CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Segundo a doutrina jurídica brasileira, o princípio da autonomia privada foi profundamente modificado a partir do século XX.
A evolução histórica do conceito de autonomia privada é ponto de extrema importância para se entenderem os aspectos que marcaram a determinação do atual conceito e para se compreender a extensão da aplicabilidade do princípio como direito fundamental. A breve referência histórica proposta tem o objetivo de apresentar a evolução do princípio da autonomia privada.
Por fim, nos últimos dois pontos do trabalho são examinados o âmbito de atuação da autonomia privada no direito de família e as críticas à autonomia privada.
1) Evolução Histórica da Autonomia Privada
O princípio da autonomia da vontade (hoje chamado de autonomia privada) teve seu ápice na dogmática jurídica do século XIX, como resultado da filosofia jusracionalista moderna de caráter liberal, individualista e voluntarista dos direitos subjetivos, que defendia a própria constituição do Estado como resultado de um contrato (social)[1].
A filosofia jusnaturalista liberal moderna, segundo a qual a dignidade da pessoa não se compadece com a submissão a leis outras que não aquelas estabelecidas pela sua própria vontade, e a idéia da convivência de dois termos, liberdade e responsabilidade, onde a idéia da responsabilidade é decorrência da liberdade, representam a expressão da autonomia da vontade. Kant entende que a vontade é a única fonte de toda obrigação jurídica e, também, a fonte da justiça. Partindo da premissa de que os indivíduos, em sua essência, são livres e iguais e da concepção da pessoa humana como fonte e causa final de todo o direito, concluíam os juristas da escola da exegese na França e da escola pandectista alemã que nada pode obrigar os indivíduos sem seu consentimento. O ordenamento jurídico sob esse modelo liberal, cujo princípio máximo é a autonomia da vontade, tem a base em valores de justiça como acordo de vontades (“quem diz contratual, diz justo”) e na segurança jurídica (previsibilidade, “calculabilidade”)[2]. É a era do “império do individualismo”, em que a estrutura do ordenamento jurídico foi adaptada para garantir a máxima segurança e a igualdade formal (perante a lei).
O direito individualista, que teve seu auge na época das codificações oitocentistas, caracteriza-se pela técnica legislativa fechada, ou seja, procura dar enorme previsibilidade às conseqüências jurídicas dos atos praticados, pois um dos objetivos principais era dar segurança. O Código de Napoleão e as Constituições revolucionárias francesa e norte-americanas foram os primeiros a consagrar o “reino” da liberdade individual e da separação entre indivíduo e Estado[3].
Nesse contexto jurídico, segundo o entendimento da doutrina jurídica brasileira, as relações de direito público e direito privado eram bem separadas e definidas.
O direito público tutelava os interesses gerais da sociedade e emanava do poder do Estado. A separação entre o Estado e a sociedade civil delegava àquele o dever de manter uma coexistência pacífica entre as duas esferas. Assim, ao Estado era atribuído o poder de impor limites aos indivíduos em razão de exigências dos próprios indivíduos ou da sociedade; por sua vez, o direito privado atuava no âmbito dos direitos naturais e inatos dos indivíduos[4].
A concepção da vontade como expressão suprema do indivíduo alcançou sua síntese no Código de Napoleão[5]: sendo a lei e o contrato as fontes das obrigações, os efeitos jurídicos que não fluíssem da vontade seriam derivados da norma, elevando-se a vontade, com esse procedimento, à categoria de lei; a origem das normas jurídicas, que por definição são obrigatórias, é o acordo de vontades; o relacionamento social desenvolve-se sobre um fundamento voluntário, isto é, contratual[6]. Nisso está a razão de o contrato ser considerado fonte primordial das obrigações “como e enquanto manifestação da vontade”[7].
A regra era a liberdade contratual, sendo amplas as possibilidades das partes para fixar o conteúdo do contrato, que era considerado intangível pelo Estado, salvo em casos de vícios de consentimento. Era a época do primado do princípio pacta sunt servanda[8], ou seja, o contrato fazia lei entre as partes e não conhecia relativizações[9].
Inicialmente, a expressão “autonomia da vontade” foi adotada no mundo jurídico pelo Direito Internacional Privado. Os jus-internacionalistas utilizavam este princípio “vinculado à idéia de livre determinação, pelas partes envolvidas, das leis aplicáveis aos atos internacionais”[10]. A adoção do princípio da autonomia da vontade pelo Direito Internacional Privado compreende duas fases. O princípio da autonomia na vontade era passivo e atuava como “elemento justificador dos motivos pelos quais a lei determinava a aplicação de tal ou qual regra ao caso concreto”.
Luis Renato da Silva Pereira afirma que a “autonomia da vontade funcionava como elemento a posteriori da aplicação da lei”. Posteriormente, o princípio da autonomia da vontade passou a ser um princípio ativo e a “ser solucionador de conflitos, buscando-se, a priori, qual a vontade que autonomamente determinava a aplicação desta ou daquela lei”[11].
Do Direito Internacional Privado a expressão foi consagrada pelos civilistas do século XIX para expressar a máxima liberdade contratual no âmbito do Direito doméstico, fora, portanto, do contexto daquele.
O chamado declínio da “autonomia da vontade” iniciou-se já ao final do século XIX pela obra dos autores socialistas, da doutrina social cristã da Igreja nas suas encíclicas papais e, sobretudo, pela obra da sociologia solidarista de Comte, Durkheim e seus seguidores Duguit, etc. já no século XX[12].
Assim, já no advento da Primeira Grande Guerra, houve um grande processo de transformação de ordem social, política e filosófica, que seguiu paralela às influências das grandes correntes de pensamento. Isso, somado à idéia de alcançar a justiça social, colaborou para desestruturar o jus-racionalismo oitocentista e acabou por minar as bases do “dogma da vontade”. A partir de então, começaria a mudar o paradigma jurídico, rumo ao modelo solidarista ou social refletido em constituições e legislações de caráter social, como as leis de previdência social, as leis trabalhistas, as leis de proteção do inquilinato. A idéia aqui era proteger a parte mais fraca na relação por meio da intervenção estatal como forma de gerar mais “justiça social”.
A “decadência” do liberalismo econômico e o surgimento da sociedade de massas na maior parte dos países ocidentais exigiram uma reformulação do princípio da autonomia privada, que teve de ser adaptado à nova realidade.
Orlando Gomes[13] afirma que os problemas sofridos pela concepção voluntarista, decorrentes, dentre outras razões, da superação de suas matrizes filosóficas e políticas, determinaram a revisão da teoria do negócio jurídico em pontos fundamentais.
A autonomia privada, portanto, deveria existir observando os limites do ordenamento jurídico estatal, que seriam bem mais restritos e regulados pelo Estado se comparado com o seu papel no século XIX. Foi, portanto, no século XX que a concepção acerca do contrato mudou radicalmente: o contrato é a manifestação, por excelência, da autonomia privada. Com a massificação das relações sociais e o tráfico em massa[14], verificou-se que a liberdade de escolha mostrava-se, para muitos juristas (e legisladores), ilusória diante da desigualdade de condições fáticas existentes entre as partes. A inexistência de qualquer intervenção importava a ampla liberdade tão-somente da parte mais forte na relação contratual, enquanto que à parte economicamente mais frágil restava a submissão ao que fora acordado.
A partir de então, algumas constituições do século XX, como a portuguesa e a espanhola, definiram a solidariedade e a justiça como metas do Estado, o qual, para implementá-las, entre outras medidas, passou a intervir nas relações privadas, impondo limitações à liberdade de contratar a fim de coibir os abusos[15].
Além disso, foram constituições que passaram a prever direitos positivos, atuações no Estado. Essas constituições modernas (apoiadas também em convenções da ONU sobre direitos humanos) passaram a indicar o respeito à dignidade da pessoa humana como princípio fundamental dos respectivos Estados, como, por exemplo, a Constituição brasileira, que mais interessa aqui. Aparecem, então, os princípios como da boa-fé, da função social, da onerosidade excessiva, do abuso de direitos como mecanismos de regulação estatal na esfera privada, todos reduzindo a esfera de auto-regulação (autonomia privada)[16].
O conceito e a origem do princípio da autonomia privada são vinculados com os de sujeito jurídico e de propriedade. O capitalismo trouxe uma universalização do conceito de sujeito jurídico e de propriedade. Nas palavras de Ana Prata[17], “todos passam necessariamente a ser proprietários, ou de bens que lhes permitam subsistir, ou de força de trabalho que vendam”. O negócio jurídico não é mais uma mera declaração de vontade destinada a produzir efeitos jurídicos, mas, sim, o ato de autonomia privada que obriga o sujeito ou os sujeitos que o praticam ter conduta conforme ao regulamento dos seus interesses fixado com a prática do ato.
Segundo Maria Celina Bodin Moraes[18], em opinião que está se tornando corrente e talvez somente aplicável ao Brasil, o “antagonismo entre o público e o privado perdeu definitivamente o sentido”, pois o Estado Democrático de Direito tem entre os seus fundamentos a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa. Nesse diapasão, as relações jurídicas buscariam conferir efetividade à Constituição e ao princípio da dignidade da pessoa humana em todas as atividades no sistema jurídico brasileiro, que está inserido no sistema global.
Segundo Rita de Cássia Guedes, “a configuração do mundo como um sistema global é o mais significativo acontecimento político, econômico e social das últimas décadas”[19]. Se seguida essa análise do mundo global, ele provavelmente não autorizaria essa conclusão sobre a publicização do direito privado, mas, ao contrário, de privatização do direito público ou pelo menos, de reprivatização do direito privado. Mas este não é o ponto do trabalho.
O ponto do trabalho é mostrar como certamente esta afirmativa de maior interferência estatal no âmbito privado não serve ao Direito de Família, que sabidamente integra o Direito Civil.
2) Distinção entre Autonomia Privada e Autonomia da Vontade
Segundo a doutrina jurídica brasileira pesquisada, os princípios da autonomia da vontade e da autonomia privada pertencem a diferentes estágios da evolução social e da teoria do Direito.
A autonomia da vontade decorre do voluntarismo oitocentista, que elevou a vontade ao mesmo plano da lei como a causa dos efeitos jurídicos. Por sua vez, a autonomia privada é resultado das transformações socioeconômicas que conduziram à sociedade de massas, ligando-se à tendência de objetivação do negócio, tutela da confiança e na dignidade da pessoa humana.
A distinção entre os conceitos de autonomia da vontade e de autonomia privada tem o objetivo de evitar de elucidar a concepção atual da matéria. Luigi Ferri assinala que “quem fala em autonomia da vontade na verdade desconhece o problema da autonomia privada”[20]. O princípio da “autonomia da vontade” é desenvolvido pela influência da filosófica liberal fundada nos direitos naturais.
Na ideologia do modelo de Estado Social, o Estado deve impor limites à liberdade de contratar, a fim de coibir os abusos decorrentes das desigualdades entre as partes.
A passagem do jus-naturalismo para o positivismo jurídico importou em uma revolução copernicana[21] na concepção relativa ao fundamento do poder de criar Direito.
Para a autonomia da vontade o poder era considerado como um dado imanente das pessoas, ao passo que os positivistas vêem o poder como concessão do Direito. Assim, a autonomia privada decorre em virtude e nos limites do ordenamento jurídico estatal.
A distinção entre autonomia privada e a autonomia pública está no fato de ser esta o poder atribuído ao Estado, ou a seus órgãos, de criar direito, nos limites da sua competência, para a proteção dos interesses fundamentais da sociedade. Seu objetivo é de natureza pública; o seu poder é originário e discricionário. Já, na autonomia privada, os interesses são particulares e seu exercício é a manifestação de liberdade, derivado e reconhecido pela ordem estatal. O Estado opera intervenções que visam a mitigar as desigualdades econômicas entre as partes contratantes e não distorcem a autonomia; colabora com os objetivos da autonomia privada, permitindo que os contratantes se expressem em pé de igualdade[22].
Para Verena Becker, o princípio da autonomia privada é o princípio jurídico por meio do qual a ordem jurídica sanciona a liberdade individual, que no plano político pode ser reconhecida de forma mais ou menos ampla, conforme as concepções dominantes numa determinada sociedade num dado momento[23].
Francisco Amaral refere que a autonomia privada “funciona como princípio aberto, no sentido de que não se apresenta como norma de direito, mas como idéia diretriz ou justificadora da configuração e funcionamento do próprio sistema jurídico”[24]. A autonomia privada opera na área das escolhas individuais, no espaço concedido pelo Direito para auto-regulação das relações privadas[25].
Hoje, portanto, o entendimento é de que a força da vontade advém do direito objetivo, não da própria vontade, tornando-se indiscutível que todo efeito jurídico se reconduz à lei e só se produz na medida em que esta o autoriza[26]. Ultrapassado o dogma da vontade e transferido o eixo da relação contratual da tutela subjetiva da vontade à tutela objetiva, importa direcionar a questão da autonomia da vontade para a da autonomia privada.
Em sentido lato, a autonomia privada passa a ser o espaço de liberdade facultado a cada um dentro da ordem jurídica e, em sentido estrito[27], como o poder atribuído à pessoa para entrar em relações privadas e escolher a maneira de criação de normas nessas situações. Pode ser compreendida sob os seguintes aspectos[28]: a) como poder de criar, modificar ou extinguir relações jurídicas privadas; b) como princípio informador do sistema, isto é, como princípio aberto que reflete idéia diretriz ou justificadora da configuração do funcionamento do próprio sistema jurídico; c) como cânone interpretativo, porquanto aponta razões para o caminho a ser seguido na pesquisa do sentido e no alcance da norma jurídica; d) como concretização do princípio da dignidade humana, que determina que cada um escolha seu destino em busca da felicidade e seja responsável por suas escolhas.
A utilização do conceito de autonomia da vontade impede a real compreensão do princípio da autonomia privada e de sua dimensão constitucional. Deve ser estendida a tutela constitucional do Direito ao livre desenvolvimento da personalidade à autonomia privada[29], porque é princípio indispensável à autodeterminação e à própria responsabilidade da pessoa humana.
A autonomia privada consiste no poder conferido aos particulares pelo ordenamento jurídico de criar, dentro dos limites estabelecidos pela lei, normas jurídicas em suas relações[30].
A autonomia privada identifica-se com um método de produção jurídica que Hans Kelsen define como “democrático”. Segundo o autor, o “conjunto de normas em cujo centro se encontra a instituição da chamada propriedade privada” é o direito privado. Tais normas, analisadas no aspecto da função no contexto de todo o ordenamento jurídico, são “uma forma de produção de normas jurídicas individuais adequadas ao sistema econômico capitalista”. Kelsen assevera que a produção de normas corresponde ao “princípio da autodeterminação e tem neste sentido, caráter democrático”[31].
Portanto, o instrumento da autonomia privada em sua dimensão patrimonial é o negócio jurídico, fonte do Direito das Obrigações, incluindo os contratos, as declarações de vontade; também está presente no Direito de Família, pela faculdade dos cônjuges de escolher o regime de bens entre si como bem lhes aprouver e pela possibilidade de fazer a separação consensual e o divórcio consensual por escritura pública.
Mas existe uma dimensão inexplorada da autonomia privada que reflete diretamente seu aspecto constitucional, que é sua ligação com os direitos de personalidade (previstos a partir do art. 11 do CCB/02) e, em última instância, com a dignidade humana. É o espaço por excelência do Direito de Família em sua natureza não patrimonial: no direito de escolha de formar a família com quem quiser, da forma como quiser e quando quiser.
3) Direito Fundamental à Autonomia Privada e à Liberdade Contratual
A diferença entre liberdade de contratar e autonomia privada é entre gênero e espécie, muito embora ambas tenham proteção constitucional.
A liberdade contratual é um princípio constitucional que pode ser considerado como desdobramento da autonomia privada, que é conceito mais amplo, pois compreende, entre outras, “a liberdade de associação (para a constituição de pessoas coletivas), a liberdade de tomar deliberações nos órgãos colegiais, a liberdade de testar”[32]. Segundo Pontes de Miranda: “Chama-se de princípio da liberdade de contratar o de se poderem, livremente, assumir deveres e obrigações, ou de se adquirirem, livremente, direitos, pretensões, ações e exceções oriundos de contrato; e princípio da autonomia da vontade, o de escolha, a líbito, das cláusulas contratuais”[33].
Por sua vez, autonomia privada é o direito fundamental que garante ao particular o exercício de sua vontade. É o princípio de direito privado pelo qual o sujeito tem a faculdade de “praticar um ato jurídico, determinando-lhe o conteúdo, a forma e os efeitos”[34].
Para a teoria geral do direito a autonomia privada é um dos princípios fundamentais do direito privado[35], pois consiste na liberdade da prática do poder que as pessoas naturais e jurídicas têm de gerar normas jurídicas individualizadas, as quais vinculam os participantes de uma dada relação ou negócio.
Quanto à tutela constitucional da autonomia privada e da liberdade contratual, há divergência entre os juristas.
Francisco Amaral assinala que a autonomia privada é a manifestação da subjetividade, decorrendo da autodeterminação dos homens, princípio da modernidade que reconhece a liberdade individual e a autonomia do agir[36].
Ana Prata, ao analisar o ordenamento jurídico de Portugal, afirma a inexistência de previsão constitucional expressa e específica da autonomia privada como fundamento constitucional e rejeita a possibilidade de conceber a tutela constitucional da autonomia privada como uma garantia direta, autônoma e global, afastando a liberdade negocial como aspecto intrínseco e prioritário da liberdade humana e jurídica, já que “o conceito constitucional de liberdade não supõe, nem admite uma indiscriminada liberdade jurídico-econômica”.
Enzo Roppo[37], referindo-se ao sistema jurídico italiano, entende que a liberdade contratual é o instrumento para o exercício de outros direitos, como os de iniciativa econômica e o de propriedade e no plano constitucional tem garantia apenas indireta. Conclui que a legitimidade constitucional de qualquer prescrição normativa que limite a autonomia privada fica subordinada a dois requisitos: as limitações devem buscar os “fins sociais” e ficam sujeitas ao princípio da reserva legal.
Giuseppe Benedetti[38] entende de forma diversa, afirmando que a liberdade que caracteriza o estatuto constitucional da pessoa é também liberdade econômica, a qual assume o nome técnico de autonomia privada, cuja manifestação mais importante encontra-se no contrato.
Alemanha e Portugal, genericamente falando, tendem a reconduzir a autonomia privada ao direito ao livre desenvolvimento da personalidade, dotando-a da mais forte das garantias constitucionais. A Lei Fundamental alemã consagra o livre desenvolvimento da personalidade, que positiva tanto a proteção da intimidade quanto o reconhecimento e preservação da autonomia privada[39].
No sistema jurídico brasileiro a tutela constitucional da autonomia privada pode ser diretamente deduzida do princípio da dignidade da pessoa humana. A liberdade da pessoa é o requisito indispensável para as decisões responsáveis e para a própria possibilidade de decidir.
A autodeterminação e a própria responsabilidade consistem em elementos essenciais do tipo de pessoa humana idealizado pela Constituição e do qual depende a ordem constitucional[40].
Mais importante do que a doutrina jurídica, o Recurso Extraordinário 407.688-8 do Supremo Tribunal Federal deixa clara a existência de previsão constitucional tanto da liberdade contratual como da autonomia privada, ao julgar irresignação contra acórdão do Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo, o qual negara provimento a agravo de instrumento que tinha indeferido o pedido de liberação do bem de família do fiador (recorrente), objeto de constrição em processo executivo, com fundamento na exceção à regra da impenhorabilidade de bens, nos termos do art. 3º, inc. VII, da Lei 8.009, de 29.03.1990, para exemplificar a efetividade do princípio constitucional da autonomia privada.
O Recurso do Supremo Tribunal Federal “cinge-se à controvérsia em saber se a penhorabilidade do bem de família do fiador de contrato de locação persiste, ou não”, pois a Emenda Constitucional 26, de 14 de fevereiro de 2000, ampliou a disposição do artigo 6º da Constituição Federal, incluindo a moradia entre os direitos sociais. Em resumo, a discussão do acórdão gira em torno na constitucionalidade da penhora do bem de família[41].
O ministro Joaquim Barbosa Moreira, ao fundamentar o seu voto a favor da constitucionalidade da penhora no Recurso Extraordinário 407.688-8 do Supremo Tribunal Federal, afirmou:
“(…) centra-se no embate entre dois direitos fundamentais: de um lado, o direito à moradia (art. 6º da Constituição Federal, que é direito social constitucionalmente assegurado e, em princípio, exige uma prestação do Estado; de outro o direito à liberdade, em sua mais pura expressão, ou seja, a da autonomia da vontade, exteriorizada, no caso concreto, na faculdade que tem cada um de obrigar-se contratualmente e, por conseqüência, de suportar os ônus dessa livre manifestação de vontade. (…) Mas a singularidade do presente caso reside no fato de que a suposta violação de um direito fundamental não se dá no bojo de uma típica relação jurídica que se estabelece entre o titular do direito e um órgão estatal, mas sim, numa relação entre particulares, tipicamente de direito privado. (…) Sou dos que entendem que, em princípio e em certas circunstâncias, os direitos fundamentais se aplicam igualmente nas relações privadas[42].” (grifos nossos)
Ainda faz referência à sua manifestação ao votar em julgamento anterior, Recurso Extraordinário 201.819 do Supremo Tribunal Federal, quando, no mesmo sentido, registrou:
Entendo que, em matéria de direitos fundamentais o nosso direito constitucional se distancia largamente da doutrina da State Action do direito norte-americano, segundo a qual as limitações impostas pelo Bill of Rights aplicam-se prioritariamente ao Estado e a quem lhe faz as vezes, jamais aos particulares. Tomo, contudo, a cautela de dizer que não estou aqui a esposar o entendimento de que essa aplicabilidade deva se verificar em todas as situações. No campo das relações privadas, a incidência das normas de direitos fundamentais há de ser aferida caso a caso, com parcimônia, a fim de que não se comprima em demasia a esfera de autonomia privada do indivíduo[43].
O ministro Gilmar Mendes, ao fundamentar o seu voto pela constitucionalidade da penhora no mesmo processo, Recurso Extraordinário 407.688-8 do Supremo Tribunal Federal, registrou o que segue:
E não podemos deixar de destacar e de ressaltar um princípio que, de tão elementar, nem aparece no texto constitucional: o princípio da autonomia privada, da autodeterminação das pessoas – é um princípio que integra a própria idéia ou direito de personalidade[44].
O ministro Marco Aurélio, ao votar pela constitucionalidade, Recurso Extraordinário 407.688-8 do Supremo Tribunal Federal, afirmou: “Não fosse a Lei 8.009/90, não haveria como emprestar ao bem a intangibilidade, considerado o bem do proprietário executado por dívida diversa, própria, assumida por ele na forma direta”[45].
Com efeito, os atos de autonomia privada vinculam as partes envolvidas. Diante do caso concreto o julgador aplicará o que as partes acordaram autonomamente[46].
E não foi o único caso em que a Corte Suprema teve a oportunidade de se manifestar sobre a natureza constitucional desses princípios. A título de exemplo, pode-se mencionar também o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal – SE 5.206 – Espanha (Agravo), relator ministro Sepúlveda Pertence, em 12.12.2001, quando enfrentou a questão (incidental ao processo) e reafirmou a constitucionalidade da Lei 9.307/96. O tribunal, por unanimidade, proveu o agravo para homologar a sentença arbitral, vencidos parcialmente os ministros no que declaravam a inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 6º e outros[47].
A Lei 9.307/96[48] regulamenta o uso da arbitragem no Brasil e promoveu uma enorme difusão do procedimento no país, mas foi criticada no aspecto de sua constitucionalidade, uma vez que seus impugnadores afirmavam ser contrária ao princípio garantido pelo art. 5º, XXXV, da Constituição Federal.
O ministro Marco Aurélio, ao votar pela constitucionalidade da Lei 9.307/96, na já mencionada Sentença Estrangeira 5.206 do Supremo Tribunal Federal, afirmou que “a Lei foi elaborada com notável zelo, tendo-se presente a supremacia da própria Carta da República e a autonomia da manifestação da vontade”. Ao justificar o seu voto Marco Aurélio asseverou:
“(…) Não vejo Sr. Presidente, o trabalhador como um tutelado do sindicato. Ao contrário, porque potencializo, a mais não poder, a manifestação da vontade, afasto este tipo de tutela, que seria conflitante com os ares democráticos que imaginamos viver nesta quadra. Em síntese, na arbitragem, parte-se do ajuste informado, enquanto, relativamente às comissões de conciliação prescinde-se deste ajuste[49]. (…) creio que estamos aqui em um dos julgamentos mais importantes do Tribunal. Peço vênia ao nobre Relator para concluir que a Lei da Arbitragem, ao contrário do vislumbrado e asseverado por Sua Excelência, consagra a liberdade. E esta – a liberdade – é valor maior a ser preservado”[50]. (grifos nossos).
Sepúlveda Pertence, ministro relator da Sentença Estrangeira 5.206 do Supremo Tribunal Federal, sustentou que
“(…) sustentação da constitucionalidade da arbitragem repousa essencialmente na voluntariedade do acordo bilateral mediante o qual as partes de determinada controvérsia, embora podendo submetê-la à decisão judicial, optam por entregar a terceiro, particular, a solução da lide, desde que esta, girando em torno de direitos privados disponíveis, pudesse igualmente ser composta por transação”[51].
Portanto, a autonomia privada liga-se ao reconhecimento da existência de um âmbito particular de atuação do sujeito, com eficácia normativa que tem inequívoca dimensão constitucional.
A manifestação econômica mais importante da autonomia privada é a liberdade individual, que abrange nos seus conceitos a idéia de configuração sob própria responsabilidade da vida e da personalidade. Presume uma situação jurídica e fática de igualdade entre os interessados. Faltando a isonomia entre as partes, a autonomia privada conduz à falta de liberdade do outro e a um possível abuso na relação.
O equilíbrio entre as partes que se vinculam é indispensável e pode ser alcançado com a regulação estatal; assim, requer uma conexão de preceitos do direito público e privado[52]. Mas existe a dimensão não econômica, ainda não suficientemente explorada pela doutrina jurídica nacional, que tem enormes reflexos no Direito de Família e diz respeito à própria formação da família, conectando-se, em última instância, com a dignidade humana.
Como se referiu, a equivocada identificação da autonomia privada com a livre-iniciativa não permitiu a muitos juristas perceber essa dimensão não patrimonial do direito de escolha humana, que não guarda relação direta com a “afetividade” como sustenta a doutrina majoritária, mas com a escolha, com a busca da felicidade.
4) O Princípio da Autonomia Privada no Direito de Família
O Direito de Família sofreu modificações significativas nas últimas décadas, e o presente estudo pretende identificar a crescente admissibilidade e possibilidades jurídicas da autonomia privada na área do Direito de Família, tanto no âmbito patrimonial como extrapatrimonial. A família é constituída a partir de uma comunidade fundada na solidariedade, na igualdade e no respeito à dignidade das pessoas participantes desse núcleo de afeto.
Luiz Edson Fachin afirma que, além de influir na igualdade e autonomia conjugal, a constitucionalização do Direito Civil abre as portas para uma dimensão “plural” das entidades familiares, criando uma família plural, admitindo, inclusive, as famílias monoparentais como entidades familiares. Explica, ainda, que se parte de uma visão unitária para uma dimensão plural da família:
“(…) saímos daquela percepção transpessoal, em que os interesses da instituição estavam acima do interesse dos membros que a compunham, para uma visão eudemonista em que o que conta na família é, fundamentalmente, o conjunto dos interesses dos membros que a compõem e o direito de cada um deles de realização pessoal e afetiva”[53].
Mas é mais que isso. A constitucionalização do Direito de Família abre enorme espaço ao indivíduo e as suas escolhas, sendo um espaço de não intervenção do Estado, em fenômeno às avessas do contrato e da propriedade, onde o Direito avançou sobre o espaço da escolha individual.
Luiz Diez-Picasso[54] sugere que, para encerrar a questão, seja respondida a pergunta: “¿donde se encuentra el reconocimiento de la autonomia privada en el Derecho de Família, como regla jurídica, y donde se encuentram sua limitaciones?”
Em primeiro lugar, nas palavras de Luiz Felipe Brasil Santos, tanto no ordenamento jurídico brasileiro como na maior parte dos sistemas contemporâneos, “em respeito à autonomia da vontade dos cônjuges, tem sido tradicionalmente informado pelos princípios da variedade dos regimes matrimoniais de bens, da livre estipulação e da imutabilidade”[55].
Em segundo lugar, no Direito Sucessório, a autonomia privada realiza-se no testamento, no qual a pessoa dispõe dos seus bens para depois da morte.
Em terceiro lugar, em 5/1/2007 foi publicada a Lei 11.441, que modifica o Código Civil e o Código de Processo Civil para facilitar e agilizar os processos de inventário (herança), de separação e divórcio de casais. Esta lei, além de facilitar o divórcio, a separação judicial e o recebimento de herança, inova ao primar pela menor intervenção do Estado na vida privada das pessoas. Agora, os inventários, separações e divórcios consensuais, sem filhos menores, não precisarão mais passar, necessariamente, pelo crivo do Judiciário.
Rodrigo Pereira da Cunha almeja que o “espírito desta nova lei se propague pelos três poderes idealizados por Montesquieu, para que se faça um Estado menos interventor da vida privada”. Afirma que “já está passando da hora do Estado respeitar a autonomia privada”. Entende que, “se não há intervenção judicial para casar, não há necessidade de intervenção para descasar”. O jurista reitera que mudar essa cultura intervencionista e respeitar mais a liberdade dos sujeitos implicam uma transformação nos relacionamentos e oportuniza que cada qual seja mais responsável pelos seus atos[56].
Além disso, a questão da atuação da autonomia privada no Direito de Família a partir da Constituição tem uma dimensão moral e extrapatrimonial, que consagra a dignidade da pessoa humana.
A dignidade da pessoa humana é um ideal presente desde o pensamento filosófico-político da Antiguidade clássica e no dogma cristão[57], mas obteve destaque após a Segunda Guerra Mundial[58].
Verificando-se que a ideologia liberal consagrando o apego ao aspecto formal da legislação possibilitara e fundamentara as atrocidades ocorridas na guerra, nasceu o interesse em sistematizar um ordenamento jurídico com princípios que considerassem valores éticos e superiores aos aspectos formais do sistema legal.
Nessas considerações é que se fundamenta a tutela da dignidade da pessoa humana[59]. Em meio às dificuldades conceituais, visto que surge a necessidade de delimitar o que é “digno”, há uma radical mudança de concepção: o Direito, que tutelava os interesses patrimoniais, agora atua como protetor direto da pessoa humana.
A dignidade da pessoa humana é tomada como valor máximo do ordenamento jurídico, princípio fundante da República Federativa do Brasil[60], configura uma “cláusula geral de tutela humana”[61].
A tarefa de estabelecer o que é digno não é fácil, como ocorre com qualquer outro conceito jurídico aberto. Cada ser humano tem a sua idéia de dignidade, levando em consideração o interesse coletivo, é claro. O requisito para ser titular do direito à dignidade é ter a condição humana, porque cada ser humano tem uma dignidade que lhe é inerente, não dependendo, portanto, de mais nenhum outro critério[62]. O princípio da dignidade da pessoa humana indica o reconhecimento do valor da pessoa como entidade independente e preexistente ao ordenamento, dotada de direitos invioláveis que lhe são inerentes[63]. Os valores são, por exemplo, a vida humana, o corpo humano, direito à privacidade, a honra, a imagem, o nome, direito à identidade pessoal, a liberdade, o direito de buscar a felicidade[64]. Para tanto, o princípio da dignidade humana dá origem a um conjunto de bens de natureza física, psíquica e moral tutelado pelo direito da personalidade.
Francisco Amaral ensina que no sistema jurídico brasileiro há um “direito geral da personalidade”, que defende a inviolabilidade da pessoa humana nos aspectos físicos, moral e intelectual, e há um “direito especial da personalidade quando tutela aspectos parciais da personalidade”[65]. Os titulares dos direitos da personalidade são os seres humanos desde a concepção, independentemente da concepção natural ou assistida em decorrência do direito fundamental à vida. Os direitos da personalidade humana extinguem-se com a morte, mas mesmo após a morte a personalidade do ser humano é protegida, cabendo aos herdeiros a sua defesa[66].
Ingo Wolfgang Sarlet, com precisão, sugere um conceito para o princípio da dignidade da pessoa humana, como
“(…) a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos”[67].
Em realidade, numa sociedade democrática, não há como existir dignidade humana sem autonomia privada no Direito de Família já que a família é espaço da afetividade, da busca da felicidade, enfim da liberdade de escolha.
5) Limites e Críticas à Autonomia Privada aplicada ao Direito Patrimonial de Família
Os limites da autonomia privada são a ordem pública, os bons costumes, os vícios de consentimento, a boa-fé, o princípio da confiança e da função social entre outros.
Ordem pública é o conjunto de normas jurídicas que regulam e protegem os interesses fundamentais da sociedade e do Estado e, no direito privado, estabelecem as bases jurídicas fundamentais da ordem econômica. Para exemplificar a resistência a aplicação das normas jurídicas de ordem pública no common law, veja-se a seguinte passagem do juiz inglês J. Burrough: “A ordem pública é um cavalo indomável que quando montado você não sabe para onde ela o levará. Ela pode afastá-lo do melhor direito. Ela só é alegada quando os demais argumentos falharam”[68].
Em outro documento de uma corte inglesa foi registrado pelo relator M. Jessel:
Não deve ser esquecido que você não deve estender arbitrariamente essas regras que dizem que um determinado contrato é nulo por ser contrário à ordem pública, por que se existe uma coisa que a ordem pública exige é que homens maiores e capazes devem ter a maior liberdade possível de contratar e que os seus contratos quando formados voluntária e livremente devem ser considerados sagrados (sacred) e devem ser reconhecidos e aplicados pelas cortes de justiça[69].
Bons costumes é o conjunto de regras morais que formam a mentalidade de um povo e se expressam em princípios como, por exemplo, “os da lealdade contratual, da perempção de lenocínio, dos contratos matrimoniais”[70]. Vícios de consentimento é uma teoria que tutela a sanidade da vontade exarada ou defeito na vontade nas relações jurídicas. O erro, o dolo e a coação são vícios de consentimento que têm origem no desequilíbrio das partes, comprometendo a atuação volitiva e a declaração; são vícios que aderem à vontade, penetram-na, aparecem sob forma de motivos, forçam a deliberação e estabelecem divergência entre a vontade real, ou não permitem que a verdadeira vontade se forme[71].
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A autonomia privada atua no campo dos interesses privados, os quais são determinados por via de exclusão, ou seja, são todos aqueles interesses cuja tutela o Estado não assume por si, nem impõe a outros.
Assim, quando há em pauta os interesses superiores, como, por exemplo, a permissão para a prática de aborto ou eutanásia, não existe lugar para a autonomia privada.
Ela não pode tutelar tais interesses, mas somente interesses privados. Relativamente à autonomia individual, o interesse público situa-se de fato não como objeto, mas como limite dessa atividade[72].
A necessidade de impor limites pelo Estado não deve fazer perder de vista o essencial, porque muitas vezes a autonomia privada torna-se perceptível justamente pela contraposição dos limites que lhe são impostos; de outro modo, ela passaria despercebida na massa informe de um jogo sem regras.
A autonomia privada enriquece-se, assim, com novas manifestações, quando contraditada. Além disso, tenderá a associar-se a uma idéia de auto-responsabilidade[73].
No entanto, o limite da intervenção do Estado deve ser o essencial para garantir a proteção da família como célula da sociedade e instrumento a serviço do indivíduo, sem que interfira na “liberdade ou autonomia do sujeito, ou implique violabilidade da privacidade do cidadão respeitando o equilíbrio do Direito Público e Privado”[74] .
Certamente, em Direito de Família algumas limitações podem ser feitas à autonomia privada em sua dimensão patrimonial, como a locação do ventre (“barrigas de aluguel”) e, mesmo, algumas limitações morais, como a irrenunciabilidade ao nome, à paternidade, etc.
Informações Sobre o Autor
Lindajara Ostjen Couto
Advogada, licenciada em Letras pela PUC/RS, bacharel em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito da PUCRS, com especialização em Direito Civil pela UFRGS e Direito de Família e Sucessões pela Universidade Luterana (ULBRA/RS), Mestre em Direitos Fundamentais na Universidade Luterana (ULBRA/RS). É sócia do Instituto Brasileiro de Família (IBDFAM).