 1694 do CC). Os alimentos podem ser naturais ou civis, o primeiro, visa assegurar a sobrevivência, o segundo, o padrão de vida do alimentado.
3.1.2. Segunda corrente jurisprudencial
A Terceira Turma do Tribunal regional Federal da Quarta Região, acerca do assunto, anteriormente havia se manifestado no sentido de que a divorciada não poderia ter sua pensão majorada em razão do falecimento do instituidor.
Senão, vejamos:
“EMENTA: PENSÃO MILITAR DE DIVORCIADA- O Instituto do divórcio, nos termos da Lei n. 6.515/77, desfaz a sociedade conjugal. Não admite à divorciada ter sua pensão majorada em razão do falecimento do instituidor, até porque não é viúva. Deve receber a mesma proporção que recebia, a título de pensão, quando ainda em vida o alimentante.” (TRF QUARTA REGIÃO; AC- APELAÇÃO CÍVEL – 1996.0446149-4; TERCEIRA TURMA; Rel. Juíza MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÉRE; DJU DATA:25/11/1998).
Assim como do Tribunal Regional Federal da Segunda Região, pode-se extrair posicionamento no sentido de o deferimento de pensão em cotas partes iguais, diferente do fixado anteriormente por decisão transitada em julgado seria uma afronta à coisa julgada, ou seja, afastaria a segurança jurídica. In verbis:
“PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE-RATEIO ENTRE VIÚVA E EX-ESPOSA. A ex-esposa desquitou-se do instituidor da pensão por sentença homologatória de 17 de outubro de 1969, ficando acordado que este pagaria, a título de pensão, o valor equivalente a um salário mínimo. Sobrevindo o óbito do segurado, em 18 de maio de 1997, no estado civil de casado com ora autora e recorrente, habilitou-se esta à respectiva pensão previdenciária, regularmente concedida. Ocorre, no entanto, que em setembro de 1998, a autarquia-ré passou a ratear o benefício previdenciário na proporção de 50%, para viúva e para a ex-esposa, forte no art. 77, caput, e § 2º do art.76, ambos da Lei nº 8.213/91. A legislação previdenciária hodierna, deve ser interpretada de molde a preservar a coisa julgada, que no caso é sujeita à cláusula rebus sic stantibus, sendo assim, a referida decisão, passível de revisão judicial, em ação autônoma, de molde a se aquilatar o binômio necessidade-possibilidade, conforme pugnava o Decreto nº 89.312/84, art. 4º, §2º. A atitude da autarquia-ré ao proceder o respectivo rateio, com desprezo à sentença homologatória, não revisada judicialmente, implicou em ofensa à coisa julgada, fazendo jus a parte autora ao recebimento das diferenças, até a concernente regularização administrativa. Apelação provida.” (TRF SEGUNDA REGIÃO; AC-APELAÇÃO CIVEL – 301627; Processo: 1999.51.01.074936-0; SEXTA TURMA; Relator JUIZ POUL ERIK DYRLUND; DJU DATA: 06/05/2005).
ADMINISTRATIVO. RATEIO DE PENSÃO POR MORTE ENTRE A VIÚVA E EX-ESPOSA. PENSÃO ALIMENTÍCIA DEVIDA À EX-ESPOSA FIXADA POR SENTENÇA DO JUÍZO DE FAMÍLIA. RESPEITO À COISA JULGADA. INTELIGÊNCIA DOS ART. § 1º ART. 128 DA LEI 8.112/90 e § 2º ART. 76 DA LEI 8.213/91.
Recurso de apelação interposto para reformar a sentença que manteve a divisão igualitária de pensão por morte de servidor entre a viúva e a ex-esposa. A interpretação da norma deve ser feita no sentido de adequá-la à coisa julgada, expressa na sentença proferida pelo Juízo de Família, que fixou os alimentos devidos à ex-esposa em observância às necessidades da mesma. Reforma da sentença para que o rateio respeite os alimentos fixados em ação própria, devendo a viúva receber a diferença.Recurso parcialmente provido.” (TRF DA SEGUNDA REGIÃO; APELAÇÃO CIVEL – PROCESSO N. 1999.51.01.059876-0; OITAVA TURMA ESPECIALIZADA; Relatora JUÍZA MARIA ALICE PAIM LYARD; 26/09/2006).
Do Tribunal Regional Federal da Quarta Região, é possível mencionar que, há decisões no sentido de que, com base do benefício ser oriundo da relação conjugal, há que ser mantido o valor fixado em sede de obrigação alimentar:
“ADMINISTRATIVO. MILITAR. PENSÃO. ORDEM DE PRIORIDADE. RATEIO. EX-ESPOSA, VIÚVA E FILHA. LEI 3.765/60. A parcela deixada à viúva se sujeita à rateio, com a ex-esposa pensionada ou companheira, eis que o direito de ambas origina-se da relação conjugal. A cota-parte da pensão devida à ex-esposa deve guardar proporção com os proventos que auferia quando o de cujus ainda era vivo, em face de acordo realizado por ocasião do divórcio. Consoante dispõe a legislação de regência, os filhos oriundos de outro matrimônio, ou de outro leito, fazem jus à metade da pensão. Portanto, a metade da filha não pode ser alcançada para fins de rateio com a mãe.” (TRF QUARTA REGIÃO; APELAÇÃO CÍVEL N. 2001.04.01.078846-7/RS; TERCEIRA TURMA; RELATORA JUÍZA TAÍS SCHILLING FERRAZ, 30/02/2002).
“ADMINISTRATIVO. PENSÃO MILITAR DE DIVORCIADA. O Instituto do divórcio, nos termos da Lei nº 6.515/77, desfaz a sociedade conjugal. Não se admite à divorciada ter sua pensão majorada em razão do falecimento do instituidor, até porque não é viúva. Deve receber a mesma proporção que recebia, a título de pensão, quando ainda em vida o alimentante. Apelação e remessa oficial improvidos.” (TRF QUARTA REGIÃO; APELAÇÃO CÍVEL; Processo n. 96.04.46149-4/RS; TERCEIRA TURMA; Relatora JUÍZA MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRERE; DJU 25/10/1998).
Diante de tais decisões judiciais, é possível visualizar que não há ainda, nem mesmo dentro de um mesmo órgão, um posicionamento firmado sobre o referido assunto.
Dessa maneira, nos resta analisar, pormenorizadamente, os aspectos constitucionais que envolvem a matéria, uma vez que, estes são a base legal de todo ordenamento jurídico pátrio e não há como negar a devida relevância que tais aspectos assumem frente ao direito em tela.
4. ASPECTOS INTERPRETATIVOS E CONSTITUCIONAIS DA LEI
Consoante o já pisado e repisado, o Direito Previdenciário está diretamente ligado com a finalidade protetiva, social e de caráter alimentar, tanto na interpretação dos textos que regulam a matéria, quanto no exame do caso concreto, se fazendo, portanto, necessária uma análise constitucional, assentada nos princípios norteadores da proteção e garantia dos direitos fundamentais, posto que, tais benefícios se constituem em Direitos Sociais protegidos pela Carta Magna.
Por outro lado, de igual sorte importante para a aplicação da lei, é a sua análise e interpretação técnica. Nessa esteira, assenta seu entendimento Moreira (2004, p. 5):
“Os estudiosos do fenômeno processual já há muito se deram conta de que sua missão não podia resumir-se em conjugar com engenho e arte peças de textos legais para levantar construções arquitetonicamente majestosas. A tempo passaram a incluir em seu campo de observação elementos políticos, sociais, econômicos, culturais que permitissem o acesso a uma visão global e a uma perspectiva mais fecunda.”
Dessa maneira, se faz mister que se analise a legislação e compreenda seu significado e sua intenção para que posteriormente possa ser aplicada ao mundo dos fatos.
Para tanto, dispõe o legislador de algumas técnicas de interpretação, das quais serão algumas brevemente abordadas posteriormente.
4.1. PRINCÍPIOS DA IGUALDADE E DA ISONOMIA
A CF de 1988 elenca, em seu preâmbulo, a igualdade como objetivo precípuo do Estado Democrático de Direito, estabelecendo no caput do seu art. 5º que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.
Sendo assim, cabe ressaltar que, assegurar a igualdade não significa atribuir tratamento igual às pessoas que, sendo desiguais, merecem tratamento diferenciado, como vistas a assegurar essa isonomia prevista na Carta Magna.
Ou seja, os iguais serão tratados de forma igual e os desiguais, de forma desigual, na medida de suas desigualdades.
Dessa maneira, tem-se que os direitos não devem ser concedidos em porções iguais a todos, mas distribuídos de acordo com as necessidades individuais e peculiaridades do caso concreto, ou seja, tratar desigualmente os desiguais.
Dar tratamento isonômico às partes significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades.
Igualdade no sentido de garantia constitucional fundamental quer significar isonomia real, substancial e não meramente formal (NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Maria 2006, p.128).
Portanto, conclui-se que a isonomia constitucional abarca desigualações, não vendando, assim, de forma absoluta a diferenciação de tratamento, sendo relevante, o caso concreto para que se verifique o tratamento a ser dispensado.
Outrossim (SILVA, J. 2005, p.215):
“Quando se diz que o legislador não pode distinguir, isso não significa que a lei deva tratar todos abstratamente iguais, pois o tratamento igual – esclarece Petzold – não se dirige a pessoas integralmente iguais entre si, mas àquelas que são iguais sob os aspectos tomados em consideração pela norma, o que implica que os ‘iguais’ podem diferir totalmente sob outros aspectos ignorados ou considerados como irrelevantes pelo legislador.”
Assim sendo, o permissivo constitucional do princípio da isonomia, previsto no art. 5º, caput, da referida legislação, representa o dever jurídico atribuído ao Estado e a todos os cidadãos de tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, o que, em outras palavras, corresponde à justa distribuição.
Cabe ressaltar que tais princípios não devem apenas ser analisados isoladamente, e sim devem ser aplicados em toda e qualquer análise à legislação.
Dessa maneira, é de salutar importância a análise dos princípios supramencionados, uma vez que a Lei Maior não representa apenas um acervo de boas intenções e sim existe para ser exercitada, ou seja, para que faça valer as disposições nela contidas, devendo ser estas, observadas pelo julgador na aplicabilidade do direito no exercício da jurisdição, ao tempo do aporte da lide no Poder Judiciário.
4.2. COISA JULGADA
O instituto da coisa julgada fundamenta-se na imperiosa necessidade de se pôr um termo à apreciação judicial de uma lide através do processo, conduzindo os destinatários das decisões judiciais a uma situação de segurança jurídica, para que se torne imutável a decisão (SILVA, I. 2005).
Do inciso XXXVI, do art. 5º do texto constitucional extrai-se:
“Art.5º… (omissis)
XXXVI- A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;”
Ainda, o artigo 467 do Código de Processo Civil (CPC) define a coisa julgada material como “a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário”.
Dessa maneira, tem-se que a sentença de mérito que não contenha vícios ou nulidades, transitada em julgado, não pode ser modificada. Nessa esteira (NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Maria 2006, p.133):
“A norma protege a coisa julgada material (auctoritas rei iudicatae), entendida como a qualidade que torna imutável e indiscutível o comando que emerge da parte dispositiva da sentença de mérito não mais sujeita a recurso ordinário e extraordinário” (CPC 467; LICC 6º, §3º), nem à remessa necessária do CPC 475 (STF 423; Barbosa Moreira, Temas 3.ª,107).
Dessa forma, tem-se que a coisa julgada, no entendimento do legislador, é a eficácia da sentença, tornando-a imutável após esgotadas todas as possibilidades de recurso cabíveis.
Ademais, a coisa julgada material se verifica quando a decisão põe fim a lide, fazendo com que determinada pretensão oriunda relação jurídica se torne imutável, de modo que esta não possa ser objeto de reforma em sentido contrário.
Outrossim, a coisa julgada é instituto protegido pela Carta Magna, que, juntamente com os institutos do direito adquirido e do ato jurídico perfeito, previstos como direitos fundamentais do ordenamento jurídico brasileiro, consagra os princípios constitucionais da segurança e da certeza jurídicas.
Cabe ressaltar que essas matérias constituem cláusulas pétreas, não podendo ser suprimidas por Emenda Constitucional (inciso IV, §4º do art. 60 da CF).
A coisa julgada se faz presente em nosso ordenamento jurídico para trazer maior segurança jurídica e paz social às relações do homem na sociedade.
A segurança jurídica possui um valor instrumental, conquanto da maior relevância, com relação ao processo, visando a salvaguardar a paz jurídica e a credibilidade do poder jurisdicional (SILVA, I. 2005).
A sentença transitada em julgado, forte no artigo 468 do CPC, faz lei entre as partes, ou seja, uma vez esgotado o prazo para recurso, a disposição contida no ato decisório, regerá a relação jurídica decidida.
4.3. HERMENÊUTICA JURÍDICA
Antes de aplicar a lei ao caso concreto que se lhe apresenta, cabe ao julgador observar a hipótese de incidência contida na norma, e, posteriormente proceder a interpretação da lei, posto que o momento da aplicação da norma positiva se dá quando a autoridade judicante se manifesta.
Nessa esteira (DINIZ, 1995, p.274):
“Deveras, a norma jurídica só se movimenta ante um fato concreto, pela ação do magistrado, que é o intermediário entre a norma e a vida ou o instrumento pelo qual a norma abstrata se transforma numa disposição concreta, regendo uma determinada situação individual.”
Na aplicabilidade da lei ao caso concreto, se dá a subsunção do fato à norma. Para que haja essa subsunção (DINIZ, 1995, p.275) “é necessária uma interpretação para saber qual a norma incide sobre o caso sub judice”, ou seja, se faz necessária a interpretação, uma vez que, por mais clara que a norma se faça, é imprescindível a sua interpretação contextualizada. Uma vez que (DEGNI apud DINIZ, 1995, p.381):
“A clareza de um texto legal é coisa relativa. Uma mesma disposição pode ser clara em sua aplicação aos casos mais imediatos e pode ser duvidosa quando se a aplica a outras relações que nela possam enquadrar e às quais não se refere diretamente, e a outras questões que, na prática, em sua atuação, podem sempre surgir. Uma disposição poderá parecer clara a quem examinar superficialmente, ao passo que se revelará tal a quem a considerar nos seus fins, nos seus precedentes históricos, nas suas conexões com todos os elementos sociais que agem sobre a vida do direito na sua aplicação a relações que, como produto de novas exigências e condições, não poderiam ser consideradas, ao tempo da formação da lei, na sua conexão com o sistema geral do direito positivo vigente.”
Diante ao exposto, depreende-se que, ao interpretar a norma, deve-se procurar compreendê-la, englobando seus fins e valores que pretende atingir. Sendo assim, o ato interpretativo não se resume em mera leitura a letra fria da lei.
Dessa maneira, tem-se que a hermenêutica contém as regras que fixam os critérios e princípios que deverão nortear a interpretação, ou seja, é o seu instrumento de realização.
4.3.1. TÉCNICAS INTERPRETATIVAS
Com vistas à orientar a tarefa do intérprete há várias técnicas, também chamados processos interpretativos para auxiliá-lo na sua atividade. Quais sejam: gramatical ou literal, lógico, sistemático, histórico e sociológico ou teleológico.
Embora devam ser aplicados em seu conjunto, os métodos mais apurados são a interpretação sistemática e a interpretação teleológica, os quais são abordados adiante.
Dessa maneira, tem-se que não pode o juiz, ao analisar o caso concreto, ater-se somente ao sentido literal ou gramatical da lei, ou seja, a sua letra fria, deve, sim, buscar a razão da lei, seu espírito, qual o seu fundamento, com vistas a proporcionar a subsunção do fato à norma. Uma vez que,
“a melhor exegese não é a que se apega à restrita letra fria da lei, mas a que seja fiel ao espírito da norma a ser aplicada, dando-lhe sentido construtivo, que venha a atender aos verdadeiros interesses e reclames sociais, assim como corresponda às necessidades da realidade presente1.”
Pela técnica gramatical (DINIZ, 1995, p.388),
“também chamada literal, semântica ou filosófica, o hermeneuta busca o sentido literal do texto normativo, tendo por tarefa estabelecer uma definição, ante uma indeterminação semântica dos vocábulos normativos, (…). Então, o primeiro passo na interpretação seria verificar o sentido dos vocábulos do texto, ou seja, sua correspondência com a realidade que eles designam.”
Dessa maneira, tem-se que a técnica gramatical é o primeiro passo para a boa interpretação da lei posta em estudo, pois a compreensão desta não se resume apenas a isso, vai além. Justamente por esse motivo é que se verifica a importância da interpretação sistemática para que seja atingido o fim almejado pelo Direito Previdenciário.
Portanto, na análise interpretativa se faz mister a inserção da norma dentro de um universo legal para que possa ser alcançado o seu fim, ou seja, inseri-la num contexto com vistas a atingir a ratio do preceito normativo.
Diante ao exposto, mostra-se de grande importância, que o julgador, ao analisar as normas previdenciárias atinentes a um caso concreto, assim o faça à luz das situações que surgirem no seio das relações sociais, as quais devem ser tuteladas pelo direito, posto que, não podem ser desprezadas a realidade fática e o contexto jurídico nas quais estão inseridas.
5. CONCLUSÕES
No Direito Previdenciário, há que ser levado em consideração, na interpretação da legislação pertinente, o seu objetivo, qual seja, a garantia dos meios indispensáveis a manutenção da vida de seus beneficiários, consoante dispõe o art. 1º da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991.
Como se pode perceber, até o presente momento não houve uma unificação no que tange ao entendimento aplicável ao rateio da pensão por morte entre a viúva e a ex-esposa alimentada.
O que se extrai através do estudo da legislação previdenciária é seu caráter assistencial, presente em todo o ordenamento que rege a matéria.
Devido à este caráter predominantemente assistencial, tem-se que o Direito Previdenciário afasta-se do Direito de Família, o qual centra-se na preservação da célula familiar e de seus valores. Todavia, cada qual na sua esfera, possuem um objeto em comum: as relações em família.
Portanto, após compreendermos, num aspecto geral, o que é pensão por morte e o vínculo previdenciário, é possível entender a dicotomia existente entre as duas correntes jurisprudenciais que tratam sobre o rateio entre viúva e ex-esposa.
Dessa maneira, tem-se que não existe um posicionamento incorreto a respeito do assunto, pois ambos lastreiam seus entendimentos na lei.
O que pode, porventura ocorrer, é que se perceba que um deles não é o mais acertado, posto que, a história demonstra que a vida em sociedade e os sistemas jurídicos vêm sofrendo, dia após dia, inúmeras transformações e dessas transformações, nascem outras concepções jurídicas, devido às exigências do dinamismo das relações humanas, o que certamente, é sinônimo da evolução do pensamento.
Dessa maneira, tem-se que a paz social é fruto da aplicação da lei. Tendo o Estado avocado para si o poder-dever de dizer o direito, ou seja, a função jurisdicional, esta deve ser exercida através dos seus julgadores, da melhor maneira possível.
Sendo assim, deve o Estado, através de seus representantes, proporcionar aos jurisdicionados através de seus julgados a manutenção da harmonia e paz social indispensáveis à vida em sociedade.
Diante ao exposto, apenas nos resta, ressaltar a importância de uma análise mais atenta da lei, posto que estas, muitas vezes, abre margem para interpretações diversas, sob o mesmo prisma, como ocorre no caso que foi posto em discussão.
Informações Sobre os Autores
Victor Paulo Kloeckner Pires
Doutor em Direito (UBA), Doutorando em Administração (USP), Mestre em Administração (UFRGS). Professor da Universidade Federal do Pampa
Clarice de Azevedo
Bacharel em Direito pela Universidade da Região da Campanha – campus São Gabriel/RS