A Lei nº. 11.690/2008, que entrará em vigor no dia 11 de agosto de 2008[1], alterou alguns dispositivos do Código de Processo Penal relativos à prova, além de outros, como veremos a seguir.
Permanecemos, como não poderia ser diferente, com o sistema do livre convencimento fundamentado, pois diz o novo art. 155 que o “o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.” (grifo nosso).
Lamentavelmente acrescentou-se o advérbio exclusivamente que não constava do texto do anteprojeto entregue ao Ministério da Justiça pela Comissão presidida por Ada Pelegrini Grinover e que deu origem ao Projeto de Lei nº. 4.205/2001.[2]
Se é verdade que a expressão “prova produzida em contraditório judicial” fortalece a exigência constitucional da observância do devido processo legal, o certo é que o acréscimo do referido advérbio de exclusão fez cair por terra o que desejavam os autores do anteprojeto.
Ao prescrever que o Juiz não pode fundamentar a sua decisão exclusivamente nos atos investigatórios, a contrario sensu, defere-se ao Magistrado a possibilidade de motivar a sua sentença com base em alguns elementos informativos colhidos na investigação (ainda que não todos), o que é uma afronta à Constituição Federal. A lei deveria sim proibir categoricamente a utilização de quaisquer elementos informativos adquiridos na primeira fase da persecutio criminis, salvo, evidentemente, as provas irrepetíveis, antecipadas e produzidas cautelarmente.
Como se sabe, na fase investigatória, que é inquisitiva, não se permite o exercício pleno do contraditório, nem tampouco a ampla defesa o que macula qualquer decisão tomada com base em elementos colhidos naquela fase anterior. Assim, salvo as ressalvas feitas pela lei (as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas), aliás, perfeitamente compreensíveis, os atos investigatórios produzidos na peça informativa devem ser repetidos para que valham como meios de prova idôneos para o julgador.[3]
Ressalve-se que tais provas irrepetíveis, cautelares e antecipadas devem se submeter, quando possível, ao contraditório prévio e ser produzidas na presença de um Juiz de Direito, do Ministério Público e de um defensor (seja dativo ou constituído), salvo absoluta impossibilidade, como no caso da realização urgente de um exame de corpo de delito; nesta última hipótese, difere-se o contraditório para a fase judicial.
Prova irrepetível é aquela que não pode mais ser reproduzida em Juízo, em razão, por exemplo, de terem desaparecidos os vestígios do crime, o que impossibilitará a realização de um novo exame de corpo de delito (ressalvando-se, como dito, a possibilidade de contestação do laudo pericial realizado, mesmo porque, segundo o art. 182 do Código de Processo Penal, não se trata de um meio de prova de idoneidade absoluta); outro exemplo é o depoimento da vítima prestado durante o inquérito policial, quando esta já tenha falecido na época da instrução criminal.
No art. 225 do Código de Processo Penal temos um exemplo de prova antecipada: “Se qualquer testemunha houver de ausentar-se, ou, por enfermidade ou por velhice, inspirar receio de que ao tempo da instrução criminal já não exista, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, tomar-lhe antecipadamente o depoimento.”. Neste caso, a ouvida de uma “testemunha de defesa” antes de uma “de acusação”, invertendo-se a ordem determinada pelo Código (art. 400 com a redação dada pela Lei nº. 11.719/08) e exigida pelo princípio do contraditório, não gerará nulidade, desde que a providência tenha sido realmente imprescindível.
Como prova de natureza cautelar, cita-se a busca e apreensão disciplinada nos arts. 240 e seguintes do Código de Processo Penal, com as ressalvas feitas em alguns daqueles dispositivos, a saber: art. 240, § 1º., f (cfr. art. 5º., XII da Constituição Federal), art. 241 (quando dispensa a expedição de mandado), art. 242 (ordem determinada de ofício pelo Juiz, ferindo o sistema acusatório). Obviamente que como toda medida cautelar, deve-se atentar para os seus conhecidos pressupostos (periculum in mora e fumus commissi delicti), sem os quais será ela incabível e, por conseguinte, não valerá para subsidiar uma sentença. Ademais, tais provas devem ser aquelas “consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida”, segundo complementa o novo art. 156, I.
O parágrafo único do art. 155 prescreve, tal como conhecíamos, que “somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil”; a propósito, já ensinava Câmara Leal que “a prova do estado das pessoas fica subordinada às regras civis para sua produção”[4], como no casamento, a idade, filiação, etc. Aliás, exatamente por isso, quando se trata de questão prejudicial relativa ao estado civil das pessoas, o Juiz da ação penal deve deixar a solução da controvérsia para o Juiz Cível, pois se trata de uma “questão prejudicial de devolução obrigatória” (art. 92 do Código de Processo Penal). Na verdade, como explica Antonio Scarance Fernandes, “o que é obrigatória ou facultativa é a suspensão do processo em face da existência de prejudicial.”[5]
O novo art. 156 repete, em parte, o atual, ao dizer que “a prova da alegação incumbirá a quem a fizer”, facultando-se, porém, ao Juiz, de ofício o seguinte:
“I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida;
“II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.”
Lamentavelmente continua o nosso Código de Processo Penal estabelecendo uma regra só aplicável para os processos cíveis, qual seja a de caber o ônus da prova a quem alega. Tal disposição é absolutamente inaplicável em processo penal, onde o ônus da prova é sempre da acusação, em razão dos princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo. Estabelecer simples e categoricamente que “a prova da alegação incumbirá a quem a fizer”, repetindo o Código de Processo Civil (art. 333, I e II), é fazer tábula rasa do referido princípio constitucional da presunção de inocência (art. 5º., LVII da Constituição Federal).
Aliás, encontramos na jurisprudência uma ou outra decisão que faz recair o ônus da prova sobre os ombros da acusação, ainda que a defesa alegue algum fato impeditivo, modificativo ou extintivo. Neste sentido, por exemplo, esta decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª. Região:
“Cabe à acusação, preleciona o jurista Fernando da Costa Tourinho Filho, ´provar a existência do fato e demonstrar sua autoria. Também lhe cabe demonstrar o elemento subjetivo que se traduz por dolo ou culpa. Se o réu goza de presunção de inocência, é evidente que a prova do crime, quer a parte objecti, quer a parte subjecti, deve ficar a cargo da acusação` (Processo Penal. 14.ed. Saraiva: São Paulo, 1993. v. III, p. 213). Assim, não tendo o Ministério Público Federal arcado com o ônus material de provar a imputação penal atribuída ao réu na denúncia, encargo que lhe é conferido pelo art. 156, 1ª parte, do CPP, deve ser reformada a r. sentença condenatória em relação aos crimes dos arts. 334, § 1º, alínea “c”, e 288, ambos do CP.” (Apelação nº. 2005.04.01.009927-8).
No mesmo sentido, decidiu-se no Tribunal Regional Federal da 2ª. Região: “Necessidade de se harmonizar as regras do ônus da prova com o princípio processual penal do in dubio pro reu, diante do qual resta que não faz sentido exigir que o próprio acusado prove que não praticou o crime, ônus esse que cabe ao Estado, demonstrando que o agente efetivamente violou o tipo penal.” (Apelação nº. 2002.50.01.005932 – 9).
Mesmo no Superior Tribunal de Justiça, como se observa do julgado a seguir transcrito:
“Habeas Corpus nº. 27.684 – Relator: Ministro Paulo Medina: (…) O órgão acusador tem a obrigação jurídica de provar o alegado e não o réu demonstrar sua inocência.2. É característica inafastável do sistema processual penal acusatório o ônus da prova da acusação, sendo vedado, nessa linha de raciocínio, a inversão do ônus da prova, nos termos do art.1 56 do Código de Processo Penal. 3. Carece de fundamentação idônea a decisão condenatória que impõe ao acusado a prova de sua inocência, bem como ignora documento apresentado pela Defesa a teor dos artigos 231 e 400 do Código de Processo Penal.” Do voto lê-se: “(…) Estarrecido estou com o teor do decreto condenatório, porquanto o trecho transcrito corresponde à integralidade da fundamentação. Nada mais há; sequer uma só referência à prova produzida pelo órgão ministerial, seja quanto aos fatos objetivamente considerados, seja com relação ao elemento subjetivo do tipo, ou seja, o intuito de fraudar. Não houve qualquer apreciação das provas produzidas pela acusação para firmar o juízo condenatório, mas, ao contrário, afirmou-se que não logrou o acusado provar inverídicos os fatos a ele imputados, numa inaceitável inversão do ônus da prova ao presumir, juris tantum , como verdadeira a narrativa do Parquet , incumbindo ao réu o dever de desconstituir tal presunção. É notório que o órgão acusador tem a obrigação jurídica de provar o alegado e não o réu demonstrar sua inocência. É característica inafastável do sistema processual penal acusatório, como retratado no art. 156 do Código de Processo Penal. Nesse sentido, afirma AFRÂNIO SILVA JARDIM: ´O réu apenas nega os fatos alegados pela acusação. Ou melhor, apenas tem a faculdade de negá-los, pois a não impugnação destes ou mesmo a confissão não leva a presumi-los como verdadeiros, continuando eles como objeto de prova de acusação.Em poucas palavras: a dúvida sobre os chamados fatos da acusação leva à improcedência da pretensão punitiva, independentemente do comportamento processual do réu. Assim,o ônus da prova, na ação penal condenatória é todo da acusação/ e relaciona-se com todos os fatos constitutivos do poder-dever de punir do Estado/,afirmado na denúncia ou queixa; conclusão esta que harmoniza a regra do art. 156, primeira parte, do Código de Processo Penal com o salutar princípio in dubio pro reo.` (Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: forense, 2000, p. 214).”
Esta decisão do Superior Tribunal de Justiça traduz perfeitamente a idéia de que o Processo Penal é, antes de tudo, “um sistema de garantias face ao uso do poder do Estado.” Para Alberto Binder, por meio do Processo Penal “procura-se evitar que o uso deste poder converta-se em um fato arbitrário. Seu objetivo é, essencialmente, proteger a liberdade e a dignidade da pessoa”[6]
Atentemos, outrossim, para a lição do mestre argentino Julio Maier, segundo a qual “la carga de la prueba de la inocencia no le corresponde al imputado o, de otra manera, que la carga de demonstrar la culpabilidad del imputado le corresponde al acusador y, también, que toda la teoria de la carga probatória no tiene sentido en el procedimiento penal. (…) El imputado no tiene necessidad de construir su inocencia, ya construida de antemano por la presunción que lo ampara, sino que, antes bien, quien lo condena debe destruir completamente esa posición, arribando a la certeza sobre la comisión de un hecho punible.”[7]
Concordamos também com Alexandre Bizzotto e Andreia de Brito Rodrigues, que “na persecução penal, todo ônus probatório é da acusação.”[8]
Também no Supremo Tribunal Federal:
“Habeas Corpus nº. 73338, de 19/12/1996 – EMENTA: HABEAS CORPUS – PROVA CRIMINAL – MENORIDADE – RECONHECIMENTO – CORRUPÇÃO DE MENORES (LEI Nº 2.252/54) – INEXISTÊNCIA DE PROVA ESPECÍFICA – IMPOSSIBILIDADE DE CONFIGURAÇÃO TÍPICA DA CONDUTA IMPUTADA AO RÉU- CONDENAÇÃO POR OUTROS ILÍCITOS PENAIS – EXACERBAÇÃO DA PENA – DECISÃO PLENAMENTE MOTIVADA – LEGITIMIDADE DO TRATAMENTO PENAL MAIS RIGOROSO – PEDIDO DEFERIDO EM PARTE. MENORIDADE – COMPROVAÇÃO – CERTIDÃO DE NASCIMENTO – AUSÊNCIA – DESCARACTERIZAÇÃO TÍPICA DO CRIME DE CORRUPÇÃO DE MENORES. O reconhecimento da menoridade, para efeitos penais, supõe demonstração mediante prova documental específica e idônea (certidão de nascimento). A idade – qualificando-se como situação inerente ao estado civil das pessoas – expõe-se, para efeito de sua comprovação, em juízo penal, às restrições probatórias estabelecidas na lei civil (CPP, art. 155). – Se o Ministério Público oferece denúncia contra qualquer réu por crime de corrupção de menores, cumpre-lhe demonstrar, de modo consistente – e além de qualquer dúvida razoável -, a ocorrência do fato constitutivo do pedido, comprovando documentalmente, mediante certidão de nascimento, a condição etária (menor de dezoito (18) anos) da vítima do delito tipificado no art. 1º da Lei nº 2.252/54. O PROCESSO PENAL COMO INSTRUMENTO DE SALVAGUARDA DAS LIBERDADES INDIVIDUAIS. – A submissão de uma pessoa à jurisdição penal do Estado coloca em evidência a relação de polaridade conflitante que se estabelece entre a pretensão punitiva do Poder Público e o resguardo à intangibilidade do jus libertatis titularizado pelo réu. A persecução penal rege-se, enquanto atividade estatal juridicamente vinculada, por padrões normativos, que, consagrados pela Constituição e pelas leis, traduzem limitações significativas ao poder do Estado. Por isso mesmo, o processo penal só pode ser concebido – e assim deve ser visto – como instrumento de salvaguarda da liberdade do réu. O processo penal condenatório não é um instrumento de arbítrio do Estado. Ele representa, antes, um poderoso meio de contenção e de delimitação dos poderes de que dispõem os órgãos incumbidos da persecução penal. Ao delinear um círculo de proteção em torno da pessoa do réu – que jamais se presume culpado, até que sobrevenha irrecorrível sentença condenatória -, o processo penal revela-se instrumento que inibe a opressão judicial e que, condicionado por parâmetros ético-jurídicos, impõe ao órgão acusador o ônus integral da prova, ao mesmo tempo em que faculta ao acusado, que jamais necessita demonstrar a sua inocência, o direito de defender-se e de questionar, criticamente, sob a égide do contraditório, todos os elementos probatórios produzidos pelo Ministério Público (grifo nosso). A própria exigência de processo judicial representa poderoso fator de inibição do arbítrio estatal e de restrição ao poder de coerção do Estado. A cláusula nulla poena sine judicio exprime, no plano do processo penal condenatório, a fórmula de salvaguarda da liberdade individual. O PODER DE ACUSAR SUPÕE O DEVER ESTATAL DE PROVAR LICITAMENTE A IMPUTAÇÃO PENAL. – A exigência de comprovação plena dos elementos que dão suporte à acusação penal recai por inteiro, e com exclusividade, sobre o Ministério Público. (grifo nosso). Essa imposição do ônus processual concernente à demonstração da ocorrência do ilícito penal reflete, na realidade, e dentro de nosso sistema positivo, uma expressiva garantia jurídica que tutela e protege o próprio estado de liberdade que se reconhece às pessoas em geral. Somente a prova penal produzida em juízo pelo órgão da acusação penal, sob a égide da garantia constitucional do contraditório, pode revestir-se de eficácia jurídica bastante para legitimar a prolação de um decreto condenatório. Os subsídios ministrados pelas investigações policiais, que são sempre unilaterais e inquisitivas – embora suficientes ao oferecimento da denúncia pelo Ministério Público -, não bastam, enquanto isoladamente considerados, para justificar a prolação, pelo Poder Judiciário, de um ato de condenação penal. É nula a condenação penal decretada com apoio em prova não produzida em juízo e com inobservância da garantia constitucional do contraditório. Precedentes. – Nenhuma acusação penal se presume provada. Não compete ao réu demonstrar a sua inocência. Cabe ao Ministério Público comprovar, de forma inequívoca, a culpabilidade do acusado. Já não mais prevalece, em nosso sistema de direito positivo, a regra, que, em dado momento histórico do processo político brasileiro (Estado Novo), criou, para o réu, com a falta de pudor que caracteriza os regimes autoritários, a obrigação de o acusado provar a sua própria inocência (Decreto-Lei nº 88, de 20/12/37, art. 20, n. 5). Não se justifica, sem base probatória idônea, a formulação possível de qualquer juízo condenatório, que deve sempre assentar-se – para que se qualifique como ato revestido de validade ético-jurídica – em elementos de certeza, os quais, ao dissiparem ambigüidades, ao esclarecerem situações equívocas e ao desfazerem dados eivados de obscuridade, revelam-se capazes de informar, com objetividade, o órgão judiciário competente, afastando, desse modo, dúvidas razoáveis, sérias e fundadas que poderiam conduzir qualquer magistrado ou Tribunal a pronunciar o non liquet.”
No mesmo sentido:
“TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO – 2007.059.08360 – HABEAS CORPUS – PRIMEIRA CAMARA CRIMINAL – DES. CARLOS AUGUSTO BORGES – Julg: 29/01/2008 – Se a denúncia imputa ao agente a prática de crime omissivo impróprio, deve descrever de modo claro e objetivo, com todos elementos estruturais, essenciais e circunstanciais, o fato que o coloca em posição de garantia da não superveniência do resultado típico, que não subsume apenas da qualificação funcional do agente, pois não se admite a responsabilidade penal objetiva. A deficiente descrição dos fatos não favorece a identificação do dever jurídico de atuar, com um inelutável prejuízo para a defesa, que se vê numa anômala condição de demonstrar a não ocorrência de um fato não descrito e imputado, que importaria, em última análise, em inversão do ônus da prova no processo penal instaurado com o recebimento da denúncia.Afinal, é quanto aos fatos que é feita a denúncia e não em relação à eventual capitulação dada a uma suposta infração penal praticada pelo denunciado.Writ que se concede em parte para rejeitar a denúncia por inépcia.”
Outrossim, repete-se aqui o equívoco de se permitir ao Juiz de Direito atividade de natureza eminentemente persecutória (agir de ofício), o que significa um gravíssimo atentado aos postulados do sistema acusatório.[9]
A propósito, Juan Montero Aroca adverte que “si el medio de prueba practicado de oficio por el tribunal de instancia tiene por objeto la comprobación de los hechos, esto es, se dirige a probar su existencia o inexistencia, se produce la quiebra de la imparcialidad objetiva del tribunal.”[10]
Em consonância com o art. 5º., LVI, a lei passa a considerar, no art. 157, “inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais”, bem como aquelas “derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.” (§ 1º.)
Neste ponto a lei tratou não somente das provas ilícitas, como também das chamadas provas ilícitas por derivação, baseadas na doutrina do fruit of the poisonous ou the tainted fruit, o que já era, na doutrina nacional, uma idéia mais ou menos pacífica.[11] Esta disposição é válida tanto em relação às provas ilícitas como às ilegítimas, para quem as diferencia.[12]
A propósito, Marco Antônio Garcia de Pinho afirma que “a questão das provas ilícitas por derivação, isto é, aquelas provas e matérias processualmente válidas, mas angariadas a partir de uma prova ilicitamente obtida é, sem dúvida, uma das mais tormentosas na doutrina e jurisprudência. Trata-se da prova que, conquanto isoladamente considerada possa ser considerada lícita, decorra de informações provenientes da prova ilícita. Nesse caso, hoje, nossos tribunais vêm tomando por base a solução da Fruits of the Poisonous Tree, adotada pela US Supreme Court. Esse entendimento, na doutrina pátria, é adotado, dentre outros autores, por Grinover e Gomes Filho. Já Avolio, também tratando com maestria sobre o assunto, concluiu não ser possível a utilização das provas ilícitas por derivação no nosso direito pátrio. Há pouco mais de dez anos, em maio de 1996, o STF confirmou sua posição quanto à inadmissibilidade das provas derivadas das ilícitas, posicionamento, hoje, ainda mais pacífico tendo à frente a ministra Ellen Gracie e os ministros como Gilmar Mendes, Peluzo e Joaquim Barbosa. A prova ilícita por derivação se trata da prova lícita em si mesma, mas cuja produção decorreu ou derivou de outra prova, tida por ilícita. Assim, a prova originária, ilícita, contamina a prova derivada, tornando-a também ilícita. É tradicional a doutrina cunhada pela Suprema Corte norte-americana dos “Frutos da Árvore Envenenada” —Fruits of the Poisonous Tree— que explica adequadamente a proibição da prova ilícita por derivação.”
Esclarece este mesmo autor “que se sustenta um argumento relacional, ou seja, para se considerar uma determinada prova como fruto de uma árvore envenenada, deve-se estabelecer uma conexão entre ambos os extremos da cadeia lógica; dessa forma, deve-se esclarecer quando a primeira ilegalidade é condição sine qua non e motor da obtenção posterior das provas derivadas, que não teriam sido obtidas não fosse a existência da referida ilegalidade originária18. Estabelecida a relação, decreta-se a ilegalidade. O problema é análogo, diga-se, ao direito penal quando se discute com profundidade o tema do nexo causal. É possível que tenha havido ruptura da cadeia causal ou esta se tenha enfraquecido suficientemente em algum momento de modo a se fazer possível a admissão de determinada prova porque não alcançada pelo efeito reflexo da ilegalidade praticada originariamente.”[13]
Em determinada oportunidade, decisão do Ministro Celso de Mello suspendeu, cautelarmente, processo penal em trâmite na 6ª. Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro pela suposta prática de crime contra a ordem tributária praticado por um empresário e contador português. O pedido do acusado foi feito por meio do Habeas Corpus (HC) 93050. A defesa afirma que em agosto de 1993 uma das sedes da empresa foi invadida pela Polícia Federal, e as provas obtidas pelo Ministério Público Federal foram fruto desta operação, realizada sem autorização judicial, na ausência dos sócios e sob coação de funcionários. Portanto, “provas obtidas por meios ilícitos”. Tal diligência, afirmam os advogados, transgrediu as garantias fundamentais contidas no artigo 5º. da Constituição Federal. Para o relator, ministro Celso de Mello, parte do acórdão do Superior Tribunal de Justiça, questionado pela defesa, “parece demonstrar que tal decisão teria considerado válida prova qualificada pela ilicitude por derivação”. Isto porque, segundo a decisão atacada, a documentação que embasou o início da ação penal resultou de fiscalização ocorrida em outra empresa que não a do acusado.Segundo Celso de Mello, a decisão do STJ contém afirmação que conflita com a jurisprudência do Supremo sobre prova ilícita, “quer se trate de ilicitude originária, quer se cuide de ilicitude por derivação”. Assim, o relator deferiu o pedido de medida liminar para suspender, cautelarmente, até o final do do habeas corpus, o andamento do Processo-crime nº 96.00.26361-2, que tramita na 6ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro/RJ. Fonte: STF.
Segundo Luiz Flávio Gomes, “prova ilícita é a que viola regra de direito material, constitucional ou legal, no momento de sua obtenção (confissão mediante tortura, v.g.). Essa obtenção, de qualquer modo, sempre se dá fora do processo (é, portanto, sempre extraprocessual). Prova ilegítima é a que viola regra de direito processual no momento de sua obtenção em juízo (ou seja: no momento em que é produzida no processo). Exemplo: oitiva de pessoas que não podem depor, como é o caso do advogado que não pode nada informar sobre o que soube no exercício da sua profissão (art. 207, do CPP). Outro exemplo: interrogatório sem a presença de advogado; colheita de um depoimento sem advogado etc. A prova ilegíma, como se vê, é sempre intraprocessual (ou endoprocessual). O fato de uma prova violar uma regra de direito processual, portanto, nem sempre conduz ao reconhecimento de uma prova ilegítima. Por exemplo: busca e apreensão domiciliar determinada por autoridade policial (isso está vedado pela CF, art. 5.º, X, que nesse caso exige ordem judicial assim como pelo CPP -art. 240 e ss.). Como se trata de uma prova obtida fora do processo, cuida-se de prova ilícita, ainda que viole concomitantemente duas regras: uma material (constitucional) e outra processual. Conclusão: o que é decisivo para se descobrir se uma prova é ilícita ou ilegítima é o locus da sua obtenção: dentro ou fora do processo. De qualquer maneira, combinando-se o que diz a CF, art. 5.º, inc. LVI com o que ficou assentado no novo art. 157 do CPP, vê-se que umas e outras (ilícitas ou ilegítimas) passaram a ter um mesmo e único regramento jurídico: são inadmissíveis (cf. PACHECO, Denílson Feitoza, Direito processual penal, 3.ª ed., Rio de Janeiro: Impetus, 2005, p. 812).”
Lembra, ainda, Luiz Flávio Gomes que “dizia-se que a CF, no art. 5.º, LVI, somente seria aplicável às provas ilícitas ou ilícitas e ilegítimas ao mesmo tempo, ou seja, não se aplicaria para as provas (exclusivamente) ilegítimas. Para esta última valeria o sistema da nulidade, enquanto para as primeiras vigoraria o sistema da inadmissibilidade. Ambas as provas (ilícitas ou ilegítimas), em princípio, não valem (há exceções, como veremos), mas os sistemas seriam distintos. Essa doutrina já não pode ser acolhida (diante da nova regulamentação legal do assunto). Quando o art. 157 (do CPP) fala em violação a normas constitucionais ou legais, não distingue se a norma legal é material ou processual. Qualquer violação ao devido processo legal, em síntese, conduz à ilicitude da prova (cf. Mendes, Gilmar Ferreira et alii, Curso de Direito constitucional, São Paulo: Saraiva: 2007, p. 604-605, que sublinham: “A obtenção de provas sem a observância das garantias previstas na ordem constitucional ou em contrariedade ao disposto em normas fundamentais de procedimento configurará afronta ao princípio do devido processo legal”). Paralelamente às normas constitucionais e legais existem também as normas internacionais (previstas em tratados de direitos humanos). Por exemplo: Convenção Americana sobre Direitos Humanos. No seu art. 8.º ela cuida de uma série (enorme) de garantias. Provas colhidas com violação dessas garantias são provas que colidem com o devido processo legal. Logo, são obtidas de forma ilícita. Uma das garantias previstas no art. 8.º diz respeito à necessidade de o réu se comunicar livre e reservadamente com seu advogado. Caso essa garantia não seja observada no momento da obtenção da prova (depoimento de uma testemunha, v.g.), não há dúvida que se trata de uma prova ilícita (porque violadora de uma garantia processual prevista na citada Convenção). Não importa, como se vê, se a norma violada é constitucional ou internacional ou legal, se material ou processual: caso venha a prova a ser obtida em violação a qualquer uma dessas normas, não há como deixar de concluir pela sua ilicitude (que conduz, automaticamente, ao sistema da inadmissibilidade).”[14]
Esta disposição chega a ser despicienda em razão do referido comando constitucional. É a nossa velha mania de achar que se não estiver previsto em uma lei (infraconstitucional) não está no ordenamento jurídico, ainda que esteja na Constituição Federal!
Entendemos que o ato judicial que determina o desentranhamento das provas ilícitas tem a natureza de decisão interlocutória com força de definitiva, razão pela qual desafia o recurso de apelação (art. 593, II do Código de Processo Penal). A natureza desta decisão vem reforçada pelo § 3º. deste mesmo art. 157 (“preclusa a decisão de desentranhamento”), pois, como se sabe, a preclusão é fato processual próprio de decisões que não tratam do mérito propriamente dito. Para estas, reserva-se o efeito da coisa julgada (evidentemente que a diferença entre preclusão e coisa julgada não se resume a esta circunstância).
Caso se entenda não se tratar de uma decisão com força de definitiva, e não havendo recurso previsto em lei, a solução será a utilização da correição parcial ou do mandado de segurança.
Foram acrescentados mais dois parágrafos ao art. 157, considerando-se “fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.”
A respeito, mais uma vez transcrevemos a lição de Marco Antônio Garcia de Pinho:
“De se ressaltar que se sustenta um argumento relacional, ou seja, para se considerar uma determinada prova como fruto de uma árvore envenenada, deve-se estabelecer uma conexão entre ambos os extremos da cadeia lógica; dessa forma, deve-se esclarecer quando a primeira ilegalidade é condição sine qua non e motor da obtenção posterior das provas derivadas, que não teriam sido obtidas não fosse a existência da referida ilegalidade originária. Estabelecida a relação, decreta-se a ilegalidade. O problema é análogo, diga-se, ao direito penal quando se discute com profundidade o tema do nexo causal. É possível que tenha havido ruptura da cadeia causal ou esta se tenha enfraquecido suficientemente em algum momento de modo a se fazer possível a admissão de determinada prova porque não alcançada pelo efeito reflexo da ilegalidade praticada originariamente.”[15]
Ademais, estabelece-se que “preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente.”
Quanto às perícias houve nova modificação em relação àquela já ocorrida com a Lei nº. 8.862/94. Assim, ao invés de dois peritos oficiais, a nova redação do art. 159 estabelece que “o exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador de diploma de curso superior” que, na sua falta, será realizado, agora sim, “por 2 (duas) pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área específica, dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame”; neste último caso, os peritos não oficiais deverão prestar “o compromisso de bem e fielmente desempenhar o encargo”, sujeitando-se, inclusive, às sanções penais previstas no art. 342 do Código Penal. Assim, para a realização de um exame cadavérico ou de lesões corporais, na falta de perito oficial, devem ser escolhidos, de preferência, dois médicos, ou um médico e um enfermeiro, ou um médico e um odontólogo. Para a realização de um exame pericial em uma porta arrombada, nomeia-se, preferencialmente, dois engenheiros, ou um engenheiro e um arquiteto, e assim por diante…
Bem de ver que se se tratar “de perícia complexa que abranja mais de uma área de conhecimento especializado, poder-se-á designar a atuação de mais de um perito oficial, e a parte indicar mais de um assistente técnico.” (art. 159, § 7º.).
Ainda sobre os peritos, o art. 2º. desta lei traz uma norma de caráter transitório, disciplinando que “aqueles peritos que ingressaram sem exigência do diploma de curso superior até a data de entrada em vigor desta Lei continuarão a atuar exclusivamente nas respectivas áreas para as quais se habilitaram, ressalvados os peritos médicos.”
Uma grande e alvissareira novidade é a possibilidade agora de assistentes técnicos no processo penal. Diz o § 3º. do art. 159 que “serão facultadas ao Ministério Público, ao assistente de acusação, ao ofendido, ao querelante e ao acusado a formulação de quesitos e indicação de assistente técnico”, que “atuará a partir de sua admissão pelo juiz e após a conclusão dos exames e elaboração do laudo pelos peritos oficiais, sendo as partes intimadas desta decisão.”
Pela utilização dos vocábulos “assistente de acusação” (que só é admissível a partir do início da ação penal, segundo o art. 268 do Código de Processo Penal[16]), “querelante” e “acusado” infere-se que esta faculdade deve ser dada apenas na fase judicial. Por outro lado, se não é possível ao indiciado formular quesitos e indicar assistente técnico, evidentemente que na primeira fase da persecutio criminis, tampouco será permitido ao Ministério Público e ao ofendido fazê-lo. Seria uma violação inequívoca ao princípio da paridade de armas.
Em reforço a este entendimento, observa-se que o § 5º., acrescentado ao art. 159, prevê que no “curso do processo judicial, é permitido às partes, quanto à perícia: I – requerer a oitiva dos peritos para esclarecerem a prova ou para responderem a quesitos, desde que o mandado de intimação e os quesitos ou questões a serem esclarecidas sejam encaminhados com antecedência mínima de 10 (dez) dias, podendo apresentar as respostas em laudo complementar; II – indicar assistentes técnicos que poderão apresentar pareceres em prazo a ser fixado pelo juiz ou ser inquiridos em audiência.” (grifo nosso).
Caso haja “requerimento das partes, o material probatório que serviu de base à perícia será disponibilizado no ambiente do órgão oficial, que manterá sempre sua guarda, e na presença de perito oficial, para exame pelos assistentes, salvo se for impossível a sua conservação.”
Esta lei também alterou o art. 201 do Código de Processo Penal. O Capítulo V do Título VII passa a ter a seguinte epígrafe: “Do Ofendido”, ao invés do antigo “Das Perguntas ao Ofendido”. Porém, o caput continua com a mesma redação, sendo que o antigo parágrafo único foi renumerado para o § 1º., mantendo-se, no entanto, o mesmo texto.[17]
A inovação é que foram acrescentados mais cinco parágrafos com a nítida e salutar finalidade de proteção dos interesses da vítima. Nota-se, com Ada, Scarance, Luiz Flávio e Gomes Filho que esta lei insere-se “no generoso e atualíssimo filão que advoga a revisão dos esquemas processuais de modo a dar resposta concreta à maior preocupação com o ofendido.”[18]
García-Pablos, por exemplo, informa que “o abandono da vítima do delito é um fato incontestável que se manifesta em todos os âmbitos (…). O Direito Penal contemporâneo – advertem diversos autores – acha-se unilateralmente voltado para a pessoa do infrator, relegando a vítima a uma posição marginal, ao âmbito da previsão social e do Direito Civil material e processual”.[19]
A própria legislação processual penal relega a vítima a um plano desimportante, inclusive pela “falta de mención de disposiciones expressas en los respectivos ordenamientos que provean medidas para salvaguardar aquellos valores ultrajados”.[20]
Esta atenção com a vítima no processo penal é tema atual e tem sido motivo de inúmeros trabalhos doutrinários, como observou o jurista argentino Alberto Bovino:
“Después de varios siglos de exclusión y olvido, la víctima reaparece, en la actualidad, en el escenario de la justicia penal, como una preocupación central de la política criminal. Prueba de este interés resultan la gran variedad de trabajos publicados recientemente, tanto en Argentina como en el extranjero;” (…) mesmo porque “se señala que com frecuencia el interés real de la víctima no consiste en la imposición de una pena sino, en cambio, en ‘una reparación por las lesiones o los daños causados por el delito’”[21] Neste sentido, veja-se obra bastante elucidativa de Antonio Scarance Fernandes.[22]
Dois juristas italianos, Michele Correra e Danilo Riponti, também anotaram:
“Il recupero della dimensione umana della vittima, molto spesso reificata, vessata, dimenticata da giuristi e criminologi in quanto oscurata da quella cosí clamorosa ed eclatante del criminale, soddisfa l’intento di rendere giustizia a chi viene a trovarsi in una situazione umana tragica ed ingiusta, a chi ha subito e subisce e danni del crimine e l’indifferenza della società.”[23]
Pois bem.
O § 2º. determina que “o ofendido será comunicado dos atos processuais relativos ao ingresso e à saída do acusado da prisão, à designação de data para audiência e à sentença e respectivos acórdãos que a mantenham ou modifiquem.”[24]
Tais comunicações, segundo o § 3º., “deverão ser feitas no endereço por ele indicado, admitindo-se, por opção do ofendido, o uso de meio eletrônico.” É preciso, no entanto, máxima cautela na utilização, por exemplo, de e-mail, especialmente para que não restem dúvidas quanto à respectiva cientificação.
Uma observação urge: é sabido que o art. 598 e seu parágrafo único estabelecem que “o ofendido ou qualquer das pessoas enumeradas no art. 31, ainda que não se tenha habilitado como assistente” tem legitimidade para apelar (além de interesse, evidentemente) quando, “nos crimes de competência do Tribunal do Júri, ou do juiz singular, da sentença não for interposta apelação pelo Ministério Público no prazo legal”, deferindo, inclusive, um prazo bem maior para o recurso (quinze dias a partir da data em que terminar o prazo do Ministério Público).
Ora, a doutrina sempre justificou e admitiu este prazo em triplo concedido à vítima não habilitada como assistente (e aos seus sucessores), exatamente em razão do ofendido (e aquelas demais pessoas) não terem sido intimados da sentença, razão pela qual se justificava um prazo maior pela dificuldade de conhecimento da decisão. Agora, no entanto, estabelecendo a lei que da sentença será também intimada a vítima, parece-nos, à luz do princípio da igualdade, que o prazo deve ser o mesmo de cinco dias previsto no caput do art. 593 do Código de Processo Penal, tornando-se inaplicável o prazo previsto no parágrafo único do art. 598.
Ressalte-se, com Humberto Ávila, que a igualdade (que ele denomina de postulado) “estrutura a aplicação do Direito quando há relação entre dois sujeitos em função de elementos (critério de diferenciação e finalidade da distinção) e da relação entre eles (congruência do critério em razão do fim).” Para ele, a proporcionalidade (que também seria um postulado) “aplica-se nos casos em que exista uma relação de causalidade entre um meio e um fim concretamente perceptível. A exigência de realização de vários fins, todos constitucionalmente legitimados, implica a adoção de medidas adequadas, necessárias e proporcionais em sentido estrito.”[25]
Tal princípio está previsto expressamente no art. 5º., caput da Constituição Federal e “significa a proibição, para o legislador ordinário, de discriminações arbitrárias: impõe que a situações iguais corresponda um tratamento igual, do mesmo modo que a situações diferentes deve corresponder um tratamento diferenciado.” Segundo ainda Mariângela Gama de Magalhães Gomes, a igualdade “ordena ao legislador que preveja com as mesmas conseqüências jurídicas os fatos que em linha de princípio sejam comparáveis, e lhe permite realizar diferenciações apenas para as hipóteses em que exista uma causa objetiva – pois caso não se verifiquem motivos desta espécie, haverá diferenciações arbitrárias.”[26]
Para Ignacio Ara Pinilla, “la preconizada igualdad de todos frente a la ley (…) ha venido evolucionando en un sentido cada vez más contenutista, comprendiédose paulatinamente como interdicción de discriminaciones, o, por lo menos, como interdicción de discriminaciones injustificadas.”[27]
Como ensina Celso Antônio Bandeira de Mello, “há ofensa ao preceito constitucional da isonomia quando a norma singulariza atual e definitivamente um destinatário determinado, ao invés de abranger uma categoria de pessoas, ou uma pessoa futura e indeterminada.”[28]
E se a vítima já faleceu? Entendemos que subsiste a obrigação de comunicação aos seus sucessores em conformidade com a ordem estabelecida nos arts. 31 e 36 do Código de Processo Penal. Parece-nos que somente assim poderemos preservar a mens legislatoris.
Estabelece o § 4º. que, “antes do início da audiência e durante a sua realização, será reservado espaço separado para o ofendido.” Esta medida é tão apropriada quanto de difícil operacionalização na prática, conhecendo-se a estrutura dos nossos fóruns criminais.
Já o § 5º. tem seguinte redação: “Se o juiz entender necessário, poderá encaminhar o ofendido para atendimento multidisciplinar, especialmente nas áreas psicossocial, de assistência jurídica e de saúde, a expensas do ofensor ou do Estado.”
Questão que não foi esclarecida pela lei é como se pode obrigar o ofensor a custear, ainda que tenha condições econômicas e financeiras, este atendimento multidisciplinar à vítima, especialmente antes de uma sentença condenatória. Aliás, mesmo após a sentença condenatória. Observa-se que a nova redação dada ao art. 387, IV (Lei nº. 11.719/08) refere-se apenas à fixação de um valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, o que não implica em custear, por exemplo, um tratamento psicossocial que pode levar até anos…
Por fim, o último parágrafo determina que o Juiz de Direito deve tomar “as providências necessárias à preservação da intimidade, vida privada, honra e imagem do ofendido, podendo, inclusive, determinar o segredo de justiça em relação aos dados, depoimentos e outras informações constantes dos autos a seu respeito para evitar sua exposição aos meios de comunicação.” Tais medidas, se efetivamente forem levadas a efeito, serão de grande valia e utilidade, principalmente quando se trata de ofendido em crimes contra os costumes e em relação a crianças e adolescentes vítimas. Neste sentido, veja-se o art. 5º., LX da Constituição Federal.
Não esqueçamos que no Brasil já temos uma lei específica a respeito do assunto, a Lei nº. 9.807/99, regulamentada pelo Decreto nº. 3.518/00, que estabelece normas para a organização e a manutenção de programas especiais de proteção a vítimas e a testemunhas ameaçadas, além de instituir o Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas, dispondo, ainda, sobre a proteção de acusados ou condenados que tenham voluntariamente prestado efetiva colaboração à investigação policial e ao processo criminal. Para a implementação deste Programa, os Estados[29], a União e o Distrito Federal poderão celebrar convênios com entidades não-governamentais, sob a supervisão do Ministério da Justiça.
A nova lei alterou também alguns dispositivos do Código de Processo Penal que tratam sobre a prova testemunhal. [30] Assim, ao art. 210, cujo caput não foi alterado, acrescentou-se um parágrafo único nos seguintes termos:
“Antes do início da audiência e durante a sua realização, serão reservados espaços separados para a garantia da incomunicabilidade das testemunhas.” Repetimos o que afirmamos acima: esta medida é tão apropriada quanto de difícil operacionalização na prática, conhecendo-se a estrutura dos nossos fóruns criminais.
A novel redação do art. 212 estabelece que “as perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida.” Evidentemente que “sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição.” (parágrafo único).
Aqui, abandonando o nosso sistema tradicional de ouvida das testemunhas, que era o presidencialista, adotou-se o sistema da cross examination. A propósito, veja-se a lição de Fredie Didier Jr.: “No direito anglo-americano, a inquirição das testemunhas é feita pelo advogado diretamente à testemunha. A direct-examination (inquirição pela parte que arrolou a testemunha) e a cross-examination (inquirição pela parte contrária) são feitas sem a intermediação do magistrado, a quem cabe principalmente controlar a regularidade da inquirição (EUA, Federal Rules of Evidence, rule n. 611, ´a`). Permite-se que o magistrado formule perguntas com o objetivo de integrar a as perguntas formuladas pelas partes e esclarecer pontos duvidosos do depoimento – trata-se de poder escassamente exercitado, porém. O papel do magistrado é, portanto, bem diverso (e mais restrito) do que aquele para ele previsto no direito processual brasileiro: no direito anglo-americano, o magistrado é coadjuvante e as partes, por seus advogados, os grandes protagonistas. Esse modo de produção da prova é manifestação da ideologia liberal que orienta o processo da common law, principalmente o processo estadunidense, de caráter marcadamente adversarial (dispositivo), em que deve prevalecer a habilidade das partes sem a interferência do magistrado. Segundo Michele Taruffo, trata-se de manifestação de uma concepção ´esportiva` (competitiva) da justiça, de modo a exprimir um dos valores fundamentais do processo da common law: o combate individual como método processual.” (Curso de Direito Processual Civil, Vol. II, Salvador: Editora JusPodivum, 2007).
Criticando o procedimento presidencialista, afirma o Professor René Ariel Dotti que esta “regra sexagenária, não é o melhor caminho para apurar a verdade material, objetivo essencial do processo criminal. E são vários os inconvenientes. O primeiro deles é o tempo que a testemunha dispõe para mentir ou omitir a verdade se quiser trair o compromisso legal de “dizer a verdade sobre o que souber e lhe for perguntado” (CPP, art. 203).O segundo é a intervenção do Juiz entre a pergunta da parte e a resposta com prejuízo para o esclarecimento de detalhe sobre o fato típico ou conduta de réu ou vítima.O terceiro é a perda de objetividade que é um corolário lógico do princípio de economia processual.O quarto é a falsa impressão causada à testemunha acerca do papel de cada um dos protagonistas da audiência, parecendo ao leigo que os procuradores exercem atividade menor. O cross-examination é o método da pergunta (ou repergunta) direta à testemunha, réu ou vítima, utilizado em países como a Inglaterra e os Estados Unidos, onde as experiências sobre a colheita da prova são bem sucedidas.”[31]
Alterou-se, sutilmente e para melhor, o art. 217, estabelecendo que “se o juiz verificar que a presença do réu poderá causar humilhação, temor, ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudique a verdade do depoimento, fará a inquirição por videoconferência e, somente na impossibilidade dessa forma, determinará a retirada do réu, prosseguindo na inquirição, com a presença do seu defensor.” Neste caso, segundo o parágrafo único acrescentado, a adoção de tais medidas “deverá constar do termo, assim como os motivos que a determinaram.”
O antigo art. 217 não previa esta medida (excepcional, diga-se de passagem) a ser aplicada em favor também do ofendido.
Permite-se a oitiva das testemunhas e do ofendido por videoconferência, mas não o interrogatório do acusado. Aliás, em sessão realizada no dia 14 de agosto de 2007, por unanimidade, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal considerou que interrogatório realizado por meio de videoconferência viola os princípios constitucionais do devido processo legal e da ampla defesa. Dos cinco ministros que integram a Turma, quatro participaram da votação. Somente o Ministro Joaquim Barbosa estava ausente. A decisão foi tomada no julgamento do Habeas Corpus nº. 88914 concedido em favor de um condenado a mais de 14 anos de prisão por extorsão mediante seqüestro e roubo. Os Ministros anularam, a partir do interrogatório, o processo-crime aberto contra ele na 30ª Vara Criminal do Foro Central de São Paulo ao julgarem ilegal o ato, realizado por meio de videoconferência. O interrogatório, determinado por juiz de primeiro grau, foi em 2002. O Ministro Cezar Peluso relatou o caso e afirmou que “a adoção da videoconferência leva à perda de substância do próprio fundamento do processo penal” e torna a atividade judiciária “mecânica e insensível”. Segundo ele, o interrogatório é o momento em que o acusado exerce seu direito de autodefesa. Ele esclareceu que países como Itália, França e Espanha utilizam a videoconferência, mas com previsão legal e só em circunstâncias limitadas e por meio de decisão devidamente fundamentada. Ao contrário, no Brasil ainda não há lei que regulamente o interrogatório por videoconferência. “E, suposto a houvesse, a decisão de fazê-lo não poderia deixar de ser suficientemente motivada, com demonstração plena da sua excepcional necessidade no caso concreto”, afirmou Peluso. Segundo o Ministro, no caso concreto, o acusado sequer foi citado com antecedência para o interrogatório, apenas instado a comparecer, e o juiz em nenhum momento fundamentou o motivo de o interrogatório ser realizado por meio de videoconferência. Os argumentos em favor da videoconferência, que traria maior celeridade, redução de custos e segurança aos procedimentos judiciais, foram descartados pelo ministro. “Não posso deixar de advertir que, quando a política criminal é promovida à custa de redução das garantias individuais, se condena ao fracasso mais retumbante.” O Presidente da Turma, Ministro Celso de Mello, afirmou que a decisão “representa um marco importante na reafirmação de direitos básicos que assistem a qualquer acusado em juízo penal”. Para ele, o direito de presença real do acusado durante o interrogatório e em outros atos da instrução processual tem de ser preservado pelo Poder Judiciário. O Ministro Eros Grau também acompanhou o voto de Cezar Peluso. Gilmar Mendes não chegou a acolher os argumentos de violação constitucional apresentados por Peluso. Ele disse que só o fato de não haver lei que autorize a realização de videoconferência, por si só, já revela a ilegalidade do procedimento. “No momento, basta-me esse fundamento claro e inequívoco.” Fonte: STF.
Os efeitos desta decisão do Supremo Tribunal Federal começaram a ser sentidos nas instâncias inferiores. No dia 17 de agosto de 2007, a 3ª. Vara Criminal de São Paulo cancelou seis tele-audiências de supostos envolvidos com a organização criminosa do Primeiro Comando da Capital (PCC). O depoimento dos oito réus presos suspeitos de participar e comandar três ondas de ataques criminosos na cidade de São Paulo estava marcado para esta sexta-feira, no Plenário 7 do Fórum Criminal da Barra Funda. No começo da sessão, a juíza Mônica Sales pediu que os advogados das partes se manifestassem sobre a conveniência do depoimento por vídeo.Os advogados de seis réus sustentaram que o direito de defesa de seus clientes estaria prejudicado, já que não poderiam orientá-los de forma precisa. A juíza acolheu o argumento e mandou expedir carta precatória para ouvir os acusados. “A videoconferência, apresentada sob o manto da modernidade e da economia, revela-se perversa e desumana, pois afasta o acusado da única oportunidade que tem para falar ao seu julgador. Pode ser um enorme sucesso tecnológico, mas configura-se um flagrante desastre humanitário”, defende o advogado criminalista Luiz Flávio Borges D’Urso, então Presidente da OAB paulista. A juíza Mônica Sales não era obrigada a seguir a decisão do Supremo Tribunal Federal, porque o entendimento se aplicou apenas ao pedido de Habeas Corpus julgado pela 2ª Turma. Mas, para evitar que futuramente todos os atos processuais pudessem ser anulados, quando os recursos deste processo começassem a chegar ao Supremo, seguiu a orientação.[32]
Sempre posicionamo-nos contrariamente ao interrogatório on line, à distância ou por videoconferência. Desde a primeira edição do nosso “Direito Processual Penal”, em 2003[33], escrevemos contrariamente a esta prática que então se iniciava no País. Participamos de vários debates, opondo-nos insistentemente àqueles que apregoavam as vantagens da iniciativa. As razões eram e são várias.
De toda maneira, prefere-se a videoconferência para ouvir uma testemunha ou ofendido que a realização de uma audiência de instrução sem a presença física do acusado.
Por fim, a lei ora comentada modificou o art. 386 do Código de Processo Penal, dando nova redação aos incisos IV (estar provado que o réu não concorreu para a infração penal), V (não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal), VI (existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1o do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência) e VII (não existir prova suficiente para a condenação).
Como se sabe, a fundamentação e a conclusão de uma sentença absolutória têm efeitos civis, especialmente na chamada ação civil ex delicto[34], pois, apesar da responsabilidade civil ser independente da criminal, não se pode questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal. É o que dispõe o Código Civil (art. 935).
Esta disposição do Código Civil se justifica plenamente, a fim que se evitem decisões absolutamente discrepantes, em evidente prejuízo para a ordem jurídica. Não seria admissível atestar-se em um processo que alguém praticou um delito e, sob o mesmo sistema jurídico, afirmar-se o contrário em outro processo ou, como bem diz Washington de Barros Monteiro, “decidir-se na justiça penal que determinado fato ocorreu e depois, na justiça civil, decidir diferentemente que o mesmo não se verificou”.
Para este civilista “repugna conceber que o Estado, em sua unidade, na repressão de um fato reputado como ofensivo da ordem social, decida soberanamente, por um de seus órgãos jurisdicionais, que esse fato constitui crime, que seu autor é passível de pena e o condene a sofrer o castigo legal; e que esse mesmo Estado, prosseguindo na repressão do fato antijurídico, venha a declarar, por outro ramo do Poder Judiciário, que ele não é delituoso, que é perfeitamente lícito, que não acarreta responsabilidade alguma para seu autor, que não está assim adstrito ao dever de compor os danos a que deu causa”. [35]
Bem antes, João Monteiro já indagava: “Que papel representaria o Poder Público, se o mesmo crime pudesse existir e não existir, ou se X fosse e não fosse o autor de determinado crime?”.[36]
Assim, absolvido com base no inciso IV, a sentença penal terá ressonância na esfera cível, o que não ocorrerá se o decreto absolutório fundar-se nos novos incisos V e VII, mesmo porque pode não ter existido no juízo penal prova suficiente da autoria ou para uma condenação e, no juízo cível, tal prova vir a ser conseguida. Lembre-se do brocardo aplicado no Processo Penal do in dubio pro reo.
O novo inciso VI (que também passou a privilegiar na segunda parte o princípio do in dubio pro reo) guarda estreita relação com o disposto no art. 65 do Código de Processo Penal, segundo o qual “faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular de direito”.
Por sua vez, tais disposições processuais penais estão complementadas pelo disposto nos arts. 188, 929 e 930 do Código Civil, in verbis:
“Art. 188. Não constituem atos ilícitos:
“I – os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido;
“II – a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente.
“Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.”
“Art. 929 – Se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II do art. 188, não forem culpados do perigo, assistir-lhes-á direito à indenização do prejuízo que sofreram.
“Art. 930. No caso do inciso II do art. 188, se o perigo ocorrer por culpa de terceiro, contra este terá o autor do dano ação regressiva para haver a importância que tiver ressarcido ao lesado.
Vê-se, portanto, que o sistema adotado pelo Brasil reconhece a independência entre o Juízo cível e o penal, ressalvando, no entanto, que quanto à autoria e à existência do delito prevalece o decidido categoricamente no juízo criminal (art. 935 do Código Civil), bem como no que se refere às causas excludentes de ilicitude ou de isenção de pena; exatamente por isso, o parágrafo único do art. 64 “faculta” ao Juiz da ação civil suspender o curso do respectivo processo, até que se decida definitivamente a ação penal.[37]
“Realmente, o conflito entre sentenças que apreciam o mesmo fato, uma negando e a outra afirmando a sua existência, uma recusando a autoria do delito e a outra aceitando-a, criaria uma situação de contundente extravagância. Inclinou-se a doutrina, por isso, para a conclusão de Merlin, negando-lhe os fundamentos. A decisão proferida no Juízo criminal tranca o Juízo civil toda vez que declarar inexistente o fato imputado ou disser que o acusado não o praticou. Quando, porém, como bem esclareceu Mendes Pimentel ‘a absolvição criminal teve motivo peculiar ao direito ou ao processo penal, como a inimputabilidade do delinqüente ou a prescrição da ação penal, a sentença criminal não obsta ao pronunciamento civil sobre a reparação do dano’”.[38]
Observa-se, contudo, que a inexistência material do fato deve ser reconhecida categoricamente, sob pena de não vincular a decisão cível. Di-lo o art. 66 do Código de Processo Penal: “Não obstante a sentença absolutória no juízo criminal, a ação civil poderá ser proposta quando não tiver sido, categoricamente, reconhecida a inexistência material do fato”.
Por fim, o inciso II do parágrafo único do art. 386, consentâneo com a Parte Geral do Código Penal, que desde 1984 acabou com as penas acessórias, passou a estabelecer que o Juiz de Direito, na sentença absolutória, deverá ordenar “a cessação das medidas cautelares e provisoriamente aplicadas.”
Para terminar as nossas conclusões, asseveramos que ainda falta muito trabalho para que o nosso Código de Processo Penal ajuste-se aos princípios da Constituição Federal, especialmente quando se trata do devido processo legal, sistema acusatório, etc. Maiores considerações a este respeito tecemos em nosso livro antes mencionado, quando abordamos de forma geral a reforma do Código de Processo Penal, bem como, mais especificamente, os projetos de lei ainda em tramitação no Congresso Nacional.
Informações Sobre o Autor
Rômulo de Andrade Moreira
Procurador de Justiça no Estado da Bahia. Foi Assessor Especial do Procurador-Geral de Justiça e Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais. Ex- Procurador da Fazenda Estadual. Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador-UNIFACS, na graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). É Coordenador do Curso de Especialização em Direito Penal e Processual Penal da UNIFACS. Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela Universidade Salvador-UNIFACS (Curso coordenado pelo Professor J. J. Calmon de Passos). Membro da Association Internationale de Droit Penal, da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais e do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCrim e ao Movimento Ministério Público Democrático. Integrante, por duas vezes consecutivas, de bancas examinadoras de concurso público para ingresso na carreira do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor convidado dos cursos de pós-graduação da Fundação Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, do Curso JusPodivm e do Curso IELF. Autor das obras “Curso Temático de Direito Processual Penal”, “Comentários à Lei Maria da Penha” (em co-autoria com Isaac Sabbá Guimarães) e “Juizados Especiais Criminais”– Editora JusPodivm, 2009, além de organizador e coordenador do livro “Leituras Complementares de Direito Processual Penal”, Editora JusPodivm, 2008. Participante em várias obras coletivas. Palestrante em diversos eventos realizados na Bahia e no Brasil.