Resumo: O artigo tem como finalidade abordar a Proposta de Emenda Constitucional 471(PEC dos Cartórios), demonstrando a atual forma de ingresso na atividade notarial e de registro.
Sumário: 1. Introdução. 2. Ingresso na atividade notarial/registral. 3. PEC 471. 4. Conclusão. Referências Bibliográficas
1. Introdução
Os serviços notariais e de registros são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos. O ingresso na atividade notarial e de registro ocorre, atualmente, mediante a aprovação em concurso público de provas e títulos. Entretanto, antes da Constituição Federal de 1988, as serventias notariais e de registros eram herdadas de pai para filho, ou até mesmo inseridas nos testamentos destinadas a alguma membro da família, resultando em um eterno monopólio. A Proposta de Emenda Constitucional n. 471 visa efetivar aqueles responsáveis pelos serviços notariais e de registros que não possuem concurso público.
2. Ingresso na atividade notarial/registral
Antes da Constituição Federal de 1988, os governantes nomeavam uma pessoa para ser tabelião. Neste caso, o cartório era herdado, automaticamente, pelos seus descendentes.
Com o advento da carta Magna de 1988, essa situação mudou, passando a ser obrigatória a aprovação em concurso público para o ingresso na atividade notarial/ registro. De acordo com o artigo 236 da Constituição Federal:
“Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.
§ 1º – Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.
§ 2º – Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.
§ 3º – O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses.”
Os requisitos para o exercício da delegação estão previstos no artigo 14 da Lei n. 8.935/1994, que trata a respeito dos notários e registradores. Segundo a lei, a delegação para o exercício da atividade notarial e de registro depende dos seguintes requisitos: I – habilitação em concurso público de provas e títulos; II – nacionalidade brasileira; III – capacidade civil; IV – quitação com as obrigações eleitorais e militares; V – diploma de bacharel em direito; VI – verificação de conduta condigna para o exercício da profissão.
Prevê, ainda, a referida lei que os concursos serão realizados pelo Poder Judiciário, com a participação, em todas as suas fases, da Ordem dos Advogados do Brasil, do Ministério Público, de um notário e de um registrador. Além dos bacharéis em direito, poderão concorrer os não bacharéis em direito que tenham completado, até a data da primeira publicação do edital do concurso de provas e títulos, dez anos de exercício em serviço notarial ou de registro.
Note que além do concurso de ingresso, existe, também, o concurso de remoção. O concurso de remoção destina-se aqueles que pretendem mudar de uma serventia para outra, porém, no mesmo Estado. Para a participação nesse tipo de concurso, o titular tem que estar exercendo a atividade por mais de dois anos. A legislação estadual disporá sobre as normas e os critérios para o concurso de remoção.
No que diz respeito às vagas, serão preenchidas alternadamente, duas terças partes por concurso público de provas e títulos e uma terça parte por meio de remoção, mediante concurso de títulos, não se permitindo que qualquer serventia notarial ou de registro fique vaga, sem abertura de concurso de provimento inicial ou de remoção, por mais de seis meses. Para estabelecer o critério do preenchimento, tomar-se-á por base a data de vacância da titularidade ou, quando vagas na mesma data, aquela da criação do serviço. E os candidatos serão declarados habilitados na rigorosa ordem de classificação no concurso.
O Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução n. 81 que dispõe sobre os concursos públicos de provas e títulos, para a outorga das Delegações de Notas e de Registro, e possui uma minuta de edital:
Art. 2º. Os concursos serão realizados semestralmente ou, por conveniência da Administração, em prazo inferior, caso estiverem vagas ao menos três delegações de qualquer natureza.
§ 1º Os concursos serão concluídos impreterivelmente no prazo de doze meses, com a outorga das delegações. O prazo será contado da primeira publicação do respectivo edital de abertura do concurso, sob pena de apuração de responsabilidade funcional.
§ 2º Duas vezes por ano, sempre nos meses de janeiro e julho, os Tribunais dos Estados, e o do Distrito Federal e Territórios, publicarão a relação geral dos serviços vagos, especificada a data da morte, da aposentadoria, da invalidez, da apresentação da renúncia, inclusive para fins de remoção, ou da decisão final que impôs a perda da delegação (artigo 39, V e VI da Lei n. 8.935/1994).
3. PEC 471
A PEC 471, de autoria do deputado João Campos (PSDB/GO), estabelece a efetivação para os atuais responsáveis e substitutos pelos serviços notariais, investidos na forma da lei, alterando a Constituição Federal de 1988. Ou seja, a proposta pretende efetivar os responsáveis que estão exercendo de forma irregular os serviços notariais e de registros, pois não foram aprovados em concursos públicos a partir de 1988 quando passou a ser requisito obrigatório a aprovação em concurso público de prova e títulos.
De acordo com recente lista divulgada pelo Conselho Nacional de Justiça, existem, no país, mais de 7.800 cartórios vagos (irregulares) que deverão ser objetos de concursos públicos.
Espera-se que em breve a proposta seja votada, uma vez que a mesma já foi incluída em pauta, mas não chegou a ser apreciada por divergência de opiniões dos lideres partidários.
O assunto é bastante divergente, entretanto, a PEC apresenta rejeição por boa parte dos consolidados órgãos, como o caso do Conselho Nacional de Justiça que em dezembro de 2009 divulgou nota técnica repudiando a PEC em questão:
“A Corregedoria Nacional de Justiça, no cumprimento de suas atribuições constitucionais e regimentais de expedir atos destinados ao aperfeiçoamento dos serviços notariais e de registro, emite a seguinte nota técnica:
1. A redação original da PEC 471, que já foi objeto de análises deste Conselho Nacional de Justiça, outorgará delegações até mesmo àqueles que foram designados há poucos dias para responder por um cartório extrajudicial.
2. O substitutivo apresentado pela Comissão Especial, se aprovado, outorgará a delegação a pessoas que responderam por cartório extrajudicial, ou nele substituíram, ainda que por um único dia, antes de 20 de novembro de 1994. O substitutivo exige apenas que os beneficiários estejam respondendo pela serventia a partir de 2004, época em que já era público e notório que as designações efetivas sem concurso público se davam a título precário.
2.1. É imprescindível esclarecer que a substituição é freqüente e que o substituto designado para responder pelo serviço, nas ausências e impedimento do responsável, muitas vezes é filho ou cônjuge do próprio responsável, tudo nos termos do artigo 20 da lei n.8.935/1994.
3. Se aprovado o destaque de bancada do PMDB, com a exclusão no substitutivo da expressão “há no mínimo cinco anos ininterruptos imediatamente anteriores”, todos aqueles que tenham substituído um único dia em cartório extrajudicial antes de 20 de novembro de 1994, e que no momento da promulgação da Emenda Constitucional estiverem respondendo pela serventia (ainda que por um dia), obterão a delegação do cartório, tudo em prejuízo ao princípio da impessoalidade e da forma republicana de governo.
4. A efetivação dos não concursados possibilitará inúmeras reivindicações por parte daqueles que também responderam precariamente por cartórios extrajudiciais ou neles substituíram antes de 1994, mas só não serão efetivados porque em seus respectivos Estados houve o concurso público determinado pela Constituição Federal desde 1988. Os réus das reivindicações, cujo desfecho é incerto, serão justamente os Estados que cumpriram as regras constitucionais e realizaram concursos públicos, tudo a gerar instabilidade jurídica.
5. A presente nota técnica é editada com a finalidade de oferecer aos Srs. Parlamentares federais novos subsídios a respeito da PEC 471, especialmente em razão das emendas substitutivas e supressivas recentemente apresentadas e ora analisadas.”
Ressalta-se que a obrigatoriedade de aprovação em concurso público somente foi inserida no ordenamento jurídico com a Constituição Federal de 1988. Posteriormente, a Lei 8.935/1994 veio estabelecer os critérios do concurso público para o ingresso na atividade notarial e de registro.
Ocorre que nesse período de 1988 até 1994 não havia legislação regulando os concursos públicos para essa área, fato este que foi alegado pelos interinos que se encontravam nessa situação. Porém, de 1994 aos dias atuais não há o que se falar em falta de legislação, muito menos em direito adquirido, pois os indivíduos que estão em situação irregular, ou seja, sem concurso público sabiam e sabem que essa delegação era precária e irregular, não podendo ser beneficiados por este argumento inconsistente.
Muitos Estados já estão há algum tempo realizando concursos públicos, como é o caso de São Paulo e Minas Gerais. A aprovação da PEC resultaria em verdadeiro caos jurídico, uma vez que, nesses casos dos Estados que foram eficientes e prontamente realizaram os concursos públicos, provavelmente, enfrentarão grandes batalhas, pois como ressarcir o interino que foi substituído pelo novo aprovado em concurso público? E como ressarcir esse concursado? Ou, como mensurar a indenização para os que foram aprovados em concursos públicos e não receberão a delegação? Essas e outras perguntas só irão ser resolvidas após o resultado da apreciação da PEC que, com certeza, seja qual for o seu resultado, trará mudanças significativas. O Brasil precisa mudar e a rejeição da PEC 471 seria um bom começo!
4. Conclusão
A PEC 471, mais conhecida como “PEC dos Cartórios”, que está prevista para ser votada nos próximos dias, tem como objetivo efetivar os responsáveis pelos cartórios que não possuem concurso público. A aprovação da referida PEC resultará em um caos jurídico, além de ferir previsão constitucional, pois a aprovação em concurso é requisito essencial para o ingresso na atividade notarial e de registro.
Informações Sobre o Autor
Luisa Helena Cardoso Chaves
advogada, pós-graduada em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas – FGV. Possui, ainda, especialização em Curso Regular pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (2008), aperfeiçoamento em Direito da Tecnologia da Informação pela Fundação Getúlio Vargas – RJ (2008) e aperfeiçoamento em Propriedade Intelectual pela Fundação Getúlio Vargas – RJ (2006).