Sumário: 1-
Introdução: A Justificativa 2-Atos de improbidade e suas conseqüências. 3- Os
dispositivos legais. 4- A interpretação dos dispositivos. 6- Conclusões. 7-
Blibliografia.
1- Introdução: A Justificativa
Tratarei nesta abordagem acerca da imprescritibilidade das ações de
ressarcimento provenientes de atos de improbidade administrativa. Esta
característica, que tem sido aposta a esta espécie de pleito judicial pela
doutrina e jurisprudência, a meu ver, não encontra respaldo, ao menos não na
fonte onde têm se abeberado seus prosélitos.
Busco, além de tratar desta questão específica, discutir até que ponto
os precedente jurisprudenciais e a doutrina podem criar equívocos, distorcendo
a lei, e que influência sito terá nos operadores jurídicos ante a ” era da repetição e massificação judiciária”
que vivemos.
Preocupa-me sobremaneira esta reflexão quando verifica-se a difusão da
idéia das sumulas vinculantes, que poderão perpetuar verdadeiras aberrações jurídicas, colocadas a
ilharga de qualquer alteração sob o manto de uns poucos precedentes.
Trataremos, principalmente, do artigo 37,§ 5º, da CF/88, em cotejo com
a previsão do artigo 23 da Lei 8.429/92. A meu juízo, a interpretação que vem
sendo conferida ao artigo 37,§ 5, da CF/88, não esposa a melhor hermenêutica,
não havendo conflito com o artigo 23 da Lei 8.429/92.
2-Atos de improbidade e suas conseqüências
A Lei 8.429/92 regulamenta o artigo 37,§ 5º, da CF/88, referente aos
atos de improbidade administrativa. O diploma tem ampla aplicação, visto que atinge
inclusive indivíduos que não ostentam ligação direta com a Administração
Pública[1],
atingindo tanto a administração direta quanto indireta, e, ainda, quanto a
entidades que recebam subvenção pública[2].
Aos atos de improbidade, não está necessariamente relacionado o
prejuízo ao erário, tanto assim o é que o artigo 21, inc. I, da sobredita lei
expressamente ressalva a desnecessidade de que exista prejuízo patrimonial para
que encontrem ensanchas para aplicação as cominações legais constantes do
artigo 12.
Desde logo, desponta claro que as sanctio
iuris podem ter conseqüências tanto sobre o indigitado autor, como sobre
seu patrimôNio. Destarte, havendo prejuízo ao erário, o integral ressarcimento
é corolário legal inderrogável, a teor do artigo 5º.[3]
Mas aqui é que surge o problema, pois, embora a lei 8.429/92 trate o
ressarcimento do prejuízo como um das sanções legais ao ato de improbidade,
fazendo atuar o artigo 23, incs. I e II, pois que inserido o integral
ressarcimento no artigo 12, o texto da Constituição Federal, mais precisamente
o § 5º do artigo 37, parece estabelecer tratamento diverso para a ação de
ressarcimento dos prejuízos.
Desta forma, à luz do artigo 37,
5º, da CF/88, ocorre uma dicotomia de tratamento no que pertine à
prescrição entre a sanção de ressarcimento e as demais cominadas no artigo 12
da Lei 8.429/92, surgindo um aparente conflito entre o artigo 23 da Lei e o
texto da carta Magna. Tratemos, pois, destes dispositivos.
3- Os dispositivos legais
O conflito lógico[4]
entre os artigos 12 e 23 da Lei 8.429/92 e o texto do artigo 37,§ 5º, da CF/88,
advém do fato de que se extraiu da interpretação literal deste último a ilação
de que teria estabelecido uma ressalva quando à prescrição das ações de
ressarcimento por atos de improbidade administrativa. O artigo 12 da Lei
8.429/92 elenca como um das sanções previstas no diploma o ressarcimento
integral do prejuízo, ao passo que o artigo 23 diz que prescreve nos prazos que
fixa as ações destinadas a levar a efeito as sanções previstas ” nesta lei”.
Veja-se o teor dos dispositivos em apreço.
“Art. 37-….
§ 5º – A lei estabelecerá os prazos de
prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que
causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.“
Da Lei de Improbidade Administrativa:
“Art. 12.
Independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na
legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às
seguintes cominações:
I – na hipótese do art. 9°, perda dos
bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento
integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos
direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três
vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder
Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou
indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio
majoritário, pelo prazo de dez anos;
II – na
hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou
valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância,
perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos,
pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de
contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou
creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa
jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos;
III – na
hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da
função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos,
pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo
agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou
incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por
intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de
três anos.”
“Art. 23. As ações destinadas a levar a efeitos as sanções
previstas nesta lei podem ser propostas:
I – até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em
comissão ou de função de confiança;
II – dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para
faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos
de exercício de cargo efetivo ou emprego.”
À evidência que se as normas se
apresentam incompatíveis, deverá prevalecer o texto constitucional. Mas a
pergunta que fica é a seguinte: Será que o texto constitucional, ao
“ressalvar” as ações de ressarcimento estria se referindo ao fato de
estarem elas indenes a prazos prescricionais? Tentaremos responder.
4- A interpretação dos
dispositivos
A opinião da doutrina e da
jurisprudência é de que a ressalva do 5º
do artigo 37 da CF/88 afasta a possibilidade de prescrição das ações de
ressarcimento[5]. Permissa venia, não comungo desta
opinião, pois não creio que se possa inferir esta conclusão da redação do
artigo 37,§ 5º, da CF/88. A tanto sou levado a concluir pelo caráter de exceção
que ostenta a imprescritibilidade de ações.
Deveras, a regra é que todas as
ações condenatórias estão sujeitas à prazos prescricionais, surgindo a
imprescritibilidade como preceito francamente de exceção. Ora, é cediço que as
exceções interpretam-se restritivamente, de modo que exceções não podem ser
extraídas de interpretação forçada ou literal da norma. Exceções devem estar
contidas de forma clara e expressa na lei, de forma a não se deixar qualquer
margem de dúvida acerca da intenção do precito legal que condense fórmula deste
jaez.
A fórmula “ressalvadas as
ações de ressarcimento” parece-me claramente voltada a desatrelar a
prescrição das ações de ressarcimento das ações de imposição das demais
sanções, propiciando que o legislador infraconstitucional pudesse estabelecer
prazos diferenciados conforme a natureza da sanção. Ou seja, o comando
normativo determina que a prescrição das ações de imposição de sanções outras
que não o ressarcimento do prejuízo ficará a cabo, necessariamente, de lei que
regulamentará o artigo 37,§ 5º, da Constituição Federal, de tal forma que a
prescrição dos ilícitos não implicará, incontinenti,
a prescrição da ação de ressarcimento. Por outras palavras, as ações de
ressarcimento não têm seu prazo de prescrição atrelado à prescrição dos
ilícitos, ou melhor, á prescrição da possibilidade de aplicação das outras
sanções elencadas no artigo 12 da Lei 8.429/92.
Ficaria o legislador
impossibilitado de prazos idênticos para a prescrição das ações de imposição da
sanção de ressarcimento e das demais? Não. O que o texto constitucional quis
foi afastar a possibilidade de que a prescrição das ilícitos administrativos
tivesse necessária repercussão sobre a esfera patrimonial. Mas isto não
significa que não se pudesse estabelecer prazos iguais para todas as espécies
de sanções por atos de improbidade, como acabou por fazer o artigo 23 da Lei
8.429/92.
A pensar-se de modo diverso,
haverá um erro crasso na Lei 8.429/92, pois o artigo 12 elenca o ressarcimento
como sanção e o artigo 23 refere-se às ações para aplicação de sanções
previstas ” nesta lei” sem fazer qualquer distinção. A lei não contém
palavra inúteis ou menções supérfluas. Quando as encontra, deve o intérprete
voltar-se a si e rever sua interpretação.
Por fim, impende ressaltar que,
a teor do Decreto 20.910/32, todas as ações contra a Fazenda Pública prescrevem
em cinco anos. A aplicação de um tratamento isonômico entre as partes tem por
conseqüência que igual prazo seja deferido à Fazenda quando se tratar de ações
voltadas contra o administrado.
Nem se diga que a Fazenda
encontra dificuldades em buscar o ressarcimento, o que justificaria prazo
diferenciado, pois este argumento poderia ser invocada também pelo administrado
em muitos casos, nos quais a sua situação frente ao caso concreto revela
proeminência da Administração, justificando a invocação de tratamento diverso
também para o administrado em eventual posição de hipossuficiência.
5- Solução intermediária
Há uma solução intermediária
que se nos antolha perfeitamente válida, pelo menos frente a exegese que
propugna pela imprescritibilidade. Trata-se da hipótese de submeter a
prescrição das ações de ressarcimento resultantes de atos de improbidade ao
prazo de vinte anos.
De fato, não previsto prazo de prescrição, antes de presumir-se
imprescritível a pretensão, de melhor alvitre subsumí-la ao prazo longi temporis, que, na ausência de previsão em sentido contrário, é a regra.
Assim se decidiu na Apelação Cível nº 70000680942, do Tribunal de Justiça do
Estado do Rio Grande do Sul: “Ação Civil Pública. Improbidade Administrativa.
Ressarcimento ao Erário. Prescrição Vintenária. Inaplicável o prazo
prescricional estabelecido no artigo 23, inciso I, da Lei nº 8429/92, quando os
fatos caracterizadores da improbidade administrativa forem anteriores à
publicação desta, estando submetido ao lapso prescricional vintenário, previsto
no artigo 177 e 179 do Código Civil, pois a pretensão se dirige ao
ressarcimento ao erário.”
Aliás é de notar-se que interpretando a contrário sensu a decisão,
conclui-se que se ao ato é posterior à Lei 8.429/92, seria de aplicar-se o
prazo de cinco anos.
Assim sendo, a solução pela
prescrição vintenária é melhor do que a que preconiza a imprescritibilidade.
Todavia, ainda somos pela aplicação do prazo do artigo 23 da Lei 8.429/92,
pelos motivos suso expostos.
6- Conclusões
A existência de determinadas
ações imprescritíveis não é incompatível com o sistema jurídico pátrio em que
pese significar esta possibilidade um comprometimento do valor da certeza
jurídica. No entanto, não existem direitos ou valores absolutos, pois devem
sempre ser tomados dentro de um circunstancialidade que os torna relativos.
Isto, porém, não nega o caráter
de excepcionalidade da imprescritibilidade. Este caráter de exceção tem como
conseqüência a aplicação de certas regras de hermenêutica, dentre as quais
figura aquela que exige menção expressa e clara sempre que uma regra deixa de
vigorar para dar espaço à exceção.
A interpretação que vê no artigo
37, § 5º, da CF/88, uma imprescritibilidade força a letra da lei para encontrar
na verba do dispositivo algo que ali não está. Não há motivo plausível para que
ditas ações de ressarcimento sejam imprescritíveis, mesmo estando em jogo a res publicae.
Quando se quis prever no âmbito
da Constituição Federal a imprescritibilidade, como ocorre v.g, com as ações de
grupos armados contra ordem
constitucional e o Estado Democrático ou com os crime de racismo, se fez de
forma clara e expressa.
Um “favor” desta magnitude não pode ser construído a partir da
interpretação do artigo 35, § 5º, da CF/88. Logo, restam como saídas a
invocação da prescrição vintenária, que preserva até mesmo a interpretação
literal do referido parágrafo, pois permite a validade da exceção estatuída às
ações de ressarcimento, ou, a que se nos aprece mais acertada, a que puna pela
aplicação de prazo de cinco anos.
Neste último caso, a ressalva
constitucional existe apenas para afastar a comunicabilidade necessária da
prescrição da persecução administrativa ou penal à ação de ressarcimento, cujo
prazo, todavia, poderá ser o mesmo desde que a lei o preveja sem caráter de
vinculatividade, assim como ocorrer com a Lei 8.429/92, artigo 23.
Com esta posição, aplicando o
prazo qüinqüenal, preserva-se a isonomia entre a Administração e o
administrado, cuja ruptura não estaria justificada na hipótese de ações de
ressarcimento, evitando-se ainda se perpetue a possibilidade de busca do
ressarcimento, o que conspira contra a segurança jurídica e facilita a
acomodação do administrador. Observe-se que até mesmo ilícitos penais dos mais
graves estão sujeitos à prescrição. Que motivo justifica não esteja igualmente
uma pretensão de cunho patrimonial?
Esta, a nosso ver, a solução
que melhor se coaduna com o Estado de Direito e com os princípios agasalhados
na ordem jurídica pátria.
Bibliografia
BANDEIRA DE MELLO, Celso
Antônio, Curso de Direito Administrativo, Malheiros, São Paulo, 13a
ed. 2001.
DI PIETRO, Maria Silvia Zanella.
Atlas, São Paulo 13a ed. 2001.
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil
Interpretada e legislação constitucional, São Paulo, Atlas, 2002
SILVA, José Afonso da. Curso de
Direito Constitucional Positivo, São Paulo, Malheiros, 12a ed, 1196.
[1] Art. 3° As disposições desta lei são aplicáveis, no que
couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a
prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou
indireta.
[2] Art. 1° Os atos de improbidade praticados por qualquer
agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou
fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal,
dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou
de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra
com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão
punidos na forma desta lei. Parágrafo único. Estão também sujeitos às
penalidades desta lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de
entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de
órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja
concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da
receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão
do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos.
[3] Art. 5° Ocorrendo lesão ao patrimônio público por ação ou
omissão, dolosa ou culposa, do agente ou de terceiro, dar-se-á o integral ressarcimento
do dano.
[4] Não há em verdade conflito entre o texto de uma lei
infraconstitucional e o texto da Constituição, pois, a priori, se o primeiro
contraria o segundo é nulo pelo vício da inconstitucionalidade ou não é
recepcionado pelo texto do Codex Supremo. Em ambos os casos, surge ipso facto a supressão do suporte de
validade da lei infraconstitucional. Significa dizer que a consideração de
conflito na verdade deve ser procedida somente no campo da lógica, pois
conflito só há quando forças se contrapõe, e sob o ponto de vista da dogmática
jurídica, os textos legai que se contrapõem à Constituição, desde que sejam
infraconstitucionais na verdade ou são natimortos ou perdem validade no mesmo
exato momento de entrada em vigor da Constituição. Nada que lhe contrarie
sobrevive juridicamente.
[5] Sufragam este posicionamento, na doutrina, dentre outros.
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio, in Curso de Direito Administrativo,
Malheiros, 13a ed. 2001, p. 263. DI PIETRO, Maria Silvia Zanella.
Atlas, 13a ed. 2001, p. 682. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito
Constitucional Positivo, Malheiros, 12a ed, 1196, p. 619. MORAES, Alexandre de.
Constituição do Brasil Interpretada e legislação constitucional, Atlas, 2002,
p. 2655.
Informações Sobre o Autor
Marcelo Colombelli Mezzomo
Juiz de Direito Substituto, atuando na 2ª Vara Cível e Anexo da Fazenda Pública de Erechim-RS