Pelo que pude compreender, a Secretaria Estadual de Segurança quer definir locais e horários para a prostituição. Não conheço os detalhes da proposta, mas penso que a idéia seja, em si mesma, problemática. O regramento pretendido diz respeito aos serviços sexuais oferecidos nas ruas, o que já seleciona, entre os profissionais do sexo, os mais desprotegidos e carentes.
Não em função da necessidade de se amparar seus direitos, mas em nome “da moral e dos bons costumes”. Prostitutas, michês e travestis que trabalham nas ruas são, freqüentemente, vitimados pela violência que lhes é oferecida por rufiões, clientes e maus policiais. A humilhação há muito integra o cotidiano dessas pessoas e pouco ou nada se faz para reverter esse quadro.
Ainda que houvesse um consenso em torno da proposta, as restrições estariam criando, automaticamente, uma irregularidade para os trabalhassem em horários distintos ou em áreas “não permitidas”. Com a regra, estaríamos, então, diante da ilicitude e da decorrente repressão policial. Um vigoroso passo atrás, portanto, em direção à “criminalização branca” da própria atividade.
É evidente que o direito de ir e vir e o de contratar serviços de natureza sexual não pode legitimar posturas abusivas. Determinados padrões de conduta pública devem ser exigidos também dos profissionais do sexo. Penso que o caminho para se assegurar esse resultado, de qualquer maneira, deva ser outro. Sobretudo, sustento que apenas o reconhecimento da cidadania das prostitutas e michês pode legitimar uma política quanto à prostituição e estruturar compromissos entre todos os concernidos, incluindo-se os moradores que tenham queixas legítimas a apresentar. Deveríamos, primeiramente, reconhecer na prostituição uma profissão tão difícil e digna como qualquer outra. Dizê-lo significa contrastar um moralismo que não resiste a qualquer reflexão. Afinal de contas, quais as razões que teríamos para não respeitar aqueles que vendem prazer sexual? Não respeitamos os que nos vendem conhecimento e os que nos vendem saúde ou que nos oferecem cuidados para o corpo e a mente? Não respeitamos os que nos oferecem diversão, moda ou prazer estético? Não respeitamos, inclusive, os que nos vendem serviços religiosos? Por que, então, o prazer sexual não poderia ocupar um espaço no mercado? Na verdade, a tradição moral judaico-cristã sempre desprezou a prostituição pelo fato dela insinuar o prazer sexual na ausência de vínculos ou de sentimentos amorosos. O prazer, assim emancipado, foi tido como pecaminoso e as prostitutas vistas como seres “decaídos” que deveriam ser objeto, na melhor das hipóteses, de políticas de “salvação”.
“Prostituir-se” é, só por isso, uma expressão usada para designar aquele que abre mão de sua dignidade em troca de favores. Alguém que “vende sua consciência”, por exemplo, estrutura uma reconhecida e lamentável fraude moral. Designar tal atitude como o equivalente ao ato de se prostituir, entretanto, expressa apenas preconceito. Ocorre que a prostituição é, sobretudo, uma relação comercial verdadeira. Pode-se criticá-la por qualquer motivo, menos pelo de não entregar aquilo que promete ou falsear o que quer que seja. Profissionais do sexo e seus clientes sabem exatamente o que procuram e pactuam livremente sem prejuízo a terceiros. Por contraste, quando um político promete o que sabe não poder cumprir ou quando sustenta uma posição porque ela é a mais funcional aos seus próprios objetivos de poder ao invés de se orientar pelo que, presumidamente, seria o interesse público, estamos diante de uma conduta decaída moralmente que produz danos ao conjunto da população. Ninguém cogitou ainda, entretanto, de estabelecer limites geográficos ou horários para esse tipo de atividade. Poderíamos, talvez, pensar nisso. Algo como: discursos demagógicos só entre três e quatro da manhã ou: políticos com patrimônio maior que sua renda só poderiam circular no trajeto entre seus gabinetes e os tribunais, etc. Que tal?
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Marcos Rolim
Jornalista