Resumo: O trabalho escravo existe desde os tempos remotos. No Brasil, ele está relacionado à herança cultural, a desigualdade e a impunidade. Trabalhadores abandonam suas cidades de origem e aceitam propostas sedutoras feitas por aliciadores, no intuito de suprir sua necessidades básicas, submetendo-se a escravidão ou/e práticas análogas a esta, utilizadas pelo escravocrata contemporâneo que surgiu no contexto da globalização neoliberal. Os princípios protetivos do trabalho inseridos na Constituição Federal Brasileira de 1988 e os princípios constantes na Consolidação das Leis do Trabalho são mitigados pela situação de vulnerabilidade e necessidade do trabalhador que busca sua dignidade no trabalho a fim de suprir o que o Estado deveria lhe fornecer. Com o advento da Lei 10.803/2003 ampliou-se o rol das formas de trabalho em condições análogas a de escravo, o que facilitou a tipicidade da conduta do escravocrata. Diversas medidas com o propósito de erradicar o trabalho escravo contemporâneo estão sendo tomadas pelo Estado, pela Organização Internacional do Trabalho e pela Sociedade Civil. Mesmo assim a situação persiste.[1]
Palavras-chave: Escravidão. Princípios Protetivos. Medidas de Combate.
Sumário: Introdução. 1. A Escravidão na História da Humanidade. 1.1. A Escravidão nas Sociedades Arcaicas. 1.2. A Escravidão na Antiguidade Clássica. 1.3. A Escravidão Dentro do Pacto Metropolitano Colonial. 1.4. A Abolição da Escravidão: Interesses e Manutenção da Desigualdade. 2. A Escravidão Capitalista Contemporânea. 2.1. A Relação da Escravidão Com a Globalização Neoliberal: O Contexto Neo-escravocrata Mundial. 2.2. A Escravidão no Brasil Em Suas Várias Regiões. 3. O Direito e o Combate ao Trabalho Análogo à de Escravo. 3.1. A Dignidade do Trabalho e os Direitos Sociais Previstos na Constituição. 3.2. O Direito do Trabalho e os Princípios Protetivos da Dignidade do Trabalho. 3.2.1 Princípio da Proteção. 3.2.2 Princípio da Irrenunciabilidade. 3.2.3 Princípio da Continuidade da Relação de Emprego. 3.2.4 Princípio da Primazia da Realidade. 3.2.5 Princípios da Razoabilidade e da Boa-fé. 3.3 A Redução a Condição Análoga à de Escravo. 3.3.1 Competência Para Julgar O Crime do Artigo 149 do CPB. 3.3.2 A Ação Articulada No Combate a Escravidão. 3.3.3 As Varas Intineirantes Como Meio de Reduzir a Impunidade. 3.3.4 A Portaria nº 540/2004 do Ministério do Trabalho e Emprego. 3.4. Projetos Legislativos e Práticas Punitivas que Poderiam Efetivar Juridicamente o Combate ao Trabalho Análogo ao Escravo. 3.4.1 Outros Projetos de Lei. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
A função dos princípios do direito do Trabalho no século XXI é a de informar todo o sistema jurídico permitindo ao trabalhador aclamá-los e invocá-los em meio ao sistema neoliberal globalizado adotado pelo país, de modo a influenciar as relações de trabalho em suas varias modalidades e proteger o hipossuficiente qual seja: o trabalhador.
As garantias mínimas de proteção ao trabalhador estão previstas na constituição Federal Brasileira, de 1988 que tem como um dos princípios a dignidade humana e a valorização do trabalho. A Consolidação das leis Trabalhistas existe desde 1943; o Código Penal Brasileiro dede 1940 o qual prevê como crime a escravidão ou situação análoga a esta, porém acentuadamente tem se demonstrado no seio da sociedade a realidade cruel da escravidão.
Projetos Legislativos, práticas administrativas e da sociedade civil no combate a escravidão se intensificam a cada dia. Mas, ainda assim a escravidão e suas modalidades são reais no Brasil em todo o mundo, tanto nas áreas urbanas quanto nas rurais. Uma vez que o ser humano tem de converter a própria atividade em ganho de subsistência pessoal e familiar. Tal situação escravizante não é nova, simplesmente tem se transformado ao longo dos séculos.
No direito do trabalho há uma preocupação com o direito ao trabalho, cujo fundamento é o próprio direito à vida.
1. A ESCRAVIDÃO NA HISTÓRIA HUMANA
1.1 A escravidão nas sociedades arcaicas
A Terra é considerada como o substrato material para a existência e manutenção da vida. A ambiência na qual o ser humano vive e convive com o meio físico, com o universo biológico e mais especialmente com os outros homens.
A Bíblia Sagrada no livro de Genesis revela a criação do homem (humanidade) como um ato divino. O homem foi feito para governar (administrar), por isso nele foi colocada a capacidade de raciocínio, que os demais animais não possuem. Vale dizer que o homem vivia apenas da coleta de alimentos encontrados na natureza a qual foi feita por Deus, para deleite do próprio homem, o qual não conhecia uma jornada exaustiva de trabalho, e, mesmo experimentando um grande esforço em suas atividades, gozava de tempo para reposição de suas forças, gozava do ócio (no sentido grego), pois foi um tempo de liberdade. Apenas a Deus o homem devia obediência. (Bíblia de Estudos de Genebra 2002, p. 11).[2]
“Nas sociedades primitivas havia um nível de cooperação mui grande e os homens se uniam para lutar e enfrentar os desafios da natureza hostil e dos animais ferozes. Os meios de produção, as áreas de caça, assim como os produtos,aqui são propriedades comuns.
Mais, nesse momento os homens passam a dominar o fogo, a utilizar instrumentos de trabalho que são encontrados ao acaso, o que significa que constantemente os homens estão em um processo de domínio sobre a Natureza e sobre si mesmos.”[3]
Através do materialismo histórico, e dos princípios do materialismo dialético de Frederick Engels, o filósofo alemão Kall Marx expõe a história evolutiva da sociedade, por fatores materiais (econômicos e técnicos). Divergindo do que ele chama de senso comum (ação dos grandes homens e ação divina). “No lugar das idéias os fatos, no lugar dos heróis a luta de classes”. E, mais a frente explica que:
O modo de produção do trabalho marcou a evolução do homem (sociedade), visto que:
“O modo de produção patriarcal surge quando, na luta contra a natureza, o homem inicia a domesticação de animais; depois há o incremento da agricultura graças ao uso de instrumentos de metal; e há ainda a fabricação de vasilhas de barro que possibilita fazer reservas […] a consequencia da modificação das forças produtivas é a alteração das relações de produção e o modo de produção, como por exemplo, o aparecimento de uma forma específica de propriedade (propriedade da família, num sentido muito amplo); diferenciação de funções de classe (autoridade do patriarca, do pai de família); alteração do direito hereditário,estabelecendo a filiação paterna (e não mais materna).”[4]
A Bíblia Sagrada registra que já na época patriarcal, escravos eram adotados tanto para fins de sucessão (herança), quanto para fins de perpetuidade da descendência.[5]
A escravidão nem sempre teve significados, formas e objetivos iguais. Por exemplo, entre as tribos mais primitivas, podia ser apenas um momento de espera antes que os vencedores devorassem os vencidos apropriando-se de sua força e coragem. Assim o escravo tinha um valor de uso, mas não de troca; e a própria morte lhe assegurava a vida, incorporando em outro corpo o seu espírito guerreiro.
Sem dúvida alguma, fatores históricos como: a invenção e domínio da escrita e o advento do comércio transformaram e alteraram a relação entre os homens, e no momento em que as relações entre os homens se alteram substancialmente, surge o que foi conhecido como civilização, a qual foi marcada pela produção de excedentes econômicos, de grupos fortes que se apropriaram desses excedentes, do nascimento da propriedade privada dos meios de produção, das classes sociais e do Estado.
Lovejoy (2002, p. 29) ao estudar o continente africano, evidencia que a escravidão é bem mais antiga do que o tráfico do povo africano. Ela vem desde os primórdios de nossa história, quando os povos vencidos em batalhas eram escravizados por seus conquistadores.
A Bíblia sagarada registra também a conquista do reino de Judá e Israel (reino do norte e reino do sul. Hoje a nação de Israel) pelo Rei da Babilônia Nabucodonosor por volta de 587 e 586 a.C. um destaque importante é que não houve um cerceamento dos direitos de culto religioso dos judeus, apesar da destruição do templo de Jerusalém (local de cultos). Na Babilônia, o povo continuou se reunindo para louvar ao Deus Jeová , mesmo no cativeiro. (Bem diferente do que ocorreu com os escravos trazidos para o Brasil na época do colonialismo os quais não tinham nem essa liberdade.
1.2 A escravidão na antiguidade
Aos poucos a sociedade sem classes deu lugar à sociedade escravocrata, a qual foi formada por senhores e escravos. Ou seja: a primeira forma de exploração do homem pelo homem.
Como caracterizou Paul Lovejoy (2002 p 29-30)
“[…]a escravidão foi uma forma de exploração com características específicas. Os escravos eram uma propriedade do seu senhor […] eram estrangeiros alienados pela sua origem ou dos quais, por sanções judiciais ou outras, se retirava a herança social que lhes coubera ao nascer. A coerção podia ser usada à vontade pelo senhor de escravo. Pois a força de trabalho do escravo estava á completa disposição de um senhor. Não tinham direito a sua própria sexualidade e nem ás suas próprias capacidades reprodutivas. A condição de escravo era herdada a não ser que fosse tomada alguma medida para modificar essa situação.”
Muitas civilizações usaram e dependeram do trabalho escravo para a execução de tarefas mais pesadas e rudimentares. Além da Babilônica, como já relatado, a civilização Greco-Romana também se destacam. Estas últimas detinham um grande número de escravos; contudo, muitos de seus escravos eram bem tratados e tiveram a chance de comprar sua liberdade(alforria).
Isso tinha um fundamento:
O mundo antigo nunca tratou o trabalho com prestígio e nobreza. Era quase unanimidade afirmar que o trabalho significava uma atividade secundária.
Baseados na máxima Aristotélica de que “pensar requer ócio” (que tinha uma conotação diferente do que entendemos por ócio hoje sinônimo de desocupação, lazer, folga preguiça). A elite grega se desobrigava do trabalho servil e se utilizava dos escravos permitindo “consagrar-se melhor à cidade, aos prazeres do corpo ou à investigação das coisas eternas do espírito”.Como registra Paulo Sérgio do Carmo(1992, p.19):
Pois,
“[…] O trabalho escravo caracterizava esse período pela rejeição da tecnologia, tornando desnecessário o uso de máquinas. Segundo Aristóteles tudo o que servia a vida prática já havia sido descoberto, cabendo concentrar esforços na busca dos sentidos, na qualidade das coisas, enriquecendo-as de significado. O tempo para a busca dos significados e da razão das coisas era exatamente o tempo do ócio.”
Na Grécia Clássica foi exatamente o uso do tempo livre dedicado ao ócio que definiu os fundamentos da cultura, da ética e da moral ocidental. Nessa época, porém, o pleno gozo do lazer era um direito de poucos; Assim como nas sociedades contemporâneas capitalistas.
Na Grécia homens livres deveriam se dedicar a atividades que indicassem contemplação à natureza ou às prerrogativas políticas, contendo-se em trabalho intelectual. De outro lado o trabalho físico era destinado às mulheres e aos escravos, consubstanciando em atividades indignas e humilhantes necessárias a manutenção das cidades. Esses realizavam atividades agrícolas, em pequenas indústrias, no porto, no trabalho doméstico além de serviços públicos.
Nas primeiras etapas da História, encontramos, quase por toda parte, uma complexa divisão da sociedade em várias ordens, uma graduação variada de posições sociais.
No século V a.C, a sociedade ateniense era composta por 40.000 homens livres e o tempo que tinham liberado para o ócio e a criação (e o tempo para a guerra, e as coisas de governo, e a acumulação de riquezas…) só era possível graças ao trabalho de 40.000 escravos; ou seja, a moral ocidental, a nossa sociedade, se fundou em um processo extremamente contraditório, entre a liberação do pensamento e a sustentação material dos meios que garantem essa liberação.
O sistema jurídico moderno tem por fundamento o Direito Romano. Este foi o legado deixado pela Roma Antiga. Mas, apesar disto, a escravidão também existiu naquela época e os escravos eram considerados como res. Não possuindo qualquer direito, sendo obrigados ao trabalho até o fim de suas forças ou de suas vidas.
Verifica-se que muito antes de Platão e de Aristóteles no sec.VIII a.C, o historiador Hesíodo trata sobre o trabalho. Para ele o trabalho era o único meio de fazer reinar a ordem e salvaguardar a justiça.
Vale registrar que o ócio sofre modificação na sociedade Romana. Nela o trabalho começa a ser introduzido e exigido como condição indispensável para o gozo do ócio. O termo se “metamorfoseia” em descanso. E permanece assim até a Idade Média.
Seguindo o movimento dialético Marxista a tese (senhor) opõe-se a antítese (escravo), que engendra a síntese feudalismo.
No modo de produção feudal a base econômica é a propriedade dos meios de produção pelo senhor feudal.
Na idade Média predominou o regime da servidão, um meio termo entre a escravidão e o trabalho livre; as classes dominantes, nobreza e clero, evitavam ao máximo o trabalho embora pregasse a necessidade de que o mesmo imperasse sobre toda na sociedade.
Kall Marx ao relatar o modo de produção feudal evidencia que neste sistema o servo trabalha um tempo para si e outro para o senhor, o qual, além de se apropriar de uma parte da produção daquele, ainda lhe cobra impostos pelo uso comum do moinho, do lagar, etc. E que a contradição de interesses dessas duas classes leva ao aparecimento de uma nova figura o burguês. Surgido dentre os servos que se dedicam ao artesanato e ao comércio, essa nova figura forma os burgos, que consegue aos poucos a liberdade pessoal e das cidades. (obra citada, p. 276.)
“A escravidão declinou no sec.IV d.C. não como resultado de um movimento abolicionista, mas em conseqüência a mudanças socioeconômicas complexas que substituíram o escravo-mercadoria e, em grande parte o camponês livre, por um outro tipo de trabalhador o colonus (…),o servo(…).” (CARMO 1992 p. 20)
1.3 A escravidão dentro do pacto metropolitano colonial
A partir de 1500 d.C. as condições econômicas eram acentuadas entre uma época e outra e de um lugar para o outro. O comércio estava sofrendo rápido processo de expansão, e as grandes explorações geográficas eram tanto resultantes desse processo como aceleradores do mesmo; a economia monetária substituía de modo crescente a economia natural ou de auto-suficiência; os estados nacionais e economias nacionais unificadas tornavam-se uma força dominante. (JACOB 1993,p.13)
Como diversos países europeus procuravam acumular metais, bem como proteger seus produtos em busca de uma balança de comércio favorável, ocorreu que a política mercantilista de um país entrava diretamente em choque com a de outro, igualmente mercantilista.
Os condutores do mercantilismo concluíram que a solução seria cada país mercantilista dominar áreas determinadas, dentro das quais ter vantagens econômicas declaradas. Surgiram, então, com grande força, as idéias colonialistas.
Na busca pela dominação econômica surge o chamado pacto colonial, também denominado de exclusivo metropolitano, era um sistema pelo qual os países da Europa que possuiam colonias na America, mantinham o monopólio da importação das matérias-primas mais lucrativas dessas possessões, bem como da exportação de bens de consumo para as respectivas colônias.
O Brasil e várias regiões da América Latina, colonizados por portugueses e espanhóis, são exemplos típicos de colônias de exploração. Elas apresentavam as seguintes características: produção agrícola baseada na grande propriedade (enormes extensões de terra); ênfase na produção destinada ao mercado externo (produtos agrícolas e metais preciosos); grande utilização do trabalho escravo de índios e negros.
No caso do Brasil, por exemplo, foi organizada uma produção a fim de fornecer açúcar e tabaco, mais tarde ouro e diamantes, depois algodão e, em seguida, café, para o comércio europeu. Não se objetivava, de modo algum, desenvolver na colônia qualquer atividade voltada para seus interesses internos.
A regra básica do pacto colonial era que, à colônia só era permitido produzir o que a metrópole não tinha condições de fazer. Por isso, a colônia não podia concorrer com a metrópole. Logo a posição da colonia era tão somente a de geradora de riquezas.
A lógica do pacto colonial integra as idéias econômicas do Mercantilismo, sendo exemplificada pelas companhias de comércio exclusivistas criadas no seculo XVII.
O latifúndio monocultor (plantations) no Brasil exigia uma mão-de-obra permanente.
Apesar de todos esses obstáculos, o indígena é amplamente escravizado, permanecendo como mão-de-obra básica na economia extrativista do Norte do Brasil, mesmo após o término do período colonial.
A maior utilização do negro como mão-de-obra escrava básica na economia colonial, deve-se principalmente ao tráfico negreiro, atividade altamente rentável, tornando-se uma das principais fontes de acumulação de capitais para metrópole.
Exatamente o contrário ocorria com a escravidão indígena, já que os lucros com o comércio dos nativos não chegava até a metrópole.
Dentro do cenário econômico, Paul Lovejoy (2002 p 398) analisa a relação das exportações de escravos nas regiões da África :
“O comercio exterior era um fator essencial dessa infra-esrutura. nem todos os escravos eram capturados com fins de exportação. no entanto, era necessário que os escravos fossem deslocados para uma distancia consideravel do seu local de escravização.Aqui havia um fator de “empurrão” na economia que alimentava o setor de exportação. Quer o mercado externo desse ou nao um “puxão” por escravos, havia uma força nativa que movimentava os cativos. Quando a demanda externa influenciava o preço, então era apenas lógico que os dois fatores pudessem reforçar o fluxo de escravos da Africa. Quando a ligação com o mercado externo ficou estabelecida, e na verdade enquanto ela continuou a se expandir, a economia politica invariavelmente tornou-se mais intimamente ligada ao comercio de exportação.”
E descorda de estudiosos que afirmam que o setor de exportação teve um impacto marginal sobre a sociedade e a economia Africanas. Explicando que:
“A ameaça de venda para comerciantes associados ao comércio de exportação era tao importante no controle dos escravos quanto o medo das chibatadas nas plantations das Americas.” (op cit. p401)
Ou seja, era um método de coação que facilitava a submissão dos escravos.Não muito diferente das plantations hoje.
Desde meados do século XV os portugueses, se utilizavam do tráfico negreiro, pois, o comércio de escravos era regular em Portugal, sendo que durante o reinado de D. João II o tráfico negreiro foi institucionalizado com a ação direta do Estado português, que cobrava taxas e limitava a participação de particulares.
Quanto à procedência étnica do negro, destacaram-se dois grupos importantes: os bantos, capturados na África equatorial e tropical provenientes do Congo, Guiné e Angola, e os sudaneses, vindos da África ocidental, Sudão e norte da Guiné.
Entre os elementos deste segundo grupo, destacavam-se muitos negros islamizados, responsáveis posteriormente por uma rebelião de escravos ocorrida na Bahia em 1835, conhecida como a Revolta dos Malês.
Assim como os Indios os Africanos não se sujeitaram facilmente ao regime escravocrata imposto no Brasil. Através de fugas isoladas, passando pelo suicídio, pelo banzo (nostalgia que fazia o negro cair em profunda depressão o levando à morte) e pelos quilombos, as formas de resistência do negro à escravidão, variavam, sendo a formação dos quilombos a mais conseqüente. Seu primeiro líder foi Ganga Zumba, substituído depois de morto por seu sobrinho Zumbi,que foi covardemente assassinado em 1695 pelo bandeirante Domingos Jorge Velho, contratado por latifundiários da região. O mesmo acontece na atualidade, onde capangas são utilizados para defender os interesses dos patrões (latifudiários), ameaçando e até matando os que são contra os regimes impostos nas fazendas.
Os quilombos eram aldeamentos de negros que fugiam dos latifúndios, passando a viver comunitariamente. O maior e mais duradouro foi o quilombo dos Palmares, surgido em 1630 em Alagoas, estendendo-se numa área de 27 mil quilômetros quadrados até Pernambuco. Desenvolveu-se através do artesanato e do cultivo do milho, feijão, mandioca, banana e cana-de-açúcar, além do comércio com aldeias vizinhas.
Apesar dos muitos negros mortos em Palmares, a quantidade de escravos crescia muito e em 1681 atingia a cifra de 1 milhão de negros trazidos somente de Angola. Esse grande número de negros utilizado como escravos, deixa clara a alta lucratividade do tráfico negreiro, responsável inicialmente pelo abastecimento da lavoura canavieira em expansão nos séculos XVI e XVII e posteriormente nas áreas de mineração e da lavoura cafeeira nos séculos XVIII e XIX respectivamente.
A escravidão é transformada como instituição quando os escravos desempenham um papel essencial na economia. Como bem ressalta Paul Lovejoy (2002, p.402 ).
Já na colônia, submetidos a um duro trabalho, o negro quilombo (fujão), era o mais sofrido, era submetido à novena ou trezena (nove, ou treze chibatadas). Outros tipos de punições a que estavam sujeitos ainda, era o tronco, vira mundo, cepo, bacalhau (relho de cinco pontas), o mais comum.
As classes de negros não eram iguais. Havia uma certa distinção entre escravos domésticos, escravos de ganho, e os escravos de eito, estes, submetidos a um trabalho mais árduo, nos canaviais. Os escravos não formavam um todo homogêneo, os negros não gostavam dos recém-chegados da África, os mulatos (em especial os que assumiam funções remuneradas: feitores, mestres-de-açúcar, etc.), desprezavam os escravos em geral, os escravos urbanos viam com certa superioridade os escravos agrários e, às vezes até ajudavam na luta contra os quilombos. Os ladinos se julgavam melhores que os boçais. Afora isso, havia ainda as diferenças culturais, os negros islamizados, por exemplo, eram rebeldes, e não se misturavam aos companheiros de infortúnio, mantendo-se isolados.
O ciclo do ouro se constituiu um dos episódios básicos da história brasileira do séc. XVIII. Favoreceu o povoamento do interior, deslocou o eixo histórico colonial do nordeste para o centro-sul. Surgiu um novo tipo de sociedade (mais flexível que a do açúcar).
Também surgiram novas cidades como: Ouro Preto, Sabará, Mariana, São João d’El Rey, etc., bem como a criação de novas capitanias (Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso). O ouro era monopólio real, a exploração era feita através do arrendamento de lotes ou “datas de minas”, que eram sorteadas aos particulares. Seu tamanho variava conforme o número de escravos do candidato contemplado. Este tinha um prazo para iniciar a extração, não podia negociar a data recebida, exceto se provasse ter perdido todos os seus escravos. Em caso de repetição da alienação de uma data, o responsável ficava proibido de novamente candidatar-se e receber outra.
Inicialmente a mineração era superficial, e restringia-se ao leito dos rios. A mineração em profundidade teve início no séc. XIX, com a vinda para o Brasil de companhias americanas e inglesas.
A exploração do ouro no séc. XVIII se deu de duas maneiras: lavras (organizada, empresarial), ou pelos faiscadores (iniciativa privada) e ex-escravos que exerciam pequenos ofícios nas cidades.
O ciclo do ouro possibilitou surgimento de grupos intermediários entre a classe rica, e a classe pobre (classe mercantil). Pois o ouro exigia menor investimento do que o açúcar. Outra classe também surgiu, a dos funcionários públicos para cobrar impostos, e coibir o contrabando. O contrabando foi a principal causa de Portugal desestimular a vinda de gado do NE, pelo vale do S. Francisco, o que incentivou a atividade pecuária no extremo sul, necessária para abastecer a região mineradora.
No plano das relações internacionais havia uma forte dependência de Portugal em relação à Inglaterra (1703 – Tratado de Comércio e Amizade – de Methuen – nome do diplomata inglês que o obteve). A Inglaterra se encarregou da sustentação militar e diplomática da frágil nação lusa, numa Europa conflagrada pela guerra de sucessão da Espanha, em troca da abertura dos portos lusitanos aos artigos manufaturados britânicos. Neste tratado, a única vantagem para Portugal eram os privilégios alfandegários para o vinho (até 1786).
Os resultados do Tratado de Methuen não foram positivos para os lusos. O abastecimento de Portugal e do Brasil com produtos britânicos acarretou um «déficit» crescente de Lisboa em relação à Londres. Portugal se tornou colônia comercial da Inglaterra, e ainda perdeu em 1786, as vantagens que possuía de colocação de seus vinhos no mercado britânico.
O ouro brasileiro que foi entregue aos cofres portugueses, lá ficou, isto é, não foi utilizado para pagar os «déficits» lusitanos, serviu para estimular os gastos monstruosos da monarquia.
A decadência do colonialismo foi acompanhada de um crescente enrijecimento administrativo e político. Portugal desenvolveu ao máximo a idéia de que a colônia só servia para enriquecer a metrópole. O Brasil só podia vender para Portugal, e comprar de Portugal, a preços fixados por este, além disso, não podia produzir nada que Portugal pudesse produzir e/ou vender para o Brasil, como aguardente, sal, manufaturas. Em 1785, a Rainha D. Maria I, assinou o famoso alvará que leva o seu nome, proibindo as manufaturas no Brasil, afim de não desperdiçar os esforços que deveriam se concentrar na agricultura.
O fisco tornou-se opressivo ao extremo, foi criada uma contribuição “voluntária” para reconstrução de Lisboa, após o terremoto de 1755, que continuou sendo cobrada até muito depois da cidade ficar pronta de novo.
Não era mais Portugal quem abastecia o Brasil, e sim a Inglaterra via Portugal, o qual se constituiu num intermediário encarecedor.
Terminar com o monopólio tornou-se no séc. XVIII, um ideal do capitalismo liberal que veio ao encontro dos interesses de duas classes sociais bastante distanciadas no espaço, o latifundiário do Brasil, e o burguês da Inglaterra.
O colonialismo mercantilista e monopolista entrou em crise quando as sociedades coloniais amadureceram, combateram impostos extorsivos e desejaram liberdade para comprar e vender, e o capitalismo em expansão no Velho Mundo reclamou a expansão dos mercados, opondo-se aos mercados fechados vigentes em defesa de seus negócios.
O ouro terminou a cana sofreu a concorrência do Caribe, o algodão do Maranhão sofreu a concorrência do sul dos EUA, afora o ouro das Gerais, a cana do Nordeste, e o algodão do Maranhão, o Brasil tinha pouca coisa a oferecer.
A Bahia importava o escravo da Guiné, único meio de escoar a produção de fumo, e importava o caríssimo e indomável escravo negro islamizado da Guiné, pois era a única moeda usada para adquirir especificamente aquele tipo de negro africano, sendo por isso, comprado pelos traficantes que o comerciavam.No mais, extraíam as especiarias da Amazônia (cravo, canela, castanha-do-pará, cacau, urucum, salsaparrilha, sementes, etc.), criava-se gado no sertão nordestino, e no extremo sul, e praticava-se uma débil agricultura de subsistência junto aos latifúndios monocultores.
No aspecto social, a concentração de poder, riqueza, e o que existia de cultura, concentrava-se no litoral. Em geral a sociedade era agrária, latifundiária, patriarcal, católica e escravista.
O Brasil rústico disperso, e primitivo que havia no interior, era ignorado pela sociedade concentrada no litoral.
A colonização do nosso país foi essencialmente uma colonização de exploração. À metrópole, só interessava servir-se dos recursos, e riquezas existentes na colônia.
Num segundo momento, a classe dominante já nascida no Brasil, e portanto, brasileira, também não interessou em mudar a situação. Pois eram favorecidos e privilegiados pela coroa portuguesa, e ajudavam a manter a dominação sobre seus irmãos brasileiros.
Em todos os momentos, todos os povos de diferentes nacionalidades que aqui aportaram, tinham um único objetivo: a exploração, o saque, e o aviltamento da cultura dos povos indígenas nativos desta terra. Será que adquirimos mesmo a independência e a liberdade? A história do passado e seus figurantes têm muito a ver com os grandes personagens da classe dominante da atualidade, os quais agem sempre visando o interesse econômico individual, ou de classes dominantes, com as quais estão comprometidos.
“Modificam-se os meios, permanecem os objetivos”. Na fase colonial, portugueses, franceses e holandeses, vinham com seus navios movidos à vela, até a colônia, e daqui saíam carregados com ouro, pau-brasil, aguardente, sal, etc.; no presente, os “grandes conquistadores” do FMI, vêm à periferia com seus jatos, e daqui se retiram levando nossas reservas cambiais. Durante o jugo da metrópole, vinham governadores gerais e vice-reis, para gerenciar a colônia, na atualidade, somos “governados” por brasileiros natos, só que as determinações do que o governo tem de fazer ou deixar de fazer, dentro do país, normalmente são ditadas pelo imperialismo capitalista estrangeiro.
Com relação à África “A imposição do colonialismo extinguiu a escravidão como um modo de produção e marcou a completa integração da África na órbita do capitalismo”. A África permaneceu periférica ao capitalismo, mesmo quando a escravidão foi desmontada. “As novas formas de organização do trabalho-migração, produção camponesa, coerção colonial através de taxação e dos projetos de corvéia, e o alistamento militar compulsório- estavam associadas á dominação colonial.” Relata Paul Lovejoy (2002, p.408 e 409).
1.4 A abolição da escravidão: interesses e manutenção da desigualdade social
A partir da metade do século XIX a escravidão no Brasil passou a ser contestada pela Inglaterra. Interessada em ampliar seu mercado consumidor no Brasil e no mundo. O Parlamento Inglês aprovou a Lei Bill Aberdeen (1845), que proibia o tráfico de escravos, dando o poder aos ingleses de abordarem e aprisionarem navios de países que faziam esta prática. (direito de busca e apreensão)
Em 1850, o Brasil cedeu às pressões inglesas e aprovou a Lei Eusébio de Queiróz que acabou com o tráfico negreiro.
Em 1854 Portugal decreta que os escravos em seus territórios são livres. E em 1869 abole a escravidão. Em 28 de setembro de 1871 era aprovada a Lei do Ventre Livre que dava liberdade aos filhos de escravos nascidos a partir daquela data. E no ano de 1885 era promulgada a Lei dos Sexagenários que garantia liberdade aos escravos com mais de 60 anos de idade.
Somente no final do século XIX é que a escravidão foi mundialmente proibida . Aqui no Brasil, sua abolição se deu em 13 de maio de 1888 com a promulgação da Lei Áurea, feita pela Princesa Isabel. A assinatura da lei Áurea, decretou o fim do direito de propriedade de uma pessoa sobre outra. Portanto, o Brasil foi o último país americano a abolir a escravidão Pelo menos formalmente.
Mas observa-se que o drama dos trabalhadores daqui não era diferente do resto do mundo.Como lembra Evaristo de Moraes Filho (1971 p III), na introdução do relançamento do livro do pai – Evaristo de Moraes – que descreve o seguinte:
“A falta de higiene e de segurança nas fábricas que surgiam, as condições exaustivas de prestação de serviço, durante mais de 12 horas de trabalho fatigante, sem descanso obrigatório nem férias, com salários de fome, tudo isso representada a sociedade industrial brasileira […], como já havia acontecido com a Europa no século XIX.”
Passou-se mais de 120 anos da assinatura da Lei Áurea, mas o nosso país ainda convive com as marcas deixadas pela exploração da mão-de-obra escrava. Conforme cálculos da Comissão Pastoral da Terra, (CPT) existem no Brasil 25 a 40 mil pessoas submetidas às condições análogas a de escravo. Os dados constituem uma realidade de grave violação aos direitos humanos, que envergonham não somente os brasileiros, mas toda a comunidade internacional. ¹
A nova escravidão é mais vantajosa para os empresários que a da época do Brasil – Colônia e do Império, pelo menos do ponto de vista financeiro e operacional.
O sociólogo norte-americano Kevin Bales, considerado um dos maiores especialistas no tema, traçou paralelos entre esses dois sistemas que demonstram que o histórico de desigualdade da população negra não se alterou substancialmente após a assinatura da Lei Áurea, em maio de 1888. Apesar da escravidão ter se tornado oficialmente ilegal, o Estado e a sociedade não garantiram condições para os libertos poderem efetivar sua cidadania.[6]
E como bem ressalta Paul lovejoy (2002, p. 409-410):
“A questão não é se houve ou não um rompimento drástico com o passado, mas a maneiras pelas quais as pessoas foram capazes de formar a nova ordem, preservando a antiga ou superando-a […]
O surgimento de um sistema internacional de escravidão uniu as Américas […] e a África, assim como a antiga historia da escravidão nos países mulçumanos tinha atraído algumas regiões da África para a órbita islâmica
O desmonte desse sistema internacional exigiu mais do que a libertação dos escravos nas Américas, e o legado da opressão e do racismo nas Américas é apenas um aspecto da trágica herança da escravidão.”
Atualmente a etnia não significa vulnerabilidade ou propensão ao trabalho escravo ou análogo a este. A seleção se dá pela capacidade da força física de trabalho e baixos custos, não pela cor. Qualquer pessoa miserável moradora nas regiões de grande incidência de aliciamento para a escravidão pode cair na rede da escravidão.
Há uma grande incidência de afro descendentes entre os libertados da escravidão em uma proporção maior do que a que ocorre no restante da população
brasileira (de acordo com integrantes dos dados dos Grupos Móveis de Fiscalização). Por fim, as estatísticas mostram que há mais negros pobres do que brancos pobres no Brasil. Outro fator a ser considerado é que o Maranhão, um dos Estados com maior quantidade de trabalhadores libertos da escravidão, é também a unidade da federação com menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e o que possui a maior quantidade de comunidades quilombolas.[7]
Varias são as causas que impulsionam o homem à escravidão, dentre elas a desigualdade social e a impunidade. Da primeira como conseqüência tem-se a pobreza, a miséria, e o desemprego, a ausência de educação “adequada”, (dentre outras). Da segunda a reincidência e incentivo a pratica da escravidão ou semelhante a ela.
De acordo com especialistas “o Brasil combate a escravidão e não as causas da escravidão”. É numa entrevista para o site agencia repórter Brasil o padre Xavier Marie Plassat, da Pastoral da Terra, apontou a miséria como causa do trabalho escravo: “o Brasil precisa de educação, empregos e reforma agrária para erradicar a miséria que propicia o trabalho escravo.”[8]
Sem dúvida a miséria no mundo e especialmente no Brasil é a conseqüência da desigualdade social. A riqueza nas mãos de uma minoria (classe dominante) tem sido uma arma de coação física e moral contra a maioria dominada.
A exclusão social torna os marginalizados cada vez mais supérfluos e incapazes de ter uma vida digna, levando-os a um esforço sobrenatural, para obter o mínimo necessário para sua sobrevivência. Como por exemplo, alimentação e educação adequada.
Infelizmente as autoridades as quais nos representam são as principais causadoras desse processo de desigualdade que causa exclusão e que gera violência.
A exclusão social está presente no Brasil desde a época da colônia, como já visto, em função da adoção de uma estrutura econômica escravagista, que se reproduziu e permanece até hoje, embora com um grau menor e de maneira menos ostensiva.
A temática da exclusão social passou a ganhar destaque no país na década de 70, diretamente relacionado ao crescimento econômico, oriundo do período ditatorial brasileiro.
O Brasil é hoje o país com os maiores índices de desigualdade, segundo a Unesco. Os 10% mais ricos detém mais de 46% da renda nacional, enquanto os 50% mais pobres detém somente 14% da renda do país. São dados, inclusive, piores dos que os apresentados por países africanos, reconhecidos mundialmente por sua situação de miserabilidade.
Outro fator que contribui para a desigualdade é a impunidade Pois são raríssimos os casos de condenação por mão-de-obra escrava e análoga a esta no Brasil.
O Diretor da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Armand Pereira (Apud 2007, OIT p. 69) aponta a impunidade como a principal causa da escravidão no Brasil. A pobreza não é a origem do trabalho escravo, e, sim, uma facilidade para quem comete esse tipo crime.
Ao abordar a escravidão na África, Paul Lovejoy (2002 p.33) declara: “[…] Existem exemplos de escravização voluntária, principalmente quando a ameaça de morrer de fome não deixava à pessoa nenhum outro recurso.”
Lovejoy defende que a escravidão não era um caso de violência consciente por parte da sociedade ou de um inimigo. Podia haver causas estruturais que colocavam pessoas em situações nas quais elas não podiam ter assegurada a sua sobrevivência e achavam necessário escravizar a si mesmas.
O interesse da manutenção da desigualdade social reside no interesse dos detentores do capital pelos lucros. Quanto mais inferioridade econômica do explorado mais dependência e vulnerabilidade.
Hoje é evidente entre os políticos, principalmente em ano eleitoral, como este, a famosa campanha em prol dos direitos humanos. E a base desses discursos sempre é a desigualdade entre classes, a erradicação da miséria, da escravidão, salários mais justos para os trabalhadores, etc. Em fim, promessas de condições dignas para sobrevivência de qualquer ser humano. Mas, são apenas promessas, pois qual será o seu discurso ou o que defenderá e que bandeira levantará nas próximas eleições se as desigualdades desaparecerem?
A Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo (CONATRAE) enumerou as mentiras mais contadas por aqueles que não querem ver o problema da escravidão resolvido.[9]
Mentiras:
1. Não existe trabalho escravo no Brasil.
2. A escravidão foi extinta em 13 de maio de 1888.
3. Se o problema existe, é pequeno. Além disso, apenas uma meia dúzia de fazendeiros utiliza trabalho escravo.
4. A lei não explica detalhadamente o que é trabalho escravo. Com isso, o empresário não sabe o que é proibido fazer.
5. A culpa não é do fazendeiro e sim de “gatos”, gerentes e prepostos. O empresário não sabe dos fatos que ocorrem dentro de sua fazenda e por isso não pode ser responsabilizado.
6. O trabalho escravo urbano é do mesmo tamanho que o trabalho rural.
7. Já existem muitas punições para quem pratica trabalho escravo. É só fazer cumprir a lei que a questão está resolvida. Não é necessária a aprovação de uma lei de confisco de terras.
8. A Justiça já tem muitos instrumentos para combater o trabalho escravo, não é necessário criar mais um.
9. Esse tipo de relação de trabalho já faz parte da cultura da região.
10. Não é possível aplicar a legislação trabalhista na região de fronteira agrícola amazônica. Isso geraria desemprego.
11. A fiscalização abusa do poder e é guiada por um viés ideológico. A Polícia Federal entra armada nas fazendas.
12. A divulgação internacional prejudica o comércio exterior e vai trazer prejuízo ao país.
13. A imprensa prejudica a imagem de estados como Pará, Mato Grosso, Tocantins, Maranhão, Rio de Janeiro e Bahia, entre outros, ao mostrar que há propriedades com trabalho escravo.
14. O Estado está ausente da região de fronteira agrícola e só aparece para punir quem está desenvolvendo o país.
2 A ESCRAVIDÃO CAPITALISTA CONTEMPORÂNEA.
2.1 A relação da escravidão com a globalização neoliberal: o contexto neo-escravocrata mundial
Segundo Relatório Global da OIT de 2007, ao menos 12,3 milhões de pessoas no mundo sofrem as penas do trabalho forçado. As diversas modalidades de trabalho forçado no mundo têm sempre em comum duas características: o uso da coação e a negação da liberdade. No Brasil, o trabalho escravo resulta da soma do trabalho degradante com a privação de liberdade. O trabalhador fica preso a uma dívida, tem seus documentos retidos, é levado a um local isolado geograficamente o que dificulta o seu retorno para casa, ou é impedido por seguranças armados.
À Revolução Industrial do século XVIII eclodida com a invenção da máquina a vapor e o uso da eletricidade, seguiu-se a Segunda Revolução Industrial, no início do século XX, marcada pela produção em série e em massa, com empresas verticalizadas, que desenvolviam, dentro das fábricas, todas as etapas do processo produtivo, desde a matéria-prima até a comercialização do produto final (método fordista-taylorista).
O Estado, por sua vez, intervinha na economia concedendo, de um lado, infra-estrutura, e de outro, garantindo o consumo, adotando políticas de bem-estar social, seguindo as lições de Keynes. Tudo funcionava bem. Todavia, após um longo período de acumulação de capitais, o capitalismo do bem estar social, (welfare state), dos anos 1960 e 1970, sentido fundamentalmente no Primeiro Mundo, passou por uma crise estrutural, a partir dos anos 1970.
O Japão pós-1945 já vinha se reestruturando, e, estando o Ocidente em crise (a partir dos anos 1970), passou a distribuir sua receita toyotista, que traz como ponto de partida básico um número reduzido de trabalhadores, priorizando apenas o que é central na especialidade do processo produtivo (teoria do foco), gerando empresas com estruturas horizontalizadas – o que faz ampliar o espaço do processo produtivo.
Assim, desde a década de 70, o modo de organização da empresa vem sofrendo substancial modificação, com formas mais flexíveis de trabalho, menos hierarquizadas – acentuadas pelos avanços tecnológicos, com destaque para o uso da microeletrônica, biogenética e comunicação, ensejando a Terceira Revolução Industrial ou Terceira Onda – que difunde a automação das empresas, nítida nos países economicamente desenvolvidos. O trabalho vivo é trocado pelo trabalho morto, ou seja, troca-se o homem pela máquina.
Essa Terceira Revolução Industrial repercutiu intensa e diretamente nas relações de trabalho, como as revoluções industriais anteriores o fizeram, por serem as mudanças sociais corolário das econômicas. Paralelamente, a partir dos anos 1970, marcados pelas crises do petróleo. Pode-se destacar entre elas a guerra do Yom Kipur (1973), a revolução Islamica do Irã (1979) e a guerra Irã-Iraque (a partir de 1980). Os preços do barril de petróleo atingiram valores altíssimos, chegando a aumentar até 400% em cinco meses (17/10/1973 – 18/3/1974), o que provocou grande recessão nos EUA e na Europa desestabilizando a economia ao redor do mundo pela retração do consumo mundial. Em 1989 verificou-se o fim da guerra fria, que teve como emblema a Queda do Muro de Berlim, a derrocada do socialismo soviético e no leste europeu eliminou-se a ameaça da expansão socialista, preparando o caminho para o ressurgimento do liberalismo econômico em detrimento das políticas do bem-estar social.
Iniciou-se um processo de reorganização econômica onde o capital passou, então, a movimentar um processo de reestruturação produtiva, introduzindo novos problemas e desafios para o mundo do trabalho:
O neoliberalismo não foi uma idéia nova na história do moderno sistema-mundo, apesar de ter sido anunciada como tal. Era na verdade a antiga idéia de que os governos do mundo deviam sair do caminho das grandes e eficientes empresas, nos seus esforços para dominar o mercado mundial. A primeira implicação política era que todos os governos, deviam permitir que essas corporações atravessassem livremente cada fronteira com os seus bens e o seu capital (desmontagem do setor produtivo Estatal). A segunda implicação política era que os governos, deviam renunciar a qualquer papel como proprietários destas empresas produtivas, privatizando qualquer uma que fosse de sua propriedade (privatização do Estado). E a terceira implicação política era a de que os governos deveriam minimizar se não eliminar, todo e qualquer tipo de transferências de bem-estar social para as suas populações (desregulamentação do direito do Trabalho).
Neste contexto de reorganização do capital surge a globalização. E nenhum país é imune a ela. Hoje, a grande empresa se organiza em rede, externando as etapas do ciclo produtivo, para diversas empresas filhas situadas em todo o planeta.
Com a globalização e o desenvolvimento tecnológico acelerado em alguns setores e alguns países em detrimento de outros, promove-se uma desvalorização generalizada do trabalho e as pessoas não conseguem sobreviver a não ser em condições de extrema degradação.[10]
O “modelo” neoliberal globalizante, implementado no Brasil principalmente a partir de 1990, articulado numa ampla aliança mundial, fundada internamente nas elites urbanas, rurais e nas altas classes, que passaram por sua vez a operar importantes mudanças estruturais que para garantir o seu funcionamento levou o país para uma situação de total dependência externa e profunda ilusão política num suposto desenvolvimento nacional.
Este modelo neoliberal globalizante, que já havia reforçado a desigualdade estrutural existente na sociedade brasileira, reforçou o domínio das chamadas leis dos serviços públicos de mercado, do individualismo, da competitividade e do
consumismo, sufocando os valores da igualdade, da solidariedade, da soberania nacional, de uma democracia participativa.
Este modelo econômico se subordinou ao grande capital, impondo privatização de estatais, abertura comercial sem salvaguardas nem contrapartida. Nos últimos vinte anos ele agravou a violência e a crise de valores, a corrupção e a inércia da maioria dos movimentos sociais, inclusive o sindical, carreirismo político e oportunismos.
Assim, se por um lado, a mundialização da economia alavanca o desenvolvimento econômico, por outro, agrava o quadro da miséria, do desemprego e da marginalização. Ingredientes perfeitos para o aliciamento de mão-de-obra escrava.
Vê-se, pois que o mundo do trabalho está em disponibilidade para o capital e sem direitos, para que as regras do mercado, como preconiza o sistema neoliberal, não sofra nenhum tipo de restrição. Dá-se uma ofensiva generalizada do capital e do Estado contra a classe trabalhadora e contra as condições vigentes no apogeu do fordismo. Daí a precarização do trabalho e dos direitos sociais, implicando em aceleradas formas de desigualdades sociais. O que ocorre é uma mudança no trabalho, que deixa de ser mais garantido como no regime taylorista – fordista, para ser flexível adaptado ao novo contexto econômico, só que em processo de desregulamentação, o que implica na desmonta de direitos sociais arduamente conquistados pela classe operária, acentuando a terceirização.
O raciocínio do mercado globalizado neoliberal impõe sua ideologia e antes de sugar toda a força produtiva do trabalhador já consegue fazer dele um derrotado. Pois, mostra-lhe a todo instante que ele não é capaz de acompanhar a veloz evolução tecnológica, fazendo-o sentir-se frágil, impotente, incompetente e culpado. As novas técnicas de gestão nesta fase informacional, com a propagação dos meios informatizados de produção fazem o operário acreditar que ele não se atualizou que está fadado à exclusão do Mercado de trabalho pela sua própria inércia.
O sucesso empresarial hoje depende da transformação de uma tecnologia em um padrão para o mercado. Enquanto todo tempo em que aquela tecnologia funciona com padrão a empresa que a controla aufere renda de monopólio, ampliando fantasticamente sua lucratividade. O ritmo acelerado da substituição tecnológica caracterizou todos os ciclos de inovações. Tecnologias recentes são rapidamente superadas e tornam-se obsoletas.
Especificamente no Brasil, o colapso do padrão de financiamento da economia brasileira no início dos anos 80, em razão da crise da dívida externa, levou à adoção de um conjunto de programas de ajustes macroeconômicos, que até hoje prejudicam a retomada do crescimento econômico sustentado. Nesse cenário, o país terminou rompendo com a tendência de estruturação do mercado de trabalho inaugurada ainda nos anos 30 com Vargas.
Nas negociações realizadas entre 1982 e 1988, os credores eram contrários a redução no valor da dívida. Em 1989, Nicholas Brady, então secretário do Tesouro dos Estados Unidos, apresentou um plano cujos princípios orientaram o acordo assinado, em abril de 1994, no final da gestão de Fernando Henrique Cardoso como ministro da Fazenda. Logo depois de assinar o acordo, Fernando Henrique Cardoso seria lançado candidato à presidência da República
Conforme análise do professor Paulo Nogueira Batista Jr., o Brasil era, até abril de 1994, o único dos principais devedores latino-americanos que ainda não havia aderido ao chamado Plano Brady. A adesão brasileira foi negociada no final do governo Collor, por um governo profundamente fragilizado, ameaçado de impeachment, que tentava apressar a definição das características fundamentais do acordo, com o intuito de criar um fato político capaz de reforçar a sua base de apoio externa e as suas chances de sobrevivência em face da crescente oposição interna.
O economista Marcio Pochmann divide à evolução do mercado de trabalho em dois períodos:
“Em síntese, podemos observar dois períodos muito distintos no que diz respeito à evolução do mercado de trabalho. Um movimento de estruturação do mercado de trabalho que ocorreu simultaneamente ao processo de industrialização e institucionalização das relações e condições de trabalho (1940/1980), marcado pela expansão do emprego assalariado, principalmente com registro, e das ocupações nos segmentos organizados da economia (tipicamente capitalista).
O período pós 1980 foi de reversão na trajetória geral das ocupações, com fortes sinais de uma progressiva desestruturação do mercado de trabalho. O desassalariamento de parcela crescente da População Economicamente Ativa e a expansão das ocupações nos segmentos não-organizados e do desemprego têm ocorrido paralelamente ao abandono do projeto de industrialização nacional e da adoção de políticas macroeconômicas de reinserção internacional e enfraquecimento do estatuto do trabalhador”[11]
O discurso neoliberal afeta os princípios do Direito do Trabalho, especialmente o princípio da proteção quando desloca a proteção para o empregador, sob o argumento de que o emprego é o bem maior. O pior é que, deste modo, jamais consegue se vir como produtor da riqueza, colaborador no crescimento econômico e, sobretudo, como pessoa humana, agente e sujeito da sociedade, com dignidade e honra que devam ser respeitados por seus companheiros de trabalho, pelos patrões e pelo Estado.
Infelizmente muitos trabalhadores, por motivos óbvios, não conseguem compreender seu lugar nesse contesto capital X trabalho, haja vista que nunca foram respeitados , nunca foram tratados como gente, nunca foram verdadeiramente cidadãos e nem tiveram acesso efetivo aos direitos inerentes à dignidade humana. Não são os direitos apenas que lhes são negados, mas o reconhecimento de sua condição humana. E isto é terrivelmente cruel e desonroso.
O liberalismo trás com ele infrações cada vez mais freqüentes das leis trabalhistas: empregar pessoas sem carteira de trabalho para não pagar as contribuições previdenciárias e poder demiti-las em caso acidente de trabalho, sem penalidade; empregar pessoas sem lhes pagar o que é devido; exigir um trabalho cuja duração ultrapassa as autorizações legais, etc.
Entre outros males também está a manipulação deliberada da ameaça, da chantagem e de insinuações contra os trabalhadores, no intuito de desestabilizá-los psicologicamente, de levá-los a cometer erros, para depois usar as conseqüências desses atos como pretexto para a demissão por incompetência profissional, como sucede amiúde com os gerentes.
Como declaração do ex-presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho- ANAMATRA (APUD 2007 OIT p 92)
“Transigir com o desrespeito à supremacia da sensibilidade do ser humano, negando-lhe esta qualidade é acima de tudo abrir mão de qualquer sentimento moral, negando ao homem o direito de existir.
Estou absolutamente convencido de que todos os atos são importantes, insuficientes, no entanto, para eliminar as formas degradantes de exploração do trabalho humano, se não tivermos a capacidade crítica de romper com a ideologia neoliberal que domina o mundo, responsável pela propagação da idéia de que “qualquer trabalho é melhor do que nada”.
Ainda é prematuro definir com precisão o grau e a extensão da crise econômica que enfrentaremos no próximo período histórico, mas um dado fundamental é que a opção das elites brasileiras em abandonar a idéia de construir uma economia nacional e independente, e a implementação de um projeto que subordinou a economia brasileira ao capital internacional financeiro nos levou a um cenário econômico, político e social extremamente grave, que nos próximos anos poderá nos levar a uma nova crise do modelo econômico.”
Nos países o impacto é evidente: na Índia, na Tailândia, no Sri Lanka, há pais vendendo filhos, Na Europa está havendo muito trabalho doméstico em condições degradantes, envolvendo especialmente mulheres levadas da África por traficantes, assim como prostituição de mulheres jovens oriundas do Brasil ou da Rússia.
Na Inglaterra é mais comum o trabalho doméstico; na Itália e na França, há mais escravização sexual, prostituição; e na Alemanha, trabalho industrial. Essas pessoas são clandestinas, não têm direitos, ficam com medo de denunciar, porque correm o risco de serem deportadas e voltar em condições ainda piores para o seu país.
Na China, nas áreas em que acontece uma industrialização e uma aproximação com os países capitalistas há muita gente trabalhando em condições sub-humanas, vivendo na rua ou embaixo de pontes. Na antiga União Soviética: trabalho infantil e escravo nos Urais.
No Sudão, os muçulmanos estão usando na guerra crianças negras capturadas e convertidas em soldados.
O segundo governo de Luís Inácio da Silva ao continuar a implementação da liberalização da economia como condição de suposta modernização do Brasil e a praticar uma inserção nacional na globalização neoliberal de forma dependente e subordinada impôs ao país um modelo econômico com forte predomínio da produção agrária para exportação e sob o comando de agro-indústrias nacionais e multinacionais, que tendem a forçar cada vez mais a desorganização da agricultura familiar e a trazer sérias implicações sociais para a realidade social brasileira.
O trabalho forçado é conseqüência do modelo de globalização adotado no mundo, em que a competitividade instiga uma constante redução nos custos do trabalho. Com isso, leva para baixo as condições de emprego, culminando na imposição do trabalho forçado e de um sistema para suprir esse tipo de mão-de-obra. O que acontece em países pobres ou ricos. Arion Sayão Romita[12], divide a globalização em quatro fases: do Império romano; fase das grandes navegações o período das guerras napoleônicas da livre iniciativa e da livre concorrência; e a quarta fase que é a fase da internet, das empresas transnacionais e da economia mundializada( Alguns colocam como etapa Monopólio Financeira).
Nicola Phillips, professora de economia política da Universidade de Manchester, defendeu que o tráfico de pessoas para exploração econômica e sexual está relacionado ao modelo de globalização e de capitalismo que o mundo adota.
Esse modelo é baseado em um entendimento de competitividade nos negócios que pressiona por uma redução constante nos custos do trabalho. Empregadores tentam flexibilizar ao máximo as leis e relações trabalhistas para lucrar com isso e, ao mesmo tempo, atender uma procura por produtos cada vez mais baratos por parte dos consumidores. Para atuar no problema, deve-se atuar tanto na oferta desse tipo de mão-de-obra quanto na demanda. Uma das ramificações do processo de flexibilização como já mencionado, é a terceirização.
2.2 A escravidão no Brasil em suas várias regiões
“Em geral, onde há muita miséria, não há trabalho escravo. Onde há miséria, existe uma população apta ao aliciamento, ali vai se encontrar a mão de obra necessária que vai para outras regiões.” (Padre Ricardo Resende Figueira).
Há escravidão em todas as regiões do Brasil e ela varia de acordo com a atividade econômica prevalecente e o nível de desigualdades ali constantes:
A Pastoral da Terra contabiliza cerca de 25 mil pessoas em situação de escravidão no Brasil. As denúncias surgiram nos anos 70. Mas, somente na década de 90 que o País assumiu as suas culpas. Em 1992, surgiu o Programa para a Erradicação do Trabalho Forçado (PERFOR). Em 1995, o Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado e o Grupo Móvel de Fiscalização. Infelizmente o quadro de escravidão:
“…não se restringe a distantes e “inatingíveis” pontos do território nacional, locais em que o imaginário coletivo facilmente denominaria de “perdidos no tempo”. Esse quadro não ocorre isolado de uma realidade mais ampla, não se afasta de modernos atores econômicos, mas, antes, se repete nas grandes capitais brasileiras do Sudeste, quer na exploração de imigrantes clandestinos, quer na repetição da exploração da miséria dos migrantes brasileiros ou, ainda, atingindo brasileiros que se lançam ao exterior, seja em razão do tráfico de seres humanos para prostituição, seja nas relações domésticas”. ( OIT 2007, p.15)
Em 2003, o Governo lançou o Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e, em seguida, a Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (CONATRAE) – com representantes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e de vários segmentos da sociedade civil. (OIT 2007, p. 48-49)
A escravidão contemporânea é mais cruel e desumana que a escravidão nos tempos primórdios. Ela se caracteriza pelo cerceamento da liberdade, pela degradação das condições de trabalho, pela servidão por dívida, pelas condições de isolamento geográfico, pelo uso da violência, pelo acirramento das relações sociais e pelo desrespeito e violação aos direitos humanos.
A carvoaria usa mão-de-obra masculina como, também, feminina e infantil. Na fruticultura ou na área de cana de açúcar há presença feminina e infantil. Mas o trabalho de derrubar floresta, para plantar pasto, é prioritariamente executado pela mão-de-obra masculina.
As formas de escravidão encontradas no Brasil se diversificam em trabalho forçado, Escravidão por Dividas, Trabalho Degradante, jornada de Trabalho Exaustiva e Escravidão Infanto-Juvenil as quais estão abaixo conceituadas:
1. Trabalho Forçado
Que se caracteriza como sendo todo trabalho ou serviço exigido de um indivíduo sob ameaça de qualquer penalidade e para o qual ele não se ofereceu de espontânea vontade (Convenção nº29 OIT, 1930, p.1).
2. Escravidão por Dívidas
Neste modelo, a pessoa empenha sua própria capacidade de trabalho ou a de pessoas sob sua responsabilidade (esposa, filhos, pais) para saldar uma conta. E isso acontece sem que o valor do serviço executado seja aplicado no abatimento da conta de forma razoável ou que a duração e a natureza do serviço estejam claramente definidas. A forma mais encontrada no país.
3. Trabalho Degradante
Este é evidenciado quando o trabalhador se vê obrigado a realizar suas atividades laborais sem as mínimas condições de higiene e segurança no ambiente de trabalho, prejudicando assim sua saúde física e mental.
Relaciona-se com próprio o trabalho escravo stricto sensu. Pressupõe, portanto, a falta explícita de liberdade. Mesmo nesse caso, porém, a idéia de constrição deve ser relativizada.
Este tem como modalidade a jornada de trabalho exaustiva.
3.1 Jornada de Trabalho Exaustiva
Esta está inserida nas condições degradantes por afrontar a dignidade do trabalhador.
Esta categoria se liga com o trabalho. Nesse contexto, entram não só a própria jornada exaustiva de que nos fala o CPB no art. 149 – seja ela extensa ou intensa – como o poder diretivo exacerbado, o assédio moral e situações análogas.
Note-se que, embora também o operário de uma fábrica possa sofrer essas mesmas violações, as circunstâncias que cercam o trabalho escravo – como a falta de opções, o clima opressivo e o grau de ignorância dos trabalhadores – as tornam mais graves ainda.
4 .Escravidão Infanto-Juvenil.
Como o nome sugere é a utilização de mão-de-obra de crianças e pré-adolescentes no trabalho escravo ou análogo a este. Aqui neste tipo, quase sempre os pais são coniventes com tal exploração.
No Nordeste brasileiro, as crianças e adolescentes estão presentes em mais de 11 atividades. Destas, a colheita da cana-de-açúcar é a principal atividade onde o trabalho infantil está envolvido.
Os Estados do Ceará e Pernambuco, juntamente com o Rio de Janeiro, são os recordistas na exploração de mão-de-obra infantil nos canaviais. Nesta atividade, as crianças cortam a cana, suportam o peso de sacos da planta e correm o risco até de sofrerem mutilação. Ademais, não trabalham menos de dez horas por dia, ficam expostos ao sol e fazem o serviço sem proteção nenhuma.
O mesmo panorama se descortina nos sisais da Bahia; na cultura do fumo em Alagoas; na colheita da uva em Pernambuco e Rio Grande do Norte; nas salinas do Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte; nas cerâmicas de Alagoas, Rio Grande do Norte, Bahia, Pernambuco, Piauí, Sergipe e Maranhão; e nas pedreiras de Pernambuco, Alagoas, Bahia, Rio Grande do Norte, Paraíba e Piauí.
Na região Sul, que ao lado do Sudeste, é considerada a mais rica e desenvolvida, a mão-de-obra infantil é explorada em 21 atividades. Só o Rio Grande do Sul concentra 11 dessas atividades.
As extrações de acácia e ametista no Rio Grande do Sul, pelos menores, são as que mais chocam. As crianças lavam as pedras de ametista com produtos químicos tóxicos sem nenhuma proteção, ficam expostos à fuligem da máquina de lixar a pedra e suportam o peso do minério das minas até o local de beneficiamento. Podendo até serem mutiladas na lixa.
Igualmente, a mão-de-obra infantil é usada nas madeireiras de Santa Catarina e Paraná; na produção de cerâmica no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná; nas cristaleiras de Santa Catarina; na construção civil dos centros urbanos do Paraná e Santa Catarina; na indústria moveleira e no curtume dos três estados sulistas.
Na zona urbana dos Estados do Sul, a situação se iguala ao Nordeste, nos escritórios, comércios e supermercados.
No Centro-Oeste a exploração da força de trabalho infantil é deprimente. Em Goiás, os adolescentes trabalham duro em jornadas diárias que não duram menos que 10 horas na colheita do algodão, do tomate e do alho. Todavia, o que mais impressiona são as olarias e cerâmicas, onde as crianças começam a trabalhar às quatro da manhã e vão até as cinco e meia da tarde.
Nas pequenas e precárias fábricas de cerâmica, adolescentes menores de 14 anos chegam a empurrar carretas com mais de 150 quilos de tijolos sob um terreno irregular. E suportam o calor intenso dos fornos por horas até os tijolos ficarem prontos.
Na zona urbana de Mato Grosso, há crianças catadoras de lixo, que brincam, comem e tiram o sustento do dia, tentando separar o lixo reciclável para vender em outros lugares. Já no Mato Grosso do Sul as carvoarias batem recorde na exploração do trabalho infantil.
A mão de obra de imigrantes é outra questão que tem vindo à tona nos centros urbanos,refletindo a atual situação .
Segundo estimativa do Conselho Nacional de Imigração, vinculado ao Ministério do Trabalho, atualmente existem no país 800 mil trabalhadores imigrantes em situação legal. Outros 200 mil estariam irregulares. No caso dos legais, predominam os portugueses, enquanto os bolivianos aparecem em maior número entre os irregulares.
Especificamente aos mais de 100 mil bolivianos que hoje trabalham no Estado de São Paulo, a maioria está em situação irregular, sem visto para trabalho, e exercem atividades em oficinas de confecção.
Estimativas da Pastoral do Migrante Latino-Americano apontam que há hoje mais de 200 mil bolivianos vivendo no município de São Paulo. Destes, cerca de 12 mil em situação de escravidão. Como trabalham de forma irregular, autoridades brasileiras não têm informações exatas para quantificá-los. Ações de fiscalização têm encontrado, com freqüência, nas pequenas tecelagens – onde a mão-de-obra boliviana é explorada. Num relatório expõe-se que:
“Os bolivianos costumam trabalhar das 6h às 23h ou das 7h às 24h e ganham entre R$ 200,00 e R$ 400,00 – valor difícil de ser alcançado – por mês. Moram num cubículo, no próprio local de trabalho. São quartinhos de 2,00m x 1,50m que abrigam o trabalhador, sua família, a máquina de costura e mais um espaço para colocar a roupa que é produzida (em alguns, o quarto e a oficina ficam em ambientes diferentes). Os colchões são enrolados durante o dia e à noite, quando vão dormir, se transformam em cama. As roupas prontas são normalmente entregues a coreanos que têm lojas de roupas baratas[…]
[…]Há entre os bolivianos formas de descontos e dívidas, dois elementos que acabam mantendo os trabalhadores no local. Eles seguem trabalhando gratuitamente até que paguem a dívida. Se errarem em alguma peça, pagam pela peça inteira o preço que o dono venderia para os coreanos. Em fases boas, costuram de 200 a 250 peças por dia. Hoje em dia, ficam em média com 80 peças diárias, recebendo R$ 0,10 por cada uma delas – deveriam receber R$ 0,20; a diferença fica pela moradia e alimentação.[13]”
O art. 5º da CFB/88 prevê igualdade para estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito a vida, a liberdade a igualdade a segurança e a propriedade, nos termos nela dispostos.
Cabe aqui salientar que a Lei 6.815/80 Art. 125, XII prevê como crime: Introduzir estrangeiro clandestinamente ou ocultar clandestino ou irregular. Sob pena de detenção de um a três anos e, se o infrator for estrangeiro, expulsão.
As usinas sucroalcooleiras são as principais responsáveis pelo trabalho escravo no Brasil, segundo pesquisa da CPT (Comissão Pastoral da Terra) divulgada. O setor também é apontado como o campeão de desrespeito à legislação trabalhista. Dos 5.974 trabalhadores libertados da escravidão pelo Grupo Móvel do Ministério do Trabalho em 2007, 3.131 – ou seja, 52% – saíram de usinas do setor sucroalcooleiro.[14]
De acordo com nota da CPT, a expansão da área plantada com cana-de-açúcar, motivada pelo incentivo ao biocombustível, pode aumentar as ocorrências de trabalho escravo. A CPT informa que essas usinas também desrespeitam a legislação trabalhista e a maioria está ligada ao setor da cana.
Um resumo sobre o documento “Direitos Humanos e Indústria da Cana” revela que A indústria da cana sempre teve grande importância na economia e no processo histórico brasileiros. A atividade adquiriu dimensão ainda maior no Brasil com a crise internacional dos anos 70, que causou forte alta no mercado petroleiro e impulsionou o setor canavieiro, a partir da criação do Proálcool. De 1972 a 1995, o governo brasileiro incentivou o aumento da área de plantação de cana (as plantations) e a estruturação do complexo sucro-alcooleiro, com grandes subsídios e diferentes formas de incentivo.
O Brasil é atualmente o maior produtor mundial de etanol e atingiu um recorde de 17,4 bilhões de litros em 2006. Neste ano, cerca de 4,2 bilhões de litros de álcool deverão ser destinados à exportação. Estima-se que até 2012 a produção anual de etanol no Brasil seja de 35 bilhões de litros.
Algumas grandes empresas estrangeiras têm adquirido usinas de cana no Brasil, entre elas Bunge, Noble Group, ADM e Dreyfus, além de mega-empresários como George Soros e Bill Gates. Assim como as Companhias que se instalaram no Brasil no ciclo do ouro com o fim de extrair riquezas.[15]
A expansão de monoculturas para a produção de agrocombustíveis tem trazido conseqüências para o país. Uma delas é a ampliação da grilagem (que é a ação ilegal visando transferir terra pública para bens de terceiros) de grandes áreas de terras públicas pelas empresas produtoras de soja, além de “legalizar” as grilagens já existentes. O ciclo da grilagem no Brasil costuma começar com o desmatamento, utilizando-se de trabalho escravo, depois vem a pecuária e a produção de soja.
Outra conseqüência do monopólio da terra pelos usineiros é o desemprego em outros setores econômicos, estimulando a migração e a submissão de trabalhadores a condições degradantes. Apesar da propaganda de “eficiência”, a indústria de agroenergia está baseada na exploração de mão-de-obra barata e até mesmo escrava.
Os trabalhadores são remunerados por quantidade de cana cortada e não por horas trabalhadas.
No estado de São Paulo, maior produtor do país, a meta de cada trabalhador é cortar entre 10 e 15 toneladas de cana por dia e recebem R$2,92 por tonelada de cana cortada e empilhada.
Novas pesquisas com cana de açúcar transgênica, mais leve e com maior nível de sacarose, significam mais lucros para os usineiros e mais exploração para os trabalhadores.
Entre 2004 e 2007 foram registradas 20 mortes por exaustão no corte da cana. Em 2005, outras 450 mortes de trabalhadores foram registradas pelo MTE nas usinas de São Paulo.
As causas destas mortes de trabalhadores variam em:
1 Homicídios ;
2 Acidentes no precário transporte para as usinas;
3 Doenças como parada cardíaca, câncer;
4 Carbonização durante as queimadas.
O trabalho escravo também é comum no setor:
Os trabalhadores são geralmente migrantes do nordeste ou do Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, aliciados por intermediários que selecionam a mão-de-obra para as usinas. Mais conhecidos como “gatos” ou “turmeiros”.
Em 2006, a Procuradoria do Ministério Público fiscalizou 74 usinas no estado de São Paulo e todas foram autuadas.
Em março de 2007, fiscais do MTE resgataram 288 trabalhadores em situação de escravidão em seis usinas de São Paulo. Em outra operação realizada em março, o Grupo de Fiscalização da Delegacia Regional do Trabalho em Mato Grosso do Sul resgatou 409 trabalhadores no canavial da usina de álcool Centro Oeste Iguatemi. Entre eles, havia um grupo de 150 índios. E em novembro o Grupo Móvel de Fiscalização descobriu 1011 indígenas vivendo em condições degradantes nas usinas. A utilização da mão-de-obra indígena permanece figurando no cenário das plantações.
No dia 8 de abril de 2008, uma fiscalização do Grupo identificou 1.500 trabalhadores em condições degradantes nos municípios de Campo Alegre de Goiás e Mineiros, ambos em Goiás, e Alto Taquari, em Mato Grosso. Ou seja, todos os anos, centenas de trabalhadores são encontrados em condições semelhantes nos canaviais: sem registro trabalhista, sem equipamentos de proteção, sem água ou alimentação adequada, sem acesso a banheiros e vivendo em moradias precárias. Muitas vezes os trabalhadores precisam pagar por instrumentos como botas e facões. No caso de acidentes de trabalho, não recebem tratamento adequado. O Ministério Público do Trabalho decidiu ajuizar três ações civis públicas por danos morais coletivos contra a empresa, no valor de R$ 5 milhões cada.
A Pastoral dos Migrantes estima que cerca de 200 mil trabalhadores migrantes trabalhem em São Paulo no período da safra da cana, laranja e café. No setor canavieiro do estado, o número de migrantes por safra é estimado em 40 mil. As condições de trabalho dessas pessoas violam sistematicamente os direitos humanos. Esses trabalhadores muitas vezes iniciam suas atividades já endividados e a situação antes “temporária”, torna-se agora permanente por falta de alternativas de emprego em suas regiões de origem. Uma das dívidas contraídas antes de iniciar o trabalho é com o transporte (em grande parte, clandestino).
Na entressafra, um número mais reduzido de mão-de-obra é utilizado para o preparo da terra e plantio em algumas áreas, além da aplicação de agrotóxicos. O desemprego causado pelo modelo agrícola baseado na monocultura e no latifúndio aumenta o contingente de trabalhadores que se submetem a trabalhar em lugares distantes de sua origem, em condições precárias.
Na região dos canaviais aumentam as chamadas “cidades-dormitórios”, onde os trabalhadores migrantes vivem em cortiços, barracos ou nas “pensões”. Apesar da situação precária, os custos com moradia e alimentação são muito acima da média, pagos pela população em geral. Tanto os alojamentos das usinas quanto as “pensões” são barracos ou galpões improvisados, superlotados, sem ventilação ou condições mínimas de higiene.
A incorporação de novas tecnologias no setor canavieiro aprofundou a dinâmica de exploração do trabalho, através de formas precárias de arregimentação, contratação, moradia, alimentação etc.
As colheitadeiras funcionam em áreas planas e contínuas, mas causam maior compactação do solo e prejudicam as mudas que deveriam rebrotar. A mecanização gera superexploração do trabalho porque cria novas exigências como o corte rente ao solo (para maior aproveitamento da concentração de sacarose) e a ponteira da cana bem aparada. Isso aumenta o esforço dos trabalhadores e a jornada de trabalho.
O corte mecanizado se tornou referência para a quantidade cortada pelos trabalhadores, que subiu de 5 a 6 toneladas por dia para cada trabalhador na década de 80, para 9 a 10 toneladas por dia na década de 90. Hoje, já se registra uma exigência das usinas de 12 a 15 toneladas por dia, principalmente em regiões onde o ritmo das máquinas se tornou referência de produtividade.
Há registros de quatro assassinatos de indígenas ocorridos em alojamentos de usinas. Menores de idade falsificam seus documentos para irem trabalhar no corte de cana, enganados por falsas promessas de ganhar muito dinheiro, deixam a escola da aldeia ou da cidade, burlando a fiscalização e saem muitas vezes, neste caso sem o consentimento dos pais.
O não cumprimento da meta freqüentemente significa que o trabalhador será dispensado e colocado em uma lista que circulará por diversas usinas, o que o impede de voltar a trabalhar na safra seguinte.
Um estudo apresentado por pesquisadores da Universidade Metodista de Piracicaba e do Centro de Referência de Saúde do Trabalhador, Erivelton Fontana de Laat e Rodolfo Vilela, respectivamente, mostram uma situação assustadora quanto às condições físicas em que fica o cortador de cana:
“Em 10 minutos o trabalhador derruba 400 quilos de cana, desfere 131 golpes de podão, faz 138 flexões de coluna, num ciclo médio de 5,6 segundos cada ação. O trabalho é feito em temperaturas acima de 27º C com muita fuligem no ar e ao final do dia terá ingerido mais de 7,8 litros de água, em média, desferido 3.792 golpes de podão e feito 3.994 flexões com rotação da coluna. A carga cardiovascular é alta, acima de 40%, e em momentos de pico os batimentos cardíacos chegam a 200 por minuto.”
O pagamento por produção é um complicador na situação do trabalho na cana-de-açúcar. Esse sistema colabora com a superexploração da mão-de-obra.
No pagamento por produção, as usinas usam um complicado sistema de medidas que impossibilita ao trabalhador ter um controle sobre a quantidade cortada e sobre o valor do pagamento. Uma forma de efetivar a mais-valia (excedente da produção).
A falta de controle da produção e do valor do pagamento pelos trabalhadores é o principal meio de pressão dos usineiros para aumentar a produtividade do trabalho, pois se os trabalhadores soubessem quanto ganhariam teriam a possibilidade de interromper o trabalho quando tivessem chegado ao limite de sua resistência física.
O setor sucroalcooleiro é responsável por grande parte dos números de trabalho escravo no Brasil. Segundo a Comissão Pastoral da Terra, 53% dos 5.974 trabalhadores libertados pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel, ou seja, 3.117 trabalhadores trabalhavam nas usinas sucroalcooleiras dos estados do Pará, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Goiás, São Paulo e Ceará.
O caso de maior dimensão ocorreu em Ulianópolis (PA) onde foram libertados no ano passado 1.064 trabalhadores numa usina. O relatório do MTE aponta servidão por dívidas, jornadas diárias de até 14 horas, falta de qualidade da água e da alimentação, falta de uso de equipamento de proteção, transporte inadequado, alojamentos superlotados, etc. Em junho de 2007, o Ministério do Trabalho resgatou 42 trabalhadores de uma usina do grupo Cosan, a maior do setor sucroalcooleiro, em Igarapava, São Paulo.
O relatório da missão internacional apontou dados preocupantes da União da Indústria de Cana- de -açúcar (ÚNICA):
Com a mecanização serão desativados todos os 189 mil postos de trabalho manuais em São Paulo até a safra 2010/21. Por outro lado, serão criados 55 mil postos em funções mecânicas e, possivelmente, outros 20 mil nas usinas. Ou seja, o desemprego atingirá, no mínimo, 114 mil trabalhadores somente em São Paulo até a safra 2020/21.
Há dúvidas, porém, sobre a possibilidade de se massificar a mecanização do setor, uma vez que os baixos salários e a precariedade das condições de trabalho tornam mais lucrativo para as empresas manter o corte manual do que investir em maquinário. Atualmente, mais de 60% da colheita da cana é feita manualmente no Brasil. Muitos trabalhadores morrem por exaustão. Entre 2004 e 2007 foram registradas 21 mortes por exaustão no corte da cana.
Com as sistemáticas denúncias destas condições de trabalho e dos alarmantes casos de morte por exaustão nas lavouras de açúcar, a Pastoral do Migrante avalia que houve uma pequena melhora no quadro geral:
De acordo com Padre Antônio Garcia, membro da equipe da Pastoral do Migrante em Guariba, São Paulo, o Ministério Público do Trabalho tem intensificado fiscalizações e autuações das empresas; a imprensa local e nacional tem dado importante visibilidade para o tema e isso faz com que as empresas tenham receio de serem autuadas, uma vez que não querem ter seu nome ligado à situação degradante de trabalho; além disso, por meio das audiências públicas que têm realizado na região, algumas em parceria com a Relatoria Nacional para o Direito Humano ao Trabalho, tiveram conquistas como a pausa no trabalho, o café com pão e a barraca contra o sol, para poderem almoçar.[16]
A realidade do povo brasileiro é lamentável! As pessoas parecem estar tão sonolentas e entorpecidas pelo trabalho como meio de suprir suas necessidades que acabam se submetendo a tais condições. Dar um basta e cobrar mais de quem deve garantir a dignidade do trabalhador em suas diversas categorias seja no trabalho informal, seja no trabalho regularizado é um fato urgente.
Pois uma coisa é certa:
“[…] há relativamente pouca reação contra a escravidão. E normalmente quando há reação, ela não está ligada ao fato mesmo da escravidão ou de seu pretexto, que é a dívida. É por alguma coisa que ultrapassou o admissível para o trabalhador”.[17] (Padre Ricardo Resende)
3 O DIREITO E O COMBATE AO TRABALHO ANÁLOGO AO DE ESCRAVO
3.1 A dignidade do trabalho e os direitos sociais previstos na constituição
A dignidade do trabalho decorre da dignidade da pessoa que trabalha e não o contrário. Mas infelizmente na atualidade, vivemos numa sociedade de valores invertidos. O imediatismo, o consumismo, o individualismo e a busca desenfreada por lucros, tomaram conta da grande parcela da sociedade. A busca pelas vantagens sobre o outro superam os limites humanos, prova disto é o quadro de trabalhadores em situação de escravidão ou análoga a esta, que insiste em figurar no território brasileiro.
Sobre o princípio da dignidade humana, em particular, ensina Maurício Godinho Delgado (2001 p. 17) que é norma que lidera um verdadeiro grupo de princípios, como o da não-discriminação, o da justiça social e o da eqüidade. Daí a sua particular importância.
O Estado Democrático de Direito, foi fundado na dignidade da pessoa humana e nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (CFB/1988, art. 1º, inciso III e IV).
“E Se a Constituição Federal tem como fundamento a dignidade da pessoa humana (inc. III do art. 1º.), os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (inc. IV do art. 1º.), se constitui como objetivo fundamental construir uma sociedade livre, justa e solidária (inc. I do art. 3º.), garantir o desenvolvimento nacional (inc. II do art. 3º.), erradicar a pobreza e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (inc. IV do art. 3º.), se valoriza o
trabalho humano de forma a assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social (art. 170), por certo que os órgãos do Poder Executivo são os responsáveis pela implementação das ações governamentais tendentes a tornar efetivos esses direitos.” (OIT 2007, p. 67)
Pode se afirmar que a dignidade do trabalho decorre de duas fontes: da pessoa que trabalha e das características do próprio trabalho humano.[18]
O doutrinador Paulo Bonavides (2000, p. 260) ensina que um dos princípios constitucionais mais relevantes é o princípio da máxima efetividade daqueles direitos, cuja “força de irradiação” se estende por sobre todo o Direito Privado. E prossegue: Sem a concretização dos direitos sociais não se poderá alcançar jamais a “sociedade livre, justa e solidária” contemplada constitucionalmente como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil.
Os direitos trabalhistas estão no rol dos direitos sociais, e são também uma expressão de liberdade, como meio de libertação da desigualdade, sendo justamente esta, a finalidade de um estado social.
Os princípios trabalhistas devem ser interpretados de forma sistêmica, considerando as regras constitucionais em seu conjunto (conglomerado). Ou seja, levando-se em consideração a estrutura normativa constitucional como um todo, tanto sob aspecto teleológico quanto sob o aspecto histórico e sociológico e, nesta medida, deve necessariamente ter como fundamentos ou parâmetros principais:
1º.)A proteção do hipossuficiente;
2º.)A preponderância dos interesses coletivos sobre os interesses individuais;
3º.)A desconsideração de eventuais formalismos legais em face das necessidades reais, concretas, da sociedade como um todo.
Como define o doutrinador Alexandre de Moraes (2003, p. 43), os Direitos Sociais são direitos fundamentais do homem, caracterizando-se como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória num Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria de condições de vida aos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social.
Essa concepção, que enfatiza a proteção devida pelo Estado aos hipossuficientes, está em harmonia com as concepções ideológicas que determinaram a consagração dos direitos sociais. Porém, não parece ser o posicionamento correto, pois se defende a desvinculação do conceito de direitos sociais da condição de hipossuficiente porque não apenas estes, mas também os detentores dos meios de produção, assim como a camada social que se designa como “classe média”, também têm direito às condições razoáveis, se não necessárias, para o seu desenvolvimento como seres humanos. Também eles têm direito à previdência social, ao acesso ao trabalho, à moradia, à saúde e todos os demais direitos de caráter social.
Direitos sociais são normas de ordem pública, imperativas e invioláveis. Assim, sugere-se o seguinte conceito de direitos sociais: direitos subjetivos que têm os indivíduos de reclamarem ao Estado a realização de providências efetivas que lhes criem o ambiente adequado ao desenvolvimento de sua condição humana.
Afinal os direitos sociais não excluem os direitos individuais, antes servem de meio para sua integral realização, logo, todos os que integram as camadas da sociedade são sujeitos de direito, titulares de todos os direitos subjetivos que o Estado Democrático de Direito assegura.
Os princípios jurídicos constitucionais e as garantias e os direitos laborais insertos na CF/1988, infelizmente, são normas e princípios jurídicos, via de regra, de caráter programático e, enquanto tal, despidas de eficácia jurídica imediata.
O real sentido da supremacia jurídica das normas principiológicas constitucionais relativas às garantias e aos direitos laborais deve ser buscado na sua aplicabilidade de forma mais abrangente possível e nunca de maneira restritiva. Por outras palavras, os princípios constitucionais trabalhistas devem ser mesurados tomando como ponto de partida a sua efetividade social. Como já mencionado.
Cumpre destacar que a atual Carta Magna apresentou duas inovações principiológicas no tocante aos princípios jurídicos trabalhistas, qual sejam:
1º).o Princípio da Igualdade de Direitos entre os Trabalhadores Urbanos e Rurais;
2º.) o Princípio da Proteção contra Despedida Arbitrária ou Sem Justa Causa.
Os direitos trabalhistas elencados no artigo 7º da atual Lex Fundamentalis aplicam-se, aos empregados urbanos e rurais, sem distinção de sexo, idade, estado civil e credo religioso. Considerando as exceções legalmente previstas.
No tocante ao segundo princípio, expresso no inciso I do art. 7º. da Constituição da República. Corresponde, na verdade, um conjunto de normas aplicáveis à despedida arbitrária ou sem justa causa.
a) indenização compensatória (inc. I);
b) seguro-desemprego (inc. II);
c) levantamento dos depósitos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS (inc. III).
Para sustentar o direito de cada indivíduo se faz necessário garantir a base (direitos sociais e econômicos) a fim de proporcionar o mínimo para que o indivíduo tenha uma vida digna. Portanto, o trabalho, sendo o meio de subsistência do indivíduo, constitui um bem que é dever do Estado proteger, assegurando-lhes condições favoráveis e meios de defesa. Isto se deve também pela própria condição em que os empregados se encontram em relação a seus empregadores, pois o último é quem formula todos os critérios do contrato e suas condições, enquanto o primeiro apenas dá sua anuência ou não.
Vale ressaltar que a necessidade de obter um posto de trabalho remunerado inibe o trabalhador a discutir qualquer espécie e cláusula do contrato, ainda mais no atual contexto de recessão dos postos de trabalho.
A Constituição Federal fixa os direitos básicos dos trabalhadores. A carta é aplicável ao empregado e aos demais trabalhadores nela expressamente indicados, e nos termos em que o fez; ao rural, ao avulso, ao doméstico e ao servidor público.
No crime de escravidão, alguns e às vezes todos dentre muitos direitos previstos no art. 7º CF/1988 são burlados e aqui merecem relevância.
Os direitos relativos ao descanso do trabalhador estão diretamente ligados a saúde do mesmo, saúde física e mental. Sabe-se que o ideal recomendado pela medicina é de oito horas de descanso (sono), a fim de recompor o desgaste físico e mental. As garantias ao limite do trabalho estão abaixo elencadas:
“Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;
XIV – jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva;
XV- repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;
XVI – remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinqüenta por cento à do normal;
XVII – gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais que o salário normal.”
Como já relatado, a regulamentação da jornada diária e semanal de trabalho, os intervalos de descanso, o direito ao repouso remunerado, o direito ás férias anuais remuneradas, tem por finalidade o caráter protetivo e garantidor do tempo para que as pessoas possam viver com dignidade, não voltadas inteiramente para o trabalho. O desrespeito a essas normas configura o trabalho degradante muito comum nas áreas rurais e urbanas.
A questão da jornada de trabalho também reporta suma importância, visto que o trabalho escravo urbano também tem crescido neste século:
O doutrinador Luiz Guilherme Belisário (apud. OIT 2007, p. 93) ensina que por ser norma imperativa, a jornada de trabalho não pode ser majorada além do máximo previsto pela lei através apenas da simples vontade das partes (da parte), tendo por fundamento a dignidade do trabalhador, além de possuir características de natureza biológica, social e econômica.
Há uma exceção legal de apenas e tão somente duas horas extras com acréscimo de 50% do valor do trabalho de acordo com o inc. XVI: “a remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinqüenta por cento à do normal”.
A constituição Federal também protege outro direito: O salário o qual é de natureza alimentar e como tal indispensável de sua dignidade, mesmo não correspondendo com a realidade do país.
No art. 7º é assegurada a proteção ao salário, de acordo como os dispositivos relacionados.
“IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;
V – piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho;
VI – irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;
VII – garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável;
VIII – décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria;
IX – remuneração do trabalho noturno superior à do diurno;
X-proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;
XI – participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei;
XII – salário-família pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda nos termos da lei;” (Redação dada pela E.C. nº. 20/98, DOU de 16.12.98)
Nos lugares onde existe o trabalho escravo por divida e ou forçado, pode-se constatar a inexistência dos direitos supracitados, Na escravidão por divida a remuneração devida ao trabalhador se resume em pagamento das despesas impostas pelo escravocrata. Já no trabalho forçado o trabalhador não recebe o que lhe é devido.
A questão das participações nos lucros é muito criticada pelos opositores do capitalismo (comunistas), pois alegam que na verdade o empregador apenas devolve uma partícula do que ganha com o excedente do trabalho. E que esta seria mais uma forma de iludir aquele que vende sua força de trabalho.
A proteção constitucional vem também tornar positiva a obrigação do Estado em fornecer meios de proteção à saúde, à segurança e à própria dignidade no trabalho, com a finalidade de promover um bem – estar social e provavelmente um enriquecimento da sociedade em termos de qualidade de vida e produtividade, já que as pessoas serão tratadas como dignas, e com maior probabilidade de se bem disporem ao trabalho. As normas que regulamentam o meio ambiente de trabalho encontram-se nos arts 154 a 201 da CLT.
O inciso XXII do art. 7º da CF/1988, prevê redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.
Neste sentido, há o objetivo de proteção à saúde, à segurança, à liberdade, e à própria vida. Conseqüentemente, à dignidade humana dentro da esfera trabalhista, à qual já se encontra inerente às necessidades fundamentais do ser humano.
A redução prevista acima tem por finalidade a garantia de condições necessárias e apropriadas as instalações do trabalho, sendo responsabilidade do empregador assegurar o desenvolvimento das atividades num ambiente adequado, ou seja, com segurança e higiene. A engenharia e a medicina contribuem ao estabelecer e exigir estas condições, tais como; equipamento de proteção individual (EPI), as edificações, as condições de insalubridade ou salubridade, as condições de periculosidade, a prevenção com o manuseio de substancias tóxicas, as questões relativas ao cansaço e a fadiga, bem como as atividades repetitivas. Fornecendo cientificamente os elementos que irão constituir as normas protetivas da vida e da saúde dos que trabalham.
A higiene do trabalho também visa à saúde do trabalhador, através da aplicação dos sistemas e princípios que a medicina estabelece, prevendo ativamente os perigos que podem trazer danos pra saúde do trabalhador, tanto física como psíquica. A eliminação dos agentes nocivos constitui o objeto principal da higiene laboral.
O Capitulo V, da CLT, traz diversas disposições gerais, regulamentando o que foi abordado nos parágrafos anteriores. Também exige as Normas regulamentares de Medicina do trabalho, que são expedidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego, competindo ao ministério a inspeção do trabalho e a fiscalização das normas pela empresas.
Outro ponto importante de ser abordado no contexto da escravidão contemporânea é o art. XXXIII do art. 7º CF/1988 que proíbe qualquer trabalho a menores de 14 (quatorze) anos. O qual é amplamente violado com a mão-de-obra infanto-juvenil utilizada nas regiões do Brasil e no mundo.[19]
Inc. XXXIII – proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos; (Redação dada pela E.C. nº. 20/98, DOU de 16.12.98).
Consoante ao art.227 §3º I da CF/1988 é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde (…) além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (cf. art. 227, caput, da CF/1988).
A norma constitucional acima é desrespeitada pelos seguintes motivos:[20]
1º – O trabalho infantil é mais barato;
2º – Serve como complemento à renda familiar, muitas vezes, inexistente;
3º – falta de Programas do Poder Público que complementem a renda familiar. Programas como o Programa Bolsa-Familiar — que consiste em pagar determinado montante à família que tenha seus filhos matriculados na escola pública e com determinada freqüência — atende à necessidade de manter a criança na escola e complementar a renda familiar. Além do que, extingue o malfazejo trabalho infantil, tão prejudicial ao futuro do país e de nossas crianças. Desse modo, a própria família tem o máximo interesse em que a criança permaneça na escola (o que significa garantia de direitos para os menores, infelizmente nem todas as famílias pobres são contempladas).
3.2 O direito do trabalho e os princípios protetivos da dignidade do trabalho
O direito do trabalho como ramo da ciência do direito que é, tem por objeto as normas jurídicas que disciplinam as relações de trabalho subordinado, determinam seu sujeito e as organizações destinadas a proteção desse trabalho em sua estrutura e atividade.
O Direito do Trabalho tem como um dos primeiros fundamentos a proteção do trabalhador. É oriundo da reformulação do quadro social iniciada no capitalismo organizado a partir da ascensão do movimento operário aos mecanismos de regulação social, principalmente o estatal, que visava inserção máxima (busca ao pleno emprego) e digna dos trabalhadores no mercado de trabalho. A partir de então, voltou-se o Estado – e conseqüentemente, o Direito – para o propósito de estabelecer patamares máximos de exploração ou mínimos de dignidade aos trabalhadores. Pois como bem aborda Sussekind (1999, p.35):
“Explorando e escravizando a massa trabalhadora, a minoria patronal não se preocupava com a condição de vida dos seus empregados: as relações entre patrões e trabalhadores se constituíam dentro dos muros de cada fábrica. Fora desta pressinta estreita, deste pequeno território comum, as duas classes – a rica e a trabalhadora – viviam tão separadas, tão distantes, tão indiferentes, como se habitassem em países distintos ou se achassem divididas por barreiras intransponíveis. Criara-se o contraste flagrante e violento entre o supermundo dos ricos e o inframundo dos pobres.
No seu supermundo, em monopólio absoluto, os ricos avocavam para si todos os favores e todas as benesses da civilização e da cultura: a opulência e as comodidades dos palácios, a fartura transbordante das ucharias, as falas e os encantos da sociabilidade e do mundanismo, as honrarias e os ouropéis das magistraturas do Estado. Em suma: a saúde, o repouso, a tranqüilidade, a paz, o triunfo, a segurança do futuro para si e para os seus.
No seu inframundo repululava a população operária: era toda uma ralé fatigada, sórdida, andrajosa, esgotada pelo trabalho e pela subalimentação; inteiramente afastada das magistraturas do Estado; vivendo em mansardas escuras, carecida dos recursos mais elementares de higiene individual e coletiva; oprimida pela deficiência dos salários; angustiada pela instabilidade do emprego; atormentada pela insegurança do futuro, própria e da prole. Estropiada pelos acidentes sem reparação; abatida pela miséria sem socorro; torturada na desesperança da invalidez e da velhice sem pão, sem abrigo e sem amparo.”
O Trabalho que se insere na cadeia produtiva não se separa da pessoa humana do prestador. Esta noção fundamental à lógica do Direito do Trabalho somente pôde ser reconhecida quando os próprios trabalhadores se organizaram e puderam expor suas necessidades e reivindicaram a preservação de sua dignidade perante todo o grupo social, transformando o valor dignidade humana do trabalhador um elemento chave mesmo em uma sociedade tipicamente capitalista (ou seja, que se baseia, entre outros fatores, na exploração do trabalho humano).
Pelo exposto, pode-se afirmar que a relação visada pelo Direito do Trabalho é imediata em relação ao trabalho, porém mediata em relação à pessoa. Em outras palavras: quando um trabalhador se insere no processo produtivo, insere-se imediatamente a sua força de trabalho, mas também, mediatamente, a pessoa humana e sua dignidade, pois ambas nunca podem ser separadas. Como leciona Sarlet (2003, p. 118) a respeito da dignidade:
“[…] é algo que se reconhece, respeita e protege, mas não que possa ser criado ou lhe possa ser retirado, já que existe em cada ser humano como algo que lhe é inerente”.
É a partir desta constatação global da relação de trabalho que o Direito do Trabalho define sua lógica. Lógica esta que se baseia em uma dupla perspectiva de preservação.
O Direito do Trabalho busca um sistema de proteção mínima (nunca máxima) que preserve a dignidade da pessoa humana trabalhadora; nesta perspectiva, estas garantias tentam compensar a diferença sócio-econômica (exploração) existente no seio das relações capitalistas de trabalho. Já em outra perspectiva, estas garantias mínimas preservam a diferença econômica (exploração) existente no seio da sociedade capitalista, embora procure fazer com que a mesma não aumente.
Plá Rodriguez (1979, p. 27) expõe que no direito do trabalho a preocupação central parece ser a de proteger uma das partes com o objetivo de, mediante essa proteção, alcançar-se uma igualdade substancial e verdadeira entre as partes.
Segundo Couture (Apud 1944 Plá Rodriguez 1979, p. 29) “o procedimento lógico de corrigir desigualdades é o de criar outras desigualdades”
Evidentemente que o principio da proteção do trabalhador é o principio fundante do Direito do Trabalho e de todo o seu sistema jurídico porque está enraizado no conceito de Justiça distributiva e eqüidade, enquanto reconhecimento do direito de cada um a partir de suas diferenças. Isto é unánime!
Sérgio Pinto Martins (2006, p. 41) afirma que “princípios são proposições básicas que fundamentam as ciências. Para o Direito, o principio e seu fundamento, a base que irá informar e inspirar normas jurídicas.
A importância do estudo dos princípios na ordem jurídica é bem definida por Celso Antonio Bandeira de Mello (Apud PEDREIRA 1999, p 12)
“[…] Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É do conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo.”
Entretanto, modernamente a doutrina apresenta um novo papel para os princípios: trata-se da efetiva função normativa própria, resultante de sua dimensão fundamental a toda a ordem jurídica.
Sobre esta classificação comenta Mauricio Godinho Delgado (2001, p.17):
A função fundamentadora dos princípios (ou função normativa própria) passa, necessariamente, pelo reconhecimento doutrinário de sua natureza norma jurídica efetiva e não simples enunciado programático não vinculante. Isso significa que o caráter normativo contido nas regras jurídicas integrantes dos clássicos diplomas jurídicos (constituições, leis e diplomas correlatos) estaria também presente nos princípios gerais de direito. Ambos seriam, pois, norma jurídica, dotados da mesma natureza normativa.
Esta é a função normativa do Direito do Trabalho: por um lado, não deixar que a diferença sócio-econômica entre trabalhador e empregador aumente, preservando àquelas garantias mínimas; por outro lado, legitimar juridicamente um determinado regime de exploração do trabalhador, preservando o sistema capitalista. Este é o princípio da proteção: ao mesmo tempo que, em uma perspectiva intra-sistêmica, busca preservar a dignidade do trabalhador (valor social dignidade da pessoa humana), acaba indiretamente, em uma perspectiva global ou inter-sistêmica, preservando a lógica da exploração capitalista (valor social capitalismo como modo de produção hegemônico).
O Direito do Trabalho é ramo autônomo do direito, composto por um complexo de regras, princípios e institutos jurídicos que regulam as relações de trabalho, desde meados do século XIX.
Luiz de Pinho Pedreira da Silva (1999, p. 13) analisa a distinção entre princípios e regras jurídicas, afirmando que a primeira diferença é relativa ao fato de que as regras jurídicas estão sempre insertas explicitamente no ordenamento interno enquanto que com os princípios isso não acontece.
O mestre Paulo Bonavides leciona sobre a normatividade dos princípios com a seguinte afirmação:
“[…] ponto central da grande transformação sobre por que passam os princípios reside, em rigor, no caráter e no lugar de sua normatividade, depois que esta inconcussamente proclamada e reconhecida pela doutrina mais moderna, salta dos Códigos, onde os princípios eram fontes de mero teor supletório, para as Constituições, onde em nossos dias se convertem em fundamento de toda a ordem jurídica, na qualidade de princípios constitucionais.”
Os princípios do Direito do Trabalho na visão de Américo Plá Rodriguez não são fontes do direito, porque integram um plano jurídico diferente daqueles, até porque a doutrina não cria os princípios, mas sim os descobre, identificando tendências em julgados e normas, devendo ficar adstrita, também, a um necessário reconhecimento da jurisprudência.
É inegável que no Direito do Trabalho há um valor finalistico que ele se propõe, pois sem dúvida a proteção ao trabalhador é valor que norteia o Direito do Trabalho que tem como objetivo final a melhoria das condições de pactuação da força de trabalho na ordem socioeconômica.
Perez Botija foi um pioneiro a individuar os Princípios Especiais do Direito do Trabalho, classificando-os em princípio da proteção, da irrenunciabilidade dos direitos, norma mais favorável e rendimento. Desde então o leque de princípios se ampliou e vários princípios foram elencados pelos doutrinadores.
O jurista Américo Plá Rodrigues apresenta a melhor classificação, pois fundamenta a técnica da proteção com muita propriedade.
A principal diferença de Américo Plá Rodrigues para a classificação apresentada pelos demais autores está contida no fato de que o autor entende que o Princípio da Proteção se expressa em três regras: in dubio pro operário, da norma mais favorável e da condição mais benéfica, sendo que Pedreira qualifica as regras como princípios e Delgado utiliza a mesma regra com a exceção da regra in dubio pro operário que o autor também entende como desdobramento do princípio da proteção.
3.2.1 Princípio da proteção
O princípio de proteção se refere ao critério fundamental que orienta o Direito do Trabalho, pois este, ao invés de inspirar-se num propósito de igualdade, responde ao objetivo de estabelecer um amparo preferencial a uma das partes: o trabalhador.
Com relação à aplicação do Princípio Protetivo, Américo Plá Rodrigues estabelece algumas regras que alguns autores têm como princípios:
a) A regra do Indúbio pró – operário;
Este critério consiste na interpretação da norma á favor do trabalhador, desde que a mesma seja suscetível de entender-se de vários modos.
No direito laboral a função objetiva do princípio é similar à que no direito penal, cumpre o princípio in dúbio pro réu.
Tal regra pode ser aplicada para tanto estender um benefício, como para diminuir um prejuízo.
Pode se também efetuar a aplicação desta regra por graus. A regra também aplica-se em progressão decrescente, em função da maior remuneração percebida pelo trabalhador. Ou seja, que a intensidade e o rigor de sua aplicação seria inversamente proporcional ao montante da retribuição. Como bem acrescenta Martins Catharino (1972 apud Plá Rodrigues 1979 p 50):
“Seria absurdo, a aplicação da regra, com igual peso e intensidade, a casos, mesmo iguais, estando envolvidos empregados ganhando salário mínimo e altos-empregados, quase empregadores. Sem dosagem condizente e objetiva a regra seria imprestável e até odiosa”.
Outra consideração apontada por Plá Rodrigues (1979, p. 51) é que pode haver diversidade de aplicação conforme a norma trabalhista que se deva interpretar.
“A legislação social e o sistema das normas coletivas estão inspirados pelo princípio de amparo aos trabalhadores, mas amparo não significa que a qualquer custo, se tenha de favorecer os interesses destes últimos em detrimento dos empregadores. Por conseguinte onde a própria lei de amparo se cala ou deixa lugar de dúvidas, a questão deve ser solucionada, não segundo uma cega tendência unilateral, em um único sentido, mas de acordo com uma valoração equitativa e considerando justamente os interesses opostos das partes”.
Por fim, no caso de dúvida sobre qual interpretação mais favorável ao trabalhador, a equidade aconselha adotar-se a opção do próprio trabalhador.
b) A regra da Norma mais favorável
Determina que, no caso de haver mais de uma norma aplicável, deve-se optar por aquela que seja mais favorável, ainda que não seja a que corresponda aos critérios clássicos de hierarquia das normas (este é o sentido próprio).
c) A regra da condição mais benéfica
Critério pelo qual a aplicação de uma nova norma trabalhista nunca deve servir para diminuir as condições favoráveis em que se encontrava um trabalhador.
Essa regra pressupõe a existência de uma situação concreta anteriormente reconhecida, e determina que ela deva ser respeitada na medida em que seja mais favorável ao trabalhador que a nova norma aplicável.
A aplicação pratica dessa regra implica em duas conseqüências: uma quando se estabelecer uma regulamentação ou disposição de caráter geral, aplicável a todo conjunto de situações trabalhistas, estas ficarão alteras em suas condições anteriores, desde que não sejam mais benéficas ao trabalhador do que as recentemente estabelecidas.
A outra, salvo disposição expressa em contrario, à nova regulamentação deverá respeitar como situações concretas reconhecidas em favor do trabalhador ou dos trabalhadores interessados, as condições que lhe resultem mais benéficas dos que estabelecida para matéria ou matérias tratadas pela nova regulamentação.
O sentido de preferência em que essa regra implica, em suma, opera em duas direções: uma restritiva e outra extensiva.
Opera restritivamente, desde que pela aplicação do referido princípio as partes se vêm obrigadas a manter aquelas condições que dão lugar a situações mais vantajosas ao trabalhador do que as que ele desfrutará se lhe for aplicada a nova regulamentação.
Opera extensivamente na medida em que, embora indiretamente, pela aplicação do mesmo principio, seja possível as partes estabelecerem condições superiores mais benéficas do que as mínimas legalmente fixadas.
Por isso acredita-se que existam duas espécies de condições favoráveis: As que produzem efeitos legais, sendo, juridicamente exigível o seu cumprimento por serem fontes de direitos subjetivos. E as de cumprimento inexigível por estarem baseadas unicamente na liberalidade do empresário, sem criar direito subjetivo algum, por não ser essa a vontade do mesmo, ou seja, costumam também estar ligadas a fatos ou atos determinados. São anuláveis a qualquer momento.
Há divergências quanto às espécies de condições, pois não se trata de um problema de vontade unilateral, mas de ajuste aos fatos, que se deverá resolver com o critério de razoabilidade, imprescindível na aplicação de todo o direito do trabalho. Se na prática os fatos demonstram que se tratava de um beneficio transitório, finda a situação que o originou, pode ser tornado sem efeito. Porém, se é um beneficio que se prolongou além da circunstância que lhe deu origem, devemos concluir que constitui condição mais benéfica, que deve ser respeitada.
A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada(art. 5º, XXXVI CF/88 ). Assim, o trabalhador que já conquistou um direito não poderá ter seu direito atingido mesmo que sobrevenha uma norma nova que não lhe seja favorável.
Súmula 51- Norma Regulamentar. Vantagens e opção pelo novo regulamento. Art. 468 da CLT. (RA 41/1973, DJ 14.06.1973. Nova redação em decorrência da incorporação da Orientação Jurisprudencial nº 163 da SDI-1 – Res. 129/2005, DJ 20.04.2005).
I – As cláusulas regulamentares, que revoguem ou alterem vantagens deferidas anteriormente, só atingirão os trabalhadores admitidos após a revogação ou alteração do regulamento. Por exemplo, a Súmula nº 51 – RA 41/1973, DJ 14.06.1973.
II – Havendo a coexistência de dois regulamentos da empresa, a opção do empregado por um deles tem efeito jurídico de renúncia às regras do sistema do outro. Por exemplo, a OJ nº 163 – Inserida em 26.03.1999.
Aqui o que deve prevalecer é a interpretação racional das realidades.
3.2.2 O princípio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas
O Princípio da Irrenunciabilidade dos direitos consiste na impossibilidade jurídica de o trabalhador privar-se voluntariamente de vantagens a ele conferidas pela lei trabalhista.
De fato, se tal Princípio não existisse, os direitos dos trabalhadores poderiam ser facilmente reduzidos, dada a sua situação econômica e social menos privilegiada, presente na grande maioria dos casos. Seria muito fácil para o empregador eximir-se de cumprir suas obrigações legais, pois, para tanto, bastar-lhe-ia obter um documento por meio do qual o trabalhador renunciasse a determinados direitos, para não precisar satisfazê-los – e que empregado não faria tal declaração em nome da obtenção ou manutenção de um emprego?
Devemos observar que, aqui, há a inversão do princípio da renunciabilidade, do Direito Comum, marcado pela idéia de que a autonomia da vontade deve prevalecer.
Existem divergências doutrinárias, no que diz respeito aos fundamentos do Princípio da Irrenunciabilidade: alguns o baseiam no Princípio da Indisponibilidade, segundo o qual o Direito se utiliza de normas para proteger quem é social e economicamente débil, não podendo permitir que tais benefícios sejam anulados; outros o relacionam com o caráter imperativo das normas trabalhistas; outros o vinculam à noção de ordem pública; havendo, ainda, aqueles que o concebem como forma de limitação da autonomia da vontade.
Este princípio, estar bem claro no art. 9º da CLT, combinado com o art. 7º VI da CF/88 que alias traz a única ressalva a este principio:
Art. 9º CLT – Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.
Art. 7.º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social (…)
VI – irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo. Este é um limite á flexibilidade, pois limita autonomia da vontade.
Baseado neste princípio é defeso ao empregado negociar direitos indisponíveis e irrenunciáveis. Como já observado, o que mais ocorre é a renúncia do mínimo garantido na legislação em detrimento da realidade em que se encontra o trabalhador(escravo).
3.2.3 O princípio da continuidade da relação de emprego
O fundamento do Princípio da Continuidade da Relação de Emprego é a natureza alimentar do salário, já que o trabalhador é subordinado jurídica e economicamente ao empregador e, do seu próprio trabalho, retira o seu sustento.
O objetivo do Princípio da Continuidade do vínculo empregatício deve ser assegurar maior possibilidade de permanência do trabalhador em seu emprego, podendo ser traduzido em algumas medidas concretas, tais como a preferência pelos contratos de duração indeterminada, a proibição de sucessivas prorrogações dos contratos a prazo e a adoção do critério da despersonalização do empregador, que visa a manutenção do contrato nos casos de substituição do empregador.
Note-se que o Princípio da Continuidade vem sendo relativizado entre nós, há muito tempo, precisamente a partir da edição da Lei nº 5.107/66, que criou a “opção” entre o FGTS e a estabilidade decenal, regime anterior àquele. Seguiram-se diversas medidas, tais como a Lei nº 9.601/98, permitindo os contratos a prazo, independentemente das restrições impostas pelo art. 443 da CLT, desde que tais contratos sejam celebrados, mediante previsão no acordo coletivo da empresa ou na convenção coletiva da categoria, para admissões que signifiquem aumento do número de empregados da empresa.
“As exceções serão os contratos por prazo determinado e os trabalhos temporários. Súmula 212 TST: Despedimento. Ônus da prova – O ônus de provar o término do contrato de trabalho, quando negados a prestação de serviço e o despedimento, é do empregador, pois o princípio da continuidade da relação de emprego constitui presunção favorável ao empregado(Res. 14/1985, DJ 19.09.1985).Os quais tem sido cada vez mais freqüentes em virtude da nova etapa econômica e social a qual enfrenta-se na atualidade.
Como conseqüência deste principio temos o principio da proibição da despedida arbitrária ou sem causa conforme dispõe art. 7º , I da CF/ 88: Art. 7.º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
I – relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos; “
Essas medidas encontram-se dentro do que se tem chamado de “Flexibilização do Direito do Trabalho”, ou “Direito do Trabalho do século novo”, ou ainda “Direito do Trabalho da emergência.
Este principio determina que salvo em prova em contrário, presume-se que o trabalho terá validade por tempo indeterminado até que sobrevenham circunstancias previstas pelas partes ou em lei idônea para fazê-lo cessar.Como por exemplo a demissão pelo empregador ou a pedido do empregado.
3.2.4 O princípio da primazia da realidade
A Primazia da Realidade, erigida a Princípio do Direito do Trabalho, significa que, em caso de dissonância entre o que ocorre na realidade dos fatos e o que emerge de documentos, deve-se privilegiar a verdade real.
Este principio faz referência ao principio da verdade real que esta no direito processual penal. Sua aplicação no direito do trabalho vem demonstrar a maior valoração que possui o fato real do que aquilo que consta em documentos formais.
A relação objetiva evidenciada pelos fatos define a verdadeira relação jurídica estipulada pelos contratantes.
Este princípio é de suma importância na constatação e prova do trabalho em condição análoga a de escravo ou escravidão. Uma vez que a retenção de documentos faz parte da condita coatora do escravocrata.
A prova testemunhal aqui é muito valorizada!
Criou-se a ficção de que o contrato de trabalho é um contrato-realidade, expressão tão criticada pela doutrina, assim como o próprio Princípio. Considera-se justificável a compreensão da Primazia da Realidade como Princípio do Direito do Trabalho, embora este, assim como todos os outros Princípios Específicos seja decorrente do Princípio-Maior: A Proteção.
A Primazia da Realidade emerge, por exemplo, da regra do art. 9º, da CLT:
Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.
Sua repercussão é tão grande que a ponto de o Estatuto Consolidado ter admitido a possibilidade de um contrato tácito, com os mesmos efeitos dos demais:
Art. 442. Contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego.
3.2.5 Os princípios da razoabilidade e da boa-fé
A Razoabilidade, que Plá Rodriguez considera um Princípio especificamente trabalhista, enquanto a grande maioria dos doutrinadores compreendem como um critério, aplicado no Direito (e mesmo fora dele), consiste na seguinte orientação: nas relações de trabalho, as partes, os administradores e juízes devem conduzir-se de uma maneira razoável na solução de problemas ou conflitos delas decorrentes. Para outros doutrinadores toda conduta humana deve ser razoável e que, portanto, tal princípio, assim como a boa-fé (que diz respeito a toda e qualquer contratação – e não apenas aos contratos de trabalho) não pode ser considerado como específico deste ramo do conhecimento humano.
Plá Rodriguez faz a distinção entre boa-fé-crença e boa-fé-lealdade:
“A primeira é a posição de quem ignora determinados fatos e pensa, portanto, que sua conduta é perfeitamente legítima e não causa prejuízos a ninguém (…) A boa-fé-lealdade se refere à conduta da pessoa que considera cumprir realmente o seu dever (…) contém implicitamente a plena consciência de não enganar, não prejudicar, nem causar danos. Mais ainda: implica a convicção de que as transações são cumpridas normalmente, sem trapaças, sem abusos ou desvirtuamentos.”
Cumpre esclarecer que a boa-fé que deveria vigorar como Princípio do Direito do Trabalho é a boa-fé-lealdade, ou seja, que se refere a um comportamento e não a uma simples convicção.
Quanto às disposições legais sobre a função dos princípios, pode-se salientar que os mesmos possuem função integrativa e normativa:
a) Função integrativa dos princípios
A lei trabalhista (CLT, art. 8º) dispõe que as autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais do direito, principalmente do direito do trabalho.
b) Função diretiva dos princípios:
Os princípios constitucionais não podem ser contrariados pela legislação infraconstitucional; não fosse assim, ficaria prejudicada a unidade do ordenamento jurídico; a forma de preservá-la é a aplicação dos princípios.
Os Direitos e garantias fundamentais, por exemplo, são princípios gerais do direito, aplicáveis no direito do trabalho, os princípios constitucionais fundamentais da Constituição, presentes no Título I.
Há princípios gerais dispostos no art. 1º da CF/1988, como o respeito à dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, mais inúmeros outros, todos relacionados com questões trabalhistas.
Princípios constitucionais específicos: liberdade sindical (art. 8º); não-interferência do Estado na organização sindical (art. 8º); direito de greve (9º), representação dos trabalhadores na empresa (11), reconhecimento de convenções e acordos coletivos (7º XXVII); etc.
Deve-se atentar à dignidade humana como princípio positivo. Logo, como uma espécie de norma, como princípio expresso constitucionalmente. O doutrinador Alexandre Moraes (2002, p. 125) exprime que a dignidade humana como um valor espiritual e moral inerente à pessoa, manifesta–se na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, tornando-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar.
O art. 4º da LICC manda que aplique o juiz, conforme o caso, a analogia, os princípios gerais de direito quando a lei for omissa. E o art. 8º caput da CLT (Consolidação das leis do Trabalho) determina as autoridades administrativas e à Justiça do Trabalho decidir, conforme o caso pela Jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do Direito do Trabalho, e, ainda, de acordo com usos e costumes, o Direito Comparado, mas somente na falta de disposições legais e contratuais para colmatar as lacunas, como bem ressalta Pedreira (1999, p. 18). O art. 5º § 3º e 4º da CF/1988 equipara tratados que versem sobre direitos humanos à Emendas Constitucionais. Submetendo o neo-escravocrata ao Tribunal Penal Internacional.
O que não significa que esses recursos citados tenham emprego restrito àquela circunstância. Podem ser aplicáveis noutros contextos, mesmo à falta de lacunas: é o que ocorre, por exemplo, com a eqüidade (que, sendo um critério formal de decisão, admite aplicação imediata nos litígios de procedimento sumaríssimo, ut artigo 852-I, §1º, da CLT). E é o que se dá com os princípios gerais de Direito do Trabalho, que compõem o modelo dogmático sob cuja regência a legislação trabalhista adquire dinâmica própria como modelo jurídico-legal.[21]
Para Pedreira o princípio protetor é aquele em virtude do qual o direito do trabalho reconhecendo a desigualdade entre os sujeitos da relação jurídica do trabalho, promove atenuação da inferioridade econômica hierárquica e intelectual dos trabalhadores.
Existem em nosso ordenamento Técnicas previstas com o fim de proteção ao trabalhador, as quais são abordadas por Pedreira (1999, p. 30) tais como:
1) Intervenção do Estado (heterocomposição) como, por exemplo, a aplicação das normas trabalhistas.
2) Negociação coletiva (autocomposição) como exemplo o acordo coletivo e a convenção.
3) Autodefesa dos Interesses (autotutela) como, por exemplo, greve e lockout. (com exceções previstas no art. 17 da lei 7783/89).
Os fundamentos do Princípio Protetor são (obra citada p.24):
1) A sua subordinação Jurídica ou hierárquica;
2)dependência econômica; e
3) Pessoalidade .Que se desdobra em :
a) Comprometimento na execução do serviço e;
b) Ignorância das condições de trabalho e direitos.
Maurício Godinho Delgado (2007, p. 22) distingue os direitos trabalhistas protegidos por indisponibilidade absoluta dos protegidos pela indisponibilidade relativa. A absoluta se dará quando o direito invocado merecer tutela de interesse público, num patamar mínimo firmado pela sociedade em um dado momento histórico, relacionado a dignidade da pessoa humana, ou quando se tratar de direito protegido por norma de interesse abstrato da categoria, exemplos: assinatura da CTPS, salário – mínimo, medicina e segurança do trabalho.
Já no âmbito da indisponibilidade relativa, o autor nos diferencia quanto ao direito que traduz interesse individual ou bilateral simples e que não caracteriza um padrão civilizatório mínimo, permitindo no que tange às parcelas de indisponibilidade relativa a transação (não a renúncia), desde que não resulte em efetivo prejuízo ao empregado, exemplo: modalidade de salário, compensação de jornada, etc.
Fica claro evidenciar que o princípio fundante de todos os demais é o princípio da dignidade da pessoa humana e, sobre o princípio da dignidade humana, em particular, ensina Maurício Godinho Delgado (2001, p. 17) que é norma que lidera um verdadeiro grupo de princípios, como o da não-discriminação, o da justiça social e o da eqüidade. Daí a sua particular importância – e a necessidade de sua efetivação real, e não apenas a declaração formal de sua existência. Daí o princípio de proteção garantidor do mínimo, o qual tem sido desrespeitado e fraudado pelo modelo empregatício deste século!
3.3 Redução à condição análoga à de escravo
Além das disposições constitucionais e na Consolidação das Leis do Trabalho, o Código Penal também dispõe sobre a escravidão ou situação análoga a esta, a tipificando como crime.
No plano administrativo, desde que o Governo Brasileiro reconheceu a existência de trabalho escravo no país (1995), o conceito foi trabalhado e buscou evoluir na expressão dos valores relacionados à liberdade e à dignidade humana. A caracterização do trabalho escravo em seus formatos contemporâneos foi especialmente relevante no sentido de nortear o planejamento e a execução das ações empreendidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego(MTE), bem como pelos demais parceiros na erradicação do trabalho escravo. O tipo penal remodelado pela Lei n.º 10.803/2003 em muito se deixou influenciar justamente pelos elementos que já integravam a noção de trabalho escravo na área administrativa.
Por força da Lei n. 10.803, de 11 de dezembro de 2003, Hoje o Código Penal Brasileiro dispõe no Art. 149:
“Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:
I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;
II- mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.
§ 2º A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:
I- contra criança ou adolescente;
II- por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.”
Reduzir alguém a condição análoga à de escravo fere, acima de tudo, o princípio da dignidade humana, despojando-o de todos os seus valores ético-sociais, transformando-o em res.(art. 1°, III, CF).
O status libertatis, como direito, permanece íntegro, sendo, no entanto, suprimido, seja mediante a submissão da vítima a trabalhos forçados, a jornada exaustiva ou ao labor em condições degradantes. Segundo leciona, Luiz Guilherme Belisário (apud OIT 2007, p. 61:)
“Do enunciado das proposições acima observa-se que ele trata trabalhos forçados e redução à condição análoga à de escravo como figuras afins da escravidão, dando a entender que a escravidão é o gênero, sendo o trabalho forçado e a redução a condição análoga à de escravo espécies.”
A Lei nº 10.803/2003 trouxe como elementos do crime de trabalho escravo, como já conceituado anteriormente:
a) submissão a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva;
b) sujeição a condições degradantes de trabalho, e ainda
c) restrição à locomoção do trabalhador em razão de dívidas contraídas
Ela agravou ligeiramente a situação anteriormente dada. Antes, cominava-se apenas a pena de reclusão de dois a oito anos, sem multa. Agora, há multa cumulativa, a qual deverá ser calculada na forma dos artigos 49, caput e §§ 1o e 2o, e 60, caput e §1o do CP, artigo 58, caput. Sendo assim, o novo preceito acessório anota expressamente, a pena correspondente à violência.
Ao abordar a escravidão na África, Paul Loveroy (2002, p. 33) declara que: “(…) Existem exemplos de escravização voluntária, principalmente quando a ameaça de morrer de fome não deixava à pessoa nenhum outro recurso.” [ E no Brasil não é diferente!].
Há de se ressaltar que não há a exclusão do delito se o próprio sujeito passivo concorda com a inteira supressão de sua liberdade pessoal, já que isso importaria em anulação da personalidade. Como esclarece Regis Prado (apud OIT 2007, p. 37):
“As normas de proteção ao trabalho são normas cogentes (de ordem pública), por isso é evidente que nenhum trabalhador irá se submeter espontaneamente para ser explorado e não ter reconhecido os seus direitos trabalhistas, que são irrenunciáveis, assim como a dignidade do ser humano. Se assim fizesse, essa disposição seria nula.”
Infelizmente, muitos seres humanos se submetem a condições desumanas de trabalho (escravidão) voluntariamente na fuga da miséria e busca pela dignidade. Por mais contraditório que pareça, não tem noção do que os aguarda quando chegam aos locais de trabalho. Eles são Impulsionados pela ilusão de obter algum rendimento vendendo a sua força de trabalho, para sustentar suas famílias; pelo menos com um bocado de farinha.
Tentando evitar que sua descendência morra de fome, acaba morrendo o trabalhador por exaustão.
Parte da doutrina criticou as inovações introduzidas pela lei em tela, na justificativa de que ao tentar reforçar a proteção do trabalhador, agravando as sanções cominadas, ampliando as condutas tipificadas e identificando meios e formas de infringir a lei penal, o legislador restringiu o alcance do tipo penal anterior, de crime de forma livre, passou a ser especial, isto é, crime de forma vinculada, quer pela limitação do sujeito passivo quer pelos meios e formas de execução, que passaram a ser específicos.
Doutrinadores afirmam que a referida alteração modificou profundamente a natureza dessa infração penal que, de tipo aberto, passou a ser um tipo fechado, restringindo o alcance do dispositivo.
Com o advento da Lei n. 10.803/03, tornou-se possível punir não somente a submissão do trabalhador a maus tratos, labor forçado, sem remuneração e/ou com a restrição da liberdade de locomoção (seja por dívidas, retenção de documentos, não fornecimento de transporte ou ameaças), mas também a submissão da vítima a condições degradantes de trabalho.
Freqüentemente, a fiscalização encontra trabalhadores alojados em condições desumanas, sem acesso ao mínimo, como água potável, alimentação adequada e medicamentos, e constatada essa realidade, se estará diante, da conduta tipificada no artigo 149 do Diploma Penal, independentemente do uso de força bruta ou de ameaças e “que esse estado de submissão se prorrogue por determinado lapso temporal de duração.
O artigo 207 do CPB (aliciamento de trabalhadores de um local para outro do território nacional), nem sempre ocorre em concurso com o crime em tela, apesar de o deslocamento das vítimas para locais ermos, de difícil acesso e longe do seu domicílio e de seus familiares, facilitar a exploração da mão-de-obra e dificultar a atuação das equipes de combate ao trabalho escravo considerável, sendo insuficiente a detenção passageira, que, em determinadas circunstâncias, poderia constituir seqüestro.
Quanto ao concurso de crimes, é precisa a lição de César Roberto Bitencourt (apud OIT 2007 p 82):
“Se algum dos meios utilizados pelo sujeito ativo tipificar crime contra a liberdade individual, como, por exemplo, ameaça seqüestro, entre outros, será absolvido pelo crime de redução à condição análoga à de escravo; se, no entanto, tipificar crime de outra natureza, haverá concurso com esse, que poderá ser formal ou material, dependendo da unidade ou pluralidade de conduta”.
3.3.1 Competência para julgar os crimes do artigo 149 do CPB.
Há muitos se discutia a competência do crime previsto no art 149 do CPB, neste passo foi inserido o § 5º ao art. 109 da CRFB/88 que permitiu o incidente de deslocamento de competência (da justiça estadual para a justiça federal) de iniciativa do Procurador Geral da República perante o Superior Tribunal de Justiça. Chamado por muitos de “federalização de crimes”, este incidente pode ser suscitado na hipótese de grave violação de direitos humanos, sempre com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte.
Destaque-se que os crimes de redução à condição análoga à de escravo (art. 149 CPB) potencialmente encaixam-se no permissivo do § 5º ao art. 109 da CRFB/88, visto que, por sua natureza, violam gravemente os direitos humanos sob várias perspectivas, assim permitindo à citada “federalização”.
O STF alterou seu entendimento e reconheceu a competência da Justiça Federal para julgamento dos crimes do art. 149 do CP, tal como se vê no RE 398.041/PA, julgado em 30.11.2006. O relator Min. Joaquim Barbosa (apud OIT, 2007, p. 37) reconhece o caráter pluriofensivo desse crime, asseverando que:
“[…]quaisquer condutas que possam ser tidas como violadoras não somente do sistema de órgãos e instituições com atribuições para proteger os direitos e deveres dos trabalhadores, mas também do homem trabalhador, atingindo-os nas esferas que lhe são mais caras, em que a Constituição lhe confere proteção máxima, são, sim, enquadráveis na categoria dos crimes contra a organização do trabalho, se praticadas no contexto das relações de trabalho (…).”
Mais recentemente também o STJ aderiu a este entendimento, de modo a afirmar a competência da Justiça Federal, conforme se observa do teor do Resp. 909.340/PA julgado em 25.09.2007, no qual ficou consignado que os crimes de redução à condição análoga à de escravo atraem a incidência do inciso VI do art. 109, pois se enquadram na categoria de delitos contra a organização do trabalho.
De todo o exposto, conclui-se que a jurisprudência do STF e STJ quanto à definição da competência para julgamento dos crimes de redução à condição análoga à de escravo (art. 149 CP) sofreu recente alteração, assentando-se para reconhecer a Justiça Federal como competente para tais delitos. Tal virada jurisprudencial deu-se sob forte influência das recentes alterações legislativas relacionadas ao tema, especialmente pela inserção do § 5º ao art. 109 da CF/88, que cuida da chamada “federalização de crimes”.
Segundo o artigo 109 do Código Penal, o cálculo para a prescrição de um crime considera o tempo decorrido entre a denúncia e a sentença do juiz. A pena máxima prevista para trabalho escravo é de oito anos, o que implica um prazo de prescrição de 12 anos. A Justiça, porém, tem optado pela pena mínima de dois anos, pois, muitas vezes, o réu é primário e tem bons antecedentes. Se o processo durar quatro anos e o juiz der dois anos de pena, o crime prescreve. Dessa forma, muitos criminosos têm conseguido permanecer impunes.
3.3.2 Ação articulada no combate à escravidão
A partir de 1995, o Brasil, com o apoio de diversas entidades da sociedade civil entre elas, a Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil), vem desenvolvendo intenso trabalho para erradicar o trabalho escravo.
Foi criado o Grupo Especial de Fiscalização Móvel (no âmbito do Ministério do Trabalho- MTE), que cuida, com o apoio da Polícia Federal, de libertar os trabalhadores encontrados em situação de escravidão e o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (no Ministério da Justiça), que deve propor mecanismos para garantir maior eficácia na prevenção e repressão ao trabalho escravo. A par disso, em 2003, o governo federal lançou um Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo.
O fortalecimento dessas parcerias sempre foi uma das metas prioritárias da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (CONAETE), destacando-se a atuação do Ministério do Trabalho e Emprego, Comissão Pastoral da Terra (CPT), Justiça do Trabalho e Justiça Federal, Confederação dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), Organização Internacional do Trabalho (OIT), Ministério Público Federal, Departamento da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal.
A posição transparente adotada pelo Brasil de admitir na ONU (Organização das Nações Unidas), a existência de um número de 25 mil trabalhadores escravos e o seu efetivo engajamento no combate a essa prática desumana fizeram com que, já a partir de abril de 2002, a OIT (Organização Internacional do Trabalho) colocasse em execução o projeto de cooperação técnica de combate ao trabalho escravo no Brasil.
Devido a esse trabalho desenvolvido pelo governo federal em conjunto com entidades não-governamentais, o país foi citado como referência no relatório global da OIT do ano de 2005 -“Uma Aliança Global Contra o Trabalho Forçado”.
Muitas das denúncias enviadas às diversas Procuradorias do Trabalho. As investigações, não raro, são iniciadas a partir de denúncias recebidas via e-mail e também nas sedes das Procuradorias e Ofícios.
A participação dos Procuradores do Trabalho junto ao Grupo Especial de Fiscalização Móvel do Ministério do Trabalho e Emprego ocorre nolocal e ali os membros do Parquet podem providenciar a imediata coleta de informações e reunir evidências indispensáveis ao ajuizamento de ações coletivas ou à adoção de medidas urgentes para a defesa e tutela dos interesses envolvidos, notadamente a liberdade, a vida e a integridade física de cidadãos submetidos a essa desprezível forma de exploração de mão-de-obra.
Segundo um estudo coordenado pelo cientista político Leonardo Sakamoto, da ONG Repórter Brasil, um dos principais problemas encontrados para o cumprimento das metas do Plano de Erradicação do Governo é a falta de recursos humanos. Há um déficit considerável de procuradores do Trabalho, auditores fiscais do Trabalho, policiais federais, técnicos do INCRA e do IBAMA e funcionários públicos, entre outros, para cumprir as determinações do Plano, pois o Congresso Nacional não tem sido ágil para liberar emendas orçamentárias a fim de suprir essas necessidades.
A análise publicada pela OIT em 2007 cita ações governamentais e da sociedade civil que obtiveram êxito no cumprimento das metas do plano, como as de sensibilização e capacitação de atores para o combate ao trabalho escravo e a conscientização de trabalhadores pelos seus direitos. Das metas estabelecidas com esses fins, 77,7% foram total ou parcialmente cumpridas.
De acordo com os dados divulgados, a fiscalização também melhorou no período. A quantidade de libertados foi de 84, em 1995, a 5.090, em 2003, e 4.113, em 2005. Depois do lançamento do Plano, o Ministério Público do Trabalho, que já acompanhava o grupo móvel de fiscalização, passou a estar presente em quase todas as ações, e isso se traduziu em números, como o aumento de ações civis públicas sendo ajuizadas. Mesmo assim, o índice de trabalhadores encontrados em situação degradante de trabalho só faz aumentar, constantemente, pois está vindo á tona o que sempre ocorreu.
Projetos como o “Escravo Nem Pensar”, que tem o objetivo de diminuir, através da educação e da comunicação comunitária, o número de adolescentes das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste aliciados para o trabalho escravo na fronteira agrícola amazônica foi uma iniciativa louvável.
3.3.3 As varas intineirantes como meio de reduzir a impunidade
Além de algumas mudanças já vistas inseridas no ordenamento pátrio a respeito da competência de crimes contra a organização do Trabalho, a Emenda Constitucional 45/2004 forneceu uma eficiente solução.
Com a EC n. 45/2004 a instituição das varas itinerantes passou a ter previsão constitucional. O artigo 115, §1º, da CF/88 prevê que “Os Tribunais Regionais do Trabalho instalarão a justiça itinerante, com a realização de audiências e demais funções de atividade jurisdicional, nos limites territoriais da respectiva jurisdição, servindo-se de equipamentos públicos e comunitários.”
Cite-se que ainda no fito de facilitar o acesso à justiça, no §2º do mesmo artigo, foi prevista a criação das Câmaras Regionais “§ 2º Os Tribunais Regionais do Trabalho poderão funcionar descentralizadamente, constituindo Câmaras regionais, a fim de assegurar o pleno acesso do jurisdicionado à justiça em todas as fases do processo.” Além dessas medidas há acordos e convenções internacionais que tratam da escravidão contemporânea.
No contexto de promoção do Trabalho Decente, a OIT Brasil oferece cooperação técnica aos programas prioritários e reformas sociais do Governo brasileiro, incluindo o Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, Fome Zero, Primeiro Emprego e diversos programas governamentais e não governamentais de erradicação e prevenção do trabalho infantil, de combate à exploração sexual de menores; de promoção de igualdade de gênero e raça para a redução da pobreza, da geração de empregos, de fortalecimento do diálogo social e de programas de proteção social.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) trata do tema nas convenções número 29, de 1930, e 105, de 1957 – ambas ratificadas pelo Brasil. A primeira (Convenção sobre Trabalho Forçado) dispõe sobre a eliminação do trabalho forçado ou obrigatório em todas as suas formas. Admite algumas exceções de trabalho obrigatório, tais como o serviço militar, o trabalho penitenciário adequadamente supervisionado e o trabalho obrigatório em situações de emergência, como guerras, incêndios, terremotos, entre outros. A segunda Convenção trata da proibição do uso de toda forma de trabalho forçado ou obrigatório como meio de coerção ou de educação política; castigo por expressão de opiniões políticas ou ideológicas; medida disciplinar no trabalho, punição por participação em greves; como medida de discriminação. Há também a declaração de Princípios e Direitos Fundamentais do Trabalho e seu Seguimento, de 1998.
O fim da escravidão e de práticas análogas à escravidão é um princípio reconhecido por toda a comunidade internacional. As duas convenções citadas são as que receberam o maior número de ratificações por países membros dentre todas as convenções da OIT. Ainda assim o problema persiste, pois não as causas da escravidão ainda são latentes no meio do povo brasileiro!
3.3.4 A Portaria nº 540/2004 do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE)
O termo “Lista Suja” foi escolhido para designar o cadastro instituído pela Portaria n. 540/2004 do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que agrupa os nomes de empregadores flagrados na exploração de trabalhadores em condições análogas às da escravidão e condenados administrativamente ou penalmente pelas infrações à legislação do trabalho.
Quando os empregadores se flagram na lista, quase sempre se apresentam perante o Poder Judiciário como indivíduos produtivos e altruístas que empreendem seus negócios com vistas ao crescimento do país, gerando empregos e pagando impostos. Dentro desse contexto, o fato de cometer “irregularidades trabalhistas” — modo como usualmente se ferem às práticas que caracterizam o trabalho escravo — parece-lhes algo normal e corriqueiro. Igualmente, julgam absurda a possibilidade de que sejam surpreendidos com a inclusão de seus nomes num cadastro que os exponha ao público de forma negativa, bem como de que lhes seja imposta uma insuportável restrição, qual seja, a do acesso a créditos e financiamentos bancários. Desse modo, a utilização da referida designação envolverá sempre um ganho e um prejuízo imediatos. Em regra juízes tem optado, pela utilização da locução “cadastro de empregadores instituído pela Portaria n. 540/2004”, o que parece adequado sob o ponto de vista técnico-jurídico. (OIT 2007, p.15-16-17).
A inclusão do nome do infrator no cadastro é feita desde que atendidos sucessivamente dois requisitos essenciais:
“I) flagrante constatado pela fiscalização no que se refere à sujeição de trabalhadores submetidos a condições análogas às de escravo;
II) e que, no curso dessa ação, sejam lavrados autos de infração que, submetidos ao crivo do contraditório e da ampla defesa em regular processo administrativo, venham a resultar em decisão final que aplique penalidade de multa ao empregador.”
Desse modo, sustenta-se que o cadastro instituído pela Portaria nº 540/2004, na medida em que se reporta a eventos passados, ou seja, processos administrativos com decisão final em que foram condenados os infratores incluídos , possui natureza meramente declaratória e atende a uma finalidade específica que é a de informar terceiros e a sociedade sobre ocorrências de enorme gravidade já devidamente apuradas em processo administrativo finalizado. Destaca-se que a Portaria não constitui um novo status jurídico para os que nela constam e nem cria qualquer sanção.
A Justiça do Trabalho, em julgado do TRT da 10ª Região publicado em 15 de setembro de 2006, já se manifestou, conforme julgado, cuja ementa se transcreve a seguir:
“CADASTRO DE EMPREGADORES QUE UTILIZAM MÃO-DE-OBRA EM CONDIÇÕES ANÁLOGAS ÀS DE ESCRAVO (LISTA SUJA). CONSTITUCIONALIDADE DA PORTARIA.
INCLUSÃO DO NOME DO IMPETRANTE. VALIDADE DO ATO. MANDADO DE SEGURANÇA. DENEGAÇÃO.”
A edição da Portaria n. 540/2004, do MTE, presta reverência aos fundamentos do Estado Democrático de Direito, com destaque para a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (CF, art. 1º, inciso III e IV). Amolda-se a iniciativa ministerial, também, ao axioma constitucional que persegue a valorização do trabalho humano e a função social da propriedade, encartado no artigo 170, da Carta Política, erigindo-se em instrumento eficaz e indispensável para que o Estado brasileiro atenda ao compromisso internacional de combater a chaga do trabalho escravo em nosso território.
O ato de inclusão do nome do empregador na lista em cogitação não encerra ato punitivo, tendo o cadastro natureza meramente informativa, não se evidenciando, pois, ilegalidade no ato praticado pela autoridade pública. Segurança que se denega. Provimento que se concede ao recurso ordinário. (processo: RO – 00443-2005-007-10-00-) “(OIT 2007 p.92-95)
3.4 Projetos legislativos e práticas punitivas que poderiam efetivar juridicamente o combate ao trabalho análogo ao escravo
Entre projetos legislativos de relevância pode-se abordar o Projeto de Emenda Constitucional 438/2001, a PEC do Trabalho Escravo, que é de autoria do Senador Ademir Andrade que visa alterar o art. 243 da Constituição Federal que dispõe sobre a expropriação de terras onde existam culturas ilegais de plantas psicotrópicas. Até o momento ainda não levado a votação na Câmara dos Deputados. Colocando a possibilidade de expropriar a terra onde há trabalho escravo.
Talvez o pavor dos latifundiários que em grande parte são políticos ou patrocinadores de campanhas destes, consista no fato de a Proposta de Emenda Constitucional nº 438/2001, autorizar a desapropriação (mais apropriado usar a palavra confisco, por não ocorrer indenização ao escravocrata) de áreas onde for constatado o uso de trabalhadores escravos. O que seria sim uma punição louvável entre as já mencionadas e previstas na legislação existente. Se realmente for executada.
Conveniente seria citar a observação do Juiz João Humberto Cesário, do TRT da 23ª. Região:
“se, em última instância, é legítimo à União, nos termos do §2º. Do art. 184 da CRFB, editar um decreto declarando o imóvel como de interesse social, para fins de instauração do procedimento de desapropriação, por certo será muito mais lícito que, por via dos Ministérios competentes, publique portarias que visem a coibir a existência da repugnante prática de servidão contemporânea.” (2007 APUD OIT 2007)
3.4.1 Outros projetos de lei
O PL 5016/2005, que traz alterações com o fim de clarificar a definição prevista no art.149 do CPB. A proposta determina caracteriza o crime de escravidão e prevê que a “relação de trabalho que sujeita o trabalhador a empregador, tomador de serviços ou preposto, mediante fraude, violência, ameaça ou coação de quaisquer espécies. Explicitando também a questão da locomoção e autodeterminação. Também prevê a tipificação de situações para o agravamento das penas – como, por exemplo, a retenção de salários ou documentos.
A PEC 52 / 2005 de autoria do senador Cristovam Buarque (PDT-DFF) que assim como a PEC 438/2001, prevê expropriação de terras onde seja encontrado trabalho escravo, mas inclui na lista o trabalho infantil. Além disso, prevê também que as terras desapropriadas possam servir à recuperação de viciados, ou para programas de esporte, lazer e educação. A proposta foi enviada à CCJC (COMISSÂO DE CIDADANIA E JUSTIÇA DA CAMARA), onde aguarda a nomeação de um relator.
O PL 108/2005 de autoria da senadora Ana Júlia Carepa (PT-PA) que prevê proibição de crédito em qualquer instituição financeira ou participação em licitações a empresas flagradas com trabalho escravo ou que incorreram em infrações ambientais. A medida vale por dois anos, podendo ser entendida a cinco quando houver reincidência. Instituições financeiras que não respeitarem a lei sofrerão uma multa de 40% sobre o valor do crédito cedido.
O PL 2108/2003 de autoria do deputado Walter Pinheiro (PT-BA) que prevê proibição que entidades ou empresas brasileiras ou sediadas no Brasil tenham contrato com empresas que exploram formas degradantes de trabalho, como o trabalho escravo ou infantil, em outros países. Em caso de descumprimento, a entidade ou empresa é impedida de firmar contratos com qualquer órgão público, participar de licitações ou se beneficiar de recursos públicos, por um período de cinco anos.
O PL 9/2004 de autoria do senador Marcelo Crivella (PRB-RJ) que pretende acrescentar a Lei de crimes hediondos (nº 8072/1940) o crime de trabalho escravo conforme previsto pelo Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo.
Quanto ao aumento da pena para o crime de escravidão, surge a indagação: O aumento da pena inibiria ou não a pratica desse delito? Ninguém deixou de matar porque a lei tipificou o homicídio como crime. Mas que poderia aumentar a pressão sobre os que se utilizam da mão -de -obra-escrava, isso sim! Como visto anteriormente, já existe Projeto de Lei a esse respeito.
Deve-se atacar o núcleo do problema, pois o alvo de ataque tem sido o mais fraco na relação de trabalho, é ele quem cede direito. Vive-se hoje num mundo do ter e não do ser.
O escravocrata ama mais suas cifras milionárias do que o ser que possibilita lucros exorbitantes a ele. O valor moral e ético na contemporaneidade está no lucro, na vantagem sobre a perda do outro. O que fazer se este é um problema de ordem também moral, senão divulgar nomes, divulgar os fatos, aprovar os projetos de Lei e de Emenda constitucional com a maior celeridade possível?!
CONCLUSÃO
A exploração do homem pelo homem tem se intensificado com requintes de crueldade, os quais desrespeitam todo e qualquer limite imposto pela lei tanto constitucional como infraconstitucional como demonstrado.
A escravidão contemporânea figura no cenário rural e urbano, se adequando aos meios oferecidos pela desigualdade. Não é exclusividade do Brasil, visto que é um problema mundial. Porém, o Brasil tem se destacado no cenário mundial pelo empenho em projetos administrativos e legislativos a que visem à erradicação de tal mal.
A escravidão não foi ocasionada pela introdução do modo de produção capitalista, na realidade a escravidão acompanhou o desenvolvimento da sociedade com objetivos e formas diferentes e persiste na contemporaneidade.
Continuar intensificando o combate não a escravidão contemporânea por si só, mas as causas dessa escravidão se faz necessário e urgente! Assim como: Efetivar a tão famosa reforma agrária; não somente distribuindo terras, mas patrocinando o primeiro plantio (oferecendo tecnologia) até que o agricultor se estabeleça (primeira colheita); Construir moradia adequada para famílias essa já ocorre em pequenas proporções e em áreas apenas que oferecem risco á população (ribeirinha nos centros urbanos ou ás que vivem nas encostas); Qualificar a mão-de-obra através de cursos profissionalizantes, mais educação, diminuindo ainda mais a exclusão digital, construindo mais Escolas Técnicas, estendendo-as as áreas, municípios ou bairros menos favorecidas das regiões do Brasil, em favor daqueles que tem dificuldade de locomoção, utilizando cursos intineirantes (pela localização geográfica de seu domicílio).
Verifica-se uma inversão de valores e a humanidade precisa se encontrar, pois ela está perdida, alienada. Foi corrompida com a ganância e o egoísmo (individualismo). Os que se contaminaram com esse mal são como uma fera insaciável desejando sempre mais seres humanos para serem dilacerados nos dentes afiados da exploração.
Na contemporaneidade as pessoas valem menos que coisas. Por isso no ideal escravocrata vale à pena sacrificar vidas alheias para crescer economicamente no cenário nacional e mundial. Esta foi a célula formadora da consciência da elite no Brasil – Colônia a qual sempre cedeu aos apelos da metrópole estrangeira e contribuiu para a opressão de seus compatriotas.
Mas isto pode ser transformado na medida em que a proteção da dignidade do trabalhador seja prioridade nas relações de trabalho. Para tanto os cidadãos brasileiros devem conhecer a verdade, pois a verdade liberta. Assim poderão acordar desse pesadelo, se colocar de pé e se transformarem num grande exército na luta contra a flexibilização desvairada das leis trabalhistas fazendo valer os princípios que regem o nosso ordenamento maior e que informam o direito do trabalho, a fim de que se faça justiça social e conseqüentemente a devida proteção contra a escravidão contemporânea.
Informações Sobre o Autor
Luciana Francisco Pereira
Acadêmica de Direito na FURG