Alberto Dalla Via examina o desenvolvimento do conceito de desobediência civil e objeção de consciência na Argentina. Comenta os debates constituintes das duas décadas finais do Século passado com ampliação destes conceitos para alcançar vários temas afins. Assinala o maior avanço quanto a compreensão da “igualdad real de oportunidades”, crescimiento hegemònico com justicia social”, “aciones positivas que asseguran derechos de niños, mujeres, ancianos e discapacitados”. Conclui seu estudo, de modo mais detalhado, quanto a uma “propuesta para la incorporación de uma excepción por motivos de concencia al servicio militar obligatório em el âmbito del derecho constitucional argentino”.[1] Registre-se que, no Brasil, muito demorou-se para termos a lei, talvez insuficiente, sobre “serviço alternativo” ao militar, tal como previsto na Constituição de 1988, artigo 143.[2]
O estudioso argentino, além da situação específica de seu país, contribui para o melhor debate quando aponta a relevância do “valor del pluralismo” e que “hay un percentaje de desobediencia que es assimilable por el sistema”. [3]
No âmbito do Direito do Trabalho, o direito de resistência é tratado por Márcio Túlio Viana. Em suas conclusões o Juiz do Trabalho de Minas Gerais dizia que o direito de resistência “pode-se destinar tanto à defesa do direito posto como à luta para se pôr o direito. No último caso, apenas quando exercido coletivamente”. [4] A primeira afirmativa ilumina e deixa transparente o elevado número dos atores sociais que efetivamente constroem o Direito, sejam as regras, as normas, os princípios ou os valores.
A segunda afirmativa da citação no parágrafo anterior, seguramente, pode/deve ser mais aprofundada. Não só “coletivamente”, se pode utilizar o direito de resistência para a construção de um direito posto, melhor a todos e, portanto, superior. Para tal afirmativa o próprio autor mineiro, agora, professor e provavelmente o mais lúcido estudioso do Direito do Trabalho, em nosso País, no momento atual, talvez já tenha contribuições em seus textos mais recentes. Já percebeu e nos revelou que, lamentavelmente, “pode-se discriminar ferindo regras, mas também com as próprias regras”. [5]
Ás vezes, “é o próprio jogo que discrimina”. Exatamente, por este motivo tem-se a relevância de providências legislativas em sentido contrário, como a Lei 9.029 de 1995 contra os atos discriminatórios, a qual está na “mesma direção” da Constituição. Examinando a evolução do Direito do Trabalho e algumas dificuldades atuais, lembra, em âmbito mais geral, que “O Direito não é obra apenas do legislador. Ele vive ou morre a cada dia nas mãos de cada um de nós.” [6]
Em caso concreto, examinou-se alegada justa causa de empregado que teria quebrado os vidros de restaurante, no qual trabalhava, após ser despedido por negar-se a prestar horas extras e sofrer insulto qualificável como ato de racismo. Ali, se afirmou que “o autor estava diante de dois problemas não completamente resolvidos pelo nosso atual estágio de desenvolvimento social. Nem a superação do racismo e tampouco a exata limitação da jornada de trabalho estão garantidos, nos dias atuais. Os inúmeros avanços sociais do Estado, seja na modalidade de Estado do bem-estar, socialismo ou social, ainda não apagaram as desconfianças contemporâneas aos primeiros passos do Estado democrático, valendo recordar os lamentos e alertas de grande autor norte-americano da primeira metade dos anos de 1.800. THOREAU, ao opor-se a guerra dos EUA contra o México e, exatamente, contra a política escravagista de seu país, ao final de seu discurso sobre a “A Desobediência Civil”, dizia com desconfiança e protesto… “o indivíduo como o poder mais alto e independente…”. (grifo atual) [7]
Nossos aprendizados do passado, sem dúvida, nos trouxerem até aqui. Por outro lado, por óbvio, são insuficientes para avançarmos. A melhor compreensão das futuras e exatas funções do Estado, talvez, necessite outras compreensões sobre temas conexos. Para tanto, recordem-se Umberto Cerroni [8], Lênin [9], e Rosa Luxemburgo [10], Noam Chomsky [11], Boaventura de Souza Santos [12], entre outros.
Nos dias atuais, também Giuseppe Lumia apresenta considerações outras. Relata que “ganhou espaço na ciência jurídica a opinião segundo a qual o direito não é tanto um conjunto de normas reforçadas pela ameaça do uso da força, quanto o rejunto de normas que regulam o uso da força.” [13]
O mesmo autor, com sua experiência de presidente da comissão antimáfia do Parlamento da Itália, indica a “função garantista do direito” e bem para além da função repressiva, a capacidade de os indivíduos serem “considerados como formadores de um ordenamento jurídico menor” e a necessidade de que o direito “seja também justo, ou seja, em conformidade com os critérios ideais que devem presidir a boa condução e o desenvolvimento ordenado da coisa pública. Ao conjunto desses critérios ideais dá-se o nome de justiça.”[14]
No Brasil, Carlos Britto, um dos três novos Ministros do Supremo Tribunal Federal, nomeados pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em sua sabatina perante o Senado Federal mencionou o “direito promocional”.[15] Registre-se que o autor italiano, antes referido, utiliza o conceito de “técnica promocional”, além da persuasiva.[16]
Na esfera do Direito do Trabalho, Sebastião Geraldo de Oliveira, sustenta que “desponta com bastante interesse na doutrina moderna um outro aspecto da sanção: em vez de só punir, de castigar o violador da norma; incentivar o cumprimento desta por meio das sanções denominadas premiais, já que, “à luz, das modernas teorias motivacionais, a antecipação de resultados positivos acentua a tendência à ação (…). A técnica tradicional de intimidação vai cedendo lugar à técnica de estimulação, pois, hodiernamente, é bem relevante o número de medidas positivas de reforçamento da ordem jurídica” …Com esse posicionamento, a sanção está deixando de ser apenas o mal, ou castigo pelo descumprimento do preceito, passando a ser uma conseqüência jurídica que tanto pode ser positiva, concedendo uma recompensa, quanto pode ser repressiva, cominando uma pena. No Direito do Trabalho há vasto campo de aplicação para as sanções premiais, valendo registrar o difundido incentivo de comparecimento ao trabalho, com o fornecimento de cestas básicas para aquele que não faltar ao serviço ao longo do mês, principalmente no âmbito da construção civil.”[17]
Enfim, constata-se que uma postura menos autoritária e menos pretensiosa é, quase sem exceção, mais frutífera. Habermas já descobriu que “qualquer tentativa de deduzir, teoricamente, de uma vez por todas, os fundamentos do direito privado e do direito público de princípios supremos, teria de falhar perante a complexidade da sociedade e da história.”[18]
Informações Sobre o Autor
Ricardo Carvalho Fraga
Juiz do Trabalho no TRT RS
Coordenador do Fórum Mundial de Juízes