Resumo: O presente trabalho tem por objetivo traçar, em linhas gerais, o estudo da categoria dos direitos da personalidade. Para isso fará uma digressão histórica acerca do surgimento desses direitos, bem como das teorias que justificam ou negam a sua existência. Diferencia os direitos da personalidade dos direitos pessoais e apresenta a classificação que a doutrina vem apontando para essa categoria de direitos. [1]
Palavras-chave: Direitos da personalidade, princípio da dignidade da pessoa humana.
Abstract: The present work has for objective to trace, in general lines, the study of the category of the Personality Rights. For this it will make a historical concerning the sprouting of these rights, as well as of the theories that justify or deny its existence. It differentiates the Personality Rights of the personal Rights and presents the classification that the doctrine comes pointing with respect to this category of rights.
Keywords: Personality Rights, Principle of Human Dignity.
Sumário: 1. Introdução; 2. Escorço histórico; 3. Teorias que justificam ou que negam a existência dos diretos da personalidade como direitos subjetivos; 4. A categoria dos direitos da personalidade; 4.1 A distinção entre direitos da personalidade e direitos pessoais; 4.2 A classificação dos direitos da personalidade; 5. Uma breve análise de caso; 6. Considerações finais.
1. INTRODUÇÃO
Os direitos da personalidade são uma categoria de direitos que surgiram como meio de proteção dos indivíduos contra os abusos do poder estatal. Posteriormente, foram incorporados pelo direito privado e desde então tem sido objeto de discussão.
Os direitos da personalidade são classificados de diversas maneirais pelos diferentes autores que os estudam. Contudo, como se verá, uma classificação dos direitos da personalidade só pode ser vislumbrada com o intuito de facilitar o estudo e sistematização desses direitos. Isso ocorre, já que, os direitos da personalidade compreendem um conjunto de bens mais valiosos e intrínsecos a pessoa, sem os quais, conforme Adriano de Cupis, os outros direitos subjetivos não poderiam ser realizados. O que se propõe, conforme Tepedino e Fiuza, é uma cláusula geral de tutela e promoção da personalidade.
Os direitos da personalidade estão em constante inovação, com a evolução da sociedade e o desenvolvimento da dogmática desses direitos, cada vez mais, um novo aspecto da personalidade precisa ser tutelado e promovido. Uma classificação, nessa perspectiva, será insuficiente para demonstrar a gama de possibilidades que esses direitos oferecem para a promoção e tutela da personalidade.
O acima dito pode ser ilustrado com o artigo 1ª da Constituição da República Federativa do Brasil, que proclama como um de seus fundamentos o princípio da dignidade humana. Esse princípio tem sido aclamado como o fundamento da cláusula geral de proteção e promoção da personalidade.
A tarefa, portanto, de classificação dos direitos da personalidade é árdua e está em constante crescimento.
2. ESCORÇO HISTÓRICO
Os direitos da personalidade são de formação recente, contudo pode-se dizer que desde o código de Hamurabi já se demonstrava interesse na proteção da integridade física e moral do ser humano. No Direito grego a proteção se dava através “da idéia de hybris (excesso, injustiça)”(AMARAL, 2006, p.253). No Direito Romano havia a previsão da actio iniuriarium que dava proteção contra iniuria, delito de agressão física, injúria, ultraje. Também a Lex aquilia e a Lex cornelia davam proteção contra a violação da integridade física ou domicílio do cidadão romano.
Contribuições para a atual teoria dos direitos da personalidade vêm do cristianismo que vai trilhar caminhos para o princípio da dignidade da pessoa humana; do direito natural que irá cunhar a idéia de direitos preexistentes ao Estado, inerentes ao próprio homem; do racionalismo que irá colocar o indivíduo no centro de todo o direito; e da escola histórica alemã que irá desenvolver a teoria dos direitos subjetivos.
Os direitos da personalidade surgem, no entanto, como forma de proteção do indivíduo contra os abusos do poder estatal, recebendo a denominação de liberdades públicas[2]. Para isso cunha-se a idéia, calcada no direito natural, de que há direitos inatos ao homem que preexiste à formação do Estado. Surgem:
“Textos fundamentais, como o Bill of rights, dos estados americanos (1689); a Declaração de Independência das colônias inglesas as América do Norte (1776); a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, proclamada com a Revolução Francesa; a Declaração de Direitos de 1793, que considerava direitos naturais os de igualdade, liberdade, segurança e propriedade; a Declaração Universal do Direitos do Homem, em 1948; a Convenção Européia dos Direitos Humanos, de 1950, e a Carta dos Direitos Fundamentais da União Européia, de 2000, todos eles marcos fundamentais e históricos da construção teórica dos direitos da personalidade”. (AMARAL, 2006, p. 254)
As liberdades públicas não se confundem com os direitos da personalidade. Segundo Francisco Amaral (2006) os direitos da personalidade recebem proteção tanto do direito público como do direito privado, mas há que se fazer as distinções necessárias. Os direitos humanos são aqueles previstos em convenções internacionais, não tendo sido positivados em um ordenamento jurídico. Os direitos fundamentais seriam os direitos humanos positivados nas constituições dos Estados. Já os direitos da personalidade são os direitos subjetivos fundamentais que se distinguem dos direitos fundamentais previstos na constituição pelo seu processo histórico na doutrina civilística desde o século XIX e por seu objeto que são os valores mais essenciais à personalidade humana. Portanto, afigura-se um organograma com círculos circunscritos, no qual, o círculo maior é o conjunto dos direitos humanos, o círculo do meio é o conjunto dos direitos fundamentais e o círculo menor é o conjunto dos direitos da personalidade. Deste modo, todos os direitos da personalidade são direitos fundamentais e humanos, mas nem todos os direitos fundamentais e humanos são direitos da personalidade, sendo que a categoria dos direitos humanos, ainda é mais abrangente que os direitos fundamentais.
No direito civil atribuí-se a Otto Gierke a criação da denominação direitos da personalidade, mas segundo Francisco Amaral (2006) citando Carvalho Fernandes a doutrina diverge acerca dessa denominação, encontrado expressões como direitos à personalidade, direitos essenciais ou fundamentais, direitos sobre a própria pessoa, direitos individuais e direitos personalíssimos.
3. TEORIAS QUE JUSTIFICAM OU QUE NEGAM A EXISTÊNCIA DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE COMO DIREITOS SUBJETIVOS
Existem, de modo geral, duas teorias tradicionais contrárias sobre a natureza jurídica dos direitos da personalidade. Uma que afirma serem os direitos da personalidade direitos subjetivos e outra que nega a existência dos direitos da personalidade, já que, estes não podem constituir-se em direitos subjetivos.
As teorias negativistas têm como seus maiores expoentes, conforme Gustavo Tepedino (1999), Roubier, Unger, Dabin, Savigny, Thon, Von Tuhr, Enneccerus, Zitelmann, Crome, Iellinek, Ravá e Simoncelli. Segundo esses autores os direitos da personalidade não poderiam existir já que a personalidade não poderia ser ao mesmo tempo aptidão genérica para a titularidade de direitos e objeto de direitos. A pessoa não poderia ser objeto de direitos da própria pessoa. Ainda Iellinek afirmava que aquilo que poderia ser objeto dos direitos da personalidade era da categoria do ser e não do ter, desta forma, não poderia enquadrar-se em direitos subjetivos.
As teorias afirmativas se fortalecem nos anos de 1950. Passa-se a se admitir a existência de direitos da personalidade. Segundo essas teorias a personalidade tem duas acepções o que permite que essa possa ser aptidão genérica para a aquisição de direitos e deveres conforme o ordenamento jurídico (acepção técnico jurídica) e objeto de direitos subjetivos por ser atributos humanos (acepção natural).
“Quer dizer que a palavra personalidade pode ser tomada em duas acepções: numa acepção puramente técnico-jurídica ela é a capacidade de ter direitos e obrigações e é, como muito bem diz Unger, o pressuposto de todos os direitos subjetivos e, numa outra acepção, que se pode chamar acepção natural, é o conjunto os atributos humanos, e não é identificável com a capacidade jurídica. Aquele pressuposto pode perfeitamente ser objeto de relações jurídicas. O Professor Evert Chamoun, em suas lições admiráveis, expõe de maneira extremamente clara o tema: “a personalidade pode ser considerada do ponto de vista jurídico ou do ponto de vista vulgar. Juridicamente, a personalidade é a qualidade da pessoa que em verdade é titular de direito e tem deveres jurídicos, mas vulgarmente, a personalidade é um conjunto de características individuais, de valores, de bens, de aspectos, de parcelas, que são realmente dignos de salvaguarda jurídica. Quando se diz que há um direito subjetivo da personalidade, não se está dizendo que a titularidade coincida com o objeto, apenas se está referindo a certos aspectos da personalidade, tomada a palavra no sentido vulgar, que são objetos da personalidade sob o ponto de vista jurídico”. (FERRARA, apud, TEPEDINO, 1999, p. 28)
Tem-se, desta feita, que os afirmativistas tentam enquadrar os direitos da personalidade como direitos subjetivos para garantir-lhes maior proteção contra a sua violação e os negativistas não consideram ser possível esse enquadramento por não considerarem os direitos da personalidade em duas acepções e, também, conforme Savigny, para evitar que os tais direitos possam ser livremente dispostos, o que poderia justificar o suicídio, a automutilação e a patrimonialização desses direitos.
A tese que prevalece no século XX é a afirmativista, contudo passa-se a se discutir se os direitos da personalidade têm como objeto a própria pessoa (ius in se ipsum)- o que poderia negar a sua existência como direito subjetivo – ou se o objeto é externo sendo obrigação de todos abster de violá-lo, ou seja, uma obrigação negativa geral.
Essa discussão se deu pela tentativa de se enquadrar a categoria dos direitos da personalidade em direitos subjetivos. Em uma relação jurídica, tradicionalmente, se tem três elementos, quais sejam, o sujeito ativo, o sujeito passivo e o objeto. Para se classificar os direitos da personalidade como direitos subjetivos teria que se ter o sujeito ativo diferente do objeto, portanto, a pessoa, que já é parte subjetiva da relação jurídica não poderia ser seu objeto (parte objetiva da relação jurídica). É necessário um objeto exterior á pessoa, assim como os direitos subjetivos patrimoniais. Nessa tentativa de se buscar um objeto exterior cunhou-se que objeto dos direitos da personalidade é a coletividade de pessoas que deveria respeitar esses direitos.
Para Fiuza (2006), contudo:
“[…] a utilidade protegida é o ponto de referência da relação jurídica, e integra o sujeito, pelo menos nas relações não patrimoniais. Assim, a honra é parte integrante do sujeito, diferentemente de um imóvel, objeto de propriedade. O que é externo é o dever de abstenção da coletividade, que não deve atentar contra a honra alheia”. (FIUZA, 2006, p. 172)
Fiuza (2006), portanto, informa que na acepção moderna não há que se confundir a utilidade juridicamente protegida com o dever de abstenção da coletividade.
4. A CATEGORIA DOS DIRETOS DA PERSONALIDADE
4.1 A distinção entre direitos da personalidade e direitos pessoais
Os direitos pessoais se referem a certos estados que a pessoa tem para se identificar e qualificar na sociedade. No Direito Romano as pessoas podiam ter três tipos de estados: status familiae (qualificação do indivíduo em relação à família) , status libertatis (identificava se o indivíduo era livre ou escravo) e status civitatis (identificava se o indivíduo era cidadão romano ou estrangeiro). Hoje o estado é dividido, de um modo geral, em estado político (distinguem as pessoas em nacionais – natas e naturalizadas – e estrangeiras), estado individual (a pessoa é classificada em relação á sua capacidade, nome, domicílio), estado familiar (classificam as pessoas em relação as sua posição paterna ou materna, filial, conjugal, suas relações de parentescos, entre outras) e estado profissional (a pessoa é classificada em relação a posição que ocupa no emprego, na função, entre outros). Segundo Bittar,
“Esses direitos correspondem, portanto, a diferentes planos em que a pessoa é enfocada, ou seja, em seu desenvolvimento físico e mental e em seus relacionamentos com a coletividade como um todo e com seus núcleos integrantes. Voltam-se para a posição do ser na coletividade: vale dizer, com a situação pessoal, ou familiar, da pessoa humana na coletividade”. (BITTAR, 2003, p. 29)
Para Francisco Amaral (2006) a importância dos direitos de estado ou da pessoa reside no fato de serem primordiais para a caracterização de direitos e deveres sendo, portanto determinantes para a capacidade jurídica ou para a legitimidade para a prática de determinados atos.
“O estado apresenta-se, portanto, como uma qualidade pessoal que se reflete na constituição de uma específica relação jurídica. Por exemplo, o estado de cônjuge, o estado de nacional ou estrangeiro, de capaz ou incapaz é condicionante da existência, validade ou eficácia das relações jurídicas estabelecidas pelos respectivos titulares”. (AMARAL, 2006, p. 237)
O estado na visão de Amaral (2006) é atributo da personalidade se encarado sobre o prisma do estado individual. Nesse aspecto pode ser objeto de direito subjetivo o que o caracteriza como direito da personalidade, já que protege o interesse do indivíduo de ter reconhecido e o gozado esse estado.
Bittar (2006) tem posição diferente:
“Nos direitos da personalidade, a pessoa é, a um só tempo, sujeito e objeto de direitos, remanescendo a coletividade, em sua generalidade, como sujeito passivo: daí, dizer-se que esses direitos são oponíveis erga omnes (e, portanto, devem ser respeitados por todos os integrantes da coletividade). Trata-se, pois, de relação de exclusão, que impõe a todos a observância e o respeito a cada pessoa, em seus componentes citados, sob pena de sancionamento pelo ordenamento jurídico.
Nos direitos da pessoa, forma-se, por outro lado, diversas e distintas relações jurídicas, conforme o prisma de análise, a saber: a) com o Estado, ou com seus órgãos, ou entidades (a pessoa considerada como nacional, ou não); b) com a família e seus componentes (como pai, como marido, como filho, como parente); e c) com a sociedade como um todo, ou com qualquer de seus membros, ou de seus grupos (as diversas relações privadas: intelectual; pessoal; obrigacional; ou real).” (BITTAR, 2003, p. 30 e 31)
Para Bittar (2006), portanto, são direitos diferentes já que o objeto dos direitos da personalidade é a pessoa em si, considerada como um todo ou a pessoa considerada em seus desdobramentos na sociedade; já os direitos pessoais têm como objeto o indivíduo abstratamente considerado e classificado em suas relações.
4.2 A classificação dos direitos da personalidade
Antes de esboçar a classificação dos direitos da personalidade será apresentada a divergência doutrinária existente sobre a tipificação desse direito.
Existem duas teorias acerca da tipificação dos direitos da personalidade: a teoria monista e a teoria pluralista. Conforme os monistas só há um direito da personalidade que irradia diversas facetas reguladas por lei. Portanto há um direito geral de personalidade, já que cada uma das facetas que esse direito apresenta é intrínsecas á pessoa. Desta feita o ordenamento jurídico tutela de forma genérica à personalidade e suas facetas, devendo a denominação usada a essa categoria ser direito da personalidade e não direitos da personalidade. Já para a teoria pluralista os direitos da personalidade são diversos, cada um devendo ser tutelado, já que, se referem a necessidades diversas da pessoa. Portanto, cada um dos direitos deve receber tutela jurídica diversas, não havendo uma tutela genérica da personalidade, daí a denominação direitos da personalidade e não direito da personalidade.
Gustavo Tepedino (1999) tece críticas a essas teorias que para ele estão arraigadas no modelo voluntarista. Tentam adequar a categoria dos direitos da personalidade a dogmática dos direitos subjetivos patrimoniais, ou seja, buscam garantir uma tutela de cunho patrimonial.
“O que se verifica, a rigor, do debate antes enunciado em torno das diversas correntes que buscam explicar a conceituação, o objeto e o conteúdo dos direitos de personalidade, é que todas elas se baseiam no paradigma dos direitos patrimoniais: ora se entende que, como o direito de propriedade, o direito em tela deve compreender uma série de atributos que, como no caso do domínio, são postos à disposição do titular – sem que se possa fracionar o poder dominical em vários direitos; para, ao revés, entende-se que, tal qual o patrimônio, a universalidade de direitos não justifica a reductio in uno, sendo certo que uma única massa patrimonial comporta tantos direitos quantos distintas relações jurídicas possam se identificadas, à luz dos interesses em jogo – ainda que entre tais relações jurídicas haja um vínculo orgânico.” (TEPEDINO, 1999, p. 45)
O legislador constituinte brasileiro, conforme Tepedino (1999), ao eleger o princípio da dignidade da pessoa humana e a cidadania como um dos fundamentos da República[3] quer proteger a pessoa humana em todos os seus aspectos não estando vinculado a um único direito subjetivo ou a vários direitos da personalidade. A proteção deve ser ampla, quer com direitos subjetivos, quer como inibidor de atos que violem os direitos da personalidade, ou como meio de promover os aspectos da personalidade.
Segundo Fiuza:
“Os direitos da personalidade, mesmo considerados direitos subjetivos, não podem ser comparados aos modelos clássicos de direitos subjetivos pessoais ou reais. Tampouco se deve moldurá-los em situações tipo, reprimindo apenas sua violação. Também será inconsistente a técnica de agrupá-los em um único direito geral da personalidade, se o objetivo for o de superar o paradigma clássico, baseado no binômio lesão-sanção. Há de se estabelecer uma cláusula geral de tutela da personalidade, que eleja a dignidade e a promoção da pessoa humana como valores máximos do ordenamento, orientando toda a atividade hermenêutica”. (FIUZA, 2006, p. 177)
Vê-se, portanto, que o modelo clássico é insuficiente para proteger de forma ampla dos direitos da personalidade. Se forem considerados sob esse aspecto, estarão fadados a serem tutelados somente quando violados, sendo, que a sua tutela deve ser mais ampla, ou seja, também, de forma promocional. Por isso, Fiuza (2006) e Tepedino (1999), informam que os direitos da personalidade devem ser vistos como uma cláusula geral de tutela da personalidade, o que abarca tanto a proteção quanto a promoção desses direitos.
Dado o exposto acima uma classificação dos direitos da personalidade é desnecessária. A promoção e tutela da pessoa humana devem ser amplas. Neste aspecto, qualquer classificação possível será incompleta. Segundo Bittar (2003) essa categoria de direitos tem se ampliado com a evolução da sociedade. A cada dia, a doutrina e jurisprudência vêm acrescentando novas facetas em seu contexto. Portanto, uma classificação só terá interesse como forma de facilitar o estudo desses direitos.
Fiuza (2006) classifica os direitos da personalidade em direitos à integridade física que compreende o direito à vida, ao próprio corpo e o direito ao cadáver; e em direitos à integridade moral que compreende o direito à honra, o direito à liberdade, o direito ao recato, o direito à imagem, o direito ao nome, o direito moral do autor.
Adriano de Cupis (2004) classifica em direito à vida e à integridade física, direito às partes separadas do corpo e ao cadáver, direito á liberdade, direito à honra e respeito ao resguardo, direito ao segredo, direito à identidade pessoal, direito ao título, direito ao sinal figurativo e o direito moral do autor.
Bittar (2003) classifica em direitos físicos que compreende o corpo, os órgãos, os membros e a imagem; direitos psíquicos que compreende a liberdade, a intimidade e o sigilo; e os direitos morais que compreende a identidade, a honra e as manifestações do intelecto.
Beltrão (2005) ao discorrer sobre a classificação dos direitos da personalidade busca apoio na doutrina alemã, em especial em Hubmann. Segundo esse (apud BELTRÃO, 2005) a personalidade se desdobra em três elementos, a dignidade humana, a individualidade e a pessoalidade. A dignidade humana visa à proteção de bens que garantem a conservação da pessoa e de sua dignidade, portanto, estão inclusos nessa categoria o direito à existência, à integridade física, à locomoção, à saúde e direitos que servem para a conservação da vida, como por exemplo, a legítima defesa,
“São direitos que asseguram o acervo de bens atuais da personalidade de cada ser humano, com um caráter defensivo e conservador da pessoa e de sua dignidade. Assim, são tutelados nessa categoria o direito à existência (à vida), à integridade física, à locomoção, à saúde, e até mesmo os direitos complementares, que servem como meio de conservação da vida, tal qual a legítima defesa, enquanto instrumento do direito da personalidade.” (BELTRÃO, 2005, p. 98)
No elemento individualidade Hubmann (apud BELTRÃO, 2005) a divide em esfera individual (mais ampla), esfera privada (menos ampla) e esfera secreta (mais restrita). Deste modo, na esfera individual, aquela em que o homem se distingue dos demais de sua sociedade, encontra-se os direitos à identificação pessoal, o nome, a imagem, a honra, a palavra escrita e falada. Na esfera privada, aquela em que o indivíduo se expõe a certo grupo de pessoas com base na confiança, não sendo exposta ao público em geral, compreendem os direitos à intimidade. Na esfera secreta, aquela em que o indivíduo protege suas convicções mais profundas, não querendo expô-las a ninguém ou a um número bem limitado de pessoas, encontram-se os direitos ao silêncio, ao segredo.
Na pessoalidade estão protegidos a individualidade e autonomia da pessoa. A individualidade nesse aspecto é assegurada como liberdade, desta feita, são tutelados o direito à liberdade de ação, a atividade de força de trabalho, a liberdade de associação, a liberdade cultural, a liberdade de expressão de pensamento, entre outros.
Para Francisco Amaral (2006) os direitos da personalidade dividem-se em direito à integridade física, direito à integridade moral e direito á integridade intelectual.
Castan Tobeñas, conforme Bittar (2003), classifica os direitos da personalidade em duas grandes categorias: direitos à existência física ou inviolabilidade corporal, incluindo, nesse grupo, o direito à vida e a integridade física, direito à disposição do corpo, no todo, ou em partes e direito ao cadáver; e direitos morais, sendo que, nesse grupo se encontram os direitos á liberdade pessoal, à honra, direito ao segredo e o direito moral do autor.
Bittar (2003) trás, também, a classificação de Orlando Gomes: direitos à integridade física (direito á vida, ao próprio corpo como todo ou em partes e ao cadáver) e direitos a integridade moral (direito á honra, á liberdade, ao recato, ao segredo, á imagem, ao nome e o direito moral do autor).
O Código Civil de 2002 na parte geral, no Livro das pessoas, dedica o capítulo II aos direitos da personalidade. Esse capítulo é novidade em relação ao Código Civil de 1916, que seguiu orientação do Código de Napoleão, não tipificando tais direitos. Vê-se que o Código Civil classifica os direitos da personalidade, abordando de forma genérica e não taxativa o direito à integridade física, o direitos ao nome e a proteção á imagem.
5. UMA BREVE ANÁLISE DE CASO
Para ilustrar que a categoria dos direitos da personalidade vem se ampliando, não sendo possível engessá-los em classificações sob pena de não se promover e tutelar todos os aspectos da personalidade, trás os casos dos transexuais que têm pleiteado a alteração em seu registro de nascimento do seu sexo. Nesses casos não há como classificar os direitos as serem tutelados, são aspectos da personalidade que irradiam diversas facetas, precisando todas serem tuteladas, como o objetivo de se promover a dignidade dessas pessoas. Vejamos como os tribunais vêm abordando essa questão.
O transexual é aquele indivíduo em que o seu sexo psicológico não corresponde ao seu sexo físico, acreditando que nasceu em corpo errado. São casos que, após acompanhamento psicológico, o próprio Sistema Único de Saúde (SUS) tem realizado cirurgias de transgenitalização, ou seja, a adequação do sexo físico ao psicológico. Após essas mudanças, essas pessoas têm pleiteado a mudança do sexo em seu registro de nascimento. Os argumentos para isso são diversos. É aduzido que para a realização de inscrições, fichas cadastrais, para adquirir imóveis, para registrar bens, para fazer financiamentos, entre outros, é necessário identificar o sexo, deste modo, se a aparência física e o nome divergem daquele que consta no registro de nascimento, essa pessoa será constantemente ilidida com desconfianças e constrangimentos todas as vezes que tiver que identificar o seu sexo civil[4], o que não corresponde mais ao seu sexo psicológico, ao seu nome e ao seu sexo físico que já foi alterado com a cirurgia de transgenitalização.
Quer se deixar claro que a mudança de nome tem sido deferida para essas pessoas de forma pacífica. Contudo, em relação ao sexo civil as decisões têm sido as mais diversas possíveis. Tem-se acolhido o pedido e se alterando o sexo, tem-se negado o pedido sob o argumento de proteção de direitos de terceiros, tem-se acolhido o pedido e se criando um terceiro gênero sexual, qual seja, transexual. Ainda, quando se altera o sexo para feminino ou masculino, ainda se discute se é possível constar a observação de que a alteração se deu por sentença judicial.
“Ementa: DIREITO DE FAMÍLIA – RETIFICAÇÃO DE ASSENTO DE NASCIMENTO – ALTERAÇÃO DE GÊNERO – TRANSEXUAL – IMPOSSIBILIDADE. A PARTIR DA REALIZAÇÃO DE CIRURGIA DE TRANSGENITALIZAÇÃO, SURGE UM DOS PRINCIPAIS PROBLEMAS JURÍDICOS ATUAIS, QUAL SEJA, A POSSIBILIDADE DE REDESIGNAÇÃO, OU ADEQUAÇÃO, DO SEXO CIVIL, REGISTRADO, AO SEXO PSICOLÓGICO, NOVO SEXO ANATÔMICO, E OS EFEITOS DAÍ RESULTANTES. NÃO HÁ, NEM JAMAIS HAVERÁ, POSSIBILIDADE DE TRANSFORMAR UM INDIVÍDUO NASCIDO HOMEM EM UMA MULHER, OU VICE VERSA. POR MAIS QUE ESSE INDIVÍDUO SE PAREÇA COM O SEXO OPOSTO E SINTA-SE COMO TAL, SUA CONSTITUIÇÃO FÍSICA INTERNA PERMANECERÁ SEMPRE INALTERADA. ASSIM, AFIGURA-SE INDEVIDA A RETIFICAÇÃO DO ASSENTO DE NASCIMENTO DE TRANSEXUAL REDESIGNADO, MORMENTE PARA SALVAGUARDAR DIREITO DE TERCEIROS QUE PODEM INCORRER EM ERRO ESSENCIAL QUANDO A PESSOA DO TRANSEXUAL, NA HIPÓTESE DE ENLACE MATRIMONIAL”. (Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação cível n° 1.0024.07.595060-0/001-Comarca de Belo Horizonte- Quarta Câmara Cível- Relator: Exmo. Sr. Des. Dárcio Lopardi Mendes. Data do Julgamento 26/03/2009. Data de Publicação 07/04/2009.)
“REGISTRO CIVIL. TRANSEXUALIDADE. PRENOME E SEXO. ALTERAÇÃO. POSSIBILIDADE. AVERBAÇÃO À MARGEM. 1. O FATO DA PESSOA SER TRANSEXUAL E EXTERIORIZAR TAL ORIENTAÇÃO NO PLANO SOCIAL, VIVENDO PUBLICAMENTE COMO MULHER, SENDO CONHECIDO POR APELIDO, QUE CONSTITUI PRENOME FEMININO, JUSTIFICA A PRETENSÃO, JÁ QUE O NOME REGISTRAL É COMPATÍVEL COM O SEXO MASCULINO. 2. DIANTE DAS CONDIÇÕES PECULIARES DA PESSOA, O SEU NOME DE REGISTRO ESTÁ EM DESCOMPASSO COM A IDENTIDADE SOCIAL, SENDO CAPAZ DE LEVAR SEU USUÁRIO A SITUAÇÃO VEXATÓRIA OU DE RIDÍCULO, O QUE JUSTIFICA PLENAMENTE A ALTERAÇÃO. 3. DEVE SER AVERBADO QUE HOUVE DETERMINAÇÃO JUDICIAL MODIFICANDO O REGISTRO, SEM MENÇÃO À RAZÃO OU AO CONTEÚDO DAS ALTERAÇÕES PROCEDIDAS, RESGUARDANDO-SE, ASSIM, A PUBLICIDADE DOS REGISTROS E A INTIMIDADE DO REQUERENTE. 4. ASSIM, NENHUMA INFORMAÇÃO OU CERTIDÃO PODERÁ SER DADA A TERCEIROS, RELATIVAMENTE À ALTERAÇÕES NAS CERTIDÕES DE REGISTRO CIVIL, SALVO AO PRÓPRIO INTERESSADO OU NO ATENDIMENTO DE REQUISIÇÃO JUDICIAL. RECURSO PROVIDO.” (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação cível n° 70.018.911.594-Comarca de Guaíba- Sétima Câmara Cível. Relator: Exmo. Sr. Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves. Data do Julgamento 25/04/2007. Data de Publicação 03/05/2007.)
“REGISTRO PUBLICO. ALTERACAO DO REGISTRO DE NASCIMENTO. NOME E SEXO TRANSEXUALISMO. SENTENCA ACOLHENDO O PEDIDO DE ALTERACAO DO NOME E DO SEXO, MAS DETERMINANDO SEGREDO DE JUSTICA E VEDANDO NO FORNECIMENTO DE CERTIDOES REFERENCIA A SITUACAO ANTERIOR. RECURSO DO MINISTERIO PUBLICO SE INSURGINDO CONTRA A MUDANCA DE SEXO, PRETENDENDO QUE SEJA CONSIGNADO COMO TRANSEXUAL MASCULINO, E CONTRA A NAO PUBLICIDADE DO REGISTRO. EMBORA SENDO TRANSEXUAL E TENDO SE SUBMETIDO A OPERACAO PARA MUDANCA DE SUAS CARACTERISTICAS SEXUAIS, COM A EXTIRPACAO DOS ORGAOS GENITAIS FEMININOS E A IMPLANTACAO DE PROTESE PENIANA, BIOLOGICA E SOMATICAMENTE CONTINUA SENDO DO SEXO MASCULINO. INVIABILIDADE DA ALTERACAO, SEM QUE SEJA FEITA REFERENCIA A SITUACAO ANTERIOR, OU PARA SER CONSIGNADO COMO SENDO TRANSEXUAL MASCULINO, PROVIDENCIA QUE NAO ENCONTRA EMBASAMENTO MESMO NAS LEGISLACOES MAIS EVOLUIDAS. SOLUCAO ALTERNATIVA PARA QUE, MEDIANTE AVERBACAO, SEJA ANOTADO QUE O REQUERENTE MODIFICOU O SEU PRENOME E PASSOU A SER CONSIDERADO COMO SEXO MASCULINO EM VIRTUDE DE SUA CONDICAO TRANSEXUAL, SEM IMPEDIR QUE ALGUEM POSSA TIRAR INFORMACOES A RESPEITO. PUBLICIDADE DO REGISTRO PRESERVADA. APELACAO PROVIDA, EM PARTE. VOTO VENCIDO.” (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível Nº 597156728, Comarca de Porto Alegre-Terceira Câmara Cível, Relator Exmo. Sr. Des. Tael João Selistre, Data do Julgamento 18/12/1997. Data de Publicação -)
Portanto, independente das diversas soluções que vem sendo dadas ao caso (impossibilidade de mudança do sexo, possibilidade da mudança do sexo, possibilidade de mudança do sexo com ressalva, mudança do sexo para transexual, entre outros), a qual categoria dos direitos da personalidade pertence o direito do transexual de ter o seu sexo alterado em seu registro? Ou a qual categoria de direito da personalidade pertence o direito de terceiro que se relaciona com o transexual em ter a informação de que aquela pessoa passou por uma cirurgia de redesignação de sexo? É por isso que uma categorização dos direitos da personalidade tende a ser insuficiente, melhor parece ser a posição de Tepedino (1999) e Fiuza (2006) que consideram os direitos da personalidade uma cláusula geral de Tutela e promoção da personalidade.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Vê-se, portanto, que os autores classificam os direitos da personalidade de diversas formas e que esta classificação serve para facilitar a dogmática desses direitos, não podendo ter o condão de engessar a categoria dos direitos da personalidade que deve ser aberta.
Dado o princípio da dignidade da pessoa humana e a constante evolução da sociedade, os direitos da personalidade devem ser guardados como forma de se efetivar e promover a pessoa humana. O fechamento dos direitos da personalidade em uma classificação única tende a dificultar a proteção do homem.
O microssitema do biodireito, por exemplo, tem apresentado diversas soluções aos novos anseios da sociedade moderna que podem ser fundamentados nos direitos da personalidade, como é o caso dos transexuais que realizam operação de redesignação de sexo e requerem a mudança do sexo em seu registro de nascimento. Não há como categorizar a qual ou quais direitos do personalidades está o direito dessas pessoas de ter o seu sexo civil correspondente ao seu sexo psicológico e físico. Por outro lado, também, não há como classificar a qual ou quais direitos das personalidade está o direito de terceiro de boa-fé a ter acesso a informação que o transexual teve o seu sexo civil alterado. A proteção da personalidade deve ser ampla, tutelando e promovendo o ser humano, não sendo necessária a categorização de qual faceta da personalidade se está protegendo.
Informações Sobre o Autor
Juliana Evangelista de Almeida
Doutoranda em Direito Privado pela PUC Minas. Professora de Direito Civil e Empresarial da FACHI-FUNCESI. Coordenadora de TCC da FACHI-FUNCESI. Membro do Colegiado da FACHI-FUNCESI. Membro do NDE da FACHI-FUNCESI. Professora de Direito Civil da Nova Faculdade.