Resumo: Como deverá proceder o juiz diante de uma dissintonia entre teses do acusado e do seu defensor?
Sumário: 1. Introdução 2. importância da Defesa 3. conflito de teses Conclusão
INTRODUÇÃO
É possível a divergência de teses entre o acusado e seu defensor? Se for possível, como deve proceder a autoridade judiciária perante este conflito? O defensor deve acolher a teoria do réu, já que o mesmo é acusado de uma conduta e conhece melhor os fatos que o cercam?
Foram por essas e mais perguntas, que resolvi pesquisar com mais afinco e escrever esse artigo sobre a dissintonia de teses defendidas por réu e defensor diante da tribuna judiciária.
A tentativa deste artigo é demonstrar de forma mais clara possível as respostas para as três perguntas supracitadas.
Sabemos que o exercício da defesa é um bem protegido constitucionalmente e nenhum cidadão jamais terá esse direito privado de sua ação e serventia.
Diante dessa situação iremos discorrer acerca do tema, demonstrando as lições preciosas dos doutrinadores, bem como as jurisprudências que tão bem definem a posição judiciária nacional em face da cizânia entre tese defendida por defensor e tese de autodefesa.
1. A IMPORTÂNCIA DA DEFESA
Uma das ações[1] mais importantes no incidente de um processo é a defesa. A defesa é um mister indisponível e obrigatório para a formalização válida de um processo. Em nosso direito pátrio não é possível renunciar a defesa. Mesmo que o acusado não queira fazer uso desse direito, ele jamais poderá se abster do direito de ser defendido por um defensor constituído, dativo ou público.
Quem preconiza tal necessidade é o próprio Código de Processo Penal em seu dispositivo 261 que leciona:
“Art. 261. Nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor.
Parágrafo único. A defesa técnica, quando realizada por defensor público ou dativo, será sempre exercida através de manifestação fundamentada. (Incluído pela Lei nº 10.792, de 1º.12.2003)”.
Nesse mesmo ínterim dispõe o artigo 8º, 2, “e” da Convenção Americana sobre Direitos Humanos[2]:
“Artigo 8º – Garantias judiciais
2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:
e) direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado, remunerado ou não, segundo a legislação interna, se o acusado não se defender ele próprio, nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei;”
Diante de tais lições primorosas do Direito de Defesa, o juiz deverá zelar por esse evento sempre primando pela excelência da atitude defensiva. O Supremo Tribunal Federal na inteligência de sua súmula nº. 523 dispõe o ensinamento de que sem defesa o processo deve ser nulo.
“Súmula 523: No processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu”.
Ademais no Código de Processo Penal em seu artigo 564, III, “c”, assevera que será declarada a nulidade por lesão a qualquer instituto ali elencado. Entre eles o da defesa do acusado:
“Art. 564. A nulidade ocorrerá nos seguintes casos:
III – por falta das fórmulas ou dos termos seguintes:
c) a nomeação de defensor ao réu presente, que o não tiver, ou ao ausente, e de curador ao menor de 21 (vinte e um) anos”.
Neste sentido vislumbramos a importância da defesa no processo penal brasileiro.
No Tribunal do Júri o princípio da plenitude da defesa se constitui no mais sagrado procedimento a ser zelado pelo juiz, no qual se encontra arraigado no artigo 5º, XXXVIII, “a”, da Constituição Federal. A doutrina majoritária defende que tal princípio é muito mais completo e complexo do que a Ampla Defesa, aplicáveis aos procedimentos processuais ordinários.
Nos dizeres sábios de José Frederico Marques, a defesa plena é a defesa exercida através de todos os meios e recursos inerentes àquela ação; enquanto a ampla defesa abrange esses meios e recursos, bem como outros possíveis.[3]
A Plenitude da defesa é efetiva quando exercida em juízo por uma defesa técnica exclusivamente efetuada por defensor constituído(advogado contratado pelo acusado), dativo(nomeado pela autoridade judiciária) ou público(fornecido pelo Estado).
A defesa pode ser exercida através da “defesa técnica” e pela autodefesa. Sobre a defesa técnica já comentamos a necessidade de ser exercida por um profissional formado em Direito, sendo constituído, dativo ou público. Quanto à autodefesa podemos dizer que é aquela exercida pelo próprio acusado, nas oportunidades do seu interrogatório dentro do inquérito policial e nas primeiras e segundas fases do procedimento do júri.
É esperado que dentro desse mister, exista uma harmonia entre o defensor e o acusado. Mas às vezes acaba ocorrendo uma dissintonia entre a defesa técnica e a autodefesa. Diante desse evento como deve proceder o juiz da causa?
2.DIVERGÊNCIA DE TESES
O defensor tem que dentro dos seus conhecimentos técnicos e jurídicos, buscar a melhor forma para que o defendido saia do exame conjeturatório com a maior gama possível de direitos e garantias.
O papel do defensor, principalmente no teor processual penal, é muito desgastante, complicado e de difícil imagem social, já que a sociedade às vezes entende que o defensor é um mercenário, simplesmente porque aceita defender um acusado de um crime mal visto pela sociedade. Mas a grande maioria não sabe que a nossa Carta Maior não permite que nem mesmo o pior criminoso seja julgado sem direito a defesa.
Devido a essas situações vexatórias, a lei federal 8.906/94[4] preconiza em seu conteúdo, no artigo 31 que: “Nenhum receio de desagradar a magistrado ou a qualquer outra autoridade, nem de incorrer em impopularidade, deve deter o advogado[5] no exercício da profissão”.
Diante desse código de ética profissional o advogado sempre terá que ser impertérrito no exercício de suas funções essenciais à justiça.
Neste quadro Carnelutti[6] comentava que era algo precioso e extraordinário a devoção do defensor de se colocar no último degrau da escada ao lado do acusado, sempre buscando a sua defesa, sem momento algum se preocupar com reações alheias.
Já o acusado, na condição de investigado e parte passiva de um processo criminal, tem a angústia de se autodefender, buscando emocionalmente a sua inocência e a sua liberdade. Neste sentido ele acaba entrando em choque com as teses apresentadas pela defesa técnica e ficando em condições de se prejudicar.
Por isso a doutrina e a jurisprudência vêm entendendo e demonstrando através de seus julgamentos a importância real da defesa de um profissional abalizado e em condições para uma defesa eficaz. A atividade de um defensor com sua sensibilidade e conhecimentos específicos compreende na apreciação das provas (oral, documental, pericial, reconstituição ou simulação dos fatos), buscando colocar no próximo ato processual a medida perfeita para satisfazer a defesa do acusado.
Corrobora com esse Pensamento o ilustre doutrinador Tourinho Filho, defendendo a atuação sempre presente do defensor:
“Não cremos possa o réu desistir do recurso interposto; o árbitro da desistência deve ser o seu defensor, sob pena de violação à ampla defesa, a menos haja razoável ponderação do acusado. (…) A renúncia do recurso não deve ficar a critério do acusado, mas do seu defensor, após ouvi-lo.”[7]
O defensor tem liberdade e liberalidade para decidir qual o melhor método de defesa, neste caso ficando isento de qualquer pressão por parte de quem quer que seja. A sua meta é sempre buscar a melhor defesa para o caso concreto. Se o defensor dentro de sua capacidade laboral-intelectual perceber que a tese ora disposta pelo acusado não encontrar qualquer guarida nas provas dos autos, ficando assim totalmente dispare com o processo, o defensor deve colocá-la de lado e considerá-la inócua.
Neste aspecto Adriano Marrey, Alberto Silva e Rui Stoco doutrinam: “não haverá excesso, nem violação de ordem ética na conduta do defensor, ao qual compete no exercício do “múnus” da defesa, verificar o que mais convenha ao seu cliente”.[8]
Em seu expediente o renomado jurista Guilherme de Souza Nucci ensina que não é exagero observar discrepância entre o aventado pelo acusado e por seu defensor técnico. O defensor então não é obrigado a sustentar uma tese que julga incoerente apenas porque o réu a levantou em seu interrogatório. Fazendo as necessárias retificações, explanará aos jurados o que entende cabível para proporcionar ao réu a “plena defesa”.
O entendimento dos nossos tribunais superiores gira em torno da máxima que não fica indefeso aquele acusado que não teve sua tese defendida pelo profissional.
Em julgamento proferido pelo STJ, ficou decidido:
“STJ. Recurso. Renúncia. Sentença condenatória. Advogado. Divergência entre réu e defensor. Prevalência da defesa técnica em homengem ao princípio da ampla defesa. CF/88, art. 5º, LV. CPP, art. 392. Em homenagem ao princípio constitucional da ampla defesa, na hipótese de conflito entre o réu, que renunciou ao direito de recorrer da sentença condenatória, e seu defensor, prevalece a vontade da defesa técnica, com idoneidade para avaliar as conseqüências da não impugnação da decisão condenatória. (STJ – HC 18.400 – SP – Rel.: Min. Vicente Leal – J. em 02/04/2002 – DJ 06/05/2002 – Boletim Informativo da Juruá 322/028038)”[9]
Em outra decisão temos a seguinte lição:
“Se o defensor se convence, ante os elementos colhidos nos autos, de que a alegação de negativa de autoria não trará proveito ao acusado e adota outras teses defendidas, com eficiência e, no caso, até com êxito, não se pode dizer que o réu tenha ficado indefeso”.[10]
É inegável a importância de um profissional zeloso e com atributos impecáveis para uma excelente peça de defesa processual. Afinal de contas o defensor graduado em Direito reúne em todo seu conjunto as melhores possibilidades e a habilidades para obter uma defesa mais consistente e eficaz para o réu.
CONCLUSÃO
Diante do exposto, não há outra conclusão, senão a de que a defesa profissional exercida por um defensor com conhecimentos jurídicos sobrepõe a autodefesa. O defensor possui total autonomia para se desvencilhar da tese sustentada pelo acusado e tem total liberalidade para se posicionar frente outras teses assim como defendê-las perante o Conselho de Sentença ou a autoridade judicante. Quando possível e vislumbrando que não atrapalhará em nada, o defensor também pode conciliar a tese do acusado com a sua.
A importância da defesa técnica foi constatada no momento em que estudamos a possibilidade de nulidade do processo caso se perceba que a defesa profissional está sendo irregular, deixando assim o acusado indefeso.
Por ora, conclui-se, então, que a defesa técnica é irrenunciável e de extrema necessidade para os procedimentos processuais penais, e quando houver conflito entre teses defendidas por profissionais e pelos acusados, caberá ao juiz acatar as dos profissionais por entender que os mesmos possuem maiores condições laborais e intelectuais para perfazer uma defesa perene e satisfatória.
Para encerrar, peço data vênia para expor um pensamento de Ferrajoli que demonstra a existência atávica da presença do réu e defensor em processos penais.
Luigi Ferrajoli:
“O pensamento iluminista, coerente com a opção acusatória, reivindicou a presença de um e de outro a todas as atividades probatórias. Voltaire protestou contra a possibilidade de que o confronto entre o imputado e as testemunhas fosse entregue à discricionariedade do juiz em vez de ser obrigatório. (…) E o mesmo fez Pagano, que desejou que as testemunhas de acusação ‘serão interrogadas ex integro na presença do réu’ e sublinhou ‘o quanto ajuda a conhecer a verdade tal contradição’.” (Direito e Razão, Teoria do Garantismo Penal, SP: RT, 2002, p. 491)
Informações Sobre o Autor
Roberto Victor Pereira Ribeiro
Advogado, Pós-graduando em Direito Processual, Pesquisador de ciências das religiões, teologia e parapsicologia, Membro da Associação Brasileira de Bibliófilos, Membro da Associação Brasileira dos Advogados