Termos Chave: Locação –
Prestação – Incidência – Natureza do Serviço.
Resumo
O presente artigo trata dos aspectos
importantes que diferenciam a Prestação de Serviços e a Locação de Bens Móveis,
visando assim dirimir dúvidas quanto a incidência do imposto municipal (ISSQN).
Veremos que, por vezes, erroneamente
algumas operações apresentam demarcações duvidosas ao fisco, quanto a receitas
obtidas mediante suposta “Locação de Bens Móveis”, seguidas pela não tributação
destas pelo ISSQN, citando a inexistência de Hipótese de Incidência (Regra
Matriz de Incidência Tributária) para operações deste tipo, o que é uma
verdade. Entretanto, algumas empresas
utilizam o termo Locação como subterfúgio tributário ao imposto municipal,
recaindo em
Evasão Fiscal.
Portanto, mostra-se de vital importância a
compreensão das características de cada operação, para correta análise,
interpretação e posicionamento.
Introdução
Primeiramente, nos cabe esclarecer que existem
dois tipos de situação distintos com as quais tanto Contadores quanto o Fisco
Municipal podem defrontar-se dentro da temática estudada:
1º Caso: Onde a operação caracteriza-se
como locação de fato, não prevista pela Lei Complementar 116/031, e
portanto não constituindo fato gerador para incidência do ISSQN.
2º Caso: A operação, embora denominada como
locação, não se enquadra pela definição jurídica da mesma, e pode constituir
fato gerador do ISSQN.
Desta forma, devemos compreender conceitos
básicos sobre a Regra Matriz de Incidência Tributária, assim como o que representa
a expressão “Locar”, e suas implicações legais.
Regra
Matriz de Incidência Tributária
A regra matriz determina a forma como
devemos analisar a norma legal, entendendo seu conteúdo e disposição.
Fundamentalmente, devermos interpretar a
relação tributária que existe entre Estado e Súdito através de dois elementos,
os quais ressaltemos serem cristalizados pelo eminente jurista Geraldo Ataliba,
que prima pela didática de suas explanações:
– Hipótese de Incidência: Descrição
abstrata descrita na lei;
– Fato Imponível: Ocorrência no
mundo dos fenômenos físicos, que satisfaz os antecedentes previstos pela norma
jurídica.
Assim, para que haja incidência de tributo,
deve haver uma descrição adequada dada pelo texto legal quanto à fato que
enseje sua aplicação.
Neste caso, devemos observar que a análise
da hipótese de incidência implica que, necessariamente haverá sempre previsão
dada por lei para incidência de tributo, tipificando nesta o objeto imediato da
relação jurídica, assim como a base de cálculo e o fato gerador.
Já o fato imponível representa o
acontecimento concreto, envolvendo valores pecuniários (princípio da capacidade
contributiva) que quando ocorrido gera obrigação tributária independentemente
da vontade das partes.
Voltando a Hipótese de Incidência, vejamos
alguns tópicos importantes:
1)
Objeto Imediato da Relação Jurídica
Conforme bem ensina Luiz Antonio Nunes2,
importa ao fisco, aplicando o direito positivo, dois tipos de relação entre as
partes, a “obrigação de fazer” e “obrigação de dar”.
Estes tópicos serão fundamentais para
compreensão adiante quanto a não incidência do ISSQN sobre locação de bens
móveis.
Obrigação de fazer significa que o
contratado tem para com o contratante o dever de realizar determinada tarefa,
não prevalecendo a obrigatoriedade de entregar um bem tangível, mas sim de
produzir algum efeito sobre o mesmo, ou executar determinada ação. Este é o
típico caso de prestação de serviço, ou ainda industrialização, quando há o
aperfeiçoamento da matéria prima bruta.
Obrigação de dar significa que uma das
partes tem o dever legal de entregar bem tangível a outra, ou seja, uma
operação que pode caracterizar a incidência do ICMS pela circulação econômica
do bem, ou ainda um aluguel, pela cessão da coisa alugada.
2)
Base de Cálculo
Base de cálculo representa o montante
financeiro que compõe a base para aplicação da alíquota do imposto incidente.
Devemos compreender bem a sistemática para
sua determinação, pois há casos onde os valores devem ser segregados, para que
não haja tributação de receita designada à determinado tributo por outro.
Importante observar que cada tipo de
imposto tem sua própria base de cálculo e ente competente para acioná-lo. Por
exemplo, a Constituição Federal3 determina
que é competente para cobrar o ISSQN somente o Município, assim, Estado ou
União não o podem fazê-lo, por falta de atribuição, e a lei complementar que
regulamenta referido imposto determina que a base de cálculo é o preço do
serviço.
Quando a mesma base de cálculo é tributada
duas vezes pelo mesmo ente, ocorre o que chamamos de bitributação, e quando
base de cálculo devida a um imposto sofre também tributação por outro que não
lhe é designado, chamamos bis-in-idem.
3)
Fato Gerador
Fato gerador representa a ocorrência no
mundo físico, que uma vez prevista em lei, e sendo consumada, dá ensejo para
aplicação de tributo.
Por exemplo, o fato gerador do ICMS é a
circulação econômica do bem, assim, quando vendemos uma peça de automóvel e
recebemos pagamento, vemos ocorrido fato que gera aplicabilidade do imposto
(hipótese de Incidência do ICMS).
Desta forma, vemos que para análise quanto
a aplicabilidade de imposto, devemos primeiramente recorrer a regra matriz,
verificando a exatidão do texto legal, definindo o objeto imediato da relação
jurídica, o fato gerador do imposto e sua base de cálculo.
Exemplo:
Um funileiro faz reparos na parte frontal
de um veículo, sendo que na ocasião adquiriu uma peça nova (capô), executou o
serviço e emitiu nota fiscal conjugada, com a descrição dos materiais e da mão
de obra.
Para fins de tributação, quanto ao serviço,
vemos que há previsão constitucional de tributação para o mesmo, regulamentado
pela lei complementar nº 116/031, e quanto às mercadorias, existe
também previsão constitucional, e a regulamentação está no RICMS4.
Vemos que o objeto imediato para prestação
de serviço é obrigação de fazer, esta inequívoca quanto à colocação da peça,
seu alinhamento e pintura. O fato gerador ocorreu, foi executado serviço (na
pura concepção do mesmo) e cobrado, portanto a base de cálculo será o preço
cobrado pelo mesmo.
Agora, se o prestador requerer o abatimento
da base de cálculo do ISSQN pelo valor do material empregado, devemos optar por
sua concessão, uma vez que o material fornecido compõe uma obrigação de dar,
portanto incompatível com a hipótese de incidência do imposto municipal, e os
valores deverão sofrer incidência do ICMS. Assim, também o fato gerador é
divergente, e se caso tributássemos tal receita pelo ISS estaríamos recaindo em
bis-in-idem.
Passemos agora a análise do conceito de
aluguel.
Da
Expressão “Locar”
O Dicionário “Melhoramentos”, pela Editora
de mesmo nome, assim define o termo Locar:
Locar
– Dar de Aluguel ou de Arrendamento
Por sua vez, a expressão aluguel, pelo
mesmo dicionário significa:
“1)
Cessão ou gozo e uso de prédio, objeto ou serviço …
2)
O preço dessa cessão ou gozo.”
Mas, para perfeita interpretação e
aplicabilidade do termo, apresentemos aqui a definição legal dada pelo Novo
Código Civil5:
Art. 565 – Na locação, uma das partes
se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de coisa
não fungível, mediante certa retribuição.
Assim, o locador é obrigado a:
I)
Entregar ao locatário a coisa
alugada, com suas pertenças, em estado de servir ao uso a que se destina, e a
mantê-la nesse estado, pelo tempo do contrato, salvo cláusula expressa em
contrário;
II) A
garantir-lhe, durante o tempo do contrato, o uso pacífico da coisa.
Vemos que em uma típica operação de
aluguel, uma das parte cede determinado bem à outra, mediante retribuição,
enquanto que a parte à qual o bem será alugado, assume livre uso da coisa
(desde que nos moldes legais e contratuais), podendo utilizá-la do modo que
achar mais conveniente, e respondendo civil e criminalmente pelo ato que com ela
praticar, caso resulte em dano à outrem.
Nesta ótica, vislumbramos que a locação
constitui-se em uma “obrigação de dar” do locador para com o locatário.
Podemos esquematizar da seguinte forma a
distribuição das obrigações e dos direitos entre as partes:
Da
não tributação pelo ato de Locar
Neste interim, não vemos opção de tributação
pela atividade econômica descrita junto a figura 1 pelo ISSQN, uma vez que a
Constituição Federal é clara em seu artigo 156, inciso III:
Art. 156 – Compete aos municípios
instituir impostos sobre:
III
– Serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos
em lei complementar.
A exceção prevista pelo artigo 155, II,
compreende serviços de Telecomunicações e de Transporte Intermunicipal, de
competência Estadual.
Citada lei complementar atualmente em vigor
é a LC 116/2003, com eficácia à partir do ano de 2004 (anteriormente o assunto
era regulamentado pelo Decreto-Lei nº. 406/19686).
Vejamos, prestação de serviço representa
uma “Obrigação de Fazer”, no qual o contratado deve realizar determinada
tarefa, mediante retribuição, ao contratante.
Vemos uma série de diferenças entre a
esquematização feita para o caso de “locação”, em relação a “Prestação”:
Comparando as Figuras 01 e 02, denotamos
incompatibilidades marcantes existentes, quando analisamos a Hipótese de
Incidência do ISSQN, que constitui-se na realização de tarefa mediante
remuneração financeira, caracterizado como uma “obrigação de fazer algo”,
observamos então que a operação de locação, que em essência é uma “obrigação de
dar algo” não apresenta ligação confiável com o fato gerador do tributo
municipal, sequer pela análise da regra matriz de incidência tributária, pois o
“Antecedente” normativo não tem ligação com o “Conseqüente” ocorrido:
–
Regra Matriz de Incidência Tributária:
Hipótese
de incidência para Prestação de Serviço: 1) Antecedente
(Fato de Conteúdo Econômico): Estará definida a situação “de fato” à ser
tributada (é a norma expressa), neste caso, a Constituição Federal determina
incidente o ISSQN sobre a prestação de serviços (obrigação de fazer);
Fato ocorrido pelo ato de “Locar”
2) Precedente: Na locação ocorre uma
“obrigação de dar”, portanto inexiste uniformidade nesta análise, uma vez que o
Precedente criado pela “locação” não se adequa ao Antecedente do imposto
municipal.
Assim, vemos a motivação pela qual não
tributam-se as receitas mediante aluguel de bens pelo ISSQN.
Existe entretanto uma ressalva, pois há
previsão de incidência do ISSQN pela Lei Complementar nº. 116/2003 em alguns
casos de “cessão de uso”. Estamos falando do item 3 da Lei Complementar em
voga.
Temos assim uma modalidade de “locação
tributável”, pois detém previsão legal para tal, ainda relembrando que o citado
item é motivo de intenso debate acerca de sua constitucionalidade.
No entanto, expliquemos que a “cessão de
uso” elencada junto à LC 116/03, em nosso entendimento não constitui pura e
simplesmente “aluguel”, nos moldes da Figura 01, uma vez que, por exemplo, nos
casos de cessão de uso de Postes de Energia Elétrica, a utilização principal,
assim como conservação dos mesmos cabe por diversas ocasiões à Companhia de
Energia Elétrica Local, portanto, a suposta locatária não detém livre uso e
gozo da coisa, apenas utiliza de seu potencial para abrigar cabos e condutores,
desta forma, havendo descaracterização do ato concreto de locar, pela perda de
um elemento fundamental (livre uso da coisa) o mesmo não pode ser qualificado
como locação sem previsão de tributação.
Excetuados os casos listados pela LC
116/03, todas as demais operações de aluguel não sofrerão tributação pelo
ISSQN, relembrando entretanto, que por vezes, parte das receitas auferidas por
entidades caracterizam-se como serviços, conforme demonstraremos adiante.
Casos
de Evasão Fiscal
Podemos agora compreender facilmente os
pontos em que divergem o ato de locar do ato de prestar serviços.
Devemos relembrar a existência de empresas,
que mesmo sendo consideradas prestadoras de serviços quando aplicada
corretamente a análise acima descrita, por vezes estas buscam eximir-se da
tributação pela simples renomeação de suas receitas, tipificando como aluguel
operações de prestação.
Importante alentar que a lei complementar
116/03, é clara em seu artigo 1º, §4º, que para incidência do imposto,
independe o nome dado à operação, importando essencialmente a natureza do
serviço.
Aluguel
de Veículos com Fornecimento de Motorista
Este é um dos principais meios empregados
para burlar o fisco municipal.
Notadamente, não tributamos pelo ISSQN um
veículo alugado nos moldes da Figura 1, pois neste não está caracterizada
operação prevista pela LC 116/03.
Entretanto, quando a suposta “locadora”
cede um veículo juntamente com motorista à ela vinculado, a responsabilidade
sobre o bem permanece com a mesma, na pessoa de seu funcionário, que é quem usa
e manipula o veículo, visando atender as necessidades do contratante.
Inequivocamente, a responsabilidade sobre o
bem móvel ainda está com a contratada, inclusive quanto a obrigação pela
reparação civil, tendo em vista a manipulação do veículo por funcionário da
empresa, conforme denota-se pelo artigo 932 do Novo Código Civil.
Art. 932 – São também responsáveis pela
reparação civil:
III
– O empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no
exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;
Ora, se o veículo é conduzido por empregado
da entidade, e como visto anteriormente a responsabilidade pelo uso da coisa
permanece imputada à proprietária do bem, e não a contratante, subentende-se
que a mesma não dispõe de “livre uso e gozo” da coisa, e não está assim
caracterizada a operação de locação.
Este tipo de contrato traz para contratada
uma “obrigação de fazer algo” (Transportar, Terraplenar, Guinchar, etc.), pois
é o funcionário quem usa o bem em benefício da contratante, portanto, inexiste
“obrigação de dar”, e vê-se aqui uma típica prestação de serviço.
Por vezes o veículo pode mesmo vir a ser
alugado efetivamente, concomitante a prestação de serviços, gerando uma
operação mista de serviço e aluguel.
Tal caso ocorre se, no momento da fatura,
forem cobradas as diárias do veículo (aluguel), mas também à este
acrescentar-se uma obrigação de fazer, como cobrança pela execução de reparos
no veículo ou sua lavagem. Tais ações não representam obrigação de dar e não
podem portanto enquadrar-se pela definição de locação.
Entretanto, atentar-se se tais valores não
compõe somente repasse de custo (deve ter o valor exato repassado, sem
acréscimos visando lucro). Tais repasses não compõe base de cálculo para a
contratante, que somente repassa tais despesas ao locatário.
Conclusões
Podemos então depreender os seguintes
pontos à partir desta missiva:
1. Para analisarmos corretamente a
aplicação de imposto, devemos nos atentar à;
1.1 – Hipótese de Incidência;
1.1.1 – Previsão Legal;
1.1.2 – Objeto Imediato da Relação
Jurídica;
1.1.3 – Base de Cálculo;
1.2 – Fato Imponível;
1.2.1 – Ocorrência concreta;
1.2.2 – Valores Envolvidos;
2. Devemos analisar se referida receita não
compõe base de cálculo de imposto distinto;
3. Analisar a natureza da atividade
descrita, não confiar inteiramente na boa fé das declarações apresentadas pelo
contribuinte;
4. Prestação de Serviço é obrigação de
fazer, enquanto aluguel corresponde a obrigação de dar;
5. O montante que se pretende tributar deve
remunerar ocorrência concreta, devidamente previsto pela lei para hipótese de
incidência de imposto;
Esperamos assim ter auxiliado a resolver
dúvidas correntes entre os profissionais que laboram pela área tributária.
Notas:
1 BRASIL.
Lei Complementar nº 116 de 31 de Julho de 2003. D.O.U. 1º/08/2003.
2 Manual de Introdução ao
Estudo do Direito”, pág. 120, Ed. Saraiva
3 BRASIL.
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. D.O.U. 05/10/1988.
4 BRASIL.
Decreto 45.490 de 30 de Novembro de 2000. D.O.E. 1º/12/2000.
5 BRASIL.
Lei 10.406 de 10 de Janeiro de 2002. D.O.U. 11/01/2002.
6 BRASIL.
Decreto-Lei de 31 de Dezembro de 1968. D.O.U. 31/12/1968.
Informações Sobre o Autor
Ivan Jacomassi Junior
Bacharel em Administração. Pós Graduado em Gestão pela FGV. Supervisor de Fiscalização junto a Secretaria Municipal da Fazenda no município de Amparo/SP.