Resumo: O novo paradigma produtivo, conhecido como toyotismo ou pós-fordismo, aliado ao fenômeno da globalização econômica trouxe sensíveis transformações ao mundo do trabalho. As empresas não mais se estruturam em torno do modelo taylorista/fordista de produção. Não há mais o controle efetivo e direto do ambiente de trabalho. A precarização das relações de trabalho ganha espaço. Surgiram novas formas de prestação de serviços, fruto da reestruturação produtiva empresarial, em busca de reduzir os custos e aumentar os lucros, onde a subordinação não atua mais de forma efetiva e direta, encontrando-se mitigada e diluída. O conceito clássico de subordinação, não alcança essas novas formas surgidas, pois se apresentam fronteiriças, situadas entre o trabalho subordinado e o trabalho autônomo. Essas novas relações de trabalho parassubordinado desenvolvem-se e ganham importância cada vez maior na nova realidade laboral, caracterizando-se pela prestação de trabalho desenvolvido por pessoa física, com pessoalidade, onerosidade, continuidade e coordenação. O chamado trabalhador atípico encontra-se, dessa forma, à mercê do entendimento do julgador, já que não existe uma legislação que trate especificamente do assunto. O Direito do Trabalho não pode ignorar a existência de tais relações, pois escaparia à sua finalidade: a proteção ao obreiro enquanto parte mais fraca da relação entre capital e trabalho. O presente trabalho realizou um estudo acerca da possibilidade da adoção do conceito de parassubordinação (oriundo da doutrina italiana) pelo ordenamento jurídico brasileiro, a partir de uma nova leitura do artigo 3º da CLT, como forma de efetivar a tutela jurídica ao chamado trabalhador atípico. Assim, diante dessa nova realidade, torna-se premente a valorização do trabalho humano, para que seja possível a efetivação do direito ao trabalho digno.[1]
Palavras-chave: Direito do Trabalho. Subordinação. Parassubordinação.
Abstract: The new production paradigm known as Toyota or post-Fordism, coupled with the phenomenon of economic globalization have brought about considerable changes to the world of work. Companies no longer structured around the Taylorist / Fordist production. No more effective control and direct the work environment. The precariousness of labor relations gaining ground. New forms of service, the result of corporate restructuring process, seeking to reduce costs and increase profits, where the subordinate does not act more effectively and directly, being watered and watered. The classical concept of subordination does not reach these new forms have arisen because the present border, situated between paid work and self-employment. These new working relationships parassubordinado develop and gain increasing importance in the new reality of labor, characterized by the provision of work by individuals with personality, financial burden, continuity and coordination. The so-called atypical workers is thus at the mercy of understanding of the judge, since there is no legislation dealing specifically with the issue. The Labor Law can not ignore the existence of such relations because escape its purpose: the protection of the worker as the weaker of the relationship between capital and labor. This paper conducted a study on the possibility of adopting the concept of parassubordinação (coming from the Italian doctrine) by the Brazilian legal system, from a new reading of Article 3 of the Labor Code as a means of effecting legal protection to so-called atypical workers. So, before this new reality, it is urgent for recovery of human work, to make possible the realization of the right to decent work.
Keywords: Labor Law. Subordination. Parassubordinação.
Sumário: 1. Introdução. 2. O surgimento do direito do trabalho. 2.1. Evolução da tutela jurídica ao trabalho. 2.1.1. O caso brasileiro: evolução da tutela ao trabalho no país. 2.2. Princípios do Direito do trabalho. 2.3. Dignidade da pessoa humana e Direito do Trabalho: o direito ao trabalho digno. 2.4. Organização da produção: do fordismo-taylorismo ao pós-fordismo. 2.5. Globalização e flexibilização trabalhista. 3. Subordinação trabalhista . 3.1. Relação de trabalho e relação de emprego: elementos caracterizadores. 3.2. Subordinação jurídica: conceito e características. 3.3. A crise do modelo clássico de subordinação jurídica. 3.4. Distinções entre o trabalho subordinado, o trabalho parassubordinado e o trabalho autônomo. 4. Parassubordinação. 4.1. Conceito e características. 4.2. Princípios trabalhistas e parassubordinação. 4.3. A parassubordinação como ponto de identificação da inserção estrutural do obreiro na dinâmica do tomador de serviço. 4.4. Tutela ao trabalhador atípico: a adoção da parassuboridnação como mecanismo de sua efetivação. 4.5. Parassubordinação e realidade brasileira: possibilidade de adequação do instituto ao ordenamento juslaboral pátrio. 5. Conclusão. 6. Referências bibliográficas.
1 INTRODUÇÃO
O trabalho, entendido como o esforço racional do homem para transformar a natureza em busca de benefícios é antiga, confundindo-se com a própria evolução humana. Com o decorrer do tempo sofreu lentas transformações, perdendo seu inicial caráter de sanção, tornando-se meio de subsistência e finalmente modo de produção.
O Direito do Trabalho, inegável fruto da Revolução Industrial e do capitalismo surgiu como meio de controle desse sistema, buscando o equilíbrio da relação entre capital e trabalho, e conferindo-lhe, conforme Delgado (2008), um patamar mínimo civilizatório. Assim, percebe-se que dinâmica social afeta diretamente as relações trabalhistas, no sentido que lhes impõe novas idéias e configurações.
Assistimos hoje uma nova mudança de paradigmas, pois o capital reestrutura-se de forma mundial. As empresas não mais se estruturam em torno do padrão fordista/taylorista de produção, hegemônico durante quase todo o século XX. As inovações tecnológicas e as novas práticas de gestão empresarial, decorrentes do pós-fordismo (ou toyotismo, como preferem alguns), novo paradigma produtivo surgido no final dos anos 1980, demonstram que mundo do trabalho de hoje é bem diferente daquele no qual foi concebida a maioria das leis trabalhistas.
As novas tendências mundiais de organização de trabalho e o fenômeno da globalização impuseram métodos e fórmulas, que procuram maximizar resultados e diminuir custos, num mercado cada vez mais acirrado e competitivo.
Para uma melhor compreensão acerca da relevância do tema tratado no presente trabalho faz-se necessário explicar que, no Brasil, o Direito do Trabalho estrutura-se e baseia-se na prestação de trabalho subordinado. Contudo essa visão tradicional mostra-se incapaz de resolver questões mais complexas, surgidas a partir dessas novas formas de organização do o mercado de trabalho, que encontra-se segmentado e díspar. O labor formal, na condição de empregado, vem decrescendo e a precarização das relações laborais ganha espaço. Aumentam o número de trabalhadores autônomos e das formas de subcontratação.
A realidade que se apresenta traz consigo uma necessária reflexão sobre a inocuidade de um sistema de proteção social que deixa uma considerável parcela dos trabalhadores à sua margem, pelo fato de não se amoldarem às tradicionais fórmulas de classificação do trabalho, pois atualmente as relações laborais se modificaram profundamente e não mais se centralizam na figura do trabalho subordinado que, pressionado pelo novo regime de acumulação flexível se tornou multiforme e díspar.
Como afirmado acima, o critério utilizado na construção da legislação trabalhista foi o da subordinação jurídica, elemento indispensável para a configuração da relação empregatícia. Mas, com as novas formas de prestação de serviços surgidas, essa subordinação encontra-se mitigada, muitas vezes difícil de ser identificada. Essas relações são as chamadas formas atípicas de trabalho, localizadas em uma região fronteiriça entre o trabalho autônomo e o subordinado. Justamente nesse ponto reside a problemática a ser explorada no presente estudo. Por não estarem claramente regulamentadas, essas relações laborais ficam à mercê do entendimento dos julgadores, que em geral optam por desconsiderar suas peculiaridades, interpretando-as como não empregatícias, jogando-as na “vala comum” do trabalho autônomo. Assim, esses obreiros não gozam da mesma proteção destinada aos empregados subordinados. Portanto, como efetivar a proteção jurídica aos direitos dos trabalhadores fronteiriços? A resposta parece estar na adoção da parasubordinação, critério surgido na Itália, como um meio-termo entre as formas atualmente reconhecidas de contratos de atividade.
A importância deste estudo reside, pois, no fato de tratar-se de assunto envolto em diversas nuances: ideológicas, políticas, econômicas e trabalhistas. Ante o claro conflito de opiniões sobre um tema indisfarçavelmente complexo, se tornou necessário escrever esta obra pertinente a uma questão tão palpitante quanto atual.
Por surtir efeitos concretos para os que lidam nessa área, é inegável o grande valor de um estudo aprofundado do assunto em tela, originando-se daí sua contribuição para a doutrina, para o aprendizado nas academias e para o embasamento teórico necessário à prática do Direito do Trabalho.
Diante da relevância do tema e, principalmente, por fazer parte do dia-dia dos cidadãos, fica patente a necessidade da análise de suas consequências e aplicabilidades práticas, de forma a evidenciar sua melhor compreensão e importância para os leitores e para a sociedade em si.
O presente trabalho tem por objetivo geral verificar a validade da adoção do instituto da parassubordinação frente ao ordenamento jurídico brasileiro, como forma de efetivar a tutela ao trabalhador fronteiriço.
Assim, no capítulo dois será descrito, de forma sucinta, a evolução do Direito do Trabalho no mundo e no Brasil, examinados seus princípios e importância, analisada a evolução modo de produção capitalista até sua chegada ao atual modelo e desenvolvida uma discussão acerca de questões relevantes como o direito ao trabalho digno e os efeitos da globalização no sistema juslaboral.
O terceiro capítulo trata do tema da subordinação jurídica, apresentando seu conceito e características, a diferenciação entre relação de emprego e relação de trabalho, a crise do seu modelo clássico e as distinções entre o trabalho subordinado, parassubordinado e autônomo.
O quarto capítulo cuida da parassubordinação, define seu conceito e características, analisa a relação entre os princípios trabalhistas e a parassubordinação, analisa a presença da coordenação como critério de sua identificação fática, investiga sua adoção como meio de efetivação da tutela ao trabalhador atípico e averigua a possibilidade da adequação do instituto ao ordenamento jurídico brasileiro.
O enfoque analítico do trabalho proposto será a dogmática jurídica e a metodologia utilizada será a analítico-sintética, através da pesquisa bibliográfica. Assim, no exame da matéria, serão utilizados entendimentos legais, doutrinários e jurisprudenciais. Haverá, também, permanente utilização dos Manuais de Direito do Trabalho, em especial, os dos autores Arnaldo Süssekind e Maurício Godinho Delgado, bem como servirão como instrumento bibliográfico útil à realização do presente estudo artigos publicados em renomados sites jurídicos, obras literárias pertinentes ao tema e dissertações de mestrado acerca do assunto.
Por fim, cabe ressaltar que um outro aspecto relevante, que justifica a importância do objeto da pesquisa (além daqueles anteriormente descritos) refere-se à defesa de uma ampliação da estrutura do Direito do Trabalho para abrigar em sua estrutura essas novas formas laborais, com o fim de uma reconstrução do valor do trabalho humano.
2 O SURGIMENTO DO DIREITO DO TRABALHO
O Direito do Trabalho é um ramo jurídico especializado, cuja importância vem se ampliando ao longo do tempo. Nesse aspecto, Gonçalves (2007) salienta que sem dúvidas o surgimento desse direito ocorreu na tentativa de amortecer os impactos do capitalismo desenfreado, que impunha aos trabalhadores fardos cada vez mais pesados.
Delgado (2008) lembra que todo Direito, por ser instrumento de regulação de instituições e relações humanas, atende a fins preestabelecidos em determinado contexto histórico. Assim, para uma melhor compreensão do tema tratado no presente trabalho, faz-se necessário desenvolver uma análise histórica dos fatos mais relevantes que esclarecem o surgimento e evolução da tutela jurídica ao trabalho.
O conhecimento dessa história possibilita-nos ver quão retórico é o argumento de que o Direito do Trabalho e os direitos sociais em geral são os culpados pelo estado atual de miséria dos trabalhadores, pregando a sua extinção e a restituição do livre mercado.
2.1 Evolução da tutela jurídica ao trabalho
Inicialmente é importante destacar que, conforme recorda Alves (2003), a origem do trabalho, entendido como resultado consciente da ação humana no intuito de transformar a natureza em busca de benefícios é extremamente antiga remontando-se ao início da humanidade e se confunde com a própria existência humana. Todavia em seus primórdios possuía um caráter de pena, sendo imposto tão somente aos destituídos de poder econômico ou político. Com o decorrer do tempo, após lentas transformações, passou de castigo a meio de subsistência, convertendo-se (com o advento do capitalismo) em importante fator de produção.
Nesse sentido, Rocha e outros (2005) lembram que, embora o surgimento do Direito do Trabalho como um novo ramo da ciência jurídica é fato recente, datando do século XIX, há quase dois mil anos antes de Cristo os povos já recepcionavam em seu Direito matérias relacionadas à normatização trabalhista, como os babilônicos com o estabelecimento de preços para várias modalidades de trabalho e os hebreus, com a criação do repouso semanal e a humanização do trabalho escravo. Em outros povos, tais como os hindus e os egípcios, havia regras que distribuíam as atividades segundo as castas das quais a sociedade era formada. Ressaltam, ainda, os autores que no período romano, cuja economia se baseava no trabalho escravo e a questão social não se concentrava nas relações entre capital e trabalho, pouca importância atribuía-se a legislação social em geral. Contudo, como alguns escravos foram conquistando a liberdade e tornando-se trabalhadores assalariados, tendo seu trabalho regulado pelo contrato locatio conductio, corporificado como locatio rei, locatio operarum e locatio operis faciendi, que legou ao atual direito civil a locação de serviço e a empreitada.
Continuam os autores:
“Durante a época medieval houve grandes transformações nas relações de trabalho, provindas das invasões bárbaras e das guerras, dificultando o comércio e estimulado a escravidão, restando a valoração da terra, que passou a ser o centro da organização feudal. Surgiu uma infinidade de poderes e uma multiplicidade de ordens jurídicas, originárias da ordenação dos feudos (servidão) e das corporações de ofício.” (ROCHA et. al, 2005, p.8)
Alves (2003) esclarece que no período medieval o vínculo que prende o trabalhador àquele que lhe explora a mão-de-obra não é o de propriedade e sim a sujeição pessoal (servidão), posto não ser mais formalmente escravo. Embora não se deva olvidar que a postura do grupo dominante é a mesma do momento histórico anterior já que, de maneira idêntica, tal exploração é vista não apenas como justificável, mas plenamente justa conquanto consiste numa troca: a de não morrer nas mãos dos bárbaros e ter como produzir algo o que comer, por meio do trabalho. Contudo, conforme relembra o autor, na Idade Média também existiam relações trabalhistas não baseadas na servidão (artesãos) havendo, inclusive, uma insipiente regulamentação pelas Corporações de Ofício, que disciplinavam as relações de trabalho entre os mestres os mestres, companheiros e aprendizes. Percebe-se, portanto, que embora houvesse trabalho livre, esse não era socialmente relevante, diante da predominância das relações servis.
A partir do declínio da estrutura feudal, iniciou-se no século XVII a concentração do poder econômico e o desenvolvimento das atividades manufatureiras propiciou o surgimento da estrutura capitalista, que culminou com a Primeira Revolução Industrial, na Inglaterra do século XVIII. Gonçalves (2007) ressalta que nesse momento inicia-se o mundo trabalho, como se conhece hoje. Se antes a lógica girava em torno da fixação do homem à terra, sendo essa não só forma de subsistência, mas também centro de negociações, com o aparecimento da indústria esse modelo praticamente se esgotou. Com o surgimento do capitalismo industrial, os proprietários das máquinas eram quem diziam se haveria necessidade de trabalhadores, e se esses eram homens, mulheres ou crianças, também decidiam quanto tempo essas pessoas deveriam trabalhar, quanto iriam ganhar e o que iriam fazer. O direito existente beneficiava tão somente o capital, não se preocupando com as necessidades daqueles desprovidos de proteção.
Rocha e outros (2005) salientam que o proletário do século XVIII tinha uma jornada de trabalho de até 16 horas, transformando-o em um ser desumanizado, com pouca formação intelectual e tanto seu ambiente de trabalho quanto o seu ambiente doméstico eram extremamente insalubres. O empregador impunha as condições de trabalho, o tempo de serviço e os horários do trabalhador. Por possuir apenas sua força de trabalho para garantir a própria sobrevivência e a de sua família, este terminava por não questionar o patrão, já que desprovido de riqueza e força política, constituía a parte mais fraca dessa relação.
O liberalismo econômico deixava o Estado numa posição passiva, de não-intervenção. Gonçalves (2007) recorda que ao Estado Liberal era vedado intervir nas relações entre particulares e, dessa forma, também o era nas relações trabalhistas. O empregador ditava as regras de trabalho a serem cumpridas pelo trabalhador, proprietários apenas de sua força de trabalho. Porém os trabalhadores passaram a ter consciência que essa passividade estatal beneficiava tão somente os ricos. Passaram, então, a revoltar-se contra as máquinas, destruindo-as e manifestando suas revoltas. Essas quebras de máquinas, bem como o surgimento das primeiras greves tinham por objetivo a conquistas de direitos, que deveriam se manifestar em leis. Portanto a pressão social, a organização e a lutas dos trabalhadores forçaram o surgimento de leis, que desta vez não ignoravam a existência dessa classe.
Pode-se afirmar, portanto, conforme esclarece Ferreira (2006), que a partir dessa necessidade de conferir equilíbrio a essa relação capital-trabalho, bem como evitar a sobreposição do capital sobre o homem, surge a intervenção do Estado, com as primeiras regulamentações trabalhistas.
Sobre o assunto Gomes (2005) afirma que a partir de então os interesses políticos se voltam para a elaboração de leis tendentes a regulamentar o trabalho.
Por certo, essa regulamentação dos direitos do trabalhador não surgiu com facilidade e tampouco por iniciativa própria do Estado, senão pelas muitas e sofridas reivindicações da classe trabalhadora, conforme relembra Ferreira (2006). Primeiramente, conforme a autora, instalou-se o caos nas relações laborais, para somente então iniciar-se a intervenção estatal.
Ainda, segundo Gomes (2005), a primeira lei social, de 1841 (surgida na Inglaterra), proibia empregar na indústria crianças menores de oito anos e vedava a imposição jornada superiores a oito horas diárias às crianças entre oito e doze anos; o direito de associação surgiu em 1848. Já na França a jornada de trabalho foi reduzida (10 horas diárias em Paris e 11 horas diárias nas províncias) e em 1864 foi reconhecido o direito de greve; na Alemanha, em 1881, foram previstos pela primeira vez os seguros sociais. No ano de 1883, na Itália, foi prevista a tutela aos acidentados no trabalho (direito que se estendeu à Alemanha em1884). Entretanto, conforme a autora, grande parte dessas leis (em especial aquelas que tutelavam os acidentados, as mulheres e as crianças) não tiveram eficácia, sendo muitas delas posteriormente abolidas ou revogadas. Apesar disso é inegável que através delas se deu início à materialização de normas de proteção ao trabalhador.
Prossegue, ainda, a autora afirmando que “após a Primeira Guerra Mundial, que se instalou em 1914, as normas de tutela do trabalho se fortalecem, insculpidas em Constituições, a exemplo da Constituição do México, de 1917, e de Weimar, de 1919[…]” (Gomes, 2005, p.87).
Gonçalves (2007) salienta que a Constituição do México de 1917, a primeira a constitucionalizar normas trabalhistas, previa jornada diurna de oito horas, proibia o trabalho de crianças menores de doze anos, previa a proteção à maturidade, criava legislação acidentária e o salário mínimo, bem como o direito de sindicalização e o direito de greve. Ainda nas palavras do autor, a Constituição Alemã de 1919 trouxe direitos trabalhistas ainda mais avançados, influenciando toda a Europa, de forma que países como a Itália, Espanha e Portugal também elevaram os direitos trabalhistas ao patamar de direitos constitucionais. Destaca-se, também nesse período, o Tratado de Versalhes (28 de junho de 1919) que instituiu a Organização Internacional do Trabalho. A América Latina também foi influenciada e o Brasil trouxe para o bojo de sua Constituição normas de tutela ao trabalho. E, a partir de 1945, os direitos sociais progrediram em todo o mundo, durando até o final dos anos 70 e início dos anos 80.
Delgado (2006) considera que, desde as últimas décadas do século XX, o Direito do Trabalho entrou em crise e tem-se assistido um processo de desconstrução cultural do primado do trabalho na sociedade atual.
Observa-se, dessa forma, que o Direito do Trabalho é inegável fruto da Revolução Industrial e do capitalismo, e que a tutela ao trabalho surgiu como meio de controle desse sistema, no sentido em que, conforme as palavras de Delgado (2006), lhe confere um patamar mínimo civilizatório.
2.1.1 O caso brasileiro: evolução da tutela ao trabalho no país
A realidade brasileira apresenta características peculiares, que devem ser levadas em consideração ao se abordar o surgimento e a evolução do Direito do Trabalho no Brasil. Assim, embora essa evolução possa, em princípio, parecer igual às que ocorreu no restante do mundo capitalista, tais peculiaridades a tornaram diferentes em aspectos relevantes.
Como ponto de partida na busca dessa compreensão, torna-se fundamental a lição de Souto Maior (2000) quando afirma que a primeira constatação a ser levada em conta é o fato de que, dos quatro séculos e meio de história do Brasil, três séculos foram marcados pela escravidão. Segundo o autor é interessante notar que, enquanto na Europa a produção industrial já havia alterado a vida social desde fins do século XVIII, no Brasil do século XIX ainda havia prevalência da atividade rural. Portanto, a evolução da legislação trabalhista na Europa não se identifica do ponto de vista temporal, com a evolução desse direito no Brasil.
Sobre o assunto, Gonçalves (2007) ressalta que doutrinariamente o Direito do Trabalho no país é dividido em três fases, sendo seu marco inicial a edição da Lei Áurea e a conseqüente abolição da escravatura, já que no período escravocrata não existia na legislação pátria nenhuma norma de cunho trabalhista, pois o escravo não era sujeito de direitos e obrigações, o que o deixava sem qualquer amparo legal. A única norma trazida pela Constituição de 1824 que possuía alguma relação com atividades laborais era a contida no inciso XXV do artigo179, que abolia as corporações de ofício no território brasileiro. Assim, o fim da escravidão deu início às relações empregatícias e levou à primeira fase do direito do laboral brasileiro, período que vai de 1891 a 1930, chamado de fase das manifestações incipientes ou esparsas. Ainda segundo o autor, a Constituição da República, de 1891, não trouxe qualquer princípio específico de proteção ao trabalho, havendo apenas algumas leis dispersas que tratavam do assunto, que não podem ser vistas como fruto de um movimento organizado dos trabalhadores, pois ainda era restrita sua capacidade de organização e pressão. A categoria mais organizada, até então, era a dos ferroviários. Dentre as normas criadas na época, o autor destaca os 22 artigos contidos no Código Civil de 1916, sob o título “Locação de Serviços” e a Lei Elói Chaves, de 1923.
Tratando da questão, Rocha e outros (2005) sustentam que as primeiras tentativas de criação de órgãos dedicados à solução de problemas trabalhistas surgiram em 1922, sem obter êxito. Contudo mais tarde, influenciado por fatores externos e internos, teve início a formação do Direito do Trabalho brasileiro. Entre as influências externas, os autores apontam a crescente elaboração legislativa de proteção ao trabalhador em muitos países da Europa, que de certo modo exerceram pressão no sentido de levar o Brasil a elaborar leis trabalhistas e o compromisso assumido pelo Brasil ao ingressar na Organização Internacional do Trabalho, propondo-se a observar normas trabalhistas. Já em relação aos fatores internos, se destacam os movimentos operários encabeçados por imigrantes europeus com inspirações anarquistas, o surto industrial (conseqüência da Primeira Guerra Mundial), com a elevação do número de fábricas e de operários e a política trabalhista de Getúlio Vargas em 1930.
Na lição de Gonçalves (2007), a partir de 1930 iniciou-se a segunda fase do Direito do Trabalho no Brasil, chamada de “período da oficialização”, que durou realmente até 1945, com o fim do governo Getúlio Vargas, mas seus efeitos se estenderam até a promulgação da Constituição de 1988.
Discorrendo sobre o tema, Souto Maior defende que “com Vargas repete-se no Brasil a mesma história já vivida na Europa, a proliferação de leis trabalhistas, mas a sua fonte material preexistiu ao período Vargas.” (2000, p.68).
A Constituição de 1934, embora tenha durado apenas três anos, conforme recorda Gonçalves (2007), elevou o Direito do Trabalho à condição de Direito Constitucional. Todavia Segadas Vianna, citado pelo autor, defende que a Constituição de 1937 fixou, de forma melhor que a anterior, as diretrizes da legislação trabalhista.
Nesse aspecto, conforme Souto Maior (2000), tornou-se lugar-comum a afirmação de que as leis trabalhistas brasileiras são mero fruto do fascismo de Getúlio Vargas, numa visão simplista, como se tais leis não fossem resultado de lutas da massa trabalhadora. Idéia errônea, já que as condições de trabalho eram enormemente precárias, e isso por si só justifica a criação de leis para minimizar tal situação. Além do mais, ocorreram várias greves por melhores condições de trabalho.
Concorda Gonçalves (2007), quando defende que Getúlio Vargas encontrou um país no qual havia uma grande massa de imigrantes, cujas idéias anarquistas e socialistas levaram à organização da luta dos trabalhadores brasileiros, inclusive através de greves. Diante desse quadro, o então presidente passou a editar leis em função dessa organização dos operários, no intuito de acalmar os ânimos e evitar convulsões sociais. Donde se conclui que o direito trabalhista no Brasil foi uma conquista, e não um presente do chamado “pai dos pobres”.Rocha e outros (2005) recordam que o objeto da luta das primeiras manifestações sindicais era, sobretudo, a redução do horário de trabalho e das horas extras, o fim do trabalho infantil e do trabalho noturno feminino. Na metade do século XX, finalmente os direitos pelos quais os trabalhadores tanto lutaram foram reconhecidos com a edição, em 1942, da Consolidação das Leis do Trabalho, uma compilação de várias leis que já existiam.
Em relação à CLT, Gonçalves (2007) aponta que é recorrente a afirmação de que ela consistiu simplesmente no resultado de um sistema fascista, tendo por base a Carta Del Lavoro, de 1927. Por outro lado, há autores que a consideram um conjunto das conquistas dos trabalhadores, decorrente das grandes greves do início do século. Polêmicas à parte, o fato é que a Consolidação das Leis do Trabalho foi promulgada sob o número 5.452, no dia 1º de maio de 1943.
Em 1945, o Estado Novo chegou ao fim e o Brasil voltou para um regime democrático, até a implementação do Regime Militar de 1964. Ainda segundo Gonçalves, a Constituição de 1946 trouxe diretrizes democráticas, ampliando os direitos individuais e coletivos. O Direito do Trabalho no país repetiu a lógica do Direito do trabalho no mundo, qual seja o protecionismo ao trabalhador. Continua o autor:
“Em 1985, chega ao fim o Regime Militar e se inicia um novo período democrático, juntamente com a terceira fase do Direito do trabalho no Brasil, com a instauração da Assembléia Nacional Constituinte que elabora a Constituição de 1988. A Constituição da República, então promulgada, dedicou os artigos 7º, 8º, 9º, 10º e 11 ao direito dos trabalhadores, valorizando a atuação sindical e a participação do trabalhador nas negociações coletivas.” (GONÇALVES, 2007, pp.151 e 152)
Assim, conforme observa o autor, embora a Consolidação das Leis do Trabalho, cuja vigência se estende até os dias atuais, tenha sido o ponto marcante para o direito laboral pátrio, foi com a Constituição Federal de 1988 que se institucionalizou derradeiramente o direito social no sistema jurídico brasileiro.
Portanto, após essa breve análise acerca do surgimento do Direito do Trabalho, chega-se a conclusão, consoante a lição de Souto Maior (2000), que esse ramo jurídico tem uma razão histórica inequívoca, posto ter surgido como reação à enorme injustiça social provocada pelo advento da produção em massa. Possui, também, uma função que é decorrente dessa razão: humanizar as relações de trabalho.
O Direito do Trabalho configura-se, então, como ramo autônomo do direito, com características e princípios próprios. Assim, passa-se ao desenvolvimento do estudo acerca desses princípios, analisando seus conceitos e características.
2.2 Princípios do Direito do Trabalho
Princípio, na definição do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2001), é o começo, o início, o primeiro momento da existência de algo, de uma ação ou processo. Mas também o define como a proposição elementar e fundamental que serve de base a uma ordem de conhecimentos; proposição lógica fundamental sobre a qual sobre a qual se apóia o raciocínio.
Mello (2004) conceitua princípios como os mandamentos nucleares de um sistema, que constituem seu verdadeiro alicerce, sendo a disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, justamente por definirem a lógica e a racionalidade do sistema normativo no que lhe confere a tônica que lhe dá sentido harmônico.
Para Sussekind, “princípios são enunciados genéricos que devem iluminar tanto a elaboração de leis, a criação de normas jurídicas autônomas e a estipulação de cláusulas contratuais, como a interpretação e a aplicação do direito.”(SUSSEKIND,2004, p. 109)
Conforme acepção de Delgado (2007), princípio se traduz na noção de proposições fundamentais que se formam na consciência das pessoas e grupos sociais a partir de certa realidade, e que após formadas direcionam-se à compreensão, reprodução ou criação dessa realidade.
Quanto à importância dos princípios, Souto Maior (2000) entende que falar em regulamentação pela lei, restritamente, não significa falar em direito, pois a construção do direito é um passo além. Segundo o autor, a formação do direito consiste em agrupar o aglomerado de normas (cujos elementos se ligam coerentemente) num sistema. O elemento aglutinante desse sistema são os princípios jurídicos porque são eles que dão sustentação ao conjunto, influenciando a atuação de legisladores, intérpretes e aplicadores do direito. Concorda Nascimento (2007), quando afirma que expulsar princípios para fora da ordem jurídica, projetá-los além do campo do direito, seria o mesmo que torná-los inúteis e destituídos de função operacional, pois princípios estão no ordenamento jurídico como realidades encontradas em seu interior e se caracterizam como valores que o direito reconhece, dos quais as regras jurídicas não se devem afastar, para que possam cumprir adequadamente o seu fim.
Nesse sentido, Gonçalves (2007) ressalta que, embora os princípios possuam extrema relevância em qualquer ramo do Direito, não se pode olvidar que no Direito do Trabalho eles têm importância estrutural, cuja inobservância pode resultar na sua desintegração.
A propósito do tema afirma Souto Maior:
“Negar a aplicabilidade dos princípios do direito do trabalho, que são extraídos dessa situação, obstando que sejam determinantes da elaboração de normas trabalhistas e da interpretação das normas existentes, equivale a negar a razão e a função específica do direito do trabalho, obscurecendo seu dado histórico. Equivale, em suma, a negar a própria existência do direito do trabalho, pois, como dito por Goldschimidt, “um Direito sem princípios nunca houve verdadeiramente”.” (SOUTO MAIOR, 2000, p. 289).
Todavia Nascimento (2007) ressalta que os princípios não são exatamente técnicas de integração das lacunas da lei, não são leis embora possam vestir-se da sua roupagem: eles tem uma tríplice função: primeira, a função interpretativa, da qual são um elemento de apoio; segunda, a função de elaboração do direito do trabalho, já que auxiliam o legislador na produção legislativa; terceira, a função de aplicação do direito, na medida em que servem para de base para o juiz sentenciar.
Rocha e outros (2005) ressaltam que a enumeração dos princípios justrabalhistas é um dos pontos em que se depara com a maior variedade de opiniões, já que o tema não está suficientemente consolidado. Apesar disso, segundo os autores, não há discrepância entre os doutrinadores em apresentar seis princípios básicos que norteiam esse ramo da ciência jurídica. São eles: princípio protetor (que pode se concretizar em três idéias: in dubio pro operário, norma mais favorável e condição mais benéfica), princípio da irrenunciabilidade dos direitos, princípio da continuidade da relação de emprego, princípio da primazia da realidade, princípio da razoabilidade e princípio da boa-fé.
Passa-se, agora, a uma breve análise desses princípios.
Quanto ao princípio protetor (ou da proteção), é importante ressaltar, conforme Rocha e outros (2005), que de forma diversa ao que ocorre no direito comum, no qual a intenção é prezar pela igualdade jurídica entre os contratantes, no direito laboral a orientação é proteger a parte mais fraca: o obreiro. Ao realizar esta proteção se alcança uma igualdade substancial e verdadeira entre as partes. Dessa forma, se pode afirmar que o critério fundamental que norteia o Direito do Trabalho é a proteção do trabalhador, visando o equilíbrio entre o capital e o trabalho.
Souto Maior (2000) esclarece que conforme doutrina de Américo Plá Rodrigues, o princípio protetor engloba: a) a regra do in dúbio pro operário; b) a regra da norma mais favorável; e c) a regra da condição mais benéfica.
Em relação ao “in dúbio pro operário”, Souto Maior (2000) explica que significa o critério segundo o qual, no caso de uma norma ser suscetível de entender-se de vários modos, deve-se preferir a interpretação mais favorável ao trabalhador. Ressalva, contudo que a aplicação desse princípio não tem uma conotação processual, ou seja, não deve servir para que se confira ao trabalhador um direito que ele não possua, já que o processo deve ser eficiente para proporcionar-lhe aquilo que é seu direito.
Para Delgado (2007), a regra da norma mais favorável dispõe que deve-se optar pela regra mais propícia ao obreiro em três situações distintas, quais sejam: no instante da elaboração da regra, no contexto de confronto entre regras concorrentes ou, por fim, no contexto de interpretação das regras jurídicas.
No que tange à regra da condição mais benéfica, Souto Maior (2000) esclarece que se refere ao fato de uma lei posterior não poder diminuir as condições de trabalho já auferidas pelo empregado. Essa limitação se aplica, igualmente, ao poder normativo da Justiça do Trabalho. Mas ressalta que ele não é absoluto, em nosso ordenamento, haja vista as disposições da Constituição da República de 1988, esculpidas no artigo 7º, incisos VI (redução de salário), XII (compensação de jornada) e XIV (turnos ininterruptos de revezamento).
Sobre o princípio da irrenunciabilidade, Rocha e outros (2005) explicitam que ele versa sobre a impossibilidade de o empregado privar-se voluntariamente de vantagens concedidas pelo direito trabalhista em benefício próprio.
Completa Souto Maior (2000) que trata-se, portanto, de importante preceito valorativo, base da própria sobrevivência do direito do trabalho, visto que a situação de inferioridade econômica do trabalhador, mesmo coletivamente considerado, faz que com este, com facilidade, troque as garantias já conquistadas pela manutenção do emprego.
Já o princípio da primazia da realidade, de acordo com Delgado (2007), é entendido como a preponderância dos fatos em relação à estrutura jurídica empregada. Assim, em caso de discordância entre o ocorrido na prática e o que se depreende de documentos ou acordos, se deve dar preferência ao primeiro, pesquisar preferencialmente, a prática concreta efetivada ao longo da prestação de serviços.
O princípio da razoabilidade, segundo Rocha e outros (2005, p.32), “consiste na afirmação essencial de que o ser humano, em suas relações trabalhistas, procede e deve proceder conforme a razão”, ou seja, se pautar pelo razoável. Ainda conforme os autores, por se tratar de um critério geral, o princípio em tela não possui um conteúdo concreto, sendo justamente essa característica a garantidora de grande parte de sua utilidade, no sentido que não há limitação ao seu alcance, de sua funcionalidade.
A respeito do princípio da continuidade, Souto Maior (2000) aponta que esse princípio revela a importância da integração do trabalhador à empresa, não apenas para lhe conferir segurança, como também para favorecer à produção, no sentido da qualidade do serviço prestado. Expressa a tendência atual de o Direito do Trabalho atribuir à relação de emprego a mais ampla duração. Assim, exprime-se pela preferência pelos contratos de trabalho cuja duração seja indefinida; na amplitude para a admissão das transformações do contrato de trabalho; na facilidade para manter o contrato (apesar dos descumprimentos ou nulidades em que se haja inserido); na resistência em admitir a rescisão unilateral do contrato por via patronal; na interpretação das interrupções dos contratos como simples suspensões e na manutenção do contrato de trabalho em casos de substituição do empregador.
Tratando sobre o princípio da boa-fé, Rocha e outros (2005), lembram que é importante ressaltar que a boa-fé não é uma norma, mas um princípio jurídico fundamental, que apresenta grande influência no Direito do trabalho, uma vez que também é levado em conta para a aplicação de todos os direitos e obrigações que as partes adquirem como conseqüência do contrato de trabalho.
Souto Maior (2000) conclui que nessa perspectiva, ainda que se possa estabelecer alguma controvérsia quanto à identificação dos princípios do Direito do Trabalho, não se pode negar que o norteiam fundamentalmente, em decorrência de sua origem histórica e da sua própria razão de ser como instrumento autônomo do conhecimento jurídico, já que sem estes preceitos de ordem valorativa ele estaria fadado a desaparecer, ou melhor, nem teria surgido.
2.3 Dignidade da pessoa humana e Direito do Trabalho: o direito ao trabalho digno
A formulação de um conceito sobre o que seja dignidade da pessoa humana, conforme explica Sarlet (2007), é das mais tortuosas tarefas apresentadas pelas doutrinas filosófica e constitucional, pois não há definição consensual e universal sobre a temática. Todavia, o autor propõe uma formulação jurídica de seu conceito, como a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano, que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte tanto do Estado quanto da comunidade. Neste sentido implica um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa não apenas contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.
Consoante Delpérée, citado por Carvalho (2006),
“O conceito de dignidade humana repousa na base de todos os direitos fundamentais (civis, políticos ou sociais). Consagra assim a Constituição em favor do homem, um direito de resistência. Cada indivíduo possui uma capacidade de liberdade. Ele está em condições de orientar sua própria vida. Ele é por si só depositário e responsável do sentido de sua existência. Certamente, na prática, ele suporta, como qualquer um, pressões e influências. No entanto, nenhuma autoridade tem o direito de lhe impor, por meio de constrangimento, o sentido que ele espera dar a sua existência. O respeito a si mesmo, ao qual tem direito todo homem, implica que a vida que ele leva dependa de uma decisão de sua consciência e não de uma autoridade exterior, seja ela benevolente e paternalista”. (DELPÉRÉE, apud CARVALHO, 2006, p.463)
De acordo com a concepção de Ferreira (2006), a História mostra, ainda, que a dignidade da pessoa humana é objetivo de toda sociedade, sendo perseguida por todos, mesmo que por caminhos diversos e sob contraditórios pontos de vista e o direito, por sua vez, constitui o instrumento que o Estado possui para assegurar a dignidade do cidadão.
A partir do exposto, conforme afirma Sarlet (2007), verifica-se que também para a ordem jurídico-constitucional a concepção do homem-objeto (ou homem-instrumento), com todas as conseqüências daí resultantes, constitui justamente a antítese da dignidade da pessoa humana.
Pode-se resumir destas concepções, de acordo com Zanoti (2006), que os seres humanos não podem ser tratados como objetos, e sim como sujeitos, posto que sua estatura extrapola a sua individualidade, atingindo um espectro comunitário social.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 1º, inciso III, inscreve a dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado.
Carvalho (2006) considera que isso significa não apenas um reconhecimento do valor do homem em sua dimensão de liberdade: o próprio Estado se constrói com base nesse princípio. Assim, o termo dignidade designa o respeito que merece qualquer pessoa.
Sobre o assunto, Delgado (2006) assevera que o princípio da dignidade da pessoa humana traduz, na Constituição de 1988, a idéia de que o valor central da sociedade está na pessoa, centro convergente dos direitos fundamentais.
Portanto, na lição de Carvalho (2006), a dignidade da pessoa humana significa ser ela um ser que deve ser tratado e considerado como um fim em si mesmo, e não para a obtenção de um resultado (diferentemente das coisas), ou como algo que pode servir de meio. O princípio abrange, dessa forma, não só os direitos individuais, mas também os de natureza econômica, social e cultural. Justamente por dignificar o homem, a Constituição atribui relevante valor social ao trabalho, colocando-o, como um dos fundamentos do Estado.
Destarte, conforme Delgado (2006), o valor social do trabalho, como um dos fundamentos enunciados pela República Federativa do Brasil, constitui parâmetro relevante para a vida da comunidade brasileira e para as políticas estatais destinadas aos seres humanos. Isso significa que a Carta Magna fixa um conteúdo para o Direito, para a sociedade e para o próprio Estado em torno do valor do trabalho. Diante disso, vê-se que a Constituição de 1988 apresenta novos paradigmas no que concerne ao direito fundamental ao trabalho digno, criando possibilidades normativas de efetivação da proteção ao trabalhador. Entende-se portanto que o trabalho, desde que prestado em condições dignas, não violará o homem enquanto fim em si mesmo.
Sobre o tema, Ferreira (2006) assevera que atualmente o valor social do trabalho tem sido declarado não apenas no Brasil, mas em todas as partes do mundo onde se respeitam os direitos humanos.
Nesse aspecto Gomes defende que “não se pode perder de vista o papel ético-cultural do Direito, mormente às conquistas históricas obtidas no campo do Direito do Trabalho.” (2005, p.125). A autora lembra que o surgimento das normas jurídicas de tutela ao trabalhador subordinado deu-se a partir do século XIX, como reflexo das conquistas históricas da humanidade, entretanto, a luta em busca do reconhecimento da dignidade do serviço humano é bem mais remota. Entende, ainda, que é muito oportuno indagar de que vale o direito à vida sem o provimento das condições mínimas de uma existência digna (alimentação, moradia, vestuário)? De que vale o direito à locomoção sem o direito de à moradia adequada? De que vale o direito à liberdade de expressão sem o acesso à instrução e educação básica? De que valem os direitos políticos sem o direito do trabalho?
Por isso, quando o Direito utiliza-se da regulamentação jurídica significa, nas palavras de Delgado (2006), que ele servirá como suporte de valor para proteger o homem em seus direitos. Ressalta, ainda a autora, que apesar de o Direito do Trabalho demarcar de forma precisa sua seara de proteção, isso não significa que ele deva ser visto como uma área jurídica estanque, isenta de reformulações. Ao se reconhecer o trabalho digno como valor e direito fundamental é necessário, também, torná-lo viável. Assim, é papel do Direito reconhecer toda e qualquer manifestação do valor do trabalho digno.
Nesse sentido, Carelli (2004) concorda que os direitos relacionados ao trabalho, presentes na Constituição da República, devem ser interpretados evolutivamente, de forma a se retirar a restrição imposta ao termo “trabalhadores”, não mais caracterizando como destinatários dessas normas somente os empregados, ou trabalhadores subordinados. Deve-se trazer e impor a proteção constitucional de direitos mínimos no trabalho para os “trabalhadores sem adjetivo”, generalizando a proteção social constitucional. De acordo com o autor, tal hipótese pode ser a única capaz de atender às demandas decorrentes da pluralidade e multiformidade em que se apresenta o trabalho, trazendo para o agasalho constitucional aqueles componentes da sociedade desgarrados pela modificação estrutural do mercado de trabalho.
Dessa maneira, refletir sobre o trabalho, segundo Delgado, significa transgredir a ordem até então imposta e lançar um novo olhar sobre o trabalho no mundo contemporâneo. Reconhecer o Direito do Trabalho em sua incompletude é fundamento para poder transformá-lo. Aceitar que seu sistema tradicional pode ser renovado (apesar da preservação de toda proteção jurídica à relação de emprego) reflete sensibilidade e respeito à dignidade do homem, valor capaz de expressar, com exatidão, o sentido do trabalho digno na contemporaneidade do Direito. É o valor da dignidade, pois, essencial para o trabalho humano, sob qualquer uma de suas formas e em qualquer processo histórico. “A questão, portanto, é a de saber qual deve ser hoje o compromisso do Direito do trabalho com a dignidade humana, a de saber qual deve ser a medida de sua atuação”. (DELGADO, 2006, p.240).
Assim, passa-se ao estudo da evolução dos modos de produção e do fenômeno da globalização, como forma de possibilitar melhor compreensão sobre as mudanças produzidas nas relações do trabalho e a importância de uma conseqüente revisão na regulamentação trabalhista.
2.4 Organização da produção: do fordismo-taylorismo ao pós-fordismo
Sandroni (1999) define modo de produção como:
“Conceito da economia marxista que é definido pelo conjunto das forças produtivas e das relações de produção. O modo de produção se confunde, de certa maneira, com a estrutura econômica da sociedade, englobando a produção, distribuição, circulação e consumo. Teoricamente, numa formação social concreta, podem estar presentes vários modos de produção, tendo um como dominante. Distinguem-se, ao longo da história, vários modos de produção: o comunista primitivo, o escravista, o feudal, o capitalista e o socialista.” (SANDRONI, 1999, p. 404)
Nagem (2001) lembra que o ser humano, organizado em sociedade, sempre se relacionou, tanto com a natureza quanto com os seus semelhantes, buscando assegurar sua própria sobrevivência. Quando tais formas de relação se tornaram mais complexas e se solidificaram, deram origem àquilo que os autores denominam sistemas produtivos, os quais caracterizaram distintas épocas históricas e se modificaram paralelamente ao desenvolvimento e às transformações do trabalho humano.
A análise da organização da produção será direcionada à Idade Contemporânea, sobretudo a partir dos marcos do paradigma do modelo taylorista. Todavia, como forma de melhor ilustrar o tema, será resgatada (sumariamente) a evolução do processo de produção capitalista até o taylorismo.
Segundo Carelli (2004), após o desaparecimento do modo escravagista de acumulação do capital, foi-se formando uma organização onde o trabalhador (de certa forma livre) oferecia sua força de trabalho, integrando-se em uma unidade produtiva, dela participando e obtendo em troca uma retribuição (o salário).
Nesse ponto, Marx esclarece que o processo de surgimento do assalariado e do capitalista tem suas raízes na sujeição do trabalhador, cujo progresso consistiu numa metamorfose desta, ou seja, na transformação da exploração feudal em exploração capitalista:
“O produtor direto, o trabalhador, só pôde dispor de sua pessoa depois que deixou de estar vinculado à gleba e de ser escravo ou servo de outra pessoa. Para vender livremente sua força de trabalho, levando sua mercadoria a qualquer mercado, tinha ainda de livrar-se do domínio das corporações, dos regulamentos a que elas subordinavam os aprendizes e oficiais e das prescrições com que entravavam o trabalho. Desse modo, um dos aspectos desse movimento histórico que transformou os produtores em assalariados é a libertação da servidão e da coerção corporativa […]” (MARX, 1994, v.II, p.830).
Ainda conforme o autor, esse constitui o prelúdio da revolução que criou a base do modo capitalista de produção, pois a partir da dissolução das vassalagens feudais é lançada ao mercado de trabalho uma massa de proletários, expropriada e expulsa de suas terras, que acaba sendo enquadrada na disciplina exigida pelo sistema de trabalho assalariado. Ao progredir a produção capitalista, desenvolve-se uma classe trabalhadora que por educação, tradição e costume aceita as exigências daquele modo de produção como leis naturais evidentes.
Essa classe trabalhadora constitui, segundo Nagem (2001), os tarefeiros assalariados, que marcaram o sistema de organização predominante do século XVI ao século XVIII.
Gonçalves (2007) lembra que, nesse período o trabalhador ainda possuía uma visão global de todo o processo produtivo, o que foi paulatinamente retirado, até o ponto em que, com a introdução da maquinaria, inicia-se a evolução da apropriação do processo produtivo pelo capitalista, tirando do operário, passo a passo o controle do produto final e transformando o trabalhador em mero “apêndice” da máquina.
Sobre o assunto, Nagem (2001) explica que a Revolução Industrial, ocorrida na Inglaterra, no final do século XVIII e início do século XIX, foi essencial para o futuro da economia capitalista no sentido que chega-se ao grau máximo de expropriação: o trabalhador separado dos meios de produção, mas subordinados ao proprietário no âmbito da relação empregatícia.
Assim, é extremamente relevante a lição de Marx:
“Com tão imenso custo, estabeleceram-se “as eternas leis naturais” do modo capitalista de produção, completou-se o processo de dissolução entre trabalhadores e suas condições de trabalho, os meios sociais de produção e de subsistência se transformaram em capital, num pólo, e, no pólo oposto, a massa da população se converteu em assalariados livres, em “pobres que trabalham”, essa obra-prima da indústria moderna.” (MARX, 1994, p.878).
Entre o fim do século XIX e início do século XX o modo de produção vigente, conforme salienta Gonçalves (2007), caracterizava-se pela acumulação de riquezas por parte do capitalista, que extraía do trabalhador o máximo de sua força física e apropriava-se do seu saber, impedindo-o de conhecer todos os passos do processo produtivo como forma de garantir maior hegemonia sobre o operário. Essa divisão de trabalho foi trabalhada por Friedrich Taylor, visando o aperfeiçoamento do processo de produção, através da análise de cada movimento de forma a diminuir o tempo de sua realização e torná-lo mais racional.
Conforme explica Pinto e Silva (2004), a teoria da administração científica, proposta por Taylor, consistia na divisão do processo produtivo em operações elementares, correspondentes a movimentos mecânicos, rápidos e repetitivos, executados pelo trabalhador com a utilização de máquinas padronizadas.
A partir desse modelo a acumulação atingiu níveis inimagináveis e mão-de-obra tornou-se ainda mais desqualificada.
Na primeira metade do século XX, Henry Ford (fundador da Ford Motor Company), utilizando-se dos métodos tayloristas criou um novo modo de produção, que conforme sustenta Alves (2003), revolucionou as indústrias mundiais nesse período.
Sobre esse fato, Pinto e Silva (2004) esclarece que os princípios de Taylor foram consagrados por Ford na produção em série de automóveis. Surgia, assim, a linha de montagem, que diminuiu o tempo gasto na produção, propiciando seu crescimento e, por via de conseqüência, o aumento do consumo.
Verifica-se, portanto, que o fordismo não é uma ruptura com o taylorsimo, no sentido que, consoante afirma de Silva (2003), as idéias de Taylor fornecem as bases técnicas e culturais para um novo impulso na “revolução” da produção, realizada principalmente, na sua origem, pela indústria automobilística.
Por isso, de acordo com Pinto e Silva (2004), tornou-se comum denominar esse método de “fordismo-taylorismo”, sendo ele caracterizado pelas formas de produção em massa, pela expansão da economia de escala e pelo amplo uso de métodos científicos nos processos produtivos.
Em torno desse novo modelo de produção baseado no trabalho subordinado, consoante afirma Carelli (2004), gerou-se o regime de acumulação de capital fordista-taylorista. Ao longo do século XX as empresas moldadas nesse modelo se multiplicaram, ao mesmo tempo em que novas tecnologias surgiram e foram por elas absorvidas. A produção, organizava-se, então, em uma grande unidade fabril que concentrava todas as atividades necessárias à confecção do produto final e os trabalhadores eram organizados em torno da linha de produção, todos detendo o mesmo estatuto, organizados, porém, em forma piramidal de hierarquia. Dessa maneira, a empresa não apenas concentrava todas as atividades sob sua responsabilidade, como também organizava os operários sob sua dependência e comando direto, por meio de sua estrutura hierarquizada. Este é o tipo paradigmático de uma organização fordista.
Ainda de acordo com o autor, por volta do fim dos anos 1960 e na década de 1970, a queda dos níveis de acumulação de capital gerou uma crise no capitalismo mundial, o que levou a idealização de um novo regime, denominado acumulação flexível. Dessa nova forma surge a chamada reestruturação produtiva, na qual a produção passa a se organizar não mais verticalmente, como o modelo fordista, mas horizontalmente, em redes de empresas prestadoras de serviço.
Assim, conforme Delgado (2006), ao final do século XX e início do século XXI o capital promove novas condições de produção e cria novas formas de gerenciamento nas empresas, levando ao extremo a exploração do trabalho e instrumentalização do homem.
A mudança dos parâmetros produtivos, gerenciais e econômicos, além da aportação tecnológica progressiva no sistema de produção, sugerem, conforme analisa Jucá (2000), que os referenciais do sistema taylorista/fordista entravam em declínio.
O novo sistema de organização produtiva, esclarece Gonçalves, surgiu e evoluiu no Japão, na empresa Toyota a partir das idéias de Taiichi Ohno. Daí ser conhecido como “toyotismo” ou “ohnismo”. Nele “a fábrica não é mais aquele complexo enorme: agora existe uma fábrica-mãe, que faz o produto final, mas não produz todos os componentes desse produto” (GONÇALVES, 2007, p.86).
Nesse sentido, Delgado (2006) ressalta que o padrão toyotista se estruturou mediante a legitimação esse novo conceito de empresa, a empresa-magra ou enxuta. A produção enxuta torna-se rentável na medida em que como não há mais estoque de mercadorias, elas passam a ser produzidas com alto grau de especialização, em pequena escala e atendendo tão-somente, à demanda de públicos específicos. O toyotismo, fonte de inspiração para significativo contingente empresarial que pretende viabilizar a acumulação de capital, prioriza, concomitantemente, regimes de contratos de trabalho mais flexíveis.
Concorda Antunes (2003), quando disserta que esse outro ponto essencial do toyotismo, a efetiva flexibilização do aparato produtivo, se consolida através da imprescindível flexibilização dos trabalhadores, de modo a dispor desta força de trabalho em função direta das necessidades do mercado consumidor. Assim o toyotismo estrutura-se a partir de um número mínimo de trabalhadores, ampliando-os, através das horas extras, trabalhadores temporários ou subcontratação, dependendo das condições de mercado.
Pinto e Silva (2004) assevera que esse setor econômico emergente estaria, em tese, capacitado para absorver esses novos contingentes de trabalhadores, porém mediante vínculos precários, atípicos, tendo em vista a perda de centralidade do trabalho subordinado típico em suas relações com as políticas públicas destinadas ao fomento da ocupação.
Em meio à essas formas de contratação de trabalho preconizadas, Delgado (2006) destaca a maciça utilização de mão-de-obra informal ou “subterrânea”, o que implica na maior precariedade do mercado de trabalho.
Enfim, é diante deste novo contexto econômico-social que as relações empregatícias configuram-se na atualidade. As relações empregatícias clássicas, firmadas desde o século XIX, subsistem, ainda hoje, porém de maneira substancialmente atenuada, em contraponto à ampla hegemonia que já detiveram décadas atrás. Silva (2003) considera que a prática do toyotismo, paradigma dessa nova fase de expansão capitalista, embora tenha se revelado de forma diferenciada de país para país, de região para região e mesmo de empresa para empresa, apresenta tentativas de padronização mundo afora, inserindo-se num processo de globalização.
2.5 Globalização e flexibilização trabalhista
A passagem do século XX para o XXI, acompanhada de uma série de mudanças histórico-políticas e aliada ao fenômeno da globalização, está trazendo diversas transformações ao mercado de trabalho. Delgado (2008) explica que esse fenômeno (também chamado globalismo) se traduz não apenas como fase do capitalismo, mas também como processo, à medida que tende a afetar de maneira direta ou indireta as realidades econômicas, sociais, culturais e políticas ao longo do mundo.
Lima (2007) ressalta que a globalização, junto à crescente evolução tecnológica, terminaram por reduzir drasticamente os postos onde a atividade exigia um mínimo de qualificação do trabalhador, gerando desemprego em todas as partes do mundo. Ainda segundo o autor, paralelamente o sistema capitalista busca, por via da visão neo-liberalista, reduzir custos para maximizar lucros. Um dos meios encontrados para se atingir esse objetivo consiste na minimização do custo do trabalho, iniciando-se campanha feroz na redução de direitos trabalhistas sob a denominação de flexibilização.
Sobre a questão, Souto Maior recorda que defende-se a flexibilização dos direitos trabalhistas, como reflexo inexorável da globalização. “Mas há de se verificar, inicialmente, o que vem a ser essa tal globalização.” (2000, p.127).
Conforme Sandroni (1999), Globalização é
“Termo que designa o fim das economias nacionais e a integração cada vez maior dos mercados, dos meios de comunicação e dos transportes. Um dos exemplos mais interessantes do processo de globalização é o global sourcing, isto é, o abastecimento de uma empresa por meio de fornecedores que se encontram em várias partes do mundo, cada um produzindo e oferecendo as melhores condições de preço e qualidade naqueles produtos que têm maiores vantagens comparativas”. (SANDRONI, 1999, p. 265).
Delgado (2008) explica que globalização ou globalismo corresponde à fase do sistema capitalista, surgida no final do século XX, que se caracteriza por uma estreita vinculação entre os diversos subsistemas nacionais, regionais ou comunitários, de modo a criar como parâmetro relevante para o mercado a noção de globo terrestre e não mais de nação ou região exclusivamente.
Completa Souto Maior que trata-se, portanto, de um fenômeno complexo, podendo ser traduzido como o conjunto de estruturas e processos político-econômicos, “derivados do caráter cambiante das mercadorias e bens que compões a base da economia política internacional – em particular, a diferenciação estrutural crescente dessas mercadorias e bens”. (2000, p.127). Considera, ainda, que na base da globalização está o capitalismo, que não é somente um processo econômico, mas também cultural.
O processo de globalização se caracteriza, consoante esclarece Pinto (2003), pela mundialização da economia e do capital, por via da telecomunicação, da robótica, da informática e de outros meios tecnológicos, permitindo o deslocamento de um lugar para o outro (por meios eletrônicos) na busca de apropriar-se de mercados, visando à hegemonia econômica e trazendo conseqüentes reflexos na vida social de todos e, de forma especialmente sensível, no mundo do trabalho.
Segundo Souto Maior (2000), junto à globalização caminha a doutrina neoliberal, que sustenta as regras do livre mercado e que as interferências do Estado são ruins, facilitando o avanço do capital, por certo, na direção do menor custo.
Sandroni (1999) assim conceitua neoliberalismo:
“Doutrina político-econômica que representa uma tentativa de adaptar os princípios do liberalismo econômico às condições do capitalismo moderno. Estruturou-se no final da década de 30 por meio das obras do norte-americano Walter Lippmann, dos franceses Jacques Rueff, Maurice Allais e L. Baudin e dos alemães Walter Eucken, W. Röpke, A. Rüstow e Müller-Armack. Como a escola liberal clássica, os neoliberais acreditam que a vida econômica é regida por uma ordem natural formada a partir das livres decisões individuais e cuja mola-mestra é o mecanismo dos preços. Entretanto, defendem o disciplinamento da economia de mercado, não para asfixiá-la, mas para garantir-lhe sobrevivência, pois, ao contrário dos antigos liberais, não acreditam na autodisciplina espontânea do sistema. Atualmente, o termo vem sendo aplicado àqueles que defendem a livre atuação das forças de mercado, o término do intervencionismo do Estado, a privatização das empresas estatais e até mesmo de alguns serviços públicos essenciais, a abertura da economia e sua integração mais intensa no mercado mundial.” (SANDRONI, 1999, p. 421).
Já Gomes (2005), afirma que neoliberalismo trata-se da doutrina em voga nas últimas décadas do século XX, que busca a redução do papel do Estado, sobretudo na esfera econômica. É uma teoria globalizante utilizada como paradigma econômico e político, que se traduz como um conjunto de políticas e processos que permitem a um número relativamente pequeno de interesses particulares controlar a maior parte possível da vida social, com o intuito de alcançar o máximo de benefícios individuais. O neoliberalismo opera, portanto, como um sistema não apenas econômico, mas também político e cultural, pois a solução dos problemas referentes à distribuição dos recursos, da organização social e da produção ficam submetidas à atuação das forças do mercado.
De acordo com Soares (2004), os adeptos dessa teoria propõe que o Estado recupere suas tradicionais funções políticas e transfira ao setor privado determinadas tarefas, que permitam, em um contexto de economia globalizada, a livre circulação de bens, serviços e capitais, através de medidas como a reprivatização dos serviços e prestações de bens de interesse sociais; a restrição das funções estatais no que tange à garantia do marco legal dos direitos e liberdades; a redução da burocracia pelo critério custo versus benefício e a desoneração dos custos dos serviços públicos, os quais devem ser imputados mais diretamente aos usuários.
Uma das teses sustentadas pelos neoliberais consiste, de acordo com Zanoti (2006), na flexibilização das normas trabalhistas, como forma de propiciar a queda do custo do produto ou serviço e, por sua vez, elevar o lucro do empresário, aumentando o capital deste para investir em sua atividade produtiva, provocando como conseqüência, a geração de mais empregos e o fortalecimento dos salários.
Souto Maior (2000) explica que ataca-se o Direito do Trabalho, como se fosse o responsável pelo encarecimento da mão de obra, que inviabilizaria as atividades empresariais. Assinala ainda o autor, que essa alegação, na verdade, corresponde à lógica perversa do capital, que, não tendo de onde extrair lucro, o visualiza na redução do custo da mão-de-obra.
Contudo o Direito do Trabalho não constitui a causa do desemprego ou subemprego, como afirmam os neoliberais. Em relação a essa questão, Nagem (2002) afirma que hoje o desemprego não é mais conjuntural e sim estrutural. Esclarecendo o fato, a autora explica que por desemprego estrutural entende-se aquele no qual a vaga de trabalho é definitivamente substituída por um processo mecânico ou então, devido a uma reorganização do esquema de trabalho, é eliminada definitivamente.
Conforme assinala Pinto (2003), a realidade tem demonstrado o crescimento do desemprego estrutural, que se instaura como um novo componente contraditório do desenvolvimento capitalista, daí surgindo um novo patamar de exclusão social nos principais países capitalistas.
Nesse ponto Zanoti (2006) revela que esse fenômeno reside no acentuado avanço tecnológico e dos meios de produção observado nas últimas décadas, o que obriga o homem a competir com máquinas de última geração, num flagrante desnível que causa a sucumbência daquele. O desemprego ou subemprego acha-se, também, na estratégia adotada de se cultivar um desemprego estrutural, visando sua utilização como instrumento de diminuição dos salários daqueles que ainda estão no mercado de trabalho.
Como conseqüência disso, consoante análise de Lima (2007), tem-se o crescimento das formas precárias de trabalho: parte presente nos empregos informais, parte alocada no que se acostumou chamar de terceirização. Ainda segundo o autor, o número de trabalhadores formalmente empregados apresentou sério declínio, causando, conforme referido acima, novas formas de relações de laborais como as cooperativas, o teletrabalho e o trabalho parassubordinado.
Concorda Pinto e Silva (2004), ao afirmar que a precarização das relações de trabalho ganha espaço, quer seja com o aumento do número de trabalhadores autônomos, quer seja com a ampliação das formas de subcontratação de trabalho (terceirização, cooperativas), ou mesmo com a simples informalidade ou clandestinidade. Essa realidade provoca, portanto, uma necessária reflexão sobre a inocuidade de um sistema de proteção social que deixa uma significativa parcela do mercado de trabalho à sua margem.
Como se depreende do exposto, conforme assevera Nagem (2002), o emprego precário (autônomos, trabalhadores sem carteira, terceirizados) esta em crescimento. O que ocorre, entretanto, é que estes setores não têm sido capazes de absorver a mão-de-obra dispensada pelos demais.
Após essas análises, nas palavras de Zanoti (2006), não é difícil concluir que o quadro da economia globalizada é extremamente perverso gerador de exclusão social, haja vista que alimenta a informalidade, o subemprego, o desemprego e a precarização do trabalho, fatos esses que impedem o homem de desfrutar de uma vida com um mínimo de dignidade.
Assim, “como se vê, a globalização, como fenômeno econômico, possui repercussões, em nível social, que são perversas, se adotada para os problemas sociais a mesma lógica que destina à economia”. (SOUTO MAIOR, 2000, p.138). Por isso, prossegue o autor, o Direito do Trabalho deve ter uma preocupação fundamental, qual seja: a melhoria das condições do trabalhador, preservando-lhe a dignidade e garantindo uma contra prestação justa pelo serviço prestado.
Gomes (2005) pondera que esse processo de globalização, ao mesmo tempo em que propicia a internacionalização do sistema produtivo e dos serviços, começa a evidenciar a necessidade de se buscar de uma forma mais concreta, imediata e progressiva, a solução de necessidades prementes como forma de garantir a sobrevivência da humanidade, que deixa de ser uma abstração para se converter em uma realidade.
Segundo Delgado (2008, p.11), “o primado do trabalho e do emprego na vida social constitui uma das maiores conquistas da democracia no mundo ocidental capitalista.”. Todavia, conforme acentua o autor, desde as últimas décadas do século passado tem-se assistido um iniludível processo de desconstrução cultural desse primado no sistema capitalista. Os pressupostos tradicionais de trabalho são questionados pela nova organização flexível.
Silva (2003) sustenta que, como decorrência da globalização neoliberal, estamos presenciando uma desagregação da classe operária, tendo em vista que esse processo provocou uma mudança radical nos meios de produção, gerando assim um fenômeno de exclusão social, em que predomina: o desemprego crescente, que é estrutural, planejado pelo sistema capitalista neoliberal; a precarização formal que provoca a perda dos direitos trabalhistas; o crescimento do trabalho informal, que é uma economia de sobrevivência; até mesmo a instituição da miséria moderna, massiva e globalizada.
Prossegue, ainda o autor, afirmando que diante dessa situação, configura-se o substrato para uma reflexão sobre o aspecto jurídico da questão do trabalho, inclusive sobre o papel do Direito do Trabalho e da Justiça do Trabalho, num momento em que se verifica a perda da centralidade do emprego, no que tange ao trabalho subordinado clássico. Assim, o modelo clássico de emprego não se mostra mais adequado. Em muitas situações não é mais suficiente para dar uma resposta satisfatória na relação entre capital e trabalho, mormente diante das novas relações sociais resultantes do desenvolvimento tecnológico. A noção clássica era adequada para um Direito do Trabalho protecionista, desenvolvido num contexto de estabilidade (princípio da continuidade) e subordinação fiscalizada. Portanto o momento é de reflexão e de tentativa de soluções para a questão da rarefação da subordinação jurídica, diante das anomalias surgidas, tais como: desemprego, trabalho informal, redução de salários, redução de jornada, trabalho à distância, partilha de emprego, terceirização, entre outras.
3 SUBORDINAÇÃO TRABALHISTA
O Direito do Trabalho brasileiro adota como principal critério para a distinção entre as várias modalidades de relações laborais a existência da subordinação.
O Direito do trabalho clássico, conforme Jucá (2000), tem como ponto central da sua construção doutrinária a subordinação jurídica do empregado ao empregador. Assim a conceituação de emprego elaborada até agora centraliza-se nessa subordinação, que corresponde ao poder diretivo do empregador.
Pinto (2003) assegura que, segundo a quase-totalidade dos doutrinadores, a marca característica do contrato de trabalho (ou contrato de emprego, segundo Catharino) é a subordinação jurídica do empregado para com seu empregador. A partir desta idéia de dependência, a doutrina criou a noção de subordinação jurídica, considerada clássica no direito do trabalho.
Assim, para uma melhor compreensão, acerca do conceito de subordinação jurídica e sua importância para a construção teórica do Direito do Trabalho clássico, mostra-se relevante o estudo sobre relação de trabalho e relação de emprego.
3.1 Relação de trabalho e relação de emprego: elementos caracterizadores
De acordo com Freitas (2007), uma fundamental questão que invade o ramo juslaboral é aquela que distingue a relação de trabalho da relação de emprego. Tem-se, portanto, que relação de trabalho é “o antecedente de que a relação de emprego é o conseqüente”, ou ainda, o gênero, do qual se tem como espécie a relação de emprego.
Nascimento (2007) conceitua relação de emprego como a relação jurídica, de natureza contratual, tendo por sujeitos o empregado e o empregador, e por objeto o trabalho subordinado, continuado e assalariado.
Já Delgado (2008), considera que a relação de emprego, do ponto de vista técnico-jurídico, é apenas uma das modalidades específicas de relação de trabalho juridicamente configuradas. Corresponde, dessa forma, a um tipo legal próprio e específico, que não se confunde com as demais modalidades de relação de trabalho ora vigorantes.
Dessa forma, imperioso concluir, conforme Freitas (2007), pela imprecisão da afirmativa segundo a qual relação de trabalho e relação de emprego possuem o mesmo significado.
Pinto (2003) esclarece que, conforme a maioria dos doutrinadores, a relação de trabalho trata-se de qualquer liame jurídico cujo objeto seja a prestação de trabalho ou serviço, envolvendo um determinado sujeito, pessoa física ou jurídica, a um destinatário determinado. Trata-se, pois, de uma categoria ampla e que abrange inúmeras espécies.
Relação de trabalho, conforme conceituada por Delgado (2008), refere-se a todas as relações jurídicas, cuja característica seja o fato de terem sua prestação essencial centrada em uma obrigação de fazer, consubstanciada em labor humano. Refere-se, segundo o autor, a toda modalidade de contratação do trabalho humano modernamente admissível e traduz o gênero a que se acomodam todas as formas de pactuação e de prestação de trabalho existentes no mundo jurídico atual.
Com base nisso, pode-se concluir que a relação de emprego, conforme acima explicitado, é uma das espécies de relação de trabalho e é em torno dessa relação laboral que se construiu o Direito do Trabalho pátrio. Pinto (2003) recorda, ainda, que a relação de emprego tem caráter contratual, na medida em que a presença da vontade é elemento essencial em sua configuração.
Contrato, na definição de Fiúza (2006), é o ato jurídico lícito de repercussão pessoal e socioeconômica que cria, modifica ou extingue relações convencionais dinâmicas, de caráter patrimonial, entre duas ou mais pessoas. Essas pessoas, em regime de coordenação visam atender necessidades individuais ou coletivas em busca da satisfação pessoal, assim promovendo a dignidade humana.
Para Santos, o contrato é conceituado como
“[…] o acordo de vontades que tem por fim criar, modificar ou extinguir direitos. No Direito Civil, o contrato faz-se presente não só no Direito das Obrigações, como também no Direito de Empresa, no Direito das Coisas, no Direito de Família e no Direito das Sucessões. Perpassa o âmbito do Direito Civil e atinge um expressivo número de contratos de Direito Público, constituindo-se um instrumento de circulação de bens, produtos e serviços de virtualmente todas as naturezas no mundo capitalista de produção”. (SANTOS, 2003, p. 7-8)
Continua o autor esclarecendo que, na relação de emprego, esta vontade possui limitações, pois para o conceito de contrato, o elemento essencial na constituição do vínculo reside na liberdade de consentir e não na liberdade de consentimento. Trata-se de uma relação contratual específica, distinta e ímpar, uma vez que tem por objeto uma obligatio faciendi (obrigação de fazer) prestada continuamente, intuitu personae, no que tange ao empregado, em caráter de subordinação.
Nesse sentido, Maranhão (2005), ao citar Corrado:
“[…] o contrato de trabalho não tem um conteúdo específico. Nele se compreende qualquer obrigação de fazer, desde que realizada em um estado de subordinação. Esta situação peculiar, este modo de ser da prestação, é que o distingue, assim de outros contratos afins, como a empreitada e o mandato”. (CORRADO apud MARANHÃO, 2005, p. 243)
Outra diferenciação primordial entre contrato civil e contrato de trabalho é apontada por Basile (2008). Tal diferenciação diz respeito ao fato de que, enquanto no contrato de natureza civil presume-se uma igualdade (ainda que formal) entre as partes, no contrato de trabalho há a presunção de desigualdade entre as partes, entendo-se o trabalhador como a parte mais fraca, hipossuficiente, dessa relação. Daí a maior intervenção estatal no contrato de natureza trabalhista.
Pinto e Silva (2004) acentua que, conforme disposto no artigo 442 da CLT, o contrato de trabalho é acordo tácito ou expresso correspondente à relação de emprego.
De todo o exposto pode-se inferir que a relação de emprego é o núcleo básico do Direito do Trabalho. Consoante a lição de Alves (2003), permeiam tal relação jurídica elementos extraídos da realidade fática e consagrados pelo Direito (daí a denominação elementos fático-jurídicos).
Todavia, conforme lembra Pinto (2003), não se pode perder de vista que o elemento subordinação é indissociável da relação de emprego, constituindo um de seus elementos caracterizadores. Ainda segundo ele, os demais elementos caracterizadores da relação de emprego apontados pelos doutrinadores são: trabalho por pessoa física, prestado com pessoalidade, não-eventualidade, onerosidade.
Basile considera que a subordinação é evolução do conceito de dependência, e como requisito do vínculo empregatício não é econômica, nem hierárquica, mas sim jurídica, já que o empregado cumpre as ordens que lhe são dirigidas pelo empregador em respeito ao contrato de trabalho. Declara, ainda que a subordinação “representa o oposto de autonomia, em que o prestador mantém o pleno poder de organização do trabalho […]”. (BASILE, 2008, p.16).
Nesse sentido, Maranhão (2005) lembra que a subordinação do empregado é jurídica porque resulta de um contrato, nele encontrando seu fundamento e seus limites, pois, conforme o autor, o conteúdo desse elemento caracterizador do contrato de trabalho não pode assimilar-se a uma relação senhorial já que é apenas uma situação jurídica.
Em relação ao trabalho prestado por pessoa física, conforme afirma Alves (2003), seu entendimento não oferece grandes dificuldades. Significa que, para ser reconhecido validamente como empregado, o sujeito ao prestar serviços a um tomador deve ser necessariamente pessoa física.
Sobre a questão, Delgado (2008) assevera que a prestação de serviços que o Direito o Trabalho toma em consideração é aquela pactuada por uma pessoa física (ou natural), pois os bens jurídicos por ele tutelados (vida saúde, integridade, moral, bem-estar, lazer, etc.) importam à pessoa física, não podendo ser usufruídos por pessoas jurídicas. Portanto, a figura do trabalhador há de ser, sempre, uma pessoa natural.
No tocante à pessoalidade, Delgado (2008) esclarece que é elemento que incide apenas sobre a figura do empregado, e se caracteriza pelo caráter de infungibilidade. A relação jurídica pactuada será personalíssima com respeito ao prestador de serviços, que não poderá fazer-se substituir intermitentemente por outro trabalhador ao longo da concretização dos serviços pactuados.
De outra maneira, na opinião de Basile (2008), não basta apenas o caráter personalíssimo da contratação: o fundamental elemento da pessoalidade é o requisito de que seja uma pessoa física na condição de prestador dos serviços.
No que concerne à não-eventualidade, conforme destaca Alves (2003), o trabalho para ser caracterizado com relação de emprego não pode ser prestado eventualmente.
Nesse sentido, conforme leciona Delgado (2008), para que haja relação empregatícia, necessita-se que o trabalho seja prestado em caráter de permanência, não se qualificando como trabalho esporádico. Contudo, ainda segundo o autor, esse é um dos conceitos mais controvertidos no Direito do Trabalho.
Já a definição de onerosidade, para fins trabalhistas, conforme defende Basile (2008), deve ganhar um contorno muito mais abrangente que para os outros ramos do direito. Derivada de ônus, a onerosidade se fará presente sempre que o tomador de serviços se comprometer ao cumprimento de uma obrigação, seja de pagar (em moeda ou em utilidade), seja de fazer ou não fazer, já que a simples idéia de que a falta de pagamento pecuniário implica na ausência de onerosidade é falsa. A ausência de onerosidade na prestação configura trabalho gratuito (beneficente, filantrópico).
Assim, na lição de Delgado (2008), a onerosidade se manifesta, pela contraprestação devida pelo empregador ao empregado, pelo efetivo pagamento ao obreiro da parcela remuneratória aos serviços prestados.
Ao ensejo de conclusão desse item, é importante assinalar conforme Alves (2003), que embora todos esses elementos sejam importantes na caracterização da relação de emprego, é preciso descer ao detalhamento quanto à subordinação, em razão de seu papel como eixo de gravidade no paradigma atual da relação de emprego.
Cumpre-se, dessa maneira, realizar uma análise conceitual acerca da subordinação, como também sobre sua atuação no atual contexto imposto pela globalização neoliberal e reestruturação produtiva, onde encontramos hoje muitas anomalias (diversas modalidades de trabalho atípicas).
3.2 Subordinação jurídica: conceito e características
Embora seja necessária a confluência dos cinco elementos fático-jurídicos para que se caracterize validamente a figura do empregado, e conforme aponta Alves (2003), a subordinação jurídica é o elemento preponderante na conformação juslaboral brasileira.
Nesse sentido, Delgado (2008) sustenta ser a subordinação o marco que diferencia a relação de emprego perante as tradicionais modalidades de relação de produção que já foram hegemônicas na história dos sistemas socioeconômicos. Ainda segundo ele, subordinação deriva de sub (baixo) e ordinare (ordenar). Seria, portanto, uma sujeição ao poder de outros, às ordens de terceiros. Todavia, no Direito do Trabalho, essa subordinação é encarada sob um prisma objetivo, pois atua sobre o modo de realização da prestação e não sobre a pessoa do trabalhador, sendo efeito do contrato de trabalho. Daí a denominação “subordinação jurídica”.
Nascimento (2007) conceitua subordinação como uma situação em que se encontra o trabalhador, sendo ela decorrente da limitação contratual da autonomia da sua vontade, para o fim de transferir ao empregador o poder de direção sobre a atividade que desempenhará.
Sobre o assunto, Meireles (2005, p.93) esclarece que “por subordinação jurídica, desse modo, entende-se a sujeição do empregado às ordens do empregador. O empregado, ao ser contratado, passa a ficar subordinado ao empregador, recebendo ordens (poder diretivo).” Continua o autor:
“A subordinação jurídica, assim, significa que o empregador, por exercer o poder de direção da atividade econômica ou mesmo quando não exerce atividade econômica, mas dirige o serviço prestado pelo empregado (numa relação doméstica, por exemplo), reserva-se, por contrato firmado com o empregado, o direito de lhe dar ordens e de dirigir a prestação dos serviços contratados.” (MEIRELES, 2005, p.93)
Já para Chaves e Mendes (2008), essa submissão evidencia que no mundo do trabalho o empresário não apenas tem um direito como credor, como no campo obrigacional, mas também um direito de poder, de caráter jurídico pessoal. Contudo, a subordinação atua sobre o modo de realização da prestação e não sobre a pessoa do trabalhador e por isso, não se caracteriza como uma relação de poder entre pessoas, mas apenas sobre a atividade exercida. Dessa forma, a subordinação jurídica é uma relação de dependência necessária da conduta pessoal do trabalhador na execução do contrato face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador.
Esclarece Pinto e Silva (2004), que o critério da subordinação jurídica leva em conta o poder de comando e de direção do empregador. A atividade do empregado consistiria, dessa maneira, em se deixar guiar e dirigir segundo os fins desejados pelo empregador. O poder de comando seria o aspecto ativo, enquanto o dever de obediência consistiria no passivo da subordinação jurídica. Assim, como decorrência dessa relação, o empregador ainda poderia se valer do poder de controle para fiscalizar a atividade do empregado e do poder disciplinar para puni-lo (nos casos de inobservância de um dever de obediência, de diligência ou de fidelidade).
Em relação ao poder disciplinar, Santos (2008) o define como aquele que cabe ao seu titular, o empregador, na aplicação de sanções. Há, em contrapartida a sujeição do sujeito passivo, o empregado. Isso denota a expressão de subordinação jurídica, permitindo também qualifica-lo como um poder sancionatório decorrente da relação de emprego. Esclarece, ainda o autor que o poder disciplinar, no Brasil, de acordo com a doutrina dominante, encontra-se em fase semiprimitiva no tocante a seu exercício pelo empregador.
Hoje, com o trabalho fragmentado e o processo de produção descentralizado, onde há alta exigência de conhecimento por parte do empregado. Pinto (2003) relembra que não há o mesmo ambiente do chão de fábrica da época do taylorismo-fordismo. É necessário, pois, uma reordenação jurídica, principalmente em função do surgimento de novas modalidades de prestação de serviços e de novas formas de contratações.
A tecnologia desenvolvida nas décadas de 1980, 1990 e no início desta primeira década do século XXI, ressalta Alves (2003), possibilitou o surgimento e desenvolvimento de novos métodos, técnicas e tipos de trabalho em que a subordinação clássica tende a desaparecer.
Portanto, diante dessa realidade, o Direito do Trabalho brasileiro, construído sobre a subordinação clássica, vem conhecendo uma crise, o que traz a necessidade de reflexões sobre as novas relações trabalhistas que situam-se na chamada “zona gris”, fronteiriças entre o trabalho subordinado e o autônomo, reveladoras da parassubordinação.
3.3 A crise do modelo clássico de subordinação jurídica
Conforme visto, a relação empregatícia é a relação jurídica central do sistema capitalista de produção. Delgado (2006) disserta que, firmada ao longo dos séculos VIII e XIX, trouxe como elemento nuclear o conceito de subordinação jurídica. Durante a vigência dos modelos de produção taylorista-fordista (século XX), a subordinação simbolizava o comando direto e incisivo do empregador sobre o trabalhador, no tocante ao modo de prestação dos serviços. O ambiente de trabalho era, portanto, o pressuposto para a sua existência.
Pode-se entender o modelo clássico de subordinação como aquela situação jurídica na qual o empregado submete-se às determinações de seu empregador quanto ao modo de prestação dos serviços. Assim, conforme atenta Alves (2003), há subordinação jurídica clássica nos casos em que o obreiro acata as ordens diretas de seu empregador e seria um fenômeno derivado do contrato de emprego.
Todavia, com a crise estrutural do capitalismo, a partir da década de 1970, e a decolada da ideologia neoliberal implementaram-se, de acordo com Delgado (2006), novas formas de inserção no mercado de trabalho e hoje a subordinação opera por outras vias que não só a direta e incisiva, dependente do ambiente de trabalho sua configuração.
Jucá (2000) defende que uma concepção limitada, presa ao conceito clássico de subordinação jurídica, fragiliza o Direito do Trabalho diante da questão social tal como hoje é posta. Neste particular, continua o autor, é importante ressaltar a constatação de que no atual contexto da economia, essa modalidade não é mais hegemônica, não constitui mais a regra geral e as demais variações a exceção. Pelo contrário, o tamanho da chamada economia informal e das relações de trabalho nela inseridas sugere outras modalidades de relação de trabalho, de um novo tipo, onde é possível notar um grau de autonomia mais ampliado, mas ainda presente a fragilidade econômica.
Diante da nova dinâmica empresarial, reflexo de uma economia globalizada onde a busca ávida por lucros cresce em detrimento dos gastos com salários e encargos deles decorrentes, assiste-se também, conforme alerta Freitas (2007), ao lado do surgimento de novas relações de trabalho, a utilização de subterfúgios legais visando a diminuição dos custos com a produção. Ainda conforme o autor é o que se chama de fuga do elemento da subordinação.
Prossegue o autor esclarecendo que a crise do critério da subordinação jurídica é reflexo da profunda modificação estrutural na sociedade, na economia e, por conseqüência, no Direito do Trabalho.
Segundo lição de Silva (2002), o critério da subordinação jurídica deve passar por um processo de revisão crítica, argüindo-se que ele reúne em seu âmbito pessoas de condição social muito diferentes, levando o Direito do Trabalho a tutelar pessoas que, conquanto subordinadas, não necessitam de proteção, enquanto deixa desamparadas outras que, embora autônomas, padecem de debilidade econômico-social.
Fato é que as novas formas de prestação do trabalho, surgidas no contexto toyotista, dificultam a utilização exclusiva do paradigma clássico de subordinação. Delgado (2006) assevera que muitas vezes o trabalho revela-se pelo confronto entre a subordinação e autonomia, constituindo uma relação fronteiriça, não sendo possível classificá-lo com precisão em uma das referidas categorias.
Discorrendo sobre o tema, Carelli (2004) afirma que o mercado de trabalho não é homogêneo, apresentando-se segmentado e díspar, com uma multiplicidade de tipos de trabalho.
Nesse sentido Pinto e Silva esclarece:
“O fenômeno da globalização trouxe a intensificação do comércio e um brutal aumento das atividades no setor de prestação de serviços, apontando para uma maior abertura do mercado de trabalho, fora de esquemas muito rígidos ou tradicionais.
Há crescente preocupação na Economia com a modernização das chamadas ‘relações de trabalho’”. (PINTO E SIVA, 2005, p.139)
Ocorre, porém, que com o desenvolvimento do sistema pós-fordista, a fábrica mínima, estrutura ideal desse modo de produção, requer um novo perfil de trabalhador. Conforme explica Alves (2003), as chefias e gerências são substituídas pela responsabilização de cada um dos trabalhadores, quanto à tarefa que será desenvolvida. A subordinação é, dessa maneira, diluída, passando de um controle direto e efetivo, para uma atribuição de responsabilidades, em regra cobradas de forma sutil pelo empregador.
Pinto e Silva (2005) considera que, independente dessa discussão, o que se percebe na sociedade contemporânea é a necessidade de diversificação das relações jurídicas entre os sujeitos que prestam serviços (trabalhadores) e os que deles necessitam para o desenvolvimento de seus negócios (empresários). Em outras palavras: é preciso ampliar os ‘vínculos de atributividade’ entre capital e trabalho.
Assim, consoante aponta Alves (2003), nesse novo contexto do Direito do Trabalho, bem diferente daquele no qual se deu seu surgimento, torna-se necessária uma reflexão acerca de seus alicerces. A subordinação clássica, base da construção juslaboral, vem dando claros sinais de enfraquecimento, não contemplando a nova estrutura produtiva construída após os anos 80. Urge, pois, reformar suas estruturas, antes que o Direito laboral perca parte de sua efetividade enquanto sistema jurídico criado para proteger o trabalhador.
Pinto e Silva (2005) observa que atualmente se percebe uma preocupação dos juristas em redefinir a regulamentação das relações de trabalho, na árdua tarefa de fazer com que o direito do trabalhista possa manter a sua histórica vocação de proteção aos “hipossuficientes”, sem que isso signifique um obstáculo para o desenvolvimento da economia. Sendo assim, uma efetiva modernização do Direito trabalhista deve enfrentar a revisão do modelo de relações trabalhistas individuais e coletivas.
Se a subordinação clássica não mais sustenta o modelo, faz-se necessário buscar um novo pilar para o Direito do Trabalho. Alves (2003) defende que o sistema jurídico não pode ignorar a desproteção dos milhões de trabalhadores que, embora dependentes, encontram-se à margem da proteção justrabalhista pelo fato de não se encontrarem, formalmente, subordinados ao tomador de seus serviços.
As normas sobre o trabalho humano devem estar sistematizadas, reunindo não somente o trabalho subordinado em suas diferentes formas, mas também o trabalho autônomo e o trabalho parassubordinado. Assim as normas regulamentadoras das relações individuais de trabalho “devem estar consubstanciadas em diferentes modalidades contratuais, de tal modo que formem um conjunto capaz de propiciar soluções articuladas para a administração da questão de pessoal nas empresas.” (PINTO E SILVA, 2005, p. 154)
Gomes (2005) avalia que, nesse atual contexto, diante dos avanços da ciência e da tecnologia no mundo do trabalho, impõe-se reavaliar o critério de subordinação jurídica, como forma de se ampliar à tutela do Direito do Trabalho, de modo a abranger outros tipos e formas contratuais até o momento alijadas da proteção legal. Conforme a autora:
“Vale dizer, o conceito clássico de subordinação, para as relações de emprego, vem sendo diluído em razão das novas estruturas de produção, do novo perfil da empresa, que cada dia vem se submetendo às inovações tecnológicas, para diversificar os modos de prestação de serviços. Com isso a atividade empresarial, impulsionada pelo processo econômico, direciona-se, por meio de diferentes modalidades de ajustes, para fazer uso da força, da energia, da inteligência e criatividade do trabalhador, tanto daquele que integra o núcleo duro de pessoal altamente qualificado e bem remunerado, quanto daquele que faz parte da ‘periferia’ de trabalhadores terceirizados, considerados precários”. (GOMES, 2005, p. 138)
Pinto e Silva (2005) afirma que o que se pretende é a construção de um novo modelo, que leve à extensão gradual das tutelas para além dos confins da subordinação, partindo de uma disciplina mínima comum a todos os tipos de trabalho, sejam eles subordinados ou não. Para tanto deve-se adotar uma visão global das modalidades de trabalho que surgiram com a segmentação dos processos produtivos e com a terceirização dos serviços nas empresas. Ainda, conforme o autor é necessário atender a demanda empresarial pela flexibilização do direito do trabalho, mas sem que isso traga prejuízos aos trabalhadores. A regulamentação de uma nova modalidade de trabalho que escape dos contornos rígidos da subordinação é o mecanismo adequado para alcançar esse objetivo, uma vez que permitirá trazer para o mercado formal uma parcela dos trabalhadores que hoje estão dela excluídos.
Delgado (2006) lembra que, todavia, as mudanças jurídicas a serem implementadas devem amintas na lógica finalística do direito trabalhista, ou seja: a melhoria das condições de trabalho e alargando-se também a proteção jurídica aos trabalhadores não empregados, com base numa visão humanitária e universal desse ramo do Direito.
3.4 Distinções entre o trabalho subordinado, o trabalho parassubordinado e o trabalho autônomo
Nascimento (2007) esclarece que surgiu com grande autoridade na doutrina italiana, a macrodivisão do trabalho profissional em subordinado e autônomo. Esses são os dois grandes ramos que situam as relações de trabalho, mantendo-se até os nossos dias e que interessam ao nosso problema, no ponto em que, de um lado há o trabalho subordinado e de outro o trabalho autônomo, colocando-se em dois pólos separados de modo que a disciplina jurídica aplicável aos dois setores é diversa. Assim, há um traço definido nos estudos apontando para o trabalho subordinado como objeto do direito do trabalho.
Lima (2007) explica que o trabalhador parassubordinado possui características semelhantes ao empregado, pois há prestação pessoal de serviço (ou ao menos preponderantemente pessoal), com continuidade (ou não eventual), de forma onerosa e com certa dependência do tomador de serviço. Porém, esta última característica, por ter natureza diversa do subordinado, o diferencia deste.
Com relação ao assunto, Nascimento (2007) afirma que o trabalho parassubordinado constitui uma categoria intermediária entre o autônomo e o subordinado, abrangendo tipos de trabalho que não se enquadram exatamente em uma das duas modalidades tradicionais. Entre as quais se situa, conforme o autor, a representação comercial, o trabalho dos profissionais liberais e outras atividades atípicas, nas quais o trabalho é prestado com pessoalidade, continuidade e coordenação. Seria a hipótese, se cabível, do trabalho autônomo com características assimiláveis ao trabalho subordinado.
O parassubordinado também se aproxima da figura do trabalhador autônomo, mas conforme ensina Lima (2007), também com este mantém necessária distinção, tendo em vista que o trabalhador autônomo dirige sua prestação de serviço, assumindo também o risco de sua atividade e trabalhando de forma totalmente independente do tomador do serviço, que na maioria das vezes apenas se preocupa com o resultado final, não com a atividade em si. Portanto aí reside a obrigação do autônomo: produzir o resultado pretendido pelo tomador de serviço. Uma vez alcançado o resultado, extinta estará sua obrigação e desfeito o vínculo contratual com o tomador.
Segundo o autor isso não ocorre com o trabalhador parassubordinado. É certo que este trabalha com certa independência, especialmente no que tange a forma, momento e local da realização do serviço que, via de regra, é exercido fora das dependências do tomador. No entanto, o parassubordinado está obrigado a atingir uma série de resultados consecutivos, coordenados entre si e relacionados a interesses mais amplos do contratante. Assim, por não haver subordinação jurídica, necessária para se configurarem como empregados, certamente cairiam na vala comum do trabalho autônomo.
Conforme ressalta Jucá,
“É possível que estejamos na iminência do desafio de construir um Direito do trabalho centrado não mais no modelo clássico de um certo tipo de relação de trabalho subordinado – denominada de emprego –, mas centrado na relação de trabalho como gênero, da qual a de emprego que sendo espécie demanda tutela própria, porém, e isto é que é o importante, as demais também ensejariam suas respectivas tutelas, necessariamente marcadas por variações dos princípios de reequilíbrio relacional de matiz trabalhista ou laboral.” (JUCÁ, 2000, p.107)
Pinto e Silva (2005) aponta que as transformações do mundo do trabalho demonstram a insuficiência do critério da subordinação jurídica, pois as necessidades do processo produtivo, as evoluções tecnológicas e a busca da competitividade no mercado globalizado geraram novas demandas e as empresas passaram a procurar alternativas. Paralelamente a informalidade nas relações jurídicas passou a crescer e a tomar significativas parcelas do mercado de trabalho, de tal modo que hoje o Direito do Trabalho convive com a gradativa redução dos beneficiários da proteção que busca fornecer.
Portanto, para uma melhor compreensão do tema tratado no presente trabalho, faz-se necessário o entendimento do instituto da parassubordinação, de suas características e da possibilidade da sua adequação ao ordenamento juslaboral brasileiro.
4 PARASSUBORDINAÇÃO
Desde o início do século passado verifica-se uma crescente mudança nos meios de produção com impacto decisivo nas relações de trabalho. Lima (2007) lembra que o modelo fordista, baseado nas impressões de Taylor, já não detém a hegemonia de antes, cedendo espaço a nova concepção, onde, em suma, só se produz algo mediante uma demanda previamente confirmada. Essa reestruturação produtiva, como não poderia deixar de ser, causou profundas modificações nas relações de trabalho, então preponderantemente divididas entre os trabalhadores subordinados e os trabalhadores autônomos.
Contudo essa divisão não é mais tão clara. Surgem novas modalidades de trabalho, fronteiriças, situadas entre o trabalho subordinado e o autônomo que, embora possuam características de ambos, não se amoldam de forma específica a nenhum deles.
Diante deste cenário, conforme relata Lima (2007), a doutrina trabalhista, em especial a italiana, passou a discutir o surgimento de um terceiro gênero, situado entre o trabalhador subordinado e o trabalhador autônomo. Este nova “fattispecie” emerge das modernas relações de produção, integrando-se aos mecanismos produtivos, sem, no entanto, gozar de qualquer proteção jurídica que garanta, ao menos, sua condição de ser humano dotado de dignidade.
4.1 Conceito e características
Como dito acima, quem melhor tem se debruçado sobre o trabalho parassubordinado é a doutrina italiana de onde, conforme Lima (2007), primeiro surgiu o termo parasubordinazione, que tem tradução direta no português para parassubordinação.
Pinto e Silva (2004) esclarece que a tradução do termo é coerente, no sentido que o prefixo para é usado na composição de palavras em que se reveste a noção “para além de”. No caso, resulta em “para além da subordinação”.
Prossegue ainda o autor descrevendo que as relações de trabalho parassubordinadas descrevem relações de natureza contínua, nas quais os obreiros desenvolvem atividades que se enquadram nas necessidades das tomadoras de seus serviços, conforme estipulado em contrato, visando colaborar para os fins do empreendimento.
Conforme Silva (2002), a parassubordinação seria, pois, uma categoria intermediária entre a autonomia e a subordinação, representando, portanto, um verdadeiro tertium genus.
De acordo com Freitas (2007), em uma singela definição, pode-se trazer que o trabalho parassubordinado se caracterizaria pelos elementos da: a) pessoalidade; b) coordenação; c) onerosidade; d) continuidade; e) dependência econômica.
Sobre o assunto, Pinto e Silva (2004) destaca o fato de poder-se afirmar que para o conceito de trabalho subordinado, a idéia de coordenação assume relevância, no sentido de constituir uma peculiar modalidade de organização da prestação dos serviços. Genericamente o trabalho continua a ser prestado com autonomia, mas sua organização vincula-se à atribuição de algum tipo de poder de controle e de coordenação a cargo do tomador de serviços.
Para bem entender a parassubordinação, no entanto, faz-se necessário examinar cada um desses elementos caracterizadores.
Quanto à onerosidade, Lima (2007) ensina que, da mesma forma que acontece na relação de emprego e na relação de trabalho autônomo, o trabalho parassubordinado é uma espécie de relação contratual onerosa, ou seja, sua prestação de serviço deve ser obrigatoriamente remunerada sob pena de, em caso de ausência, ver desfigurada ou mesmo desconfigurada sua classificação como trabalhador parassubordinado, enquadrando-se na hipótese de trabalho voluntário, comunitário, filantrópico ou religioso. Assim, não se pode conceber um trabalhador parassubordinado sem que haja contraprestação aos serviços que desempenha em favor do tomador, justamente porque é nessa contrapartida que boa parte da doutrina (sobretudo a italiana) identifica outra característica essencial do obreiro parassubordinado: a contumaz dependência econômica, devidamente tratada em tópico adiante.
A continuidade, conforme leciona Pinto e Silva (2004), dia respeito ao fato de que a prestação de serviços deve destinar-se a atender uma necessidade do tomador de serviço que apresente determinado prolongamento no tempo, visando o interesse de ambas as partes.
Nesse sentido Lima (2007) afirma que, da mesma forma que é exigida numa relação de emprego, no trabalho parassubordinado também se exige relativa freqüência e caráter de permanência da relação contratual. Ainda que essa permanência não ocorra por um período muito longo, esta característica deverá estar presente, pois caso contrário se configuraria um trabalho eventual.
Pinto e Silva (2004) alerta que o critério da continuidade apresenta-se incompatível com a efetivação de uma única obra, ainda que sua execução se delongue no tempo. Além disso, continua o autor, ela deve estar vinculada à uma consecução de uma série de resultados, visados por ambas as partes da relação.
Em relação à pessoalidade, Alves (2003) considera que o requisito da prevalência pessoal da prestação está relacionado à exigência de o trabalhador parassubordinado prestar o seu labor enquanto pessoa física, sem características empresárias, mesmo que em forma de sociedade.
Este terceiro critério diz respeito, portanto, ao executor do serviço.
Apesar de inexistir na relação parassubordinada o tradicional poder diretivo do empregador, Lima (2007) assevera que no trabalho parassubordinado também se exige uma vinculação mais estreita entre o obreiro e o serviço coordenado por ele desempenhado. Tal exigência se justifica pelo fato de que somente assim seria possível a ocorrência da colaboração coordenada.
No que tange à dependência econômica, consoante afirma Freitas (2007), alguns doutrinadores defendem ser ela o critério utilizado como elemento definidor do trabalho parassubordinado.
Todavia, conforme lembra Lima (2007), parte da doutrina entende que a debilidade econômica não é fator determinante para a configuração das relações parassubordinadas, sob o argumento de que nessa modalidade de trabalho não se pode delinear a subordinação socioeconômica do trabalhador.
Já Alves (2003) concorda com a primeira corrente ao considerar que a expressão do trabalho parassubordinado indica uma série de relações de colaboração que, embora formalmente autônomo, apresentam afinidade com o trabalho subordinado, sobretudo no que concerne ao perfil sócio-econômico do trabalhador, sua fraqueza ou dependência econômica e contratual frente ao contratante.
Segundo esse elemento, assinala Freitas (2007), o obreiro retira o seu sustento através da contraprestação onerosa fornecida pelo tomador de serviços. Não há a subordinação jurídica da forma como ocorre nas relações empregatícias, mas sim um outro critério, que é essa dependência econômica. Esse fato seve de substrato aos que defendem a inserção da dependência econômica como fator indispensável na figura do trabalho parassubordinado.
Nesta direção Romita, citado por Lima (2007), afirma que a crise característica das últimas décadas do século XX propicia a revalorização da dependência econômica como critério legitimador da aplicação das leis trabalhistas àquele que prestar serviços remunerados por conta de outrem, ainda que não juridicamente subordinado. Esse novo profissional decerto detém um estado de dependência que venha a colocá-lo em uma situação de assimetria social com o tomador de serviço, já que se não fosse dessa forma, estaria em igualdade de condições como o trabalhador autônomo.
Sobre o tema, Silva (2005) manifesta que, embora não caracterize o contrato de trabalho, a dependência econômica é critério utilizado para resolver os casos em que há dúvida sobre a existência da subordinação jurídica. Apesar de a atividade ser desenvolvida de forma não subordinada, no sentido técnico-jurídico, nem por isso resta privada de aspectos de dependência material, cuja natureza é eminentemente social e econômica em face do tomador do serviço, para o qual a mesmo atividade é realizada.
Em referência à coordenação, ao contrário do que ocorre na relação empregatícia onde há o domínio da subordinação jurídica, consubstanciada no poder diretivo do empregador, ao qual se sujeita o empregado, conforme ressalta Lima (2007), nas relações parassubordinadas não ocorre a direção dos serviços, mas vigora a concepção de coordenação, numa peculiar modalidade de organização.
Nesse sentido, Alves (2003) afirma que se trata da atividade empresarial de coordenar o trabalho sem subordinar o trabalhador, numa conexão funcional entre a atividade do prestador de serviços e a organização do contratante, sendo que o obreiro se insere no contexto laborativo do tomador, no estabelecimento ou na dinâmica empresarial, sem ser empregado, todavia inserido harmonicamente.
Lima (2007) lembra que o trabalho continua a ser prestado com autonomia, mas sua organização é vinculada a algum tipo de diretriz e controle. Portanto o trabalho parassubordinado tem por característica essa coordenação da atividade laboral realizada pelo trabalhador, levando em conta um programa consensualmente definido entre este e seu tomador. Embora não exista sujeição às ordens do tomador, aquele firma contrato aceitando que sua atividade seja coordenada segundo critérios previamente discutidos, objetivando que o empreendimento atinja sua finalidade social e econômica.
Dessa maneira, conforme Alves (2003), a relação pode ser horizontal e não vertical, como ocorre na subordinação clássica.
Conforme anteriormente mencionado, o conceito de parassubordinação surgiu na Itália, consoante Silva (2005), a partir da inclusão dos conflitos derivados das relações de colaboração que se concretizem numa prestação de serviços continuada e coordenada, prevalentemente pessoal (mesmo sem caráter subordinado) nas chamadas “controvérsias individuais do trabalho”. O reconhecimento dessa espécie de trabalho criou a fattispecie parassubordinação.
Todavia o reconhecimento dessas relações parassubordinadas não ocorre apenas no país onde surgiu o conceito, ingressando também em outros ordenamentos europeus. Ainda segundo Silva (2005), na Alemanha a parassubordinação foi progressivamente individualizada, sobretudo após 1974, na reforma da matéria que versa sobre a contratação coletiva, uma subcategoria de colaboradores parassubordinados. Também na Áustria verificou-se a indivuduação legislativa da categoria composta de relações de trabalho parassubordinadas, como relações a que se estende a competência dos juízes do trabalho. Continua o autor esclarecendo que na França também se admite a parassubordinação, no sentido que permite aplicar os princípios gerais do Direito do Trabalho à tais relações intermediárias entre o trabalho subordinado e o autônomo.
Assim, torna-se relevante desenvolver um estudo acerca da aplicação dos princípios do Direito do Trabalho ao conceito de parassubordinação, o que será feito no próximo tópico.
4.2 Princípios trabalhistas e parassubordinação.
Na análise dos princípios trabalhistas que podem ser aplicados à parassubordinação, deve-se lembrar que, conforme destacado no item 2.2 do presente trabalho, os princípios do Direito do Trabalho possuem importância fundamental, no sentido em que se constituem suas diretrizes, uma vez que sem tais preceitos de ordem valorativa se esvaziaria sua razão de ser.
Passa-se, portanto, à análise acerca da aplicação desses princípios ao trabalho parassubordinado, uma vez que seu significado já foi objeto de estudo no tópico acima citado. Cumpre esclarecer que o estudo terá por base a dissertação de mestrado “Subordinação e Parassubordinação Trabalhistas: Relações Individuais de Trabalho e Modernização Social”, de Amauri César Alves.
Alves (2003) sustenta que a base jurídica representada pelos princípios deve ser observada sempre que possível, para que uma mudança paradigmática ocorra de forma segura e em respeito a tudo o que já foi construído e conquistado pela sociedade ao longo dos anos. Nesse aspecto, defende o autor que alguns princípios hoje utilizados para a compreensão do Direito do Trabalho clássico (fundado na subordinação), devem também servir de substrato para a construção e consolidação do fenômeno da parassubordinação, sendo aplicáveis, sobretudo os princípios da proteção, da norma mais favorável e da primazia da realidade.
Nesse sentido, Alves (2003) considera que o princípio da proteção, talvez o mais importante que perpassa todos os demais, parte da suposição que em uma relação trabalhista, seja ela subordinada ou parassubordinada, as partes encontram-se em situação de desigualdade contratual, que deve ser mitigada através de normas protetivas amplamente favoráveis à parte hipossuficiente dessa relação. Defende o autor que, na parassubordinação (conforme a doutrina italiana) há como elemento inerente (para alguns suposto) a debilidade contratual do trabalhador que vende sua força produtiva a um contratante de forma continuada, pessoal e coordenada. Dessa forma, a proteção do Estado através do Direito do Trabalho justifica-se, devendo também aí ser aplicado o princípio protetivo.
Conforme entendimento do autor, o princípio da norma mais favorável poderá e deverá ser aplicado às relações parassubordinadas, sobretudo no instante da elaboração da regra que deverá advir no processo de mutação do Direito do Trabalho, uma vez que tal princípio determina a que em alguns casos ou situações, deve-se observar a norma que melhor contemple a proteção ao obreiro. Pondera, ainda, o autor que o referido princípio pode também ser aplicado à parassubordinação no contexto de interpretação das regras jurídicas.
Quanto ao princípio da primazia da realidade, Alves (2003) o julga relevante para as relações parassubordinadas, uma vez que ele informa que a realidade do contexto laborativo deve sobrepor-se à eventual manifestação de vontade formalizada pelas partes no momento da contratação do trabalho. Dessa forma, não se deve desconhecer as relações mantidas na realidade fática da prestação dos serviços, ainda que inexistam normas expressas sobre a parassubordinação. Segundo o autor não cabe, portanto, uma mera adequação dessa relação como subordinada ou autônoma, sendo imperativo que a realidade da contratação seja reconhecida e que a ela sejam aplicadas as normas protetivas a que o trabalhador necessita.
Assim, após essa breve análise quanto à aplicação de princípios trabalhistas ao instituto da parassubordinação, parte-se ao estudo da parassubordinação como critério identificador da inserção do obreiro na dinâmica do tomador de seus serviços.
4.3 Coordenação: o ponto identificador da existência da parassubordinação
Otavio Pinto e Silva (2004) ressalta que a atividade do trabalhador parassubordinado deve ser indispensável para que o tomador possa atingir os fins sociais econômicos que persegue, sendo necessário para tanto, que os resultados produtivos das atividades do colaborador se unam aos da atividade do próprio tomador dos serviço.
Consoante concepção de Lima (2007), essa peculiaridade do trabalho coordenado permite identificar que a principal diferença entre este e o trabalho subordinado reside no fato de, na relação de emprego, o obreiro disponibilizar sua força de trabalho para satisfazer qualquer objetivo pretendido pelo empregador, enquanto na relação de parassubordinação, há uma vinculação desta disposição que é destinada somente para um tipo específico de atividade, a qual deve corresponder-se ou integrar-se aos fins previstos no programa elaborado pelo contrato. Assim, segundo o autor, na relação parassubordinada, por força do contrato firmado, há uma programação a ser seguida, tendo o tomador não apenas interesse no produto final, mas também na coordenação da forma como ele vai ser alcançado, uma vez que a atividade do prestador é parte integrante e externalizada das suas atividades.
Nesse aspecto, o prestador de serviços atua, na verdade, como pequeno empreendedor, organizando em torno de si todas as atividades voltadas ao atendimento das necessidades do tomador. Mas, de acordo com Pinto e Silva (2004), o que importa ressaltar é justamente a possibilidade de a atividade de colaboração do trabalhador vir a ser prevista em um contrato de trabalho, com o objetivo de atingir uma série de resultados. A coordenação surge, portanto, com o sentido de ordenar juntos, ou seja, significa que ambas as partes possuem medidas a propor para atingir o objetivo comum. Aí reside, na opinião do autor, a importância da coordenação, pois permite a diferenciação tanto em relação à subordinação quanto à autonomia.
Prossegue o autor afirmando que, no trabalho autônomo o que se objetiva é a entrega do resultado final contratualmente estabelecido, independentemente da forma como será realizado e no trabalho subordinado há a sujeição do trabalhador, que deve cumprir todas as determinações deste, tanto em relação à obtenção do resultado, quanto na forma como isso deverá ser feito.
Lima (2007) entende que a colaboração coordenada está para o parassubordinado como a subordinação está para o empregado. Assim, conforme defende o autor, na análise do caso concreto, se verificada a ausência de subordinação, mas presente a existência da colaboração coordenada, deve-se classificar a relação como parassubordinada, pois nesta há, fundamentalmente, a inserção das atividades do trabalhador no conjunto de atividades ditas fins do tomador.
Ainda segundo o autor, acontece que essa nova figura, por situar-se na fronteira entre o trabalho subordinado e o autônomo, cria dificuldades para do Direito do Trabalho, tradicionalmente centrado no conceito clássico de subordinação jurídica. Justamente devido à essa dificuldade, quedam os trabalhadores parassubordinados alijados da proteção juslaboral, caindo na “vala comum do trabalho autônomo”, deixando-os a cargo do direito comum.
Resta clara, portanto, a necessidade da efetivação de uma tutela a esse trabalhador considerado atípico.
4.4 Tutela ao trabalhador atípico: a adoção da parassubordinação como mecanismo de sua efetivação
O advento do pós-fordismo (ou toyotismo, conforme preferem alguns doutrinadores), trouxe consigo o surgimento de novas formas de trabalho, que fogem ao padrão do clássico trabalho subordinado. Por outro lado, essas novas relações trabalhistas também não se amoldam completamente à noção de trabalho autônomo. Em razão disso, conforme salienta Delgado (2006), encontra-se grande dificuldade de formalização jurídica dessas novas espécies laborais, originando críticas de que o ramo justrabalhista não tem sido capaz de proteger todo e qualquer trabalhador segundo o critério finalístico ou teleológico que lhe é inerente. Na busca de responder essas questões surge e se desenvolve a doutrina da parassubordinação.
Neste diapasão, conforme entende Lima (2007), o principal fundamento da necessidade de ser dar uma maior proteção ao trabalhador parassubordinado decorre justamente das características fronteiriças dessas relações, no sentido que esse obreiro, apesar de não ter a dependência em grau suficiente para ser empregado (subordinação jurídica), também não goza da liberdade que aufere o autônomo, resultando, dessa maneira, em uma desigualdade ensejadora da proteção aqui pretendida.
Todavia, Lima (2007) lembra que parte da doutrina segue caminho diverso ao sugerir a reconstrução do conceito de subordinação, visando que esta possa abranger esse trabalhador, que se encontra entre o empregado e o autônomo resolvendo, assim, essa patente necessidade de proteção.
Nesse sentido, Nascimento (2007) considera que a construção teórica da figura do trabalho parassubordinado terá alguma utilidade para o Direito do Trabalho se houver uma regulamentação legal específica, não coincidente com as duas áreas entre as quais se situa. Portanto, na concepção do autor, como essa regulamentação não existe e o problema da extensão dos direitos do empregado subordinado ao parassubordinado ainda não está resolvido, a melhor solução encontra-se numa releitura da subordinação jurídica.
Por outro lado, Lima (2007) compreende a parassubordinação como uma alternativa sustentável e acredita que a adoção do critério de colaboração coordenada, detalhadamente definido, como identificador dessas relações evitaria severas discussões doutrinárias e jurisprudenciais acerca da questão.
No mesmo sentido Alves (2003), defende que não parece ser correto afastar toda a proteção juslaboral destes trabalhadores sob o argumento da inexistência de subordinação clássica e conseqüente atipicidade da relação de trabalho. Se a realidade fática demonstra coordenação, pessoalidade, onerosidade e não-eventualidade, há que se reconhecer a parassubordinação e garantir justa proteção, pois a nova realidade social brasileira requer de todos uma postura inclusiva. Portanto a esfera protetiva do Direito do Trabalho necessita ser alargada, com o objetivo de buscar com mais vigor a justiça social preconizada no texto constitucional. Assim, consoante defende o autor, essa inclusão deve iniciar-se pelo reconhecimento da parassubordinação também como um fator de identificação, dentre outros, da figura do empregado.
Da mesma forma entende Delgado:
“A ampliada inserção dos trabalhadores no mercado exige do Direito do Trabalho redirecionamentos, o que não significa que seja o caso de se estender o sentido da subordinação clássica. De toda forma, não devem ser descartadas pesquisas com vistas a aferir em que a parassubordinação pode vir a tornar-se nova perspectiva de enquadramento de situações da vida real à ordem jurídica trabalhista”. (DELGADO, 2006, p.192)
Ainda, segundo Alves (2003), observada a atual conformação normativa do Direito do Trabalho, a saída para sua preservação não é, como muitos pregam, a flexibilização dos direitos trabalhistas, tampouco a ausência de normas impositivas ou a prevalência do negociado sobre o legislado: na realidade a forma possível de preservação jurídica ao trabalho é o alargamento de sua esfera protecionista, através da inclusão da parassubordinação como relação a ser tutelada pelo Direito do Trabalho.
Em face do exposto, passa-se a uma análise quanto à possibilidade de adequação do instituto da parassubordinação ao ordenamento jurídico brasileiro.
4.5 Parassubordinação e realidade brasileira: possibilidade de adequação do instituto ao ordenamento juslaboral pátrio.
A esta altura, consoante Silva (2005), cabe indagar: é a fattispecie jurídica da parassubordinação assimilável pelo direito brasileiro?
Conforme afirma Alves (2003), o entendimento do Poder Judiciário, bem como da maior parte da doutrina brasileira é o de que não é possível a aplicação, com a estrutura normativa atual, da adoção da parassubordinação como instituto juslaboral apto a gerar direitos trabalhistas, posto não existir o reconhecimento da relação parassubordinada enquanto elemento caracterizador do empregado.
Silva (2005) sustenta que a parassubordinação não exclui o critério da subordinação como determinante da aplicação do Direito do Trabalho, ao contrário, a ele se acopla. Portanto, se a subordinação e a dependência econômica, alternativamente, fundamentar a aplicação dessa disciplina, percebe-se que a parassubordinação se confundiria com a dependência econômica. Essa possibilidade, no entendimento do autor, encontra sustentáculo no direito positivo nacional, tendo em vista que o artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho adota como critério de caracterização do empregado, e, consequentemente, do contrato de trabalho a dependência, que pode ser jurídica ou econômica, embora a jurisprudência brasileira tenha se fixado unicamente no primeiro significado.
Todavia, conforme recorda Alves (2003), as relações fronteiriças, as “zonas grises”, os trabalhos coordenados e a própria parassubordinação constituem uma realidade do mundo do trabalho que o judiciário vem enfrentando desde os anos 1990. A estratégia adotada tem sido, comumente, o enquadramento da relação parassubordinada como autônoma (afastando-se o vínculo empregatício). Contudo, alguns julgadores têm optado pela via reversa, ou seja, enquadrar essas relações fronteiriças como subordinadas, reconhecendo o vínculo empregatício. Mas deve-se ressaltar que o último entendimento constitui a minoria.
Comprova esse fato decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, que optara por enquadrar a relação juslaboral sub judice como uma relação subordinada:
“PARASSUBORDINAÇÃO – JORNALISTA CORRESPONDENTE – NATUREZA JURÍDICA DO CONTRATO RELACIONADO COM A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. Encontra-se sob o manto da legislação trabalhista, porquanto presentes os pressupostos do art. 3º. da CLT, a pessoa física que prestou pessoalmente os serviços de correspondente jornalístico, onerosamente. Ao exercer a atividade relacionada com a busca de notícias, bem como com a respectiva redação de informações e comentários sobre o fato jornalístico, o profissional inseriu-se no eixo em torno do qual gravita a atividade empresarial, de modo que, simultaneamente, como que se forças cinéticas, a não eventualidade e a subordinação, esta última ainda que de maneira mais tênue, se atritaram e legitimaram a caracterização da relação empregatícia. As novas e modernas formas de prestação de serviços avançam sobre o determinismo do art. 3º. da CLT, e alargam o conceito da subordinação jurídica, que, a par de possuir diversos matizes, já admite a variação periférica da parassubordinação, isto é, do trabalho coordenado, cooperativo, prestado extramuros, distante da sua original concepção clássica de subsunção direta do tomador de serviços. Com a crescente e contínua horizontalização da empresa, que se movimenta para fora de diversas maneiras, inclusive via terceirização, via parassubordinação, via micro ateliers satélites, adveio o denominado fenômeno da desverticalização da subordinação, que continua a ser o mesmo instituto, mas com traços modernos, com roupagem diferente, caracterizada por um sistema de coordenação, de amarração da prestação de serviços ao empreendimento por fios menos visíveis, por cordões menos densos. Contudo, os profissionais, principalmente os dotados de formação intelectual, transitam ao lado e se interpenetram na subordinação, para cujo centro são atraídos, não se inserindo na esfera contratual do trabalho autônomo, que, a cada dia, disputa mais espaço com o trabalho subordinado. Neste contexto social moderno, é preciso muito cuidado para que os valores jurídicos do trabalho não se curvem indistintamente aos fatores econômicos, devendo ambos serem avaliados à luz da formação histórica e dos princípios informadores do Direito do Trabalho, de onde nasce e para onde volta todo o sistema justrabalhista. O veio da integração objetiva do trabalhador num sistema de trocas coordenadas de necessidades, cria a figura da parassubordinação e não da para-autonomia. Se a região é de densa nebulosidade, isto é, de verdadeiro fog jurídico, a atração da relação jurídica realiza-se para dentro da CLT e não para dentro do Código Civil, que pouco valoriza e dignifica o trabalho do homem, que é muito livre para contratar, mas muito pouco livre para ajustar de maneira justa as cláusulas deste contrato”. (grifos acrescidos).” (TRT, 3ª Região, RO 00073/2005, 4ª Turma, Relator Juiz Luiz Otávio Linhares Renault, publicação no DJMG em 01/10/2005).
Todavia, conforme afirmado, a maioria dos julgadores optam pelo enquadramento das relações parassubordinadas como trabalho autônomo, e por tanto entendem que se afasta o vínculo empregatício. Nesse sentido são as decisões abaixo transcritas.
“RECURSO ORDINÁRIO MÉDICO PLANTONISTA. RELAÇÃO DE TRABALHO. NÃO É EMPREGATÍCIO O VÍNCULO MANTIDO ENTRE MÉDICO PLANTONISTA E UNIDADE HOSPITALAR QUANDO CONSTATADOS TRAÇOS INCOMPATÍVEIS COM A SUBORDINAÇÃO, ONEROSIDADE E PESSOALIDADE, ORDINARIAMENTE ENCONTRADOS NOS CONTRATOS DE EMPREGO.
Médico Plantonista. Relação de Trabalho. Em discussão nos autos está o tipo da relação de trabalho havida entre o recorrente, unidade hospitalar, e o recorrido, médico plantonista, a quem o juízo de origem deferiu parcelas celetistas do estilo. É do reclamado o ônus da prova, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do reclamante, conforme dicção do artigo 333, inciso II, CPC. Negada a relação de emprego, mas admitida a relação de trabalho autônomo, compete ao pretendido empregador provar a alegação modificativa, sob pena de se terem por reconhecidos os direitos pugnados pelo empregado. O reclamado admitiu a relação de trabalho, mas alegou a inexistência de vínculo empregatício, sustentando que o labor era desenvolvido de forma autônoma pelo reclamante. Razão lhe assiste. Traço marcante da distinção entre a relação de emprego e o trabalho autônomo, a subordinação exibe-se de forma peculiar nos casos em que a atividade do empregado demanda alto grau de conhecimento científico. Em tais hipóteses, não há que se cogitar da estrita obediência às ordens emanadas de um superior hierárquico, eis que a especialidade da execução das tarefas inibe a ingerência patronal ordinariamente constatada nos contratos de emprego. Neste diapasão, há que se perquirir dos demais elementos inerentes à relação contratual a compatibilidade com a subordinação jurídica. A liberdade conferida ao reclamante ao longo dos anos em que atuou no reclamado desbordava dos limites traçados pela subordinação, ainda que considerada de forma mitigada. Em verdade, convenço-me cuidarem os autos de relação permeada em parte pela subordinação tradicional e, de outra banda, pelos chamados contratos de atividade (trabalho autônomo e representação comercial, por exemplo). Trata-se de conceito contemporâneo, elaborado inicialmente pela doutrina italiana e difundido pelo mundo diante da constatação de novas formas de relação de trabalho que, apesar da existência de características sugestivas de vínculo empregatício, não se albergam pela legislação trabalhista. Conquanto esteja inserido na organização da empresa, o trabalho “parassubordinado” se volta para a consecução de resultados sucessivos, através da coordenação, e não subordinação, entre o profissional e o empresário. É neste ponto que se diferencia do trabalho autônomo, voltado este para objetivos pontuais e não necessariamente ligados à atividade-fim da empresa. Por tais particularidades é que a parassubordinação é frequentemente encontrada em relações de trabalho mantidas por profissionais liberais, cujo grau de conhecimento exigido na execução dos encargos se amolda nessa nova forma de subordinação. Não se está, frise-se, excluindo a possibilidade de que profissionais liberais sejam efetivamente empregados, nem tampouco vinculando-os necessariamente à idéia de parassubordinação, mas apenas ressaltando-se um outro olhar para as relações de trabalho tal a dos autos. Neste azo, calha à parassubordinação o contexto da relação que exsurge da presente demanda. O reclamante prestou serviços à reclamada de 1977 a 2005, através de plantões concedidos duas vezes por semana. Inarredável é a habitualidade desta relação. Contudo, a continuidade é realmente um traço característico do trabalho parassubordinado, pois a finalidade de obtenção de resultados sucessivos dentro da organização da empresa dela não pode prescindir. Todavia, conforme declarado pelas duas testemunhas do recorrido, os médicos plantonistas atendiam tanto os pacientes através de convênios públicos (SUS) e privados (planos de saúde), como através de consultas particulares. Nos dois primeiros casos, o hospital recebia dos convenentes o valor dos atendimentos e os repassava para os médicos, salvo determinados convênios, em que o próprio plano de saúde efetuava o pagamento diretamente para o profissional. Nos casos particulares, o pagamento era feito diretamente ao hospital, que semanalmente remunerava os profissionais, de acordo com a quantidade de atendimentos prestados. Ocorre que tais valores em nenhum momento foram fixados ao talante exclusivo do empregador, sendo decorrentes, no caso dos convênios, de tabelas pré-estabelecidas, ou, nos casos de consultas particulares, de prévio ajuste com os profissionais. A meu sentir, afasta-se do vínculo empregatício e aproxima-se do parassubordinado a prestação de serviços cujo preço é fixado não pelo pretenso empregador, conforme sua conveniência, mas sim mediante negociação com o suposto empregado. De outra banda, o fato de os plantonistas receberem os valores do recorrente não implica necessariamente que fossem remunerados pelo hospital, denotando-se que, em verdade, ocorria apenas o repasse das verbas”. (grifos acrescidos). (TRT, 7ª Região, RO 00056/2006, 2ª Turma, Relator Juiz Claudio Soares Pires, decisão em 19/01/2009 e publicação no DOJTe em 11/02/2009).
“TRABALHISTA. PROCESSUAL. VÍNCULO EMPREGATÍCIO. ÔNUS DA PROVA. POR SER FATO CONSTITUTIVO DE SEU DIREITO, COMPETIA AO RECLAMANTE PROVAR A EXISTÊNCIA DA RELAÇÃO DE EMPREGO (CLT, ART. 818 E CPC, 333, I). NEGADO O VÍNCULO, INVERTEU-SE O ÔNUS DA PROVA (Art. 333, II, CPC), DO QUAL O RECLAMADO CONSEGUIU DESINCUMBIR-SE A CONTENTO.
O cerne da presente Reclamação Trabalhista é a comprovação ou não do vínculo empregatício entre o recorrente e a recorrida […] Para que exista relação de emprego, tal como conceituada na CLT, (art. 3º), é necessário que se verifiquem, simultaneamente, quatro elementos básicos: pessoalidade, onerosidade, subordinação e continuidade. A exclusão de qualquer um desses elementos descaracteriza o vínculo empregatício, ainda que comprovada a efetiva prestação de serviços, porque existem contratos outros que envolvem o dispêndio de labor, mas não caracterizam o liame empregatício. Na lição do processualista Francisco Antônio de Oliveira: “O contrato individual de trabalho se traduz na colocação da força de trabalho de pessoa física, mediante remuneração, com ânimo definitivo, regra geral, podendo as partes, sem afronta às regras pré-estabelecidas (art. 443 da CLT), avençarem contrato por lapso determinado, que excepciona a regra geral” (Francisco Antônio de Oliveira, “Direito do Trabalho em Sintonia com a Nova Constituição”, São Paulo, RT, 1993, p. 186).
Conforme os depoimentos testemunhais, verifica-se a inexistência de quaisquer dos requisitos do art. 3º da CLT, razão pela qual impõe-se a manutenção da r. sentença a quo. As testemunhas apresentadas pelo recorrente não evidenciaram a existência dos elementos caracterizadores da relação empregatícia. Verifico que os elementos caracterizadores do contrato de trabalho não foram evidenciados, razão pela qual não há como se concluir pela existência do vínculo empregatício. As provas constantes nos autos indicam que o recorrente prestou serviços para o recorrido, mas sem a subordinação característica da relação de emprego. Apropriada a conclusão do juízo a quo acerca da parassubordinação, conforme peço licença para citar:
“Em verdade a subordinação jurídica é revestida de um conceito subjetivo. As transformações tecnológicas e as mais distintas prestações humanas motivaram o amadurecimento da doutrina dentro do conceito do que se chama hoje de parassubordinação. Ou seja, existem prestações laborais que se aproximam muito do contrato de trabalho e que são consideradas parassubordinadas, mas não necessariamente subordinadas. É o caso dos autos.”
No caso sub judice, tem correta aplicação o art. 333, I e II, do Código de Processo Civil e art. 818 do Texto Consolidado. O recorrente alegou, mas não conseguiu provar o vínculo empregatício. O fato impeditivo do direito do recorrente foi alegado e provado: existência de relação de trabalho diferente da relação de emprego.” (Grifos acrescidos)(TRT, 22ª Região, RO 00078-2006, 3ª Turma, Relator Desembargador Wellington Jim Boavista, decisão em 22/08/2006 e publicação no DJT em 08/11/2006).
Entretanto, alguns juizes têm adotado posturas mais vanguardistas, no sentido de reconhecer a existência da parassubordinação, bem como a inferioridade econômica e jurídica em que o obreiro se apresenta nesse tipo de relação laboral.
Nesse aspecto mostra-se relevante a decisão proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 22ª Região:
“CONTRATO DE PRESTAÇÃO SERVIÇOS – EMPRESA UNIPESSOAL – COMPETÊNCIA.
COM A EC 45/2004 A JUSTIÇA DO TRABALHO TEVE A SUA COMPETÊNCIA AMPLIADA PARA PROCESSAR E JULGAR, ALÉM DA RELAÇÃO EMPREGATÍCIA, AS RELAÇÕES DE TRABALHO. ASSIM, POR ESTAREM MUITO ASSEMELHADOS AOS TRABALHADORES INDIVIDUAIS, DENTRO DA IDÉIA DE PARASSUBORDINAÇÃO, OS PRESTADORES DE SERVIÇOS QUE SEJAM EMPRESAS UNIPESSOAIS TAMBÉM TERÃO SEUS LITÍGIOS COM OS TOMADORES DE SERVIÇO DIRIMIDOS PELA JUSTIÇA DO TRABALHO.
Preliminar de incompetência material da justiça do Trabalho
A Ré alega que a Justiça do trabalho é incompetente para apreciar o vínculo, pois entende que a relação existente entre o reclamante e a Ré é apenas um contrato de prestação de serviço, de natureza civil, entre duas pessoas jurídicas. Sem razão a Ré. Com a EC 45/2004 a Justiça do Trabalho teve a sua competência ampliada para processar e julgar, além da relação empregatícia, as relações de trabalho. Segundo o documento de fls. 52, a empresa J.I. Moraes é uma firma individual, unipessoal, porém revestida de uma precariedade empresarial que muito se confunde com uma relação de trabalho autônoma de prestação de serviços. Portanto, correto o emprego do termo “quase-empresa” ou “paraempresa” utilizado pela d. magistrada a quo. Por estarem muito assemelhados aos trabalhadores individuais, dentro da idéia de parassubordinação, os prestadores de serviços que sejam empresas unipessoais também terão seus litígios com os tomadores de serviço dirimidos pela Justiça do Trabalho. Seguindo essa linha de raciocínio temos Francisco Meton marques de Lima e Francisco Gerso Marques de Lima, in Reforma do Poder Judiciário – comentários iniciais à EC 45/2004- Ed. Malheiros, in verbis:
“(…) Por estarem muito assemelhados aos trabalhadores individuais, dentro da idéia de parassubordinação, os prestadores de serviços que sejam empresas unipessoais também terão seus litígios com os tomadores de serviço dirimidos pela Justiça do Trabalho”.
Assim sendo é indiscutível a competência desta Justiça especializada.[…] Os documentos colacionados aos autos demonstram que houve vários contratos de prestação de serviço de natureza civil, entre uma grande empresa de transportes de passageiros e carga e uma precária empresa constituída sob a forma de firma unipessoal cujo endereço corresponde ao mesmo da residência do titular da empresa.
Vê-se que a precariedade da empresa coloca o postulante numa posição significativa de inferioridade jurídica e econômica que é indiscutível a parasubordinação existente.” (Grifos acrescidos) (TRT, 22ª Região, RO 00760-2006, 2ª Turma, Relator Desembargador Francisco Meton Marques De Lima, decisão em 02/08/2007 e publicação no DJT em 31/08/2007).
Todavia deve-se notar que, apesar de a maioria dos julgados transcritos optarem pela descaracterização do vínculo empregatício, classificando as relações oriundas de relações de parassubordinação como trabalho autônomo, os votos dos relatores sinalizaram um avanço no sentido de reconhecer, no caso concreto, a existência de uma relação parassubordinada, bem a necessidade de uma legislação que trate adequadamente do tema.
Nesse aspecto Alves (2003) entende que o reconhecimento da relação de parassubordinação pelo Judiciário é um bom começo para a afirmação dessa nova realidade. Contudo, é preciso avançar de forma mais incisiva.
Sobre o assunto, conforme concepção de Silva (2005), nada do que até aqui foi exposto obsta o acolhimento da parassubordinação pelo direito brasileiro. Ainda conforme o autor, a lei que incorporar este instituto ao nosso ordenamento deverá esclarecer quais as normas do Direito do Trabalho estendidas aos trabalhadores parassubordinados.
Enquanto não há norma específica para textual e inequivocamente reconhecer direitos ao trabalhador parassubordinado, cabe ao operador jurídico, sobretudo aos Juízes do Trabalho, conforme defende Alves (2003), interpretar as normas existentes (tanto as constitucionais como as celetistas), de forma ampliativa, inclusiva, abrangente e por conseqüência, mais justa. Além do mais uma nova interpretação do artigo 3º. da CLT, ao reconhecer a dependência como subordinação ou parassubordinação possui respaldo constitucional, tendo em vista que nossa Carta Magna consagra em seu texto a valorização do trabalho sob todos os seus aspectos e não somente do emprego, ou seja, as relações fundadas na subordinação.
Assim, o instituto da parassubordinação coaduna ao ordenamento juslaboral brasileiro. Nesse sentido Alves (2003) afirma que não são necessárias novas estruturas legais para que se possa, hoje, moldar o instituto ao nosso ordenamento. Basta uma nova postura interpretativa no que concerne ao conceito de dependência trazido pelo artigo 3º. da CLT. Observando-se que o entendimento acerca do conteúdo dessa expressão é doutrinário e jurisprudencial, infere-se que a Consolidação das Leis do Trabalho não constitui impedimento à aplicação da parassubordinação como elemento identificador do empregado. Todavia esse fato não significa que possíveis mudanças devam ser olvidadas, pois é cediço que uma nova interpretação desse artigo demanda não apenas tempo, como a aceitação da comunidade jurídica, podendo haver resistências e mesmo insegurança jurídica. Portanto deve-se cogitar também a hipótese de uma mudança legislativa que garanta, textualmente e sem deixar margens para equívocos e recusas à proteção legal aos trabalhadores parassubordinados.
A proteção diferenciada ao trabalho parassubordinado fundamenta-se nas diferenças fáticas existentes entre ele e o modelo clássico de trabalho subordinado. O grau de vinculação ao contratante, existente no na parassubordinação é diferente ao grau de vinculação na subordinação. Dessa forma, as normas que não condizem com o trabalho parassubordinado (como as referentes à duração do trabalho e ao poder disciplinar), não devem ser reconhecidas nessas relações. Em contrapartida, normas referentes à essa nova tipificação devem ser criadas com vistas à possibilitar a uma estruturação jurídica dessa nova espécie de trabalho. Da mesma forma, as normas insculpidas no artigo 7º da Constituição Federal de 1988 que forem compatíveis devem ser reconhecidas com como direito do trabalhador parassubordinado.
Portanto, verifica-se que não há impedimento para a adoção do instituto da parassubordinação no ordenamento jurídico brasileiro. Mas, apesar de não existir óbice à sua adoção e considerando-se que boa parte desses direitos e garantias se encontram dispostos na Constituição da República de 1988, conclui-se que a criação de uma legislação visando regulamenta-lo de forma clara, definindo e fixando parâmetros, evitaria discussões doutrinárias e jurisprudenciais, que poderiam acabar se mostrando mais prejudiciais do que benéficas.
5 CONCLUSÃO
Os direitos são históricos, decorrentes das lutas e movimentos sociais.
O Direito do Trabalho é resultado do nascimento, crescimento e amadurecimento do movimento dos trabalhadores assalariados, que exigem dos poderes públicos não só a proteção de suas liberdades individuais, mas também a proteção do trabalho contra o desemprego.
Por isso, conforme assevera Delgado (2006), refletir sobre o trabalho é transgredir a ordem até então imposta, é aprender a lançar um novo olhar sobre o mundo contemporâneo e reconhecer o Direito do Trabalho como ramo dinâmico e, dessa maneira, incompleto, é o fundamento para poder transformá-lo.
A proteção jurídica ao trabalhador, e ao próprio trabalho, deve ser entendida como ponto de viabilização da dignidade do homem, de preservação de sua identidade social. Compreender que o sistema tradicional do Direito do Trabalho pode ser renovado e deve ser renovado com vistas à preservação de toda a proteção jurídica ao obreiro, reflete sensibilidade e respeito à essa dignidade. O que se propõe é que se realize a passagem do atual modelo para um novo, que se mostre capaz de proteger todo e qualquer trabalho livre e digno.
Como demonstrado, o Direito constitui-se no mais importante instrumento a viabilizar o equilíbrio das questões do trabalho. Obviamente isso não significa que deva ser reconhecido de forma absoluta e imutável. Contudo, as mudanças jurídicas a serem implementadas devem ser fundamentadas na sua lógica finalística. Portanto, qualquer mudança legislativa deverá buscar a melhoria das condições de trabalho e não a precarização da prestação laboral, atendendo somente o interesse do mercado. Além disso, também é relevante alargar a tutela aos trabalhadores não empregados, com base numa visão humanitária e universal do Direito do Trabalho.
A nova realidade do mundo contemporâneo demonstra as mudanças ocorridas no mundo do trabalho. Devido ao surgimento do novo paradigma produtivo e a fenômenos como a globalização, o trabalho não é mais apenas a típica relação centrada na subordinação jurídica. Novas formas de prestação de serviços ganham corpo, não mais centradas na tradicional dicotomia trabalho subordinado/trabalho autônomo. Ganha relevo a relação laboral parassubordinada.
Por conta de suas características peculiares, essa modalidade laboral se situa entre o trabalho subordinado e o autônomo, numa situação fronteiriça, que dificulta sua caracterização, deixando o obreiro à mercê das regras do Direito Civil.
Justamente por conta dessas peculiaridades é que se deve abandonar o tradicional critério da subordinação jurídica, pelo menos nos moldes que atualmente se apresenta, posto impedir a efetivação da tutela ao trabalhador atípico. Assim, a partir de uma releitura do critério da colaboração coordenada onde o trabalhador, apesar de desempenhar suas atividades com autonomia, apresenta-se uma estreita ligação entre a prestação do trabalho e a atividade desenvolvida pelo tomador do serviço, pois ambos decidem com antecedência as diretrizes que serão tomadas no sentido de melhor conduzir a prestação do serviço, buscando resultados positivos para as duas partes dessa relação.
Levando em consideração a união de dois fatores: a colaboração coordenada e a dependência econômica do trabalhador parassubordinado frente ao tomador de seu serviço, pode-se concluir que este se encontra em situação de inferioridade contratual, ensejando uma proteção, no sentido de equilibrar a relação e corrigir esta desigualdade.
Porém, como resta claro, essa intervenção deve ser feita através de uma regulamentação própria, visando garantir ao trabalhador parassubordinado direitos e garantias que possibilitem o exercício digno de suas atividades.
Portanto, apesar de não existir óbice à adoção do instituto da parassubordinação no ordenamento jurídico brasileiro, bem como boa parte desses direitos e garantias se encontrarem dispostos na Constituição da República de 1988, conclui-se que a criação de uma legislação que o regulamente de forma clara, definindo e fixando parâmetros, evitaria discussões doutrinárias e jurisprudenciais, que poderiam acabar se mostrando mais prejudiciais do que benéficas.
Informações Sobre o Autor
Cintia Mirna Araújo Vieira
Acadêmica de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.