Neste terceiro artigo, examinaremos pontos negativos e positivos da Reforma.
Comecemos pelos pontos negativos. Um deles diz respeito à constitucionalização da tributação por dentro, tanto do IVA-F, como do IVA-E, conforme redações conferidas aos arts. 153, § 6º, V e 155-A, § 6º, II, da Constituição Federal, que prescrevem que o valor do imposto integrará sua própria base de cálculo. Essa técnica de ocultação da efetiva carga tributária conspira contra o princípio da transparência tributária previsto no § 5º do art. 150 da CF, nos seguintes termos: “A lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidem sobre mercadorias e serviços”.
Onde há lei esclarecendo a mágica de transformar o ICMS de 18% em 21,38% de carga efetiva? Onde a explicação de que o consumo de energia elétrica, onerada com 25% em função da “essencialidade das mercadorias e serviços” (art. 155, § 2º, III da CF), equivale, na realidade, a alíquota de 33,35%? Imagine-se, então, se a energia elétrica fosse um bem supérfulo para os dias atuais!
Tudo indica que, com a explicitação da tributação por dentro, incidência do imposto sobre si próprio, o governo deseja prevenir decisões da espécie que a Corte Suprema está para tomar nos autos do RE nº 357950, no qual, seis votos já foram proferidos determinando a exclusão do ICMS da base de cálculo da COFINS.
Outro ponto negativo está no aumento da insegurança jurídica, com o escamoteamento do princípio da legalidade tributária nas alterações de alíquotas do IVA-E, a obscuridade em torno do princípio da não-cumulatividade do IVA-F a depender do que dispuser a lei, bem como, com a suspensão temporária do princípio da anterioridade em relação ao IVA-E, que é a cláusula pétrea, sendo, por isso mesmo, inconstitucional o art. 4º da PEC 233. A supressão desses limites constitucionais ao poder de tributar é sinal de que irá haver aumento de pressão tributária.
Finalmente, é mantido o engessamento orçamentário representado pela vinculação percentual do produto de impostos arrecadados para os setores de saúde, educação e administração tributária, estabelecendo exceções ao princípio que veda a vinculação de receita de impostos a órgãos, fundos ou despesas (art. 167, IV da CF).
Na verdade, esse importante princípio constitucional existe para obrigar os governantes a eleger as prioridades da sociedade, proclamadas em campanhas eleitorais e traduzidas em forma de plano de ação governamental, por meio da Lei Orçamentária Anual, cuja iniciativa é do Executivo.
A quebra desse importante princípio constitucional revela a costumeira incompetência do governante em elaborar a política governamental de acordo com as prioridades da sociedade.
Acontece que o engessamento orçamentário, por si só, não resolve as carências nas áreas de saúde, educação e administração tributária. Muitas vezes, ele contribui para o desperdício de dinheiro público. Já não constitui novidade, entre nós, as costumeiras notícias de toneladas de alimentos escolares estragados, quer por ação do tempo, quer pela má qualidade deles desde a sua origem, bem como, de consideráveis estoques de remédios com prazo de validade vencido. É que as verbas vinculadas aos setores de educação e de saúde devem ser esgotadas a qualquer custo, sob pena de responsabilidade do governante inadimplente. O certo seria o governo planejar as ações para esses setores importantes e alocar recursos necessários à sua execução na Lei Orçamentária Anual, aprovada pelo Parlamento em nome da sociedade.
A manutenção desse engessamento pode ser interpretada como um pretexto para a manutenção “provisória” da DRU, que vem desde 1994, para desengessar parcialmente o orçamento. Essa DRU, deixa livre 20% do produto da arrecadação tributária da União para o Executivo gastar à sua discrição, e não, segundo as despesas fixadas na lei de meios. Hoje, as verbas de livre direcionamento correspondem a mais de R$ 120 bilhões. Isso, sem dúvida, anula o princípio da legalidade das despesas, um corolário do princípio da legalidade tributária.
Como ponto positivo da Reforma podemos citar a absorção da CSLL pelo IR. A unificação de tributos que têm a mesma base de cálculo – o lucro das pessoas jurídicas – neste particular, vem de encontro à desejada simplificação do Sistema Tributário. Como a incidência da CSLL atual tem caráter seletivo em função da atividade econômica, permitindo a variação, tanto da alíquota, como da base de cálculo, a PEC 233 prevê a inserção do inciso III no § 2º do art. 153 da CF permitindo a instituição de adicional do imposto de renda por setores da atividade econômica. Há, portanto, um fato negativo embutido na proposta de simplificação, aumentando o grau de insegurança dos contribuintes, na ausência de definição objetiva das hipóteses de incidência do adicional. Outro ponto positivo é representado pela supressão da contribuição do salário educação, seguida de compensação com a destinação, a esse título, da parcela do produto de arrecadação de imposto federal. Representa um avanço em termos de desoneração da folha das empresas. O peso da excessiva carga tributária incidente sobre a folha salarial tem sido o principal responsável por irregularidades na relações empregatícias, bem como, por encarecimento de nossos produtos e serviços, influindo no mercado da concorrência internacional. O ideal seria a total desoneração da folha salarial, como cogitado anteriormente pelo governo.
No geral, os pontos negativos superam os aspectos positivos. Com o aumento da burocracia e supressão das garantias constitucionais, a Reforma tem tudo para deflagrar um inusitado processo de ascensão da carga tributária.
Informações Sobre o Autor
Kiyoshi Harada
Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.