Em matéria de obtenção de provas penais, destacaram-se as escolas das
doutrinas Norte-ameriana e Alemã. Desenvolveram teorias que se disseminaram
mundo ocidental afora. Vejamos alguns de seus nuances.
As chamadas “Exclusionary Rules”‘
tiveram origem no sistema Norte-Americano a partir da idéia de que deveriam ser
preservados os direitos e garantias individuais das pessoas nas diversas ações
investigativas praticadas pela Polícia, incluindo principalmente aqueles
direitos ofendidos em decorrência das buscas e apreensões. Assim, qualquer ação
praticada pelos oficiais de Polícia que viessem a burlar os direitos e
garantias constitucionais do cidadão deveriam ser considerados nulos e portanto
não poderiam integrar, como prova ou mesmo indício os autos do processo.
Havendo sido iniciado para os casos ocorridos na esfera no âmbito da
Jurisdição Federal, as “exclusionary rules” acabaram sendo difundidas
também para os âmbitos estaduais. A Suprema Corte Norte-Americana fundamentou a
utilização destas regras com dupla argumentação: 1- Conter as atuações abusivas
por parte da Polícia; 2- Chamada de “Integridade Judicial”, para a
Corte não dar aprovação tácita àquelas condutas abusivas.
Segundo doutrinadores e jurisprudência nos EUA, é que a “exclusionary
rule”, mais do que para coibir exageros da Polícia, é utilizada no sentido de
prevenir condutas irregulares dos seus agentes – ou seja, para que os policiais
tenham consciência de que aquela conduta acarreta a não utilização da prova – e
assim deixem de agir contra direitos e garantias individuais. A sua aplicação
tem portanto intuito verdadeiramente preventivo e não repressivo.
A teoria do “fruto da
árvore contaminada”: Entretanto, mesmo essas regras posteriormente
comportaram exceções, pois a Suprema Corte Norte-americana também considerou
que o resultado era sempre de que o criminoso, em decorrência da atividade
ilícita por parte da Polícia, sairia livre e seu trabalho desperdiçado. A regra
do sistema “common law” passou então a ser de que, o fato de a evidência
haver sido obtida ilegalmente, não a excluía necessariamente de ser utilizada
na Corte contra o acusado, desde que fosse considerada relevante para que se
viabilizasse a instauração do processo.
A partir desse raciocínio a Suprema Corte entendeu que não deveria
considerar absoluta a teoria do “Fruto da Árvore Contaminada”, mas
que ela poderia comportar exceções admissíveis.
Já a chamada Beweisverbote tem origem e
desenvolvimento diverso, havendo sido projetada a partir de estudo e
desenvolvimento lógico e eminentemente teórico, alicerçado nos direitos
individuais – materiais constitucionais dos cidadãos, sobretudo com o intuito
de protegê-los (Rechtstaatlichkeit),
e visando uma construção sistemática do direito das proibições de prova. Tem
estrutura baseada fundamentalmente na proteção da dignidade humana, do livre
desenvolvimento da personalidade, da inviolabilidade do segredo de
correspondência, das telecomunicações e do domicílio. São, por assim dizer,
meios processuais de imposição da tutela do direito material, buscando a
prevenção da “danosidade” social garantida pela preservação dos bens jurídicos
individuais constitucionais. Diferentemente das exclusionary rules, não busca a prevenção pela repressão; mas sim a
análise do caso concreto em termos comparativos com a situação de direito e
garantia individual que se procurou proteger, em evidente análise de valoração.
É o que na verdade os alemães chamam de Princípio da Proporcionalidade
Constitucional, ou Verhältnismaßigkeitsgrundsatz.
Significa dizer que em análise comparativa de âmbito constitucional –
violação/proteção de direito, há que se aferir qual tem maior peso para então
se viabilizar a conclusão a respeito da proibição ou não da apresentação e
apreciação da prova em Juízo. (Sobre o tema, Vd. Marcelo Batlouni Mendroni –
Curso de Investigação Criminal, – Reflexões
sobre as chamadas provas ilícitas. Meios ilícitos de provas que provam,
Pág. 213 e segs. Ed. Juarez de Oliveira)
Estas foram as duas doutrinas “inventadas” nos ordenamentos jurídicos
do mundo ocidental para coibir a utilização de provas obtidas por meios
ilícitos. Note-se bem que as provas são “estáticas”, e os meios são
“dinâmicos”. Portanto, ilícitos só podem ser os meios, e não as provas – em si.
As provas, ou provam ou não provam fato ou fatos. No Brasil, é expresso no
artigo 5° LVI da C.F: “São inadmissíveis,
no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”.
Então, será proibida, em tese, a utilização de uma prova obtida
através de alguma ação (conduta) proibida pelo ordenamento jurídico (ilícita).
Exemplifiquemos: Confissão do crime é prova. Através de tortura é meio
ilícito. Documentos apreendidos na residência do suspeito, são provas. Se
obtidos sem mandado judicial para ingresso, o terão sido por meio ilícito.
Testemunho é prova. Se realizado mediante coação (constrangimento ilegal ou
ameaça), o é por meio ilícito. Mas ao contrário, Documento obtido mediante
regular cumprimento de mandado judicial, é prova obtida por meio lícito.
Gravação (telefônica ou direta) clandestina da Polícia, que, disfarçadamente,
consegue falar com o assaltante ou com o ladrão de automóveis, que lhe confessa
o crime, é prova obtida por meio lícito. A gravação da própria conversa não é
interceptação telefônica (realizada entre duas outras pessoas), é gravação clandestina,
pois envolve o próprio interlocutor, que divide a privacidade da conversa com
aquele que o permite. Se a Polícia recolhe o lixo dos criminosos que vigiava,
pode obter documentos, o meio não pode ser considerado ilícito. Se a Polícia
obtém a ponta de cigarro do suspeito, em um bar, poderá realizar exame de DNA
sem que seja considerado meio ilícito. Nos EUA Policiais se disfarçam de
Mickey, de vendedores de cachorro quente, colocam micro-câmeras em locais
públicos etc. (Vd., mais pormenorizadamente em Marcelo Batlouni Mendroni: Crime Organizado: Aspectos gerais e
mecanismos legais – Cap. Coleta de
dados em meios de comunicação, pág. 91 e segs. – Ed. Juarez de Oliveira).
Enfim, a criatividade da Polícia e do Ministério Público estão à prova
para a obtenção de provas, especialmente contra a criminalidade organizada –
que o exige, e, desde que agindo de forma a não contrariar disposição expressa,
mais especificamente aquelas previstas no artigo 5° da Constituição Federal –
direitos e garantias individuais, o farão corretamente. O combate sério à
criminalidade organizada passa necessariamente por essa criatividade e
instrumentalidade da Polícia, que, agindo em conjunto com o Ministério Público,
fará por melhor desvendar os crimes e seus autores, em benefício, sempre da
sociedade.
Informações Sobre o Autor
Marcelo Batlouni Mendroni
Promotor de Justiça/SP – GEDEC, Doutor em Processo Penal pela Universidad de Madrid, Pós-Doutorado na Università di Bologna/Italia