1 – Introdução
Um dos principais pontos do estudo do Direito Previdenciário é a análise da base de incidência das contribuições previdenciárias. A legislação, muitas vezes, suscita dúvidas a respeito da inclusão de algumas rubricas na composição da base de tributação previdenciária.
As empresas, por outro lado, costumam cometer equívocos, cada vez mais freqüentes, na definição de sua tabela de incidência, ou seja, das parcelas que consideram integrantes do salário-de-contribuição. Quando estes erros são verificados pela Fiscalização Previdenciária, são gerados, de imediato, processo de débito, que comprometem o planejamento orçamentário das corporações, gerando gastos imprevistos.
Em outras situações, mesmo a empresa estando ciente do posicionamento do Fisco, decide não oferecer à tributação algumas parcelas, por possuir um entendimento divergente à pregada pela Instituição Tributária Previdenciária.
Neste artigo, traremos à discussão cinco pontos polêmicos sobre a base de cálculo previdenciária, enfocando o posicionamento fiscal, doutrinário e jurisprudencial, que foram também tratados no livro Salário-de-Contribuição – A Base de Cálculo Previdenciária das Empresas e dos Segurados, além de outros 48 tópicos[1]. São os temas escolhidos para este breve texto:
a) Aviso Prévio
b) Benefícios da Previdência Social
c) Alimentação do Trabalhador
d) Guelta
e) Stock Options
Como regra básica do estudo do salário-de-contribuição, poderíamos afirmar que toda fez que a parcela paga pela empresa ao trabalhador for destinada a retribuir o seu trabalho, deve ser incluída no salário-de-contribuição, exceto as parcelas excluídas expressamente por força do art. 28, §9°, da Lei 8.212/91, que traz uma lista exaustiva de isenções.
2 – Aviso Prévio
A Carta Magna, no seu artigo 7°, inciso XXI, elencou como direito do trabalhador o aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo este de, no mínimo, de trinta dias, nos termos da lei.
De acordo com Alice Monteiro de Barros, “a finalidade do aviso prévio é impedir que as partes sejam pegas de surpresa com a ruptura brusca do contrato indeterminado. O período a ele alusivo propicia ao empregado pré-avisado a procura de um novo emprego e ao empregador pré-avisado a substituição do empregado que pretende se desligar”. [2]
A CLT dispõe que “a falta do aviso prévio por parte do empregador dá ao empregado o direito aos salários correspondentes ao prazo do aviso, garantida sempre a integração desse período no seu tempo de serviço” (art. 487, §1°). Foi assim criada a possibilidade de indenização monetária pela falta de concessão de aviso prévio por parte do empregador
Esclarece ainda mais Godinho que “a CLT prevê dois tipos de pré-aviso, classificados segundo a modalidade de cumprimento de seu prazo: mediante labor ou não, caso em que o respectivo período se torna indenizado. Trata-se do aviso prévio trabalhado e do aviso prévio não trabalhado”. [3]
Do ponto de vista da tributação previdenciária, não há qualquer divergência doutrinária, fiscal ou jurisprudencial quanto à incidência de contribuição sobre o aviso prévio trabalhado. A dúvida persiste em saber se deverá haver incidência sobre o aviso prévio indenizado, o que tentaremos explorar neste tópico.
A Lei 8.212/91 não elenca, no seu §9°, artigo 28, expressamente, o aviso prévio indenizado como parcela não integrante do salário-de-contribuição. Já o Decreto 3.048/99, por sua vez, prevê tal exclusão, no art. 214, §9°, V, “f”. Teria o Decreto extrapolado a Lei, instituindo isenção por ato infralegal?
Independentemente da resposta, é preciso mencionar que a posição oficial da Secretaria da Receita Federal do Brasil é de que o aviso prévio indenizado não faz parte do salário-de-contribuição, o que equivale dizer que ela aplica a disposição do Regulamento da Previdência Social.
Elucidando o questionamento é preciso demonstrar que a Lei 8.212/91 traz implícita a impossibilidade de o aviso prévio indenizado ser incluído na base de cálculo da contribuição previdenciária, uma vez que o inciso I, do artigo 28 define o salário-de-contribuição para empregados como “a remuneração auferida em uma ou mais empresas, assim entendida a totalidade dos rendimentos pagos, devidos ou creditados a qualquer título, durante o mês, destinados a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços, nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa”. Desta forma, para ser considerado salário-de-contribuição, é necessário que o valor recebido seja destinado a retribuir o trabalho, o que, de fato, não ocorre com a indenização do aviso prévio.
Nesta mesma linha, leciona Wladimir Novaes Martinez, ao aludir que “o caput de um artigo – norma geral – pode ser quebrado pela norma especial, constante de inciso ou alínea abaixo dele postada e, então, não há dúvidas quanto a todas as letras do §9°. Trata-se de disposição comissiva. Entretanto, por omissão, ou por raciocínio contrário sensu, nem sempre a conclusão é possível. Ausente da enorme lista, comporta interpretação e será possível recorrer ao caput, onde o aviso prévio indenizado não tem abrigo. Quer dizer, embora não faça parte do §9° (relação de valores não integrantes do salário-de-contribuição) necessariamente não está sujeito à exação securitária”.[4]
Saliente-se, ainda, que a redação original da alínea “e”, do artigo 28, da Lei 8.212/91, previa, expressamente, a exclusão do aviso prévio indenizado da base de cálculo da contribuição previdenciária, tendo tal disposição sido suprimida pela Lei 9.528, de 10/12/97, ficando esta previsão apenas sitiada em norma infralegal (Decreto 2.173/97 e, posteriormente, Decreto 3.048/99).
Este mesmo diploma, ao suprimir da Lei 8.212/91 a expressa previsão legal da não incidência de contribuição previdenciária sobre o aviso prévio, alterou a redação do inciso I, do artigo 28, da Lei 8.212/91. Vejamos:
Art 28, I, da Lei 8.212/91
Redação anterior:
Art 28. Entende-se por salário-de-contribuição:
I – para o empregado e trabalhador avulso: a remuneração efetivamente recebida ou creditada a qualquer título, durante o mês em uma ou mais empresas, inclusive os ganhos habituais sob a forma de utilidades, ressalvado o disposto no § 8° e respeitados os limites dos §§ 3°, 4° e 5° deste artigo;
Redação original, alterada pela Lei 9.528/97:
Art 28. Entende-se por salário-de-contribuição:
I – para o empregado e trabalhador avulso: a remuneração auferida em uma ou mais empresas, assim entendida a totalidade dos rendimentos pagos, devidos ou creditados a qualquer título, durante o mês, destinados a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa; (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 10.12.97)
Note-se que a mesma lei que suprimiu o aviso prévio indenizado do rol de não incidência do §9º, do art. 28, da Lei 8.212/91, alterou a redação do conceito deste instituto, incluindo a expressão “destinada a retribuir o trabalho”. Ora, se o aviso prévio indenizado não se destina a retribuição do esforço laboral, não há que se falar em incidência de contribuição previdenciária, independentemente de expressa previsão.
A dúvida faz-se presente, também, devido ao fato de a CLT mencionar que o aviso prévio deverá ser considerado para fins de integração ao tempo de serviço (art. 487, §1°). Desta forma, alguns Juizes do Trabalho têm entendido que, na execução das contribuições previdenciárias decorrentes de suas sentenças, deve-se considerar o período correspondente ao aviso prévio indenizado base de tributação, com o intuito de que seja contado como tempo de contribuição para a Previdência Social. Neste caso, consideram que o “aviso prévio não trabalhado” tem caráter salarial.
Ora, é nítida a natureza indenizatória do “aviso prévio não trabalhado”, pois, sendo o instituto do aviso prévio uma obrigação de fazer (pré-avisar ao trabalhador sobre o seu desligamento com a antecedência mínima de 30 dias), uma vez descumprida, conforme dispõe o artigo 247, do Código Civil de 2002, “importa em obrigação de INDENIZAR em perdas e danos o devedor”.
Ademais, o artigo 487, §1º, da CLT, quando impõe que a falta de aviso prévio garante a integração deste período no tempo de serviço do trabalhador, estabelece uma contagem de tempo de serviço fictícia o que é vedado constitucionalmente desde a EC 20/98 (art. 40, §10, CF c/c art. 4º, da EC 20/98). Note-se que a nomenclatura “tempo de serviço” utilizada pela CLT refere-se ao extinto benefício da aposentadoria por tempo de serviço, substituída pela aposentadoria por tempo de contribuição. Desta forma, acreditamos que a EC 20/98 revogou este dispositivo da CLT.
A doutrina moderna tem se mostrado omissa na discussão sobre a incidência de contribuição previdenciária sobre o aviso prévio indenizado. A jurisprudência, contudo, tem entendido, de forma majoritária, pela impossibilidade desta, devido ao caráter eminentemente indenizatório do aviso prévio pago em dinheiro, não podendo este, de forma alguma, ser confundido com a noção de remuneração. Vejamos:
“TST RECURSO ESPECIAL Nº 410.435 – RS (2002/0014338-7) RELATOR : MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS DJ 16.12.2002.O recurso especial desafia acórdão que restou assim ementado: “TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE A FOLHA DE SALÁRIOS. ABONO LEGAIS E VERBAS INDENIZATÓRIAS. (…)Tribunal a quo negou provimento à apelação do INSS, pois entendeu que: a cobrança da contribuição previdenciária sobre aviso prévio indenizado, indenização por tempo de serviço e indenização adicional exigida com base no artigo 22, § 2º da Lei 8.212/91 é indevida, visto que tais parcelas tem nítido caráter indenizatório, sendo impossível incluí-las no conceito de salário; somente por meio de lei complementar, é que se poderia criar outras fontes de custeio da seguridade social (195, § 4º, da CF); o STF, no julgamento da ADIn 1659/97, suspendeu a eficácia do artigo 22, § 2º da MP 1.523/96, por ofensa ao artigo 195, I da CF.”
“TST: JUÍZA CONVOCADA WILMA NOGUEIRA DE A. VAZ DA SILVA EMENTA RECURSO DE REVISTA. NATUREZA JURÍDICA DO ADICIONAL DE QUEBRA DE CAIXA. AUSÊNCIA DE OFENSA AO ART. 28, § 9º, DA LEI Nº 8.212/91. Fundamentada a decisão regional no pressuposto da natureza indenizatória da parcela quebra de caixa, não se verifica a indigitada ofensa ao art. 28, § 9º, da Lei nº 8.212/91, cuja alínea “e” expressamente exclui verbas em razão da mencionada natureza indenizatória, como o aviso prévio indenizado, as férias indenizadas e a indenização por tempo de serviço. Não se pode pretender que seja taxativa essa enumeração excludente do conceito do salário-de-contribuição, porque não apenas a parcela quebra de caixa deixou de ser mencionada, mas também o transporte fornecido para o trabalho, o prêmio-assiduidade, o prêmio de tempo de serviço concedido anualmente, o prêmio-aposentadoria etc. Recurso não conhecido.”
Para reforçar ainda mais o entendimento da impossibilidade de cobrança de contribuição previdenciária sobre o aviso prévio indenizado, trazemos a colação a Medida Provisória 1523-7, de 30/04/97, que alterou o texto do §2°, do art. 22, da Lei 8.212/91 que assim passou a dispor: “Para os fins desta Lei, integram a remuneração os abonos de qualquer espécie ou natureza, bem como as parcelas denominadas indenizatórias pagas ou creditadas a qualquer título, inclusive em razão da rescisão do contrato de trabalho”. Tentou-se, desta forma, tributar as parcelas indenizatórias, entre elas o aviso prévio indenizado, a partir de agosto de 1997, devido à anterioridade nonagesimal.
Durante o período compreendido entre a data do início da vigência da MP 1523-7, de 01/08/97, e a sua suspensão, por decisão liminar, em 27/11/97, o Fisco Previdenciário exigiu contribuição previdenciária sobre o aviso prévio indenizado.
Anote-se que tanto o texto constitucional (art. VII, XXI) quanto a CLT (art. 487) dispõem que o aviso prévio será de, no mínimo, 30 dias, não havendo qualquer obstáculo legal para que as partes acordem um tempo superior a este, sem que seja descaracterizada a natureza da parcela.
É muito comum que as empresas convencionem com os sindicatos que o prazo do aviso prévio dos trabalhadores que têm idade avançada seja superior ao mínimo legal. Havendo pagamento deste sob a forma de indenização não há que se cogitar incidência de contribuição previdenciária.
Por fim, trazemos a tona a discussão gerada recentemente pela Instrução Normativa 20/2007, da SRP, que revogou a alínea f, do inciso VI, do artigo 72, da Instrução Normativa 03/2005, onde havia expressa previsão da não incidência de contribuição sobre o aviso prévio indenizado. Note-se, contudo, que mesmo com esta revogação nada mudou, pois a não incidência continua prevista no inciso I, do Caput, da Lei 8.212/91 e no §9º, do artigo 214, do Decreto 3.048/99.
3 – Benefícios da Previdência Social
Em regra, os benefícios da Previdência Social não são considerados salário-de-contribuição, exceto o salário-maternidade, que é o único sobre o qual há incidência de contribuição previdenciária (art. 28, §9°, Lei 8.212/91).
Recentemente, com a Reforma da Previdência operada pela aprovação da Emenda Constitucional 41/03, a incidência de contribuição previdenciária sobre os proventos de aposentadoria e pensão ficou em evidência.
O fato é que o art. 195, II, da Carta Magna dispõe sobre o pagamento de contribuição previdenciária pelo trabalhador e pelos demais segurados da Previdência Social, asseverando não incidir contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo Regime Geral de Previdência Social.
Não havia, entretanto, qualquer vedação expressa na Constituição Federal de 1988 quanto à tributação dos proventos de aposentadoria e pensão dos servidores vinculados a regimes próprios de previdência social, ligados a União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Por isso, alguns Estados Brasileiros, antes mesmo da Reforma da Previdência, decidiram instituir contribuição previdenciária sobre a aposentadoria e pensão dos seus servidores.
Observe-se, todavia, que o §12 do art. 40 da Constituição menciona que o regime de previdência dos servidores públicos titulares de cargo efetivo observará, no que couber, os requisitos e critérios fixados para o Regime Geral de Previdência Social. Ou seja, na falta de dispositivo expresso na Lei Maior sobre os regimes próprios, aplica-se, subsidiariamente, as regras do RGPS. Com base neste parágrafo, o STF julgou inconstitucional a tributação dos inativos efetuada anteriormente à publicação da EC 41/03.
Com a Reforma da Previdência (EC 41/03), foi inserida explicitamente no texto constitucional a previsão da incidência de contribuição previdenciária sobre o valor das aposentadorias e pensões dos servidores ligados a regimes próprios. Alegou-se, na época, que a EC 41/03 era portadora de vício de constitucionalidade por ferir direito adquirido. O STF, todavia, julgou a ADIN 3.105, rejeitando a ocorrência de inconstitucionalidade.
Embora o tema seja bastante controvertido, filiamo-nos à tese da constitucionalidade da incidência da contribuição previdenciária, pois não há direito adquirido no que se refere à tributação. Se assim fosse, poderíamos considerar inconstitucional a criação ou majoração de tributos, já que a tributação sempre representa decréscimo patrimonial ao cidadão. Desta forma, seria também inconstitucional o acréscimo de alíquota do imposto de renda de 25% para 27,5%, como ocorreu em um passado recente.
Por outro lado, o regime previdenciário é contributivo, compulsório e solidário, estando equivocado o pensamente de que o segurado contribui a vida toda para ter direito a sua aposentadoria. Em realidade, o segurado contribui, em primeiro lugar, porque é obrigado. A contribuição, por si só, não garante que ele irá, de fato, usufruir de qualquer benefício, pois o regime é solidário, e dele somente extrairá benefícios quem se enquadrar nas situações seletivas definidas pela lei. O fato de o segurado continuar contribuindo após a aposentadoria é justificado também pelo caráter solidário do sistema.
Salientamos, no entanto, que quando o Governo Federal propôs a tributação dos inativos, materializada pela Emenda Constitucional 41/03, teve como principal objetivo o aumento da arrecadação em atendimento aos princípios neoliberais que têm norteado as decisões estratégicas na área previdenciária, desde 1990.
Frisamos, contudo, que esta polêmica não afeta o Regime Geral de Previdência Social e o salário-de-contribuição, pois para os inativos do RGPS a vedação à tributação dos inativos encontra-se expressa na Carta Magna.
Os demais benefícios do RGPS, com exceção do salário-maternidade, como já afirmado, não integram o salário-de-contribuição. Qual é, então, o motivo da incidência da tributação sobre o salário-maternidade?
Inicialmente, é necessário analisar os aspectos históricos da criação do salário-maternidade. A CLT, em seu artigo 392, instituiu a licença-maternidade para a empregada gestante originariamente de 12 semanas. Neste período, o empregador estaria obrigado a manter o vínculo empregatício e arcar com os salários correspondentes.
A Lei 6.136, de 07/11/74, com alterações posteriores, incluiu o salário-maternidade entre as prestações previdenciárias, permitindo o reembolso do pagamento deste benefício pela empresa nas guias da Previdência Social. Tal reembolso estaria condicionado à manutenção do emprego e do salário, conforme dispõe o art. 392 da CLT. Esta Lei manteve, todavia, a tributação previdenciária sobre o referido benefício.
A tributação é questionada do ponto de vista legal e doutrinário. Do ponto de vista legal questiona-se se a Lei, ao prevê a taxação de um benefício previdenciário incorre em vício de constitucionalidade, pois se considerarmos que este pagamento não está destinado a retribuir o trabalho, não há razão para a sua tributação. Do ponto de vista doutrinário, questiona-se se é possível ser sujeito passivo da obrigação tributária previdenciária, sem que se pratique o fato gerador, que, na hipótese, é a remuneração que se destina a retribuir o trabalho. Ora, se o benefício é previdenciário e quanto a isso não resta dúvida, quem absorve o custo é a Previdência Social e, portanto, não há que se falar legitimamente em tributação. Ocorre, neste caso, verdadeira suspensão do contrato de trabalho.
Há, no entanto, quem defenda que o salário-maternidade é causa de interrupção do contrato de trabalho, sob a argumentação de que existiriam duas relações jurídicas distintas: uma trabalhista, que se dá entre o empregador e a empregada gestante e se aperfeiçoa com o pagamento da remuneração, devidamente consignada em folha e outra previdenciária, que se dá entre a empresa e a Instituição Previdenciária, desde que mantida a relação de emprego. Nesta hipótese, a empresa praticaria o fato gerador, o que justificaria a tributação.
Entendemos que o fato de a empresa pagar o salário-maternidade não transforma sua natureza previdenciária em remuneratória. O que ocorre, em verdade, é uma economia administrativa que busca desburocratizar a concessão deste benefício. A natureza previdenciária torna-se evidente se analisarmos que o objetivo do salário-maternidade é o de se evitar a discriminação do trabalho da mulher pela simples possibilidade de engravidar, posto que sem este benefício, o custo da licença seria suportado pelo empregador. Por isso, o Estado passou a assumir o risco social da maternidade. Sob esta ótica, não poderia haver incidência de contribuição previdenciária.
Outro ponto polêmico é que o Texto Constitucional, no seu art. 7°, enumera como direito dos trabalhadores a licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias. Como o Legislador Constituinte utilizou o termo salário, reforça-se a idéia de que o salário-maternidade tem caráter remuneratório.
Acreditamos que o que o legislador constituinte quis, na verdade, foi garantir um benefício integral à parturiente. Quando se referiu a “salário”, houve, em verdade, mais uma atecnia do legislador, como ocorre, com freqüência, nos textos trabalhistas.
Por fidelidade ao leitor, no entanto, saliente-se que a jurisprudência dos tribunais tem firmado posicionamento no sentido da procedência da contribuição previdenciária sobre o salário-maternidade.
“TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA DA EMPRESA. SALÁRIO-MATERNIDADE. – Posição do TRF4, através tanto da 1ª e como da 2ª Turmas, no sentido de que o salário-maternidade é computado na base de cálculo da contribuição da empresa sobre a remuneração paga aos empregados. Ressalva de ponto de vista em contrário do relator” (Rel. Leandro Paulsen, Dju Data:03/11/2005 Página: 543).
Embora a ementa transcrita tenha se posicionado pela procedência da incidência de contribuição previdenciária sobre o salário-maternidade, vale a pena transcrever o inteiro teor do voto do Desembargador Federal Leandro Paulsen do TRF 4ª Região, que ilustra magnificamente a polêmica.
“O pleito de não computar o salário−maternidade na base de cálculo da contribuição previdenciária da pessoa jurídica tem forte fundamento. Isso porque o art. 195, I, a, da CF, com redação da EC nº 20/98, autoriza a instituição de contribuição ordinária para o custeio da seguridade social do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada sobre “a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício”.
“Ocorre que o “salário−maternidade” constitui benefício previdenciário, sendo pago pela própria Previdência Social ou, relativamente à segurada empregada, pela empresa em nome do INSS, tanto que a lei autoriza, nesse caso, a compensação quando do recolhimento das contribuições previdenciárias devidas pela empresa nos termos dos arts. 71, 71−A, 72 e 73 da Lei 8.213/91.”
“Constitui, pois, o salário−maternidade renda mensal a cargo do INSS, não configurando nenhuma das verbas inseridas na base econômica que delimita a competência tributária, estabelecida pelo art. 195, I, a, com a redação da EC nº 20/98. Contudo, não se pode olvidar que ambas as Turmas deste Tribunal Regional Federal desta 4ª Região entendem no sentido de que incide a contribuição sobre o salário−maternidade pago às empregadas, assim como o STJ:”
“TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA PREVISTA NO ART. 22, II, DA LEI 8.212/91. SALÁRIO−MATERNIDADE. INCIDÊNCIA. 1. A Contribuição previdenciária a cargo da empresa prevista no art. 22, I, da Lei 8.212/91, incide sobre a remuneração paga aos segurados empregados. 2. Do artigo 7° da CF/88, infere−se que salário e salário−maternidade são a mesma coisa, diferindo o nomen juris apenas por este ser percebido durante o afastamento motivado pela gravidez da segurada. Ademais, o art. 20, § 2º do art. 22 da Lei 8.212/91 considera tal benefício previdenciário como remuneração paga à segurada. 3. Configurada a natureza salarial das referidas verbas, forçoso concluir que sobre elas incide a exação em comento.” (TRF4, 2ª T., unânime, AMS 200372050068760, rel. Des. Fed. Dirceu de Almeida Soares, nov/2004)
…………..
“Assim, com a ressalva de ponto de vista pessoal em contrário, dou provimento à apelação do INSS e à remessa oficial para denegar a segurança, considerando prejudicado, por conseqüência, o recurso da Impetrante.”
É como voto.”
Outro tema bastante discutido nos tribunais é a incidência de contribuição previdenciária sobre os primeiros 15 dias de afastamento do empregado por motivo de doença, que são pagos pela empresa. O Fisco Previdenciário tem posição definida pela incidência de tributação sobre estes valores, com base no §3°, do artigo 60, da Lei 8.213/91, que dispõe que “durante os primeiros 15 dias consecutivos ao afastamento da atividade por motivo de doença, incumbirá à empresa pagar ao segurado empregado seu salário integral”. Como o texto se referiu a “salário”, o Fisco entende ser tal parcela tributável.
Parte da Doutrina alega ser ilógico que haja incidência de contribuição previdenciária sobre o pagamento referente aos primeiros 15 dias de afastamento, pois tal rubrica não é acompanhada de uma contraprestação de serviços por parte do empregado e o afastamento por motivo de doença é risco social coberto pela Previdência. Este é também o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
“REsp 786250 / RS ; RECURSO ESPECIAL 2005/0165089-4. MIN. TEORI ALBINO ZAVASCKI. DJ 06.03.2006 p. 234 TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. REMUNERAÇÃO PAGA PELO EMPREGADOR NOS PRIMEIROS QUINZE DIAS DO AUXÍLIO-DOENÇA. NÃO-INCIDÊNCIA. PRECEDENTES. TRIBUTOS DE MESMA ESPÉCIES. COMPENSAÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS. 1. É dominante no STJ o entendimento segundo o qual não é devida a contribuição previdenciária sobre a remuneração paga pelo empregador ao empregado, durante os primeiros dias do auxílio-doença, à consideração de que tal verba, por não consubstanciar contraprestação a trabalho, não tem natureza salarial. Precedentes RESP 720.817/SC, 2ª T., Min. Franciulli Netto, DJ de 05.09.2005, RESP 550.473/RS, 1ª T., Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 26.09.2005. (…)”
Ousamos discordar do Colendo Tribunal, pois embora os primeiros 15 dias de afastamento configurem, inegavelmente, risco social, pode ele, sem desconfigurar a sua natureza jurídica, nem ferir o ordenamento pátrio, ser suportado pelas empresas. Ora, se a empresa assume os riscos da atividade econômica, deve ela suportar também uma parcela do risco social. A assunção do risco social não deve ser vista como atribuição exclusiva do Estado, mas também da sociedade, aí incluída, naturalmente, a empresa. Então, acreditamos que, além de ser legal, é legítima a incidência de contribuição previdenciária sobre os primeiros 15 dias de afastamento.
4- Alimentação do Trabalhador
O art. 28, §9°, da Lei 8.212/91, exclui da incidência previdenciária “a parcela in natura recebida de acordo com os programas de alimentação aprovados pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social, nos termos da Lei nº 6.321, de 14 de abril de 1976”. A referida Lei delegou ao Ministério do Trabalho e Emprego a elaboração de Programa de Alimentação do Trabalhador – PAT.
A princípio, se a empresa seguir as regras do PAT – Programa de Alimentação do Trabalhador (Lei 6.321/76, regulada pelo Decreto 05/91 e pela portaria interministerial n° 03 de 01/03/02 do MTE), a alimentação fornecida não integra o salário-de-contribuição.
As principais regras do PAT que devem ser atendidas pela empresa estão descritas a seguir:
Modalidades – A empresa pode fornecer alimentação aos seus empregados por meio de refeitórios próprios ou administrados por empresas prestadoras de serviço de alimentação coletiva. Pode, ainda, distribuir cestas-básicas, vales-alimentação ou vales-refeição. Os vales-refeição são aceitos, principalmente, em restaurantes e lanchonetes. Os vales-alimentação são aceitos em supermercados (art. 8° e 10°, da Portaria 03, do MTE).
Inscrição no programa – As empresas, as prestadoras de serviço de alimentação coletiva e as fornecedoras de alimentos (quentinha) e similares (cestas-básicas, vales-alimentação e vales-refeição) devem estar inscritas no PAT para que os valores gastos não sejam considerados remuneração. A inscrição pode ser efetuada e conferida no site do MTE – Ministério do Trabalho e Emprego (www.mte.gov.br) (art. 2°, da Portaria 03, do MTE).
Participação dos trabalhadores no custeio – A participação máxima dos trabalhadores no custo direto da alimentação fornecida não pode ser superior a 20% do valor total despendido. Adicionalmente, a parcela desembolsada por empregado não pode ser superior a 20% do valor da refeição recebida. Custo direto da alimentação é o gasto com a compra dos alimentos e preparo das refeições. Não são permitidos rateios de custos indiretos; ou seja, a parcela referente ao consumo de luz e a água do refeitório, por exemplo, não podem ser incluídos para cálculo dos 20% da participação dos trabalhadores (art. 4°, da Portaria 03, do MTE).
Suponhamos, a título de exemplo deste requisito, que uma fábrica de material de construção gaste com os custos diretos do refeitório dos empregados o total de R$ 100.000,00. A participação máxima dos empregados no custo da alimentação seria de R$ 20.000,00. Da mesma forma, se ela concedesse R$ 200,00 de vales-alimentação para cada um de seus empregados, deveria descontar, no máximo, R$ 40,00. Observe-se que não há dispositivo que obrigue à empresa efetuar um desconto mínimo da remuneração dos seus empregados para o custeio da alimentação, como adiante comentaremos.
Vedação à utilização do programa como forma de premiação – A alimentação do trabalhador não pode estar sujeita a qualquer condição. Algumas empresas costumam condicionar a entrega de cestas-básicas mensais à freqüência regular dos empregados, limitando o número de faltas mensais para obtenção deste benefício. Neste caso, o Fisco Previdenciário considera esta parcela incidente (art. 6°,II, da Portaria 03, do MTE).
Obrigatoriedade para empregados que percebam até 5 salários mínimos – As pessoas jurídicas beneficiárias poderão incluir no Programa trabalhadores de renda mais elevada, desde que esteja garantido o atendimento da totalidade dos trabalhadores que percebam até cinco salários-mínimos, independentemente da duração da jornada de trabalho. O benefício concedido aos trabalhadores que percebam até cinco salários mínimos não poderá, sob qualquer pretexto, ter valor inferior àquele concedido aos de rendimento mais elevado (art. 3°, da Portaria 03, do MTE).
Percebe-se que o regulamento do Programa de Alimentação do Trabalhador não traz qualquer vedação para que a empresa possua mais de um restaurante, mesmo que de qualidade diferente. O próprio princípio constitucional da isonomia exige o tratamento igual entre iguais. Não seria coerente defender que os hábitos alimentares de um diretor de uma construtora transnacional são os mesmos das de um operário da construção civil, podendo, nesta situação, a empresa possuir dois ou mais refeitórios de forma que atenda a necessidade de todos.
No caso de não inscrição no Programa de Alimentação do Trabalhador, os Auditores-Fiscais do Trabalho (IN 30/02, MTE) e da Receita Federal do Brasil (art. 758, IN 3, SRP) devem lançar, respectivamente, os débitos referentes ao FGTS e à contribuição previdenciária sobre o valor da alimentação fornecida, pois esta passará a integrar o salário-de-contribuição.
Caso o Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil constate que a empresa beneficiária inscrita no PAT não esteja cumprindo os outros requisitos da legislação, deverá elaborar Representação Administrativa para o Ministério do Trabalho, para que este promova, se julgar necessário, a exclusão da empresa do PAT, somente sendo possível a constituição do crédito previdenciário após a exclusão (art. 753, §3°, IN 3, SRP).
A jurisprudência trabalhista consolidou também o entendimento de que é obrigatório o cumprimento das regras do PAT para que a parcela não integre a remuneração do trabalhador, conforme Orientação Jurisprudencial 133, da Seção de Dissídios Individuais I, do TST:
“A ajuda alimentação. PAT. Lei 6.321/76. Não integração ao salário. A ajuda alimentação fornecida por empresa participante do Programa de Alimentação ao Trabalhador, instituído pela Lei n° 6.321/76, não tem caráter salarial. Portanto, não integra o salário, para nenhum efeito legal”.
Entendemos, todavia, ser desproporcional a integração da alimentação ao salário-de-contribuição, pelo simples descumprimento formal de inscrição no PAT, sem que seja comprovado o descumprimento dos aspectos materiais da norma. O que interessa, em verdade, é verificar se a empresa atende ou não as exigências materiais da regulamentação do PAT. Acreditamos ser frágil o lançamento do crédito previdenciário, com base apenas em aspectos formais.
Apesar da controvérsia a respeito da simples falta da inscrição no PAT ser suficiente para considerar os gastos com alimentação dos trabalhadores parcela remuneratória, a jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais tem admitido a tese de que a alimentação fornecida “in natura”, no âmbito da própria empresa, independentemente de inscrição no Programa de Alimentação do Trabalhador, não integra o salário-de-contribuição.TVejamos ementa da decisão do TRF 1ª Região:
“TRIBUTÁRIO. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL. CONTRIBUIÇÃO. FORNECIMENTO DE ALIMENTAÇÃO. EMPRESA NÃO INSCRITA NO PROGRAMA DE ALIMENTAÇÃO DO TRABALHADOR – PAT. SALÁRIO IN NATURA. DESNECESSIDADE. PRECEDENTES DO TRF E STJ. 1. Se a alimentação fornecida aos empregados se dá no âmbito da própria empresa, é inadmissível a cobrança de contribuição previdenciária, independentemente de inscrição no Programa de Alimentação do Trabalhador 2. Apelação e remessa oficial desprovidas. 29/07/2004 DJ p.105”
Por sua fez, o Superior Tribunal de Justiça, em recente decisão firmou posicionamento que a concessão do vale-alimentação “in natura” não é salário-de-contribuição, independentemente de inscrição no PAT. Se, contudo, os valores forem pagos em pecúnia, passam a integrar o salário-de-contribuição. Vejamos:
“REsp 662241 / CE ; RECURSO ESPECIAL 2004/0069584-6. Rel. Ministro FRANCIULLI NETTO (1117). DJ 20.03.2006 p. 237 RECURSO ESPECIAL. AUXÍLIO-ALIMENTAÇÃO. DEPÓSITO NA CONTA-CORRENTE DOS EMPREGADOS. INCIDÊNCIA DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. MATÉRIA PACIFICADA NA PRIMEIRA SEÇÃO DESTA CORTE. Prevalece nesta Corte Superior de Justiça o modo de julgar segundo o qual “o pagamento in natura do auxílio-alimentação não possui natureza salarial, de modo que não sofre incidência da contribuição previdenciária, sendo o empregador inscrito ou não no Programa de Alimentação ao Trabalhador (PAT)” (AGA 388.617/RS, da relatoria deste Magistrado, DJ 2.2.2004). Por outro lado, a egrégia Primeira Seção desta colenda Corte pacificou o entendimento de que, “quando o auxílio alimentação é pago em dinheiro ou seu valor creditado em conta-corrente, (…), em caráter habitual e remuneratório, integra a base de cálculo da contribuição previdenciária” (EREsp 603.509/CE, Rel. Min. Castro Meira, DJ 8.11.2004). Na espécie, o pagamento da ajuda alimentação deu-se sob a forma de depósito em conta-corrente bancária, razão pela qual, na linha de raciocínio da jurisprudência deste Tribunal, deve incidir a contribuição previdenciária. Recurso especial improvido.”
“Como demonstrado, diferente é a análise para o pagamento de alimentação em pecúnia, pois, neste caso, haveria flagrante violação ao disposto no regulamento do PAT, e, ainda, a parcela seria facilmente confundida com a própria remuneração do trabalhador.”
Há o mito difundido nos setores de pessoal das empresas de que, para não ser considerado salário-de-contribuição, deve ser descontado da remuneração um valor, mesmo que simbólico, a título de alimentação. É como se o desconto de uma parcela muitas vezes insignificante tivesse o poder de transformar a natureza jurídica da concessão de uma verba bastante custosa. Obviamente esta interpretação não passa de um mito irracional, já que, mesmo sem qualquer valor descontado, não há incidência de contribuição previdenciária sobre a alimentação fornecida de acordo com as regras do PAT.
Existe, porém, uma modalidade de fornecimento de alimentação permitido pela Legislação Previdenciária, independentemente das regras do PAT, sem que haja incidência de contribuição previdenciária. O art. 28, §9°, “m”, da Lei 8.212/91 menciona que não integrará o salário-de-contribuição “os valores correspondentes a transporte, alimentação e habitação fornecidos pela empresa ao empregado contratado para trabalhar em localidade distante da de sua residência, em canteiro de obras ou local que, por força da atividade, exija deslocamento e estada, observadas as normas de proteção estabelecidas pelo Ministério do Trabalho”.
Dentro da Previdência Social não há consenso a respeito da interpretação deste diploma legal. Uma das controvérsias repousa no fato de a expressão “em localidade distante de sua residência” é, sem dúvida, uma imprecisão do legislador ordinário, que dificulta a aplicação da norma pelo operador do Direito. Entendemos que a intenção do legislador foi desburocratizar a concessão da alimentação, nas situações em que o local de trabalho fique isolado do setor urbanizado do município, pois, neste caso, sem a alimentação fornecida pelo empregador, não haveria qualquer possibilidade de seu empregado continuar a jornada de trabalho. Nesta hipótese, as parcelas in natura são concedidas “para” e não “pela” execução do trabalho.
Saliente-se que, mesmo neste caso, acreditamos ser necessário à concessão de alimentação in natura, pois somente ela, nesta situação, pode suprir a necessidade fisiológica do obreiro. Destarte, o fornecimento em qualquer outra modalidade (vales-alimentação, vales-refeição ou pecúnia), faz com que o benefício passe a integrar a base de cálculo da contribuição previdenciária, pois, se a localidade é mesmo distante da vila urbana, não haveria condições de o empregado converter os vales ou mesmo o dinheiro em alimentos.
5 – Guelta
Uma prática que vem se tornando comum no mercado, especialmente no segmento do comércio, é o oferecimento de uma espécie de prêmio por uma empresa aos empregados de uma outra (cliente), para que estes estimulem as vendas do seu produto. Esta premiação tem sido comumente denominada de guelta e objetiva alavancar as vendas dos produtos das empresas fabricantes, através de incentivo aos empregados dos pontos comerciais.
Do ponto de vista previdenciário, a grande preocupação é relativa à incidência ou não de contribuição previdenciária sobre esta parcela, e, sendo esta considerada salário-de-contribuição, discuti-se em qual das empresas deve ser tributada: na que paga a guelta (indústria) ou na própria empregadora (ponto comercial). Caso consideremos que as gueltas sejam base de cálculo da contribuição da empresa industrial, configurariam estas, remuneração a trabalhadores sem vínculo empregatício (contribuintes individuais). Se concluirmos, todavia, que as gueltas, tais como as gorjetas, integram o salário-de-contribuição do trabalhador empregado, a tributação deve ser efetuada na empresa comercial, considerando-se esta parcela parte do salário.
De acordo com Juliana Bracks Duarte, a palavra guelta deriva da palavra “Geld”, que, em alemão, precedida do prenome “Wechsel”, significa troco (“Wechselgeld”). A prática da “guelta” teria nascido no mercado farmacêutico na década de 60, quando os balconistas recebiam uma comissão do laboratório farmacêutico por quantidade do remédio vendido, e, para provar o volume alcançado, retiravam uma lingüeta que vinha afixada na embalagem e a entregavam ao representante do laboratório. Quando o balconista sugeria um medicamento em substituição a outro, cujo nome fantasia constasse da receita, normalmente estava recebendo comissão pela venda.[5]
Atualmente, a prática da guelta está alastrada por diversos segmentos comerciais ou de serviços, como, por exemplo, o setor de eletrodomésticos, hotelaria e turismo. Uma bonificação que uma guia recebe para conduzir os turistas à determinada loja ou restaurante pode ser considerado um típico exemplo de guelta.
Note-se que é pacífico o entendimento de que as gorjetas integram o salário de contribuição, sendo ela parcela paga por terceiros, por intermédio do empregador ou diretamente ao empregado. Este posicionamento está expresso no artigo 28, I, da Lei 8.212/91, conforme já demonstrado nesta obra.
O Tribunal Superior do Trabalho editou a Súmula 354, que reconhece as gorjetas como parcelas integrantes do salário: “as gorjetas cobradas pelo empregador na nota de serviço ou oferecidas espontaneamente pelos clientes integram a remuneração do empregado, não servindo de base de cálculo para as parcelas de aviso prévio, adicional noturno, horas extras e repouso semanal remunerado”.
A doutrina pouco tem se pronunciado acerca da integração ou não da guelta à remuneração. Em raro texto que trata da matéria, o eminente professor Luciano Martinez observa “que o tratamento dado às gorjetas é estendido, por analogia, às gueltas”.[6]
Tentaremos agora responder o questionamento inicial. Podem as gueltas ser equiparadas às gorjetas para fins de tributação previdenciária, sendo, neste caso, consideradas remuneração dos empregados, ou devem elas ser reputadas remuneração de contribuintes individuais paga pelo próprio produtor?
Depende da situação do caso concreto. Entendemos que, se a atividade do empregado, ao estimular a venda de determinado produto, coincidir com os objetivos do empregador, de modo que este a incentive por obter uma maior rentabilidade, ou, até mesmo, para possibilitar o pagamento de salário mais reduzido, deve-se, sim, associar a guelta à gorjeta. Se, contudo, o empregador não possuir qualquer interesse na venda específica de determinada marca, sendo, muitas vezes, até mesmo contrário a esta prática, não vemos razão para a extensão da natureza salarial da guelta, neste caso. Observe-se que, na primeira hipótese, o valor extra é percebido exatamente para que o trabalhador desempenhe suas funções habituais, ao passo que, na segunda, há um “plus” na atividade do obreiro, o qual desenvolve serviço complementar a terceiro.
Ressalte-se que, de qualquer forma, em ambas as situações, os valores pagos deverão integrar o salário-de-contribuição, quer como salário do empregado, quer como remuneração do contribuinte individual.
Os Tribunais Regionais do Trabalho já se posicionaram, em diversas ocasiões, sobre a integração das gueltas ao salário e, recentemente, o TST se pronunciou no mesmo sentido. Vejamos trecho das decisões:
“EMENTA: GUELTAS. REFLEXOS. O fato de ser realizado pagamento habitual das gueltas e provir de terceiro e não do empregador não desnatura a feição salarial-contraprestativa da verba. Guardando a mesma feição de prêmios por metas alcançadas, remunera o empregado que atingiu a meta comum das três partes, que é vender. Devido à sua natureza nitidamente salarial reflete no repouso semanal remunerado, aviso prévio, férias acrescidas de 1/3, 13o. salário, FGTS e indenização de 40% do FGTS. (TRT 3a R – 3T – RO 13317/2001 – Rel. Juiz Milton Vasques Thibau de Almeida – DJMG 18-12-2001 PG: 10, Arapua Comercial S/A e Guilherme Rocha de Souza).”
“EMENTA: GUELTAS – NATUREZA SALARIAL. Não se concebe falar em negociação de metas com vendedor de loja, sabidamente popular, sem a correspondente comissão, fruto de seu maior ou menor desempenho. A circunstância de parte das gueltas ser paga por terceiros – mas por intermédio da ré, não constitui óbice à sua integração, pois a hipótese assemelha-se à gorjeta, cujo conteúdo oneroso está no fato de ter sido dada oportunidade ao autor para a ela fazer jus.”
“(v) “GUELTAS”. INTEGRAÇÕES. A reclamada postula a reforma do julgado no que respeita ao deferimento de integrações da parcela denominada “guelta”, vez que, no seu entendimento, revestida de natureza indenizatória e não, como propugnado na sentença, salarial. Sem razão. A primeira testemunha da reclamada esclarece que “as gueltas constituíam em incentivo às vendas” (fl. 224, carmim), o que restou corroborado pelos esclarecimentos contábeis da fl. 207, carmim (quesito 2), dos quais depreende-se que a vantagem era “prêmio de venda”. No mesmo sentido o depoimento da segunda testemunha da reclamada, ao afirmar que “gueltas são incentivos de vendas que são pagos pela loja e pelo fornecedor” (também na fl. 224, carmim). Patente, assim, a natureza salarial da vantagem, vez que decorrente diretamente do exercício da atividade contratada (vendedor), em razão do que faz jus o reclamante à integração dos valores respectivos em repousos semanais remunerados, férias, 13º salários e FGTS, bem deferidas na origem. (TRIBUNAL: 4ª Região, Tipo: RO Número: 00816.903/98-6 ANO: 1998)”
“PROC. Nº TST-AIRR-1511/2004-010-18-40.4: DJ 10/08/2006. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. GUELTAS. COMISSÕES. INTEGRAÇÃO AO SALÁRIO. (…) 2.1 – GUELTAS. COMISSÕES. INTEGRAÇÃO AO SALÁRIO v. acórdão recorrido assim proclamou:(…)As comissões pagas ao Reclamante, consoante se infere dos documentos de fls. 70/92, eram calculadas sobre o total das vendas, não havendo prova convincente de que eram prêmios oferecidos pelos laboratórios fornecedores a título de incentivo de vendas, e, ademais, eram pagas pela própria reclamada, com habitualidade.(…)As parcelas pagas pela Reclamada a título de repasse de valores de terceiros, ao que se vê do contexto probatório trazidos aos autos, na verdade, constituem comissões, uma vez que eram pagas com habitualidade,em percentual fixo e em decorrência das vendas realizadas.(…)Por outro lado, colhe-se da prova testemunhal que havia pagamento de comissões que não constavam da folha, …(…)Desta forma, nos termos do disposto no artigo 457, § 1º, têm as comissões natureza salarial, pelo que nego provimento ao recurso, …(…) (fls. 66/69)”
Coadunando com o nosso entendimento de que para a guelta ser considerada parcela salarial faz-se mister que ela seja do conhecimento do empregador, temos uma recente decisão do TST:
“PROC. Nº TST-RR-901/2003-001-19-40.0: DJ 19/05/2006. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. GUELTAS. NATUREZA SALARIAL. Atendido o pressuposto estabelecido no art. 896, a, da CLT, colhe provimento o agravo para processamento da revista. Agravo conhecido e provido. RECURSO DE REVISTA. GUELTAS. NATUREZA SALARIAL. As gueltas pagas por terceiro ao empregado, com a anuência do empregador e com o objetivo de estimular as vendas de determinado produto, assemelham-se às gorjetas, tendo natureza remuneratória, não podendo ser excluídas da integração pertinente por aplicação analógica da Súmula nº 354 desta Corte. Recurso de revista conhecido e desprovido (grifos nossos).”
6 – Stock Options
As “stock options” consistem em operações financeiras, nas quais são comercializadas opções de compra de ações de determinada empresa por um preço pré-estabelecido, que devem ser exercidas em um prazo definido. Uma empresa que tenha o valor presente de suas ações fixado em R$ 1.000,00 pode comercializar “stock options” por R$ 70,00 no mercado de capitais, fixando o preço futuro das suas ações em R$ 1.100,00, para ser exercida a opção de compra das ações em, por exemplo, um ano. O comprador das “stock options” deve pagar os R$ 70,00 para ter o direito de comprar as ações da empresa dentro de um ano por R$ 1.100,00. Passado este prazo, verifica-se qual o preço das ações no mercado. Se elas valerem mais que o preço pré-fixado, por exemplo, R$ 1.300,00 o detentor das “stock options” pode exercer o seu direito de compra por R$ 1.100,00, auferindo resultado positivo no investimento. Caso as ações apresentem valor inferior ao estabelecido, a opção de compra não é exercida, ficando o comprador com o prejuízo do investimento inicial de R$ 70,00.
Algumas empresas de capital aberto têm disponibilizado aos seus empregados comprarem suas “stock options” com a facilidade de transacionar diretamente, sem passar pelo mercado de capitais. Entendemos que as “stock opitions” não têm feição salarial, desde que seja onerosa para os empregados, ou seja, eles devem efetivamente comprar as opções, não podendo recebê-las a título de doação.
Obviamente, se este procedimento é adotado, seguindo as regras de mercado, não há que se falar em incorporação à remuneração ou em tributação previdenciária. É esta prática salutar para estreitar o vínculo entre a empresa e seus empregados e estimular a produtividade, já que estes se tornarão acionistas se o valor patrimonial da empresa for aumentado até a data fixada para o exercício da opção.
Vejamos trecho de recente decisão do TST, que julgou a natureza não salarial das “stock options”:
“PROC. Nº TST-RR-3273/1998-064-02-00.7
CJ AIRR-3273/1998-064-02-40.1
STOCK
OPTION PLANS. NATUREZA SALARIAL. Não se configura a natureza salarial da parcela quando a vantagem percebida está desvinculada da força de trabalho disponibilizada e se insere no poder deliberativo do empregado, não se visualizando as ofensas aos arts. 457 e 458 da CLT. Os arestos colacionados revelam-se inservíveis, nos termos da Súmula nº 296 do TST e do art. 896 da CLT. Recurso não conhecido
Voto
(…)1.4 – STOCK OPTION PLANS. NATUREZA SALARIAL
Sustenta o reclamante a natureza salarial do benefício, alegando que a opção de compra de ações é um benefício que faz parte da estratégia de remuneração da empresa. Aponta violação aos arts. 457 e 458 da CLT e indica arestos para confronto. O Regional consignou às fls. 891:
A opção pela compra de ações é um benefício, o qual faz parte da estratégia de remuneração da empresa, a qual, porém, não tem o escopo de remunerar os serviços prestados, já que eventual benefício efetivo a empregado está na razão direta do aumento do valor das ações da empresa. Em outras palavras, esse título não é salário, pois, não está vinculado a efetiva prestação dos serviços. O fato de o autor ter tido sucesso com tais ações (fls. 791) não implica em dizer que essa parcela seja de cunho salarial. Esse lucro é derivado dos valores de mercado das ações da reclamada e não se vinculam diretamente ou indiretamente a força de trabalho disponibilizada pelo reclamante à reclamada.
Não se configura a natureza salarial da parcela quando a vantagem percebida está desvinculada da força de trabalho disponibilizada e se insere no poder deliberativo do empregado, não se visualizando as ofensas aos arts. 457 e 458 da CLT.
Nesse sentido escreve Sérgio Pinto Martins, em artigo sobre a natureza do stock options no direito do trabalho, publicado no repertório IOB de jurisprudência nº 16/01, página 304:
“Natureza jurídica da opção de compra de ações é mercantil, embora feita durante contrato de trabalho, pois representa mera compra e venda de ações. Envolve a opção um ganho financeiro, sendo até um investimento feito pelo empregado nas ações da empresa. Por se tratar de risco do negócio, em que as ações ora estão valorizadas, ora perdem seu valor, o empregado pode ter prejuízo com a operação. É uma situação aleatória, que nada tem a ver com o empregador em si, mas com o mercado de ações”.
Igualmente Luciana Aboim Machado Gonçalves da Silva, em artigo publicado na Revista IOB, nº 199-janeiro/2006, filia-se à corrente que destaca a natureza mercantil da opção de compra de ações.
Com efeito, segundo escreve:
“A Lei de Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404/1976, artigo 168, § 3º) prevê a possibilidade de os empregados participarem das ações da empresa por meio de plano de opção de compra de ações, negociados no mercado de capitais, por um dado preço e em certo período. O contrato de opção de compra de ações negociados no mercado de capitais tem natureza jurídica mercantil e, por conseguinte, não integra o contrato de trabalho. Atribui ao empregado a opção de aquisição de lotes de ação, dentro de um prazo predeterminado, por meio de pagamento de um preço pré-fixado. O proveito obtido pelo empregado com a venda de ações não se confunde com o salário. Nesse caso o empregado adquire uma personalidade mista de assalariado e capitalista.
Já os arestos colacionados às fls. 993/994 revelam-se inespecíficos, nos termos da Súmula nº 296 do TST, pois o primeiro refere-se ao prêmio-produtividade e o segundo trata dos bichos pagos em função do desempenho da equipe de futebol, hipóteses distintas da discutida nos autos. O aresto de fls. 995 é originário de Turma do TST, sendo inservível, na esteira do art. 896 da CLT.
Não conheço. Brasília, 15 de março de 2006.
MINISTRO BARROS LEVENHAGEN – Relator”
7 – Conclusão
Como visto, o estudo da natureza jurídica das parcelas é fundamental para definição da matriz de incidência da contribuição previdenciária. Além das aqui tratadas, existe polêmica doutrinária e jurisprudencial acerca de diversas outras rubricas.
A dinâmica da legislação previdenciário impõe uma necessidade de constante atualização dos profissionais que militam neste importante área do Direito. Neste contexto, o salário-de-contribuição, como espinha dorsal do custeio previdenciário, merece especial atenção dos estudiosos.
Informações Sobre o Autor
Ivan Mascarenhas Kertzman
Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil. Administrador de Empresas – UFBA. Especialista em Finanças Empresariais pela USP. Professor Coordenador da “Especialização de Direito Previdenciário” do JusPodivm / Faculdade Baiana de Direito. Professor de Direito Previdenciário de Cursos Preparatórios para Concursos Públicos. Autor do livro “Curso Prático de Direito Previdenciário”. Edições JusPodivm. Autor do livro “Para Aprender Direito”, volume de Direito Previdenciário. Editora Barros, Fischer & Associados. Autor do “Resumão Jurídico”, título de Direito Previdenciário. Editora Barros, Fischer & Associados. Co-autor do livro “Guia Prático da Previdência Social”, Edições JusPodivm. Co-autor do livro “Salário-de-Contribuição – A Base de Cálculo Previdenciária das Empresas e dos Segurados”, Edições JusPodivm. Co-autor e Coordenador do livro “Leituras Complementares de Previdenciário”, , Edições JusPodivm.