“O importante é não parar de questionar” Alberto Einstein
1. A título de intróito, vale dizer que é comum em nosso direito a edição de regulamentos por via de instruções, orientações normativas, portarias e outros atos de denominações diversas, oriundos de órgãos administrativos, com a finalidade de regulamentação de lei. Entretanto, o regulamento é ato privativo e indelegável do chefe do Poder Executivo, em nível federal, estadual e municipal (art.84 da CF), e é conceituado como ato administrativo normativo, que guarda com a lei uma relação de conformidade e que serve para desenvolvê-la ou regular matéria a ele reservada diretamente pela Constituição. E a sua forma é uma só: decreto editado pela autoridade competente, sendo nulo o ato dito regulamentar expedido por outro órgão, secretaria, conselho ou pessoas.[1]
2. Mesmo assim, de um tempo a esta parte, a Secretaria do Patrimônio da União (SPU) vem majorando, a níveis exorbitantes, e desatendendo o princípio da legalidade (Dl. 9760/1946, art.101, com a redação que lhe deu o art.88 do Dl 7450/1985 e Dl. 2398/1987, art. 1º) os valores cobrados sobre os terrenos de marinha – foro, taxa de ocupação e laudêmio -, com base em reavaliações não autorizadas. Nos casos de aforamento e ocupação, a legislação autoriza que a atualização anual seja feita apenas monetariamente, já que por força de lei o foro anual é certo e invariável. A mesma coisa está acontecendo quando se considera a existência de benfeitorias de qualquer espécie, afrontando o que expressamente está fixado n o artigo 2.038, parágrafo 1º, do atual Código Civil, que exclui as construções ou plantações realizadas por terceiro do cálculo do laudêmio nas transmissões do bem aforado, precisamente para evitar enriquecimento sem causa do senhorio, obrigado este à restituição do auferido ilegalmente, valor este devidamente atualizado monetariamente (art. 884 do CC).
2.1. Inadmissível e salta aos olhos que a modificação, por critérios próprios da administração, da base de cálculo do foro, i.é, o valor do respectivo domínio pleno, seja feita ilegalmente lastreada no valor de mercado do bem, sabidamente oscilante a cada ano, de regra quase que absoluta, com acréscimos. E é o que a ON-GEADE-004, orientação normativa da S.P.U. criou, verbis:
“4.5.4.1 – Nos municípios onde a planta de valor venal dos imóveis abrangidos por sua jurisdição administrativa apresente equivalência com a realidade do mercado imobiliário local, será permitida a atualização da PGV tomando por base os valores municipais.”
3. O enfiteuta, contratando o aforamento, parte da premissa básica de que serão cumpridas as regras a ele inerentes, dentre as quais a da inalterabilidade do foro, que é da própria natureza do instituto. E essa modificação unilateral e anual do valor do foro, pelo ente federal, constitui, pois, mudança substancial no contrato original, desequilibrando-o, em benefício próprio com o enriquecimento indevido.
Por essas jurídicas razões, descabida é a modificação anual do valor do domínio pleno do imóvel aforado a particular pela União, devendo incidir, sobre o valor originalmente contratado para o foro, apenas a atualização monetária.
Nota:
[1] Cf. Diógenes Gasparini in “Poder Regulamentar”, 2ª ed., 1982, págs. 157/161, editora RT,SP.
Informações Sobre o Autor
Sergio Miranda Amaral
Advogado (OAB 34438/SP) Procurador do Município (aposentado)