Redução da maioridade penal

No Brasil, a maioridade penal já foi reduzida: Começa aos
12 anos de idade. A discussão sobre o tema, portanto, é estéril e objetiva, na
verdade, isentar os culpados de responsabilidade pelo desrespeito aos direitos
e garantias fundamentais da criança e do adolescente, previstos na Constituição
Federal.

O maior de 18
anos de idade que pratica crimes e contravenções penais (infrações penais) pode
ser preso, processado, condenado e, se o caso, cumprir pena em presídios. O
menor de 18 anos de idade, de igual modo, também responde pelos crimes ou
contravenções penais (atos infracionais) que pratica.

Assim, um
adolescente com 12 anos de idade (que na verdade ainda é psicologicamente uma criança), que comete atos
infracionais (crimes), pode ser internado (preso),
processado, sancionado (condenado) e, se o caso, cumprir a
medida (pena) em estabelecimentos
educacionais, que são verdadeiros presídios.

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O Estatuto da Criança e
do Adolescente, ao adotar a teoria da proteção integral, que vê a criança e o
adolescente (menores) como pessoas em condição peculiar de desenvolvimento,
necessitando, em conseqüência, de proteção diferenciada, especializada e
integral, não teve por objetivo manter a impunidade de jovens, autores de
infrações penais, tanto que criou diversas medidas sócio-educativas que, na realidade, são verdadeiras penas, iguais àquelas aplicadas aos
adultos.

Assim, um menor com 12
anos de idade, que mata seu semelhante, se necessário, pode ser internado
provisoriamente pelo prazo de 45 dias, internação esta que não passa de uma
prisão, sendo semelhante, para o maior, à prisão temporária ou preventiva, com
a ressalva de que para o maior o prazo da prisão temporária, em algumas
situações, não pode ser superior a 10 dias. Custodiado provisoriamente, sem
sentença definitiva, o menor responde ao processo, com assistência de advogado,
tem de indicar testemunhas de defesa, senta no banco dos réus, participa do
julgamento, tudo igual ao maior de 18 anos, mas apenas com 12 anos de idade.
Não é só. Ao final do processo, pode ser sancionado, na verdade condenado, e, em conseqüência, ser
obrigado a cumprir uma medida, que pode ser a internação, na verdade uma pena privativa de liberdade, em
estabelecimento educacional, na verdade presídio
de menores, pelo prazo máximo de 3 anos.

A esta altura, muitos
devem estar se perguntando: Mas a maioridade penal não se inicia aos 18 anos de
idade?

Sim e não!

A Constituição Federal
(art. 228) e as leis infraconstitucionais, como por exemplo o Código Penal
(art. 27), o Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 104) dizem que sim, ou
seja, que a maioridade penal começa aos 18 anos, contudo o que acontece na
prática é bem diferente, pois as medidas sócio-educativas aplicadas aos menores
(adolescentes de 12 a
18 anos de idade) são verdadeiras penas, iguais as que são aplicadas aos
adultos, logo é forçoso concluir que a maioridade penal, no Brasil, começa aos
12 anos de idade.

Vale lembrar, nesse
particular, que a internação em estabelecimento educacional, a inserção em
regime de semiliberdade, a liberdade assistida e a prestação de serviços à
comunidade, algumas das medidas previstas no Estatuto da Criança e do
adolescente (art. 112), são iguais ou muito semelhantes àquelas previstas no
Código Penal para os adultos que são: prisão, igual à internação do menor;
regime semi-aberto, semelhante à inserção do menor em regime de semiliberdade;
prisão albergue ou domiciliar, semelhante a liberdade assistida aplicada ao
menor; prestação de serviços à comunidade, exatamente igual para menores e
adultos.

É verdade que ao criar as
medidas sócio-educativas, o legislador tentou dar um tratamento diferenciado
aos menores, reconhecendo neles a condição peculiar de pessoas em desenvolvimento. Nessa
linha, as medidas deveriam ser aplicadas para recuperar e reintegrar o jovem à
comunidade, o que lamentavelmente não ocorre, pois ao serem executadas
transformam-se em verdadeiras penas, completamente inócuas, ineficazes, gerando
a impunidade, tão reclamada e combatida por todos.

No processo de sua
execução, esta é a verdade, as medidas transformam-se em castigos, revoltam os
menores, os maiores, a sociedade,  não
recuperam ninguém, a exemplo do que ocorre no sistema penitenciário adotado
para os adultos.

A questão, portanto, não
é reduzir a maioridade penal, que na prática já foi reduzida, mas discutir o
processo de execução das medidas aplicadas aos menores, que é completamente
falho, corrigi-lo, pô-lo em funcionamento e, além disso, aperfeiçoá-lo,
buscando assim a recuperação de jovens que se envolvem em crimes, evitando-se,
de outro lado, com esse atual processo de execução, semelhante ao adotado para
o maior, que é reconhecidamente falido, corrompê-los ainda mais.

O Estado, Poder Público,
Família e Sociedade, que têm por obrigação garantir os direitos fundamentais da
criança e do adolescente (menores), não podem, para cobrir suas falhas e
faltas, que são gritantes e vergonhosas, exigir que a maioridade penal seja
reduzida.

Para ilustrar, vejam
quantas crianças sem escola (quase três milhões) e sem saúde (milhões) por omissão
do Estado; quantas outras abandonadas nas ruas ou em instituições, por omissão
dos pais e da família; quantas sofrendo abusos sexuais e violências domésticas
por parte dos pais e da família; quantas exploradas no trabalho, no campo e na
cidade (cerca de 7,5 milhões), sendo obrigadas a trabalhar em minas, galerias
de esgotos, matadouros, curtumes, carvoarias, pedreiras, lavouras, batedeiras
de sisal, no corte da cana-de-açúcar, em depósitos de lixo etc, por ação dos
pais e omissão do Estado.

A sociedade, por seu
lado, que não desconhece todos estes problemas, que prejudicam sensivelmente os
menores, não exige mudanças, tolera, aceita, cala-se, mas ao vê-los envolvidos
em crimes, muito provavelmente por conta destas situações, grita, esperneia,
sugere, cobra, coloca-os em situação irregular e exige, para eles, punição,
castigo, internação, abrigo em instituições.

Ora, quem está em
situação irregular não é a criança ou o adolescente, mas o Estado, que não
cumpre  suas políticas sociais básicas; a
Família, que não tem estrutura e abandona a criança; os pais que descumprem os
deveres do pátrio poder; a Sociedade, que não exige do Poder Público a execução
de políticas públicas sociais dirigidas à criança e ao adolescente.

O sistema é falho,
principalmente o da execução das medidas sócio-educativas, para não dizer
falido, mas o menor, um ser em desenvolvimento, que necessita do auxílio de
todos para ser criado, educado e formado, é quem vem sofrendo as conseqüências
da falta de todos aqueles que de fato e de direito são os verdadeiros culpados
pela sua situação de risco.

Não bastasse isso, o que,
por si só, já é extremamente grave, pretendem alguns reduzir a maioridade
penal, tentando, com a proposta, diminuir sua culpa e eliminar os problemas da
criminalidade, esquecendo-se, porém, além de tantos outros aspectos, que metade
da população é composta de crianças e adolescentes, os quais, contudo, são
autores de apenas 10% dos crimes praticados.

A proposta de redução
busca encobrir as falhas dos Poderes, das Instituições, da Família e da
Sociedade e, de outro lado, revela a falta de coragem de muitos em enfrentar o
problema na sua raiz, cumprindo ou compelindo os faltosos a cumprir com seus
deveres, o que é lamentável pois preferem atingir os mais fracos – crianças e
adolescentes -, que muitas vezes não têm, para socorrê-los, sequer o auxílio da
família.

Por estes motivos e
outros, repudiamos a proposta de redução da maioridade penal, que, se vingar,
configurará um “crime hediondo”, praticado contra milhões de crianças e
adolescentes, que vivem em situação de risco por culpa não deles mas de outros
que estão tentando esconder suas faltas atrás desta proposta, que, ademais, se
aprovada, não diminuirá a criminalidade, a exemplo do que já ocorreu em outros
países do Mundo.


Informações Sobre o Autor

José Heitor dos Santos

Promotor de Justiça no Estado de São Paulo; Mestre em direito público (Universidade de Franca); Professor de teoria geral de processo civil e direito processual civil na UNIP, no Estado de São Paulo; Sócio-fundador da AREJ, Academia Riopretense de Estudos Jurídicos.


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