Resumo: O presente estudo trata da tributação no Estado Democrático de Direito, paradigma no qual são analisados os impostos federais como o IR, IPI, IOF, ITR dentre outros. Busca-se formar uma opinião crítica acerca de tal tema de Direito Tributário.
Sumário: 1. Introdução 2. Tributação no Estado Democrático de Direito 3. Impostos federais em espécie.
I – INTRODUÇÃO
O propósito do presente estudo é analisar o perfil de cada um dos impostos atribuídos à competência tributária da União (impostos federais), valendo-nos de uma visão de mundo (paradigma) do Estado Democrático de Direito, o qual exige que até mesmo a tributação se conforme aos valores esposados pelo texto constitucional, dentre os quais se inclui a capacidade contributiva, a legalidade, o princípio republicano e democrático, o princípio federativo, dentre inúmeros outros, que não têm sua produção de efeitos alijada do subsistema tributário. Os princípios constitucionais, consequentemente, desempenharão papel central na especulação e construção destas exações federais.
Inicialmente serão trabalhadas algumas noções prévias necessárias ao arsenal teórico com o qual enfrentaremos o tema, como, por exemplo, a legitimidade da tributação no paradigma do Estado Democrático de Direito. Também merecem ser trabalhadas previamente as espécies tributárias, o que permite o delineamento de nosso estudo, qual seja, os impostos federais, que são uma das espécies tributárias prevista pelo nosso ordenamento jurídico, ao lado de outras exações cujo conjunto é referente ao gênero “tributo”. Além desses assuntos, outros também serão abordados antes da análise dos impostos federais propriamente ditos, com o que buscamos um arcabouço teórico suficiente para uma compreensão mais clara do tema que nos propomos a analisar.
O ponto principal, ou seja, nosso objetivo primordial com tudo isso, é traçar a regra-matriz de incidência dos impostos federais. Contudo, obviamente, dado as dimensões deste trabalho, não conseguiremos atingir conclusões exaustivas, mas, como o próprio título do presente trabalho nos diz, somente breve apontamentos, que, conquanto breves, confiram uma visão bastante para que o leitor, com base neste texto, possa desenvolver uma visão crítica de cada imposto federal, baseada em princípios jurídicos e em um paradigma contemporâneo, de modo a não ficar preso a lugares comuns nem à uma compreensão acrítica da jurisprudência pátria.
Ciente de nossas limitações, segue nossa humilde contribuição ao tema que, intrinsecamente ligado à autonomia privada e a liberdade do cidadão (pois, os tributos são uma agressão à esfera patrimonial privada), hoje, merece ter uma leitura principiológica como todos os demais ramos do Direito.
II – TRIBUTAÇÃO NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
1. Legitimidade do Poder de tributar e a disciplina jurídico-tributária no Estado Constitucional Democrático (relação jurídica)
Poder é uma noção de difícil delineamento, sendo cercado de incertezas. Normalmente, é apontado como referência à alguns termos: dominação, força, superioridade, autoridade, influência, soberania, império. Na verdade, o poder é fato da vida social, é fenômeno sociocultural que se baseia tanto na força como na crença, crença na necessidade de obedecer aos governantes (detentores do poder político). A noção pode ser apontada como “a capacidade de impor a própria vontade numa relação social” ou a “possibilidade de eficazmente impor aos outros o respeito da própria conduta ou de traçar a conduta alheia”. Deste modo, temos que poder é algo que não se encontra nos lindes do Direito, não é algo jurídico, mas fático, é dado da realidade.
Por tais motivos, o poder não pode ser concebido como válido ou inválido, como se pudesse ser confrontado com alguma norma jurídica, mas legítimo ou ilegítimo, conforme esteja sendo exercido por aquele que, segundo a concepção adotada, seria o titular ou não do poder. Atualmente, o poder político é, em uma concepção democrática, titularizado pelo povo, nos exatos termos do art. 1, parágrafo único, da CF/88, verbis:
“Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”
Mas nem sempre foi assim. Devemos ter em mente que inexiste Estado sem poder, e isso porque o poder é um dos elementos que necessariamente compõem o Estado, que segundo doutrina corrente são: i) povo; ii) território e iii) governo soberano (poder).[1]
Pois bem, o Estado é entidade soberana. No plano internacional representa a nação em sua relação com as outras nações, e no plano interno tem o poder de governar todos os indivíduos que se encontrem em seu território. Logo, a soberania é um poder que não reconhece outro que lhe seja superior, e no exercício dessa soberania, ele exige que os indivíduos lhe forneçam os recursos de que necessita, podemos dizer: institui tributos. Desta forma, o poder de tributar nada mais é que um aspecto da soberania estatal, ou uma parcela desta, o que suscita uma análise de sua legitimidade.
Neste contexto, antes, a tributação era realizada de modo tirânico: o monarca, que reinvindicava a soberania para si, “criava” os tributos e os súditos deviam suportá-los, sem qualquer garantia ou possibilidade de resistência. No entanto, sua origem remota adveio da guerra, foi uma imposição do vencedor sobre o vencido, uma relação de escravidão, portanto. Como leciona Luciano Amaro:
“Tributo, como prestação pecuniária ou em bens, arrecadada pelo Estado ou pelo monarca, com vistas a atender aos gastos públicos e às despesas da coroa, é uma noção que se perde no tempo e que abrangeu desde os pagamentos, em dinheiro ou bens, exigidos pelos vencedores aos povos vencidos (à semelhança das modernas indenizações de guerra) até a cobrança perante os próprios súditos, ora sob o disfarce de donativos, ajudas, contribuições para o soberano, ora como um dever ou obrigação.”[2]
No transcorrer da história, desde os escritos de Aristóteles (A política), passando por Políbio (Histórias), depois Locke (Segundo tratado sobre o governo), Russeau e Montesquieu (Espírito das leis), sempre houve a preocupação de limitação do poder para a construção de um governo moderado, em que há um contraponto dentro do próprio exercício da soberania (poder soberano), de modo a mantê-la dentro de algumas balizas. Neste contexto, o constitucionalismo pode ser concebido como movimento ideológico e filosófico que prega a limitação do poder para a garantia de direitos, tendo reformulado, na evolução histórica, a concepção de Direito e de Estado, o que, impreterivelmente, haveria de repercutiu no Poder de Tributar.
Conforme foram sagrando-se vitoriosos os movimentos constitucionais, através do constitucionalismo clássico, constitucionalismo social e o neoconstitucionalismo, o Estado passou a ter novos fins, nova caracterização. De um Estado liberal (gendarme, nightwatcher, Rechtsstaat), passando por um Estado social (Welfare State), chegamos ao Estado Democrático de Direito (ou Estado Constitucional Democrático). A tributação também altera-se com a evolução do Estado, a exemplo das contribuições, que são tributos que somente se justificam na compreensão de um Estado Social intervencionista, em que há um agigantamento da máquina pública para propiciar prestações positivas aos cidadãos.
Neste diapasão, a justificação do Poder de Tributar passou a residir no consentimento dos cidadãos, por meio de seus representantes, o que se faz através de lei. É ínsito ao constitucionalismo clássico a consagração da lei (princípio da legalidade) como instrumento de garantia do cidadão frente ao Estado, passando a legalidade a constituir pedra fundamental da estruturação jurídica de todo aparato estatal. No direito norte-americano, a ideia é representada pelo brocardo “no taxation without representation” (não haverá cobrança de tributo sem representação), cuja representação remonta, exatamente, ao princípio da legalidade. Trata-se do que CARRAZZA[3] denomina de autotributação, que se manifesta: i) no consentimento das pessoas que devem suportar os tributos; ii) na vinculação da Administração Tributária à este consentimento, o qual é corporificado na lei. Isto é decorrência de nossos princípios republicano e democrático.
2. Relação jurídico-tributária no Estado Democrático de Direito, a competência tributária e sua delimitação pela Constituição
Pelo que foi dito acima, atualmente, a dívida de tributo estruturou-se como uma relação jurídica, na qual o dever de pagar tributo é estritamente regrado pela lei, ou seja, tributo é uma prestação que deve ser exigida nos termos previamente definidos pela lei, lei esta que é uma manifestação da vontade popular. Segundo Hugo de Brito Machado:
“Nos dias atuais, entretanto, já não é razoável admitir-se a relação tributária como relação de poder, e por isto mesmo devem ser rechaçadas as teses autoritaristas. A ideia de liberdade, que preside nos dias atuais a própria concepção do Estado, há de estar presente, sempre, também na relação de tributação.”[4]
É justamente nesta concepção que vem previsto no art. 3º, do CTN o conceito de tributo, o qual possui os seguintes elementos: a) prestação pecuniária compulsória; b) em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir (redundância)[5]; c) não constitua sanção de ato ilícito; d) instituída em lei; e) cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.
Pincelemos, por ser primordial para nossa análise, o elemento constante da letra “c”, que, na verdade, nada mais é do que expressão do princípio da legalidade. Este requisito do tributo (legalidade) garante segurança jurídica diante da tributação, uma vez que de nada adiantaria a Constituição haver protegido a propriedade privada (art. 5º, XXII, e 170, II, ambos da CF/88) se inexistisse garantia cabal e solene de que os tributos não seriam fixados ou alterados por outro ato que não fosse o exarado pela lei (ou força à ela equivalente). Além disso, é justamente a legalidade que preenche a exigência democrática da tributação, eis que somente por consentimento popular (legislativo) é que podem ser exigidos tributos (autotributação).
Mas não podemos nos limitar a uma análise superficial dessa questão, é preciso que aprofundemos um pouco mais a análise da legalidade tributária. Neste diapasão, podemos dizer que no paradigma do Estado Democrático de Direito a própria lei deve atentar aos princípios constitucionais, mormente os contidos no chamado “Estatuto do Contribuinte”[6], apelido carinhoso dado aos dispositivos que veiculam garantias do contribuinte frente o legislador, as quais, como reconhecido pelo STF, possuem até mesmo cláusula pétreas, que a “competência reformadora da constituição” (poder constituinte derivado) não pode tocar, estando aí a tônica do Estado Constitucional.
Normalmente o Estado de Direito é confundido com o Estado Constitucional (Estado Democrático de Direito), entretanto, isto é um equívoco. No Estado de Direito os atos do Executivo e do Judiciário estão submetidos ao princípio da legalidade, contudo, o Legislativo é livre para atuar, já que este princípio não pode ser aplicado, por imposição lógica, à legislação. Com efeito, se é a legislação que serve de parâmetro para atuação estatal, então, esta mesma legislação, por conseguinte, é livre. Em tais Estados (Estado de Direito), o absolutismo do rei é substituído pelo absolutismo do parlamento (supremacia do parlamento e não da constituição). Diferentemente, no Estado Constitucional, a constituição funciona como fundamento de validade de toda ordem jurídica, disciplinando não só a atuação do Executivo e Judiciário, como também do legislativo, vigendo, aí sim, a supremacia da constituição.
Destarte, no Estado Constitucional, o legislador encontra limites jurídicos nas normas constitucionais, as quais traçam o perfil de cada exação, de forma que a competência tributária é delimitada através da conjugação das normas que tratam especificamente de cada tributo com os princípios constitucionais, como o republicano, federativo, segurança jurídica, igualdade, anterioridade etc., além dos princípios específicos de cada tributo (ex. IR deve obedecer à anterioridade, generalidade, progressividade etc.). Daí podermos concluir, juntamente com CARRAZZA[7], que, no Brasil, por força de uma séria de disposições constitucionais, não há falar em poder tributário (incontrastável, absoluto), mas, tão somente, em competência tributária (regrada, disciplinada pelo Direito). Poder tributário tinha a Assembléia Constituinte, que era soberana. Ela realmente tinha um poder ilimitado pelo ordenamento vigente, inclusive em matéria tributária. Contudo, a partir do momento em que promulgada a constituição, o Poder Tributário retornou ao povo (detentor da soberania), restando aos poderes constituídos as competências tributárias.
3) Competência tributária e federalismo
A Constituição não institui tributo, pois não é seu papel descer a tais especificidades. A constituição é a Carta das competências tributárias, ou seja, é nela que encontramos autorização para que os entes públicos (União, Estados, DF e Município) instituam tributos e as condições para isso, inclusive, os princípios constitucionais tributários, os quais, tais como as regras, merecem igual respeito pelo legislador infraconstitucional.
No desenho constitucional os tributos são fonte importantíssima dos recursos financeiros de cada ente político, recursos estes indispensáveis para que façam frente ao seu dever social, conseqüentemente, o princípio federativo é indissociável das competências tributárias constitucionalmente estabelecidas. Isto porque referido princípio prevê a autonomia dos diversos entes integrantes da federação (União, Estados, DF e Municípios), autonomia esta que se consubstancia em: a) auto-governo (elegerem seus próprios governantes); b) auto-administração (administrarem-se a si próprios, regulando o regime de pessoal, os serviços públicos etc.); c) auto-legislação (elaborar suas próprias leis) e; d) autonomia econômico-financeira (receita própria). A exigência da autonomia econômico-financeira exige que sejam outorgados a cada ente político vários tributos de sua específica competência, para, por si próprios, instituírem o tributo e, assim, terem sua própria receita tributária. Antônio Roque Carrazza explica:
“Sendo autônomo, cada Estado deve, sem interferências (da União, de outros Estados, dos Municípios, do Distrito Federal, de autarquias, de grupos econômicos etc.), prover as necessidades de seu governo e administração. Para isto, a Constituição da República conferiu a cada um o direito de regular suas despesas e, conseguintemente, de instituir e arrecadar, em caráter privativo e exclusivo, os tributos que as atenderão.”[8]
Mas quais tributos cada ente público pode instituir em razão de sua autonomia econômico-financeira? Para que saibamos isso uma questão prévia se impõe, qual seja, o conhecimento de quais tributos existem no ordenamento jurídico brasileiro, o que nos remete às chamadas espécies tributárias, que tão grande celeuma gerou nos estudos do Direito Tributário.
3.1. Espécies tributárias
Tributo é gênero que comporta a divisão em espécies. A controvérsia sobre a classificação dos tributos em espécies fez com que surgissem quatro principais correntes a respeito do assunto: a primeira, dualista, bipartida ou bipartite, que afirma serem espécies tributárias os impostos e as taxas; a segunda, a tripartida, tricotômica ou tripartite, que os divide em impostos, taxas e contribuições de melhoria; a terceira, pentapartida ou quinquipartida, que à estes acrescenta os empréstimos compulsórios e as contribuições especiais previstas nos arts. 149 e 149-A, da CF/88; e, a última, a quadripartida, tetrapartida ou tetrapartite, que simplesmente junta todas as contribuições num só grupo, de forma que os tributos seriam impostos, taxas, contribuições e empréstimos compulsórios.
A Constituição Federal de 1988, chamada Constituição cidadã, dispõe em seu art. 145, que a União, Estados, o DF e os Municípios poderão instituir impostos, taxas e contribuições de melhoria e, ao mesmo tempo, atribui à lei complementar a definição dos tributos e suas espécies (art. 146, III, a, CF/88) . O CTN, por sua vez, prescreve em seu art. 5º, que os tributos são impostos, taxas e contribuição de melhoria, o que poderia nos levar ao entendimento de que o ordenamento jurídico brasileiro exige a concepção tripartite, deixando de lado as demais concepções, que se teria seu papel restringido à uma pendenga acadêmica. Entretanto, este tema não é tão simples como parece ao leitor mais desavisado, e tanto é assim que o próprio STF tem reconhecido a existência de mais de três espécies tributárias (RE n. 573.675, de 25/03/2009; 342.336, de 20/03/2007; AI n. 518.082, de 17/05/2005).
Na verdade, o problema remonta aos critérios classificatórios, especificamente em encontrarmos quais os critérios mais adequados e, ainda, se existe uma imposição legal ou constitucional quanto à eleição destes critérios. Isto porque, conforme adotemos um critério (vinculação ou não do fato gerador) teremos determinadas espécies (imposto e taxas apenas), caso adotemos mais de um critério (base de cálculo, destinação do produto da arrecadação ou restituibilidade) teremos outras espécies tributárias.
Classificar consiste em distribuir vários objetos em determinadas classes, segundo suas características comuns ou diferentes, de acordo com os critérios eleitos pelo classificador. Assim, poderemos dizer que aqueles objetos que são reunidos sob determinada classe possuem pontos comuns entre si, todavia, além disso, cada classe também possui pontos comuns com as demais classes, para que possam compor um gênero; sendo assim, é a diferença específica dos objetos que os habilitam a serem distinguidos dos demais através das diversas classes.
Há quem diga que as classificações são, de certa forma, arbitrárias, podendo ser encaradas sob o ângulo: mais úteis ou menos úteis. Isso porque dependem do número de critérios adotados pelo intérprete (classificador). Desta forma, para a questão analisada, a classificação poderia ser bipartida ou pentapartida conforme se adote um critério ou vários critérios classificatórios. Entretanto, em se tratando da Ciência Jurídica, as classificações devem ensejar tantas classes quantos sejam os regimes jurídicos estabelecidos para cada tipo de espécie, de modo que as classificações, no Direito, são utilizadas para apreensão de fenômenos normativos que se submetem a regimes jurídicos distintos.
Geralda Ataliba[9] adota a posição bipartida, classificando os tributos em duas espécies: i) tributos vinculados; ii) tributos não-vinculados a uma atuação estatal, o que toma como critério a circunstância da materialidade da hipótese de incidência ser uma atuação estatal ou um fato qualquer que não configurasse atuação estatal. Dessa forma, sempre que inexistir este vínculo com a atuação estatal teríamos um imposto, enquanto que, se tal vínculo existir, estaremos diante de uma taxa ou contribuição. Por sua vez, a distinção entre taxa e contribuição estaria em que as taxas teriam como base imponível uma “dimensão da atuação estatal”, ao passo que na contribuição a base imponível seria designada por lei e correspondente à “uma medida (um aspecto dimensível) do elemento intermediário, posto como causa ou efeito da atuação estatal.”
Paulo de Barros Carvalhos[10] aponta como critérios: hipótese de incidência e base de cálculo. Da associação dos dois critérios é que teríamos revelada a espécie de tributo. Utiliza, para tanto, uma interpretação sistemática juntamente com o disposto no art. 145, § 2º e 154, ambos da CF, além de se referir à impropriedade do texto da lei, já que o art. 4º, do CTN, estaria equivocado em simplificar a análise da tipologia tributária apenas com base na hipótese de incidência, já que os dispositivos constitucionais apontados levariam a outra solução. Assim, referido autor utiliza a classificação de tributos em vinculados e não-vinculados, aliada à uma vinculação direta (taxas) ou indireta (contribuições de melhoria) da hipótese de incidência com uma atuosidade estatal, de modo que conclui serem 3 (três) as espécies tributárias (tripartite). Destarte, os empréstimos compulsórios e demais contribuições poderiam ser reconduzidos à espécie de imposto, taxas ou contribuição de melhoria, conforme o caso. Ricardo Alexandre também considera ser tecnicamente superior a concepção tripartite.
Luciano Amaro critica a classificação empreendida pelo CTN, ensinando que existem espécies tributárias que não se enquadram como imposto, taxa ou contribuição de melhoria, o que teria sido legalmente reconhecido pelo art. 217, do CTN, incluído pelo Dec-Lei nº 27/66, quando reconhece outros tipos tributários. Desta forma, o autor conclui ser insuficiente o critério do art. 4º do CTN, e adota a concepção tetrapartida (impostos, taxas, contribuições e empréstimos compulsórios). Hugo de Brito Machado também entende serem quatro as espécies tributárias, já que o empréstimo compulsório, para ele, não seria um tributo, mas uma figura que teria uma natureza jurídica própria.[11]
Por sua vez, Ives Gandra da Silva Martins[12] adota posição quinquipartida: impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições especiais.
De todo esse apanhado doutrinário, podemos, então, identificar três critérios classificatórios: a) existir na hipótese de incidência um vínculo entre o fato descrito e uma atuação do Estado – tributos vinculados e não-vinculados à uma atuação do Poder Público; b) destinação do produto da arrecadação; c) restituibilidade.
O problema está em que a classificação legal (tripartite) não comporta os tributos que existem em nosso sistema. A interpretação sistemática da constituição nos leva a concluir por uma classificação pentapartida, em que existem impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições (sociais, interesse de categorias econômicas ou profissionais, intervenção no domínio econômico), pois somente assim é que será possível conferir racionalidade lógica ao sistema tributário vigente, em que vicejam ao lado dos impostos, taxa e contribuições de melhoria, as contribuições previdenciárias, contribuições de intervenção no domínio econômico (CIDE etc.), contribuição sociais como CSLL, COFINS, etc. Adotada a concepção tripartite ou bipartida tais tributos não teriam viabilidade constitucional de existirem.
Veja-se no caso da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquito. Seu fato gerador não serve para distingui-la do IRPJ (Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas), de modo que a diferença está no nome e na destinação do produto da arrecadação. Como a CSLL não é um tributo vinculado, esbarraria em uma afronta ao art. 154, I, CF/88, que veda a instituição de imposto com mesma base de cálculo ou fato gerador dos impostos já previstos pelo texto constitucional. Por outro lado, adotando-se a concepção pentapartida, por não ser a CSLL um imposto, não há óbice constitucional à sua manutenção no sistema jurídico.[13]
Outro exemplo nos é dado pela Contribuição para Custeio de Iluminação Pública (COSIP). Essa contribuição foi incluída no art. 149-A da CF/88 por obra da Ec nº 39/02, para fazer as vezes das Taxas de Iluminação Pública, cuja inconstitucionalidade foi reconhecida pelo Poder Judiciário conforme súmula 670, do STF[14]. Se adotada a concepção tripartite, mesmo sendo prevista constitucionalmente, por existir uma atuação estatal em sua hipótese de incidência (serviço de iluminação pública) o tributo necessariamente teria natureza de taxa. Contudo, em razão de tal serviço não ser específico e divisível, persistiria a inconstitucionalidade, agora da Emenda Constitucional, por ofensa à limitação constitucional à competência tributária e a garantia individual do contribuinte consistente na impossibilidade de cobrança de taxa destinada especificamente a custear serviço público não específico e indivisível. Os serviços inespecíficos e indivisívels, por imposição constitucional, devem ser custeados por meio de impostos (art. 167, IV, CF), eis que é esta espécie tributária que se destina à obtenção de recursos para o custeio geral do Estado. Adotando-se uma teoria pentapartida, não há inconstitucionalidade, pois as contribuições podem ter destinação específica para o produto de sua arrecadação.
3.2. Competência para instituição dos tributos no Estado Federal brasileiro – a conformação da autonomia econômico-financeira
Feita esta breve digressão a respeito das espécies tributárias para assentar as premissas necessárias para o próximo passo de nosso estudo, temos que o rol de tributos existentes em nosso Sistema Tributário Nacional é taxativo (numerus clausus), de modo que os entes federativos somente podem instituir os impostos e as contribuições que lhe foram expressamente outorgados pela CF/88 (STF RE. 573.540, de 14/04/2010).
Na conformação da autonomia econômico-financeira dos entes políticos, as taxas e contribuições de melhoria podem ser criadas por qualquer um dos entes integrantes da federação, desde que sua hipótese de incidência refira-se a sua própria atuação estatal e, como é óbvio, respeitados os limites constitucionais e do CTN atinentes à sua instituição. Em sentido diametralmente oposto, as contribuições competem exclusivamente à União, salvo algumas exceções como o disposto no § 1º, do art. 149, CF/88 (que autoriza os Estados, DF e Municípios a instituírem contribuição cobrada de seus servidores, para custeio, em benefício destes, de sistema previdenciário e de assistência social) e o disposto no art. 149-A, da CF/88, que autoriza os municípios a instituírem contribuição para o custeio de iluminação pública.
Por outro lado, os impostos são repartidos cuidadosamente e de forma exaustiva entre os diversos entes federativos (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios), tendo em vista a exigência constitucional de autonomia econômico-financeira. Assim, os impostos foram enumerados nominalmente pelo contribuinte, como quem pretende constituir em bases sólidas uma estrutura independente, indicando a cada uma das pessoas políticas quais os impostos que lhe compete estabelecer, o que, como já assentado por mais de uma vez, é decorrência do próprio princípio federativo.
Neste desenho constitucional de autonomia dos diversos entes, coube à União a maior parte deles. Isso seguiu uma linha comum de raciocínio do constituinte originário, já que, por razões que não vem ao caso detalhar, a opção constitucional é claramente e sabidamente a de uma concentração de atribuições nas mãos do ente federativo central (União). Enquanto os Estados-membros e Municípios possuem, cada qual, três impostos[15], a União possui um vasto catálogo de imposto previstos no art. 153 da CF/88, além de também lhe ser atribuída a competência residual em matéria tributária assim como a competência extraordinária para instituir “impostos de guerra”.
É objetivo deste trabalho o estudo de todos os impostos federais. Não obstante isso, ainda nos resta tecer algumas considerações sobre como a instituição dos impostos se dá, sem o que, qualquer análise ficaria capenga, por carecer do substrato acerca das normas de estrutura sobre cada exação, o que, traria problemas ao raciocínio. Por esses motivos, passaremos, agora, a analisar a instituição dos impostos dentro do Sistema Tributária Nacional.
4. Instituição do tributo: o papel da lei complementar e a regra-matriz de incidência
Instituir tributo significa editar a norma jurídico-tributária que, em razão do princípio da legalidade estrita previsto pelo art. 150, CF/88, deve traçar todos os elementos necessários para identificação do fato gerador, do sujeito passivo, o valor a ser pago, etc. (princípio da tipicidade tributária). À tal norma jurídica dá-se o nome de regra-matriz de incidência, que é a norma jurídico-tributária que institui o tributo em todos os seus termos. Essa nomeclatura contribui para clareza do pensamento, na media em que serve para diferenciá-la de outras normas jurídicas que cuidam da fiscalização tributária, dos deveres instrumentais, previsão de multas e consectários dos tributos etc.
Essa regra-matriz de incidência pode ser veiculada de três modos: a) através de Lei Complementar (empréstimos compulsórios, competência residual da União) que tira fundamento de validade diretamente da CF/88; b) lei ordinária que tira seu fundamento de validade diretamente da CF/88 (contribuições previdenciárias previstas pelo art. 195, CF/88); c) ou por lei ordinária que observe as normas gerais em matéria tributária prevista por Lei Complementar. Isto porque, segundo a concepção tricotômica, amplamente majoritária, à Lei Complementar cabe: a) regular as limitações ao poder de tributar; b) dispor sobre conflitos de competência; c) estatuir normas gerais em matéria tributária, sendo que, dentre essas normas gerais, se inclui, em relação aos impostos, a definição de seu fato gerador, base de cálculo e contribuintes (art. 146, inc. III, alínea “a”, da CF/88).
A norma geral em matéria tributária, como todos sabem, é o CTN, que embora tenha sido editado como lei ordinária, foi recepcionado pela CF/88 com status de Lei Complementar[16].
4.1. Regra-matriz de incidência
Já dissemos que a regra-matriz de incidência é a norma jurídica que institui o imposto em todos os seus termos. Para esclarecer melhor a compostura desse conceito, nada melhor do que as palavras de Paulo de Barros Carvalho:
“Classificar realidades que descreve é um afã do trabalho científico, no sentido de transmitir, com explicitude, os conhecimentos relativos ao seu objeto. Muitas fórmulas classificatórias podem ser propostas para facilitar o entendimento das normas jurídicas tributárias. Uma, por exemplo, é aquela que as considera em função do tipo de ato que as insere no sistema. Teríamos, assim, normas tributárias constitucionais, complementares, ordinárias, delegadas, veiculadas por medida provisória, previstas em decretos legislativos, estabelecidas em resoluções e normas tributárias constantes de atos infralegais (decretos, instruções, portarias etc.).
Outro critério focaliza as regras jurídicas tributárias pelo ângulo do grupo institucional a que pertencem, separando-as em três classes:
a) normas que demarcam princípios, concebidos para dar os limites da virtualidade legislativa no campo tributário;
b) normas que definem a incidência do tributo, equivale a dizer, descrevem fatos e estipulam os sujeitos da relação, como também os termos determinativos da dívida (norma-padrão de incidência ou regra-matriz da incidência tributária)…
c) normas que fixam outras providências administrativas para operatividade do tributo, tais como as de lançamento, recolhimento, configuração de deveres instrumentais e relativas à fiscalização….
Deveras, são numerosos os postulados que regem a atividade impositiva do Estado, praticamente todos inscritos, expressa ou de modo implícito, na Constituição. Igualmente abundantes as regras tributárias que envolvem a instituição do gravame, tornando possível sua existência como instrumento efetivo de desempenho do poder político, social e econômico-financeiro. Todavia, são poucas, individualizadas e especialíssimas as regras-matrizes de incidência dos tributos. Em princípio, há somente uma para cada figura tributária, acompanhada por uma infinidade daquelas que poderíamos nominar de operativas ou funcionais (lançamento, recolhimento, deveres instrumentais, fiscalização, prazos etc.).
Baseados nessa verificação empírica, nada mais congruente do que designar por norma tributária em sentido estrito àquela que marca o núcleo do tributo, isto é, a regra-matriz da incidência fiscal, e de normas tributárias em sentido amplo a todas as demais.”[17]
Essa norma jurídico-tributária em sentido estrito pode ser decomposta para sua compreensão, para que haja simplificação da análise do tributo, de forma que, na inteireza da norma instituidora do tributo existe a hipótese (suposto ou antecedente), a que se conjuga um mandamento (consequência, estatuição), sendo que conjugação de ambos se dá através do “dever ser” (conectivo deôntico).
A hipótese alude à um fato e o mandamento prescreve os efeitos jurídicos que este acontecimento irá propagar, qual seja, o pagamento do tributo. Assim, realizado o fato descrito no antecedente, instaura-se a conseqüência, de modo automático e infalível, que prescreve o pagamento do tributo. No entanto, para estudo, a hipótese e o consequente são subdivididos em vários critérios que permitem aprofundar a análise da exação, pois é exatamente essa a missão da regra-matriz, como colhemos do escólio de Paulo de Barros Carvalho que diz que “Seu emprego, sobre ser fácil, é extremamente operativo e prático, permitindo, quase de forma imediata, penetrarmos na secreta intimidade da essência normativa, devassando-a e analisendo-a de maneira minuciosa”[18].
Na hipótese estará a descrição de uma situação objetiva real, sendo esta hipótese subdividida em: a) critério material; b) critério temporal; c) critério espacial. No critério material haverá um comportamento de pessoas físicas ou jurídicas, condicionado por circunstâncias de tempo e espaço. Abstraímos primeiro as cincunstancias temporais e espaciais, teremos, no critério material, a conduta tributada. Já o critério espacial, por sua vez, traz expresso o local onde a conduta deve ocorrer para que haja incidência tributária e, por fim, o momento em que se considera ocorrida tal conduta, gerando a incidência e o dever de pagar tributo, é designado por critério temporal.
No consequente (prescritor), encontraremos a descrição abstrata de como se estruturará a relação jurídico tributária que tem como objeto o pagamento do tributo. Pois bem, toda relação jurídica deve possuir os sujeitos ligado por um vínculo jurídico em torno de um objeto. É exatamente desses elementos que são extraídos os critérios do consequente, senão vejamos: a) critério pessoal designa os sujeitos ativo (credor) e passivo (devedor); b) critério quantitativo designa o objeto da relação jurídico, que, no caso, só pode ser o pagamento de uma importância em dinheiro, de modo que, para ser calculada, impreterivelmente deverá mencionar uma base de cálculo e uma alíquota. Portanto, são encontrados o credor e o devedor, ligados à uma prestação pecuniária em razão do vínculo jurídico-tributário, eis o desenho do consequente.
Vejamos um exemplo disso:
Hipótese: a) critério material: ser proprietário de bem imóvel;
b) critério espacial: no perímetro urbano do Município de Montes Claros/MG;
c) critério temporal: no dia 1 do ano;
Conseqüente: a) critério pessoal: Município como credor e proprietário do imóvel como devedor;
b) critério quantitativo: base de cálculo é o valor venal do imóvel; alíquota é 1%
Por fim, nos resta registrar que esta decomposição da regra-matriz é um método de indagação do fenômeno tributário, que busca ser uma fórmula simplificadora para análise dos tributos e, de fato, tem sido instrumento fecundo na seara tributária, sendo erguido sobre fundamentos sólidos e consistentes de uma visão reflexiva, de cunho filosófico, com chancela da autoridade de renomados teóricos da Ciência do Direito.
4.2. Análise da constitucionalidade da regra-matriz
Construída a norma, resta saber se ela é condizente com eventual lei complementar de normas gerais (CTN) e se é constitucional. Isto porque a constituição delimita os limites até onde é possível ao legislador exercitar sua competência tributária. Roque Antônio Carrazza ensina que:
“É evidente que a lei ordinária que cria, in abstrato, o tributo só é lídima na medida em que consoa com os superiores preceitos constitucionais, máxime com a norma-padrão de incidência de cada uma das exações. Mas, daí a entendermos que o tributo nasce no seio da própria Constituição, vai uma distância insuperável….
A Constituição, ao discriminar as competências tributárias, estabeleceu – ainda que, por vezes, de modo implícito e com uma certa margem de liberdade para o legislador – a norma-padrão de incidência (o arquétipo, a regra-matriz) de cada exação. Noutros termos, ela apontou a hipótese de incidência possível, o sujeito ativo possível, o sujeito passivo possível, a base de cálculo possível e a alíquota possível, das várias espécies e subespécies de tributos. Em síntese, o legislador, ao exercitar a competência tributária, deverá ser fiel à norma-padrão de incidência do tributo, pré-traçada na Constituição. O legislador (federal, estadual, municipal ou distrital), enquanto cria o tributo, não pode fugir deste arquétipo constitucional.
Portanto, o Constituinte estabeleceu, de modo peremptório, alguns enunciados que necessariamente deverão compor as normas jurídicas instituidoras dos tributos. Estes enunciados formam o mínimo necessário (o átomo), de cada tributo. São ponto de partida inafastável do processo de criação in abstracto dos tributos.”[19]
Por oportuno, citamos o art. 110, do CTN, que prevê:
“Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.”
Quando o constituinte adota determinado instituto de direito privado na regra que atribui ou limita a competência tributária, imagina tal instituto conforme conhecido e definido no Direito Civil. Admitir que o legislador tributário altere um conceito de direito privado do qual o constituinte fez uso na definição ou limitação de competência tributária seria legitimar a mudança da Constituição por norma infraconstitucional.
Assim, se o legislador tributário editar norma em que se afirma que “para efeitos de cobrança do IPTU considera-se propriedade…”, e continua a sentença dando uma definição de propriedade diferente da lição de Direito Civil, não estará simplesmente mudando um conceito, mas agredindo a Constituição. Se for ampliada incidência do IR para fatos que não se caracterizam como percepção de renda, também haverá inconstitucionalidade.
Se admitirmos a alteração dos conceitos utilizados pela Constituição para delimitar a competência tributária, toda Magna Carta poderia ser alterada pelo legislador, independentemente de emenda constitucional.
O STF já se manifestou sobre a questão. A CF/88, no art. 195 inciso I (redação anterior à EC nº 20/98) previa a contribuição social sobre o faturamento, mas não fazia referência à receita. Faturamento é a receita decorrente da venda de mercadorias ou de prestação de serviços (operações sujeitas à fatura). Desta forma, somente poderiam ser tributadas empresas que trabalhassem com compra e venda de mercadorias ou serviços, não estando enquadrados nesse conceito, por exemplo, os juros e as instituições financeiras. Todavia, a legislação do PIS e da COFINS (contribuições para Seguridade Social) alargou o conceito de faturamento para incluir em seu plexo a receita, que é conceito mais amplo que faturamento. Como se disse o STF, por meio do RE 410.691, DE 2006, afastou a cobrança de tais tributos nas hipóteses em que não havia faturamento, mas somente receitas outras, ante sua flagrante inconstitucionalidade (RE nº 357.950, RE 346084, RE 527602/SP de 05.08.2009).
III – IMPOSTOS FEDERAIS EM ESPÉCIE
1. Crítica à classificação dos impostos segundo o CTN e a conveniência didática em classificá-los segundo a competência dos entes políticos
A classificação empreendida nos capítulos do título III, do CTN, considera o conteúdo material que há de integrar o núcleo das respectivas hipóteses normativas, são eles:
a) impostos que gravam o comércio exterior atribuídos à União: II e IE;
b) impostos sobre o patrimônio e a renda: ITR, IPTU, ITBI, ITCMD (incluído no ITBI), IR;
c) impostos sobre a transmissão, circulação e produção:IPI, ICMS, IOF, ISS;
Na verdade, embora o CTN tenha considerado o “objeto tributado” como critério classificatório, temos que os impostos sempre gravam manifestações de riqueza (situações reveladoras de capacidade contributiva) tomadas em vários momentos: a) no momento em que a riqueza ingressa no patrimônio do beneficiário (IR); b) quando a riqueza é gasta (os que oneram o consumo ou a circulação da riqueza); c) enquanto a riqueza permanece no interior do patrimônio do contribuinte (impostos sobre o patrimônio). Além disso, os impostos sobre transmissão de imóveis, segundo o CTN, são classificados como impostos sobre o patrimônio, enquanto os de transmissão de bens móveis são batizados como impostos de circulação. Não há lógica nessa distinção, pois num caso temos patrimônio imobiliário e no outro patrimônio mobiliário, ou seja, em ambos os casos existe patrimônio em circulação, de modo que não se justifica a sua separação em rubricas diversas.
Destarte, a classificação do CTN desfruta de pouco prestígio na doutrina e no próprio STF[20]. Já se discutiu se ela teria relevância para determinar o alcance da imunidade prevista pelo art. 150, VI, a e c, da CF/88, as quais mencionam expressamente a vedação em instituir imposto sobre patrimônio, renda ou serviços, entretanto, o STF desconsiderou a classificação do CTN para dar maior amplitude a tais imunidades, de modo a abranger qualquer imposto (RE 203.755).
Entendemos ser de bom alvitre, para efeitos didáticos, classificar os tributos em federais, estaduais e municipais, uma vez que assim haverá maior clareza na exposição e estaremos acompanhando o traçado previsto pela CF/88, que arrola os impostos segundo a competência dos entes políticos, iniciando pelos federais, depois os estaduais e, finalmente, os municipais.[21]
2. Outras classificações necessárias à análise dos tributos
Antes de partirmos para os impostos propriamente ditos, faz-se mister a compreensão, ao menos, de dois pontos importantes a classificação dos impostos em diretos/indiretos e em fiscais/extrafiscais.
2.1. Impostos diretos e indiretos
O critério aqui é a repercussão do encargo econômico-financeiro do imposto sobre terceira pessoa alheia à relação jurídico-tributária, ou seja, o sujeito passivo definido em lei. Daí porque também podemos nos referir à eles como impostos que repercutem (indiretos) e impostos que não repercutem (diretos).
Impostos diretos são aqueles em que tal repercussão inexiste, enquanto que nos indiretos há tal repercussão. Exemplifiquemos:
a) ICMS é um imposto indireto. O comerciante, que realiza o fato gerador do tributo (circulação de mercadoria) e é colocado como sujeito passivo (quem deve pagar o imposto), não suporta o encargo econômico-financeiro, ele o repassa ao consumidor; o valor do tributo está embutido no preço da mercadoria.
Daí também decorre a classificação entre contribuinte de direito (o comerciante), e contribuinte de fato (o consumidor).
b) IR é um imposto direto. A pessoa que realiza o fato gerador (aufere renda) é colocada como sujeito passivo (quem deve pagar o imposto), e é ela que suporta o encargo econômico-financeiro do tributo. Não podemos falar aqui em contribuinte de fato e de direito.
2.2. Impostos fiscais e extrafiscais
Essa classificação considera a finalidade do imposto. São fiscais os impostos que visam a arrecadar recursos para o Estado, ao passo que, são extrafiscais os impostos que objetivam intervir no âmbito social ou econômico (ex. IPI sobre o cigarro, a alíquota é elevada com o objetivo de inibir o uso).
3. Imposto de Importação
3.1. Função
É um imposto extrafiscal, tendo como finalidade intervir na economia para proteger a industria nacional, embora também gere receita para a União (em torno de 5% da arrecadação dos últimos 5 anos).
Com efeito, se inexistisse tal tributo a economia nacional poderia ficar comprometida, haja vista que produtos advindos de países desenvolvidos que subsidiam sua produção, ou de outros em que os encargos trabalhistas praticamente inexistem, sufocariam as industrias nacionais. O imposto objetiva elevar o preço final dos produtos importados, de modo a tornar competitivo os produtos nacionais.
3.2. Aspectos constitucionais
O imposto de importação também é conhecido como Tarifa Aduaneira. A competência para sua instituição vem previstas pelo art. 153, I, CF/88, que prevê que compete à União instituir impostos sobre importação de produtos estrangeiros.
Seu delineamento constitucional permite que o Poder Executivo altere as suas alíquotas, desde que atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei. Temos também que tal imposto não se submete aos princípios da anterioridade ou da noventena (art. 150, § 1º, CF/88), de modo que o aumento do imposto pode gerar efeitos imediatos.
A base econômica a ser tributada refere-se à entrada no território nacional, para incorporação à economia interna, de bem destinado ou não ao comércio, produzido fora do território nacional.[22] Essa base econômica merece ser destrinchada para melhor entendimento, vejamos.
A incorporação à economia interna determina que não basta o simples ingresso físico do produto no território nacional, além disso, é preciso que o bem entre no território nacional para incorporação à economia interna, sem o que não teremos, propriamente, importação. Já quando a Constituição fala em produto (produzido pela natureza ou atividade humana), ela se refere ao termo amplo, que abrande o conceito de mercadoria (base do ICMS). Portanto, produto é toda coisa móvel corpórea, seja produzido pela natureza ou pela ação humana.[23] Por fim, quando falamos em estrangeiro, devemos entender que produto deve advir de outro país, nele tendo sido produzido pela natureza ou pela ação humana, de modo que não são tributárias bens nacionais reimportados.
3.3. Normas gerais e sua regra-matriz
a) Critério Material
Suas normas gerais do imposto são encontradas nos artigos 19 à 22, do CTN, as quais devem guardar compatibilidade com a CF/88. O art. 19, do CTN, prevê:
“Art. 19. O imposto de competência da União, sobre a importação de produtos estrangeiros tem como fato gerador a entradas destes no território nacional.”
O art. 19 merece uma leitura conforme a constituição (interpretação conforme), de modo a atentar para os aspectos acima indicados quando tratamos de sua base econômica. A Lei Complementar não pode ampliar a competência delineada constitucionalmente, se maneira que a hipótese só pode se referir ao ingresso do bem pelas fronteiras brasileiras, para industrialização, comércio ou consumo pátrios, ou seja, incorporação à economia interna.
Tanto o CTN como a CF/88 usa o termo “produto”, de modo a abranger a possibilidade de tributação de toda a sua base econômica, acima delineada. Todavia, o CTN não institui o tributo, papel esse que cabe ao legislador ordinário, no traçado de sua regra-matriz de incidência. Vejamos o art. 1º do DL nº 37/66, que institui a regra-matriz:
“Art.1º – O Imposto sobre a Importação incide sobre mercadoria estrangeira e tem como fato gerador sua entrada no Território Nacional. (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 2.472, de 01/09/1988)”
O legislador ordinário fala em mercadoria, que é conceito mais restrito do que produto. Embora pudesse ter instituído o imposto de modo a alcançar qualquer produto, limitou-se a prever como aspecto material da hipótese de incidência a entrada de mercadoria. Ora, isso não pode ser interpretado como um equívoco, haja vista que quando o legislador pretendeu alcançar o conceito de produto ele o fez expressamente, como no art. 10 deste mesmo Decreto-Lei. Disso decorre que os produtos que não se caracterizem como mercadoria encontram-se fora do âmbito de incidência do imposto de importação. Qualquer interpretação além disso é vergar o limite semântico do texto legal, ampliando até atingir sentido não comportado pelo texto, substituindo-se o legislador pelo intérprete. Portanto, o critério material só pode ser importar mercadorias estrangeiras, contudo, registremos que a jurisprudência não tem seguido tal orientação, conforme nos demonstra o REsp 392/RS, julgado pelo Superior Tribunal de Justiça em abril/1995. Não obstante isso, o Supremo Tribunal Federal tem diferenciado os conceitos de produto e mercadoria (RE 79.951/SP, RE 203.075/DF e RE 215.125/SP), sendo também encontrada tal distinção nos votos dos Ministros do STJ (REsp 1.016.132/SP. Luiz Fux, DJ. 01.07.2009).
b) Critério Temporal
O critério temporal vem previsto no art. 23, do DL 37/66:
“Art. 23 – Quando se tratar de mercadoria despachada para consumo, considera-se ocorrido o fato gerador na data do registro, na repartição aduaneira, da declaração a que se refere o artigo 44.”
A regra geral é prevista pelo art. 44, que trata do despacho aduaneiro, que é feita com base em uma declaração, realizada eletronicamente, sendo condição para o ingresso do produto no território nacional. Portanto, o critério temporal é o momento do registro da declaração de importação par afins de desembaraço aduaneiro.
c) Critério espacial
Como o fato gerador sendo a entrada da mercadoria no território nacional, encontramos o critério espacial na definição território nacional, ficando excluídas do conceito de território pátrio o decorrente da extraterritorialidade (representações diplomáticas, aeronaves e embarcações brasileiras).
d) Critério quantitativo
A base de cálculo e regulada pelo art. 20, CTN, e arts. 2º do DL 37/66, podendo ser: a) específica quando considera a quantidade ou volume e multiplica-se por um valor em dinheiro; b) ad valorem se considera um percentual aplicado sobre o valor da importação. Por sua vez, o valor da importação não é aquele pelo qual foi realizado o negócio jurídico de que decorra a importação (compra e venda), mas o valor aduaneiro, que é o preço normal que o produto, ou seu similar, alcançaria ao tempo da importação, em uma venda em condições de livre concorrência, para entrega no porto ou no lugar de entrada do produto no país.
e) critério pessoal
O sujeito ativo do imposto é a União, e o sujeito passivo vem previsto por disposições do CTN conjuntamente com a legislação regedora do tributo, a qual deveremos considerar se quisermos revelar corretamente a compostura dessa exação.
Neste diapasão, as normas gerais vem previstas pelo art. 22, CTN, que prevê como sujeito passivo o importador ou quem a lei a ele equiparar. Por sua vez, o DL 37/66, que institui o tributo, traz o contribuinte no art. 31:
“Art.31 – É contribuinte do imposto: (Redação pelo Decreto-Lei nº 2.472, de 01/09/1988)
I – o importador, assim considerada qualquer pessoa que promova a entrada de mercadoria estrangeira no Território Nacional; (Redação pelo Decreto-Lei nº 2.472, de 01/09/1988)
II – o destinatário de remessa postal internacional indicado pelo respectivo remetente; (Redação pelo Decreto-Lei nº 2.472, de 01/09/1988)
III – o adquirente de mercadoria entrepostada.”
Os responsáveis também encontram-se elencados no art. 32, DL 32/66.
“Art . 32. É responsável pelo imposto: (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 2.472, de 01/09/1988)
I – o transportador, quando transportar mercadoria procedente do exterior ou sob controle aduaneiro, inclusive em percurso interno; (Incluído pelo Decreto-Lei nº 2.472, de 01/09/1988)
II – o depositário, assim considerada qualquer pessoa incubida da custódia de mercadoria sob controle aduaneiro. (Incluído pelo Decreto-Lei nº 2.472, de 01/09/1988)
Parágrafo único. É responsável solidário: .(Redação dada pela Medida Provisória nº 2158-35, de 2001)
I – o adquirente ou cessionário de mercadoria beneficiada com isenção ou redução do imposto; .(Redação dada pela Medida Provisória nº 2158-35, de 2001)
II – o representante, no País, do transportador estrangeiro; .(Redação dada pela Medida Provisória nº 2158-35, de 2001)
III – o adquirente de mercadoria de procedência estrangeira, no caso de importação realizada por sua conta e ordem, por intermédio de pessoa jurídica importadora. .(Redação dada pela Medida Provisória nº 2158-35, de 2001)
c) o adquirente de mercadoria de procedência estrangeira, no caso de importação realizada por sua conta e ordem, por intermédio de pessoa jurídica importadora; (Incluída pela Lei nº 11.281, de 2006)
d) o encomendante predeterminado que adquire mercadoria de procedência estrangeira de pessoa jurídica importadora. (Incluída pela Lei nº 11.281, de 2006)”
3.4. Algumas questões sobre o imposto
a) DRAWBACK
É forma de proteção da indústria nacional pela qual o produtor, quando exporta o produto acabado, é ressarcido do Imposto de Importação incidente sobre a própria importação de insumos de origem estrangeira. Assim, faculta-se ao importador obter a devolução dos tributos alfandegários pagos pela matéria-prima quando reexportada ou exportada.
4. Imposto de exportação
4.1. Função
Assim como o imposto de importação, o imposto de exportação também possui caráter extrafiscal, servindode instrumento para atuação da União no controle do comércio exterior. Tal função do imposto de exportação é pouco usada, uma vez que retira a competitividade do produto nacional no comércio internacional.
4.2. Aspectos constitucionais
Tal imposto é idêntico ao do Imposto de Importação quanto à alteração pelo Executivo de suas alíquotas e a não aplicação da anterioridade, já a competência para sua instituição vem prevista no inciso II, do art. 153, da CF/88, que refere-se à exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados.
A base econômica a ser tributada refere-se à saída do território nacional, para incorporação à economia interna de outro país, de produto nacional ou nacionalizado. De maneira inversa ao II, no IE não basta a saída do produto do território nacional, é necessário que tal saída se dê para incorporação do bem à economia interna de outro país, de modo que produtos que saem para exposições, ou, de qualquer outra forma, em regime de admissão temporária, não se sujeitam ao imposto.
4.3. Normas gerais e sua regra-matriz
As normas gerais são encontradas nos arts. 23 à 28, do CTN, enquanto que a norma instituidora da regra-matriz é o DL 1.578/77. Em síntese temos:
a) Critério Material: exportar produtos nacionais ou nacionalizados
b) Temporal: momento da expedição da guia de exportação ou documento equivalente, hoje, registro da importação no sistema eletrônico.
c) Espacial:território nacional, excluídas as exceções antes referidas.
d) Critério quantitativo: a) alíquota específica: base de cálculo: quantidade ou volume; alíquota: um valor em dinheiro
e) Critério Pessoal: exportador ou equiparado, sendo que o exportador é qualquer pessoa que promova a saída do produto do território nacional. (DL 1.578/77, art. 5º)
5. Imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza
5.1. Função
É concebido como um imposto de função fiscal, figurando como a o imposto de maior arrecadação federal (receita derivada da União). Contudo, também exerce uma importante função extrafiscal, nas exatas palavras de Hugo de Brito Machado, segundo o qual “o imposto de renda, embora tenha função predominantemente fiscal, tem também função extrafiscal altamente relevante”[24].
É comum apontar o IR como um imposto que proporciona a distribuição de renda (riqueza), uma vez que a exação é mais gravosa para aqueles que auferem maiores rendimentos (princípio da progressividade) e, de outro lado, aqueles que, em tese, mais usufruem serviços públicos como saúde, educação (SUS e escolas públicas) e, hoje, bolsa família, pagam um imposto de renda menor ou são isentos. Além dessa redistribuição de riqueza, podemos concluir juntamente com CARRAZZA[25] o IR pode ser posto a serviço de valores constitucionais em diversos outros casos.
Exemplo disso encontramos em projetos como SUDENE, SUDAM, SUCAM, que isentam do pagamento de IR, por determinado período, as empresas que se instalam em determinadas regiões do país ou nelas exercem atividades havidas por essenciais. Nesse caso, a isenção de IR promove o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico entre as diferentes regiões do país (art. 151, CF/88), o que vai ao encontro da previsão do art. 170, VII, CF/88, que enseja o objetivo estatal em reduzir as desigualdades regionais e sociais.
5.2. Aspectos constitucionais
A competência para sua instituição vem previstas pelo art. 153, III, CF/88, que autoriza a União a instituir imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza.
Seu delineamento constitucional impõe que o imposto seja informado pelos critérios da generalidade, universalidade e da progressividade (art. 153, 2, CF/88). Além disso, conquanto se sujeite à anterioridade do exercício financeiro, não se submete à noventena. Sua disciplina constitucional não se esgota somente na obediência desses dispositivos constitucionais expressos, motivo pelo qual, pela importância de tal imposto, é valiosa um análise mais detida de seus aspectos constitucionais. Examinemo-los.
Base econômica designa o fato signo-presuntivo de riqueza que é dado a tributação pela CF/88, é a grandeza econômica sobre a qual o Estado pode exigir o pagamento do imposto. No caso do IR a base econômica nos é dada pelo próprio art. 153, III, CF/88, especificamente pela extensão dos termos renda e proventos de qualquer natureza. O legislador somente pode ir até onde a competência constitucionalmente prevista lhe permite, no caso, até a extensão dos termos citados.
a) Renda – é o acréscimo patrimonial decorrente do capital, do trabalho ou da conjungação de ambos.
b) Proventos – são os demais acréscimos patrimoniais não incluídos no conceito de renda.
Acréscimos patrimoniais (riqueza nova) é conceito que pressupõe comparação, sendo um conceito dinâmico. Não se confunde com patrimônio, que estático (o IR não possui como base econômica “possuir patrimônio”). Para tal comparação é indispensável a noção de período, período esse ao término do qual fazemos a comparação para que possamos auferir o acréscimo patrimonial. Riqueza nova será aquela que não se confunde com a anteriormente existente, é o ganho que se verificou no período. Temos uma riqueza preexistente, as despesas efetivadas para aquisição de riqueza nova e o ingresso desse acréscimo patrimonial. Daí porque o conceito do acréscimo patrimonial (riqueza nova) pressupõe a análise das entradas e saídas de valores no patrimônio do contribuinte. Quaisquer limitações temporais ou quantitativas com relação às despesas e provisões devem guardar estrita compatibilidade com o conceito de renda e a capacidade contributiva do sujeito passivo, sob pena de serem inconstitucionais (tributação do patrimônio ou ofensa à capacidade contributiva). Se o acréscimo patrimonial é uma riqueza nova, somente é encontrado no que sobeja de todos os investimentos e despesas efetuados para a obtenção dessa riqueza nova, o que repercute em sua base de cálculo.
Portanto, o conceito legalista de que renda é o que a lei determinar não pode ser admitido, mesmo em razão do disposto no art. 110, do CTN. Ademais, a lei deve adequar-se à constituição, esta, com sua força normativa, deve criar balizar intocáveis pelo legislador para defesa do cidadão. Se a lei pudesse estipular o que a constituição diz, conseqüentemente, o legislador estaria livre dos termos constitucionais.
Desta forma, podemos concluir que renda ou proventos são os acréscimos de riqueza nova verificados em certo período. Tal base econômica vincula o legislador na instituição de sua regra-matriz ou na disposição sobre suas regras gerais (CTN).
5.3. Princípios constitucionais
a) Princípio da generalidade e universalidade
A generalidade diz respeito à sujeição passiva e determina que todas as pessoas, independentemente de qualquer condição, cor, raça, credor, sexo, estado civil, que realizem fatos alcançados pela base econômica do imposto devem sujeitar-se ao pagamento do imposto. Tal princípio impede que hajam discriminações ou privilégios tributários em razão de condições ou características pessoais do contribuinte.
Assim, o legislador somente poderá prever exceções a generalidade se destinadas a realizar a isonomia em consideração à capacidade contributiva. Somente podem ser concedidas isenções quando levam em conta objetivos constitucionalmente consagrados.
Por sua vez, a universalidade diz respeito à extensão da base de cálculo e dita que tudo que se enquadrar em renda e proventos deve ser alcançado pela tributação via IR, independentemente da denominação, localização, condição jurídica, nacionalidade da fonte ou sua origem. O imposto deve colher como hipótese de incidência e base de cálculo quaisquer rendas ou proventos auferidos pelo contribuinte, não sendo constitucional alijar determinada espécie de renda ou proventos do alcance da exação.
A totalidade das rendas percebidas devem ser consideradas como uma unidade, sem que haja distinções entre tipos de renda para efeito de tributação diferenciada. Todos os rendimentos auferidos devem se sujeitar ao mesmo tratamento fiscal. Assim, não se pode segregar a espécie de renda para sujeitar cada espécie à um tratamento particular, pelo contrário, a universalidade impõe que todas as rendas e proventos sejam tributadas da mesma forma. Ou seja, a tributação deve ser a mesma, independentemente da renda haver advindo do trabalho, aplicações financeiras, alugueis, sorte (loteria) ou circunstância fortuita (encontro de um tesouro).[26]
A apuração da base de cálculo, que deverá ocorrer em um dado instante (critério temporal), deve abranger o total de rendas e proventos que forem percebidos em determinado período fixado em lei (periodicidade) como necessário para se aferir a real capacidade contributiva dos sujeitos. Ou seja, a apuração da renda e proventos deve ser considerada de forma global por determinado período, que é anual (IRPF), como forma de obtermos a real capacidade contributiva.
Por fim, deixemos registrado que na doutrina não há uniformidade na utilização dos princípios da generalidade e universalidade, sendo que alguns autores os utilizam de forma oposta um pelo outro. Leandro Paulsen[27], Eduardo Sabbag[28], Mary Elbe Queiroz[29], Antônio Roque Carrazza[30] e pela CESPE na prova da OAB/SP realizada em 2008, acompanham o que dizemos, de outro lado, Ricardo Alexandre conceitua de maneira oposta.[31]
b) Capacidade contributiva
Tal princípio constitui cláusula pétrea, imodificável até mesmo pelo poder constituinte derivado[32], vindo previsto no 1, do art. 145, da CF/88, sendo um princípio constitucional tributário decorrente da isonomia, solidariedade social e justiça fiscal. Determina que os impostos[33] serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, de modo que cada um contribua de acordo com sua capacidade. Ou seja, aquele que ganha mais deverá contribuir mais, e aquele que ganha menos ou que somente aufere o mínimo necessário para sua subsistência deve contribuir menos ou nada contribuir. É o princípio da capacidade contributiva justifica o tratamento tributário diferenciado (tratar iguais igualmente, e desiguais de forma desigual, na medida dessa desigualdade).
No caso do IR, a capacidade contributiva se realiza por maio da pessoalidade e da progressividade. Além disso, impõe que seja tributada a real capacidade econômica do contribuinte o que obriga a admissão de diversas deduções em sua base de cálculo, sem as quais não se estaria atendido referido princípio.
Observe-se que a parte da renda utilizada nas finalidades profissionais ou empresariais como condição para manutenção da fonte produtiva, assim como aqueles gastos das pessoas físicas necessariamente irão realizar (subsistência própria e da família), não está disponível. Daí que as deduções na base de cálculo é uma imposição constitucional. Por tal razão, a capacidade contributiva somente é revelada após a dedução dos gastos necessários à aquisição, produção e manutenção da renda.
c) Progressividade
A progressividade se realiza com o aumento progressivo da alíquota do imposto na medida em que cresce o valor apurado em sua base de cálculo, de modo a obter como resultado que aqueles que recebem maiores rendimentos paguem mais imposto, mas não de forma proporcional, mas de forma progressiva. (progressividade não se confunde com proporcionalidade)
Tal aspecto visa realizar a capacidade contributiva e a igualdade, de modo a equilibrar as desigualdades sociais (justiça fiscal). Assim, não é possível que haja alíquota única, devendo haver diversas alíquotas de acordo com o montante de renda recebida pelo contribuinte.
d) Pessoalidade
Dita que deve existir personalização nos impostos. Os impostos devem considerar as características pessoais dos contribuintes, de modo a ajustar a tributação à sua capacidade contributiva (isonomia).
É a pessoalidade que mostra a situação do indivíduo e o seu poder de arcar com o ônus tributária. Exemplificando, se tomarmos dois indivíduos que percebam um mesmo valor de renda (por exemplo, um com dependentes e o outro não), eles deverão ser tributados de modo diferente, para que exista isonomia na tributação. Daí porque, no IR, se admite deduções com dependentes.
e) Mínimo vital e não-confisco
É princípio que se assenta constitucionalmente como fundamento do Estado Democrático de Direito, presente em diversas disposições constitucionais[34]:
– princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1, III);
– erradicação da pobreza e da marginalização (art. 3, I e II);
– os direitos sociais (art. 6);
– a capacidade contributiva (art. 145, 1);
– educação e saúde como direito de todos e dever do Estado (art. 196 e 205);
– garantia do salário mínimo, capaz de atender às necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social (art. 7, IV);
O sistema tributário deve ser compatível com tais valores, de modo que o princípio do mínimo vital trata-se de um limite mínimo para a tributação, impedindo a exigência do imposto aqueles que revelem capacidade contributiva abaixo de determinado patamar considerado vital.
De fato, o mínimo vital representa o mínimo de riqueza necessária e indispensável à sobrevivência do indivíduo e à manutenção de sua dignidade e a de sua família. Neste sentido, o Estado e a própria sociedade possuem o dever de garantir a todos esse mínimo vital, de modo que, quanto à tributação, o princípio impõe que esse mínimo deve ser protegido e não pode ser atingido ou reduzido, o que afasta a exigência tributária dos rendimentos abaixo dessa faixa estritamente necessária à dignidade da pessoa.
Assim, a tributação não poderá alcançar a quantia de renda auferida até o mínimo obrigatório e necessário a suprir as necessidades essenciais do indivíduo e de sua família, mesmo porque tais percepções, até esse limite, não ostentam a capacidade contributiva que permita a tributação. O Estado não pode tirar a renda do contribuinte, por meio de impostos, que ele deveria lhes devolver a título de assistência social.
De outro modo, se o mínimo vital funciona como limite mínimo que a tributação não pode alcançar, o não-confisco funciona como barreira máxima até onde a tributação pode ir. (art. 150, IV, CF/88). Quando se ultrapassada este limite, foi-se além da capacidade contributiva, de modo que estaremos diante de confisco e não de tributação legítima, de modo que o princípio impede a exigência de imposto além da capacidade contributiva dos cidadãos. Assim, o IR não pode ser excessivamente oneroso, a ponto de ser sentido como um penalidade (tributo não pode ser um castigo ou pena), afrontando os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
A tributação excessiva é aquela que traz repercussões graves ao orçamento familiar ou as atividades e patrimônio da pessoa jurídica (impedindo a atividade econômica), de modo a extorquir o sua renda ou exaurir, mesmo que paulatinamente, a própria fonte produtora dos rendimentos. Fácil perceber que a renda ou proventos pertencem ao contribuinte e não ao Estado, motivo pelo qual este não pode exigir para si valores irrazoáveis, que produzam um sentimento confiscatório.
f) Anterioridade[35] e irretroatividade
Tais princípios fundamentam-se na segurança jurídica e no princípio da não-surpresa, visando possibilitar que os contribuintes possam planejar vida econômica, sabendo, de antemão, a carga tributária que deverão suportar.
Ao IR somente se aplica a anterioridade prevista no art. 150, III, b, da CF/88, não se sujeitando à noventena.
Em razão do princípio da anterioridade, a lei que majorar o IR deve ter entrado em vigor no exercício financeiro anterior ao ano-base (exercício em que ocorre o fato imponível). A lei que irá reger o IR deve estar em vigor antes do primeiro dia do exercício financeiro em que deva produzir seus efeitos, ou seja 31/12. Esta e a tese dos contribuintes.[36]
Entretanto, a tese fiscal e ainda adotada pela jurisprudência[37] é sustentada pela súmula 584, do STF, pela qual a lei publicada até final do período aplica-se a renda auferida em todo o ano-base. Veja-se o teor da súmula:
“584. Ao imposto de renda calculado sobre os rendimentos do ano-base, aplica-se a lei vigente no exercício financeiro em que deve ser apresentada a declaração.”
Para comprovar a adoção da tese podemos citar o RE 194.612, julgado em 1998. Nesse caso, entendeu-se devida a majoração da alíquota do IR para 18% prevista pela Lei n. 7968, de 28.12.1989, para pagamento no ano de 1990, sobre toda a renda auferida no ano-base de 1989. Todavia, a matéria, atualmente, está sendo rediscutida no RE 183.130.
Quanto à irretroatividade, que determina que não se pode cobrar imposto sobre fatos geradores ocorridos antes da entrada em vigor da lei que o instituir ou majorar. A discussão sobre o IR diz respeito à caracterização de seu fato gerador. O fato gerador somente se completa em 31 de dezembro do ano-base, ocasião em que é considerado o balanço (pessoa jurídica) ou a renda (pessoa física), o conjunto dos rendimentos do exercício financeiro (ano-base), sendo esse momento o átimo do fato imponível. A renda final somente surge no final do exercício financeiro, a circunstância de haver percebido renda no transcorrer do ano-base, não autoriza a cobrança do imposto, antes do final do ano não há fato gerador. Com tal tese não há retroatividade, posto que a lei foi publicada antes da ocorrência do fato gerador. De outro lado, há retroatividade para quem compreende o fato gerador do IR como fato gerador complexivo[38]. Fato gerador complexivo é aquele que para sua caracterização completa exige a concorrência de diversos fatos verificados ao longo do ano-base, que agrupados indicarão o acréscimo patrimonial tributável. Os diversos fatos que compõe o fato gerador são aqueles que representam a aquisição de riqueza nova. Da soma desses diversos fatos isolados, ocorridos ao longo do ano-base, é que surge o fato imponível do IR. A irretroatividade impõe que a lei tributária seja prévia a tais ocorrência isoladas.
Pelo art. 105, do CTN, a legislação nova aplica-se aos fatos geradores pendentes, isto é, aquele cuja ocorrência já teria início, mas não esteja completa nos termos do art. 116, do CTN. (ex. imposto de renda) O problema ocorre quando a o fato imponível se inicia sob a égide de uma lei e vem a ser concluído sob a vigência de outra. Qual a lei que deve regular a situação? A lei nova ou a que vigia quando do início da conformação do fato imponível?
Em primeiro lugar, devemos salientar que existem debates doutrinários quanto à existência ou inexistência do chamado “fato gerador pendente”, havendo vasta e autorizada doutrina que nega a admissão de tal categoria jurídica.
A questão dos fatos geradores pendentes se liga à sua classificação em fatos geradores instantâneos, continuados e complexivos. São instantâneos aqueles que se verificam em uma determinada unidade de tempo, dando origem, cada ocorrência, a uma obrigação tributária autônoma (ex, ICMS, IPI, II). Os continuados são aqueles que advém de uma situação duradoura, que se repete no tempo em intervalos regulares (IPTU e ITR). Por fim, os complexivos são aqueles que exigem a integração de vários fatores, vários fatos concatenados, que conjuntamente formam o fato final, ou seja, a integralidade do fato gerador. (IR).
O fato gerador pendente refere aos continuados ou complexivos que não tenham completado seu curso formativo.
Essa classificação merece críticas, pois todo e qualquer fato somente pode ser instantâneo, uma vez que todo evento acontece em certas condições de espaço e de tempo (instante). Quando analisamos o fato gerador complexivo constatamos que qualquer das ocorrências autonomamente consideradas são insuficientes para gerar a incidência tributária. Se houver a metade de seus elementos, a maioria, ou a totalidade menos um, tal fato será um irrelevante jurídico. Somente passa a estar subsumido na hipótese de incidência quando todos os eventos que o compõem estiverem se realizado, o que acontece em um dado instante, em um determinado espaço de tempo. Deste modo, mesmo o fato gerador complexivo somente irradia seus efeitos a partir de determinado instante, antes do qual, será irrelevante para efeitos de exigência tributária.
De fato, se o fato gerador é aquele que reúne as condições necessárias e suficientes para determinar os efeitos que lhe são próprios, faltando qualquer dos elementos necessários à sua completude, não é fato gerador, pois não gera incidência tributária alguma.
5.4. Normas Gerais
As suas normas gerais são previstas pelos arts. 43 à 45, do CTN. Prevê o art. 43 que o IR tem como fato gerador a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou proventos.
Aquisição é o ato de adquirir, obter, passar a ter. Disponibilidade é a qualidade daquilo que é disponível, aquilo que se pode usar livremente. Disponibilidade econômica verifica-se quando o acréscimo patrimonial que configura a renda já está separado de sua fonte produtora e fisicamente disponível. Ou seja, é o dinheiro em caixa. Disponibilidade jurídica verifica-se quando o titular do acréscimo patrimonial que configura renda, sem o ter ainda em mãos separadamente de sua fonte produtora e fisicamente disponível, já possui o título jurídico apto a habilitá-lo a obter a disponibilidade econômica. Não basta apenas o direito de auferir o rendimento, mas que esteja na faculdade do contribuinte transformar essa disponibilidade jurídica em econômica. É o direito á um rendimento transformável em disponibilidade econômica pelo posterior recebimento.
5.5. Regra-matriz do IRPF (Leis nº 7.713/88 e 9.250/95)
a) Critério material
O comportamento enquadrado na hipótese de incidência do IRPF é adquirir a disponibilidade econômica da renda e proventos de qualquer natureza – aquisição e disponibilidade de riqueza nova ou acréscimos patrimoniais.
b) Critério espacial
O critério espacial é coincidente com o território nacional, portanto, são alcançados os rendimentos auferidos no Brasil por residentes ou não-residentes no País. A seu turno, os rendimentos auferidos no Exterior, por pessoa residente no país, também se sujeitam ao pagamento do imposto.
c) Critério temporal
Podemos apontar como critério temporal o dia 31 de dezembro de cada ano. É o momento em que se pode quantificar, na sua inteireza, a renda revelada pelos acréscimos patrimoniais apurados.
d) Critério Pessoal
O sujeito ativo é a União uma vez que se trata de imposto federal com finalidade nitidamente fiscal. A seu turno, o sujeito passivo é a pessoa física que adquirir renda ou proventos de qualquer natureza.
Hipótese comum e bem conhecida de sujeição passiva indireta ocorre neste imposto, especificamente no caso da pessoa jurídica que paga rendimentos à pessoa física, a qual, na condição de responsável tributário, deve reter e repassar à União a antecipação mensal do imposto, segundo dispõe o art. 7º, Lei n. 7.713/88, chamado de imposto de renda retido na fonte.
e) critério quantitativo
A base de cálculo é o total dos rendimentos percebidos, menos as despesas necessárias à produção dos rendimentos e á manutenção da fonte produtora, bem assim, as deduções pertinentes.
Contudo o art. 8º, da Lei nº 9.250/95 diz ser a diferença entre todos os rendimentos e as deduções previstas em lei. Já o art. 3º, da Lei 7713/88, diz ser o rendimento bruto. Sobre a base de cálculo do IRPF há discussões sobre a equiparação de rendimento bruto á renda, eis que determinadas despesas têm de ter sua dedução autorizada por lei, como as referentes à saúde e à educação (art. 196 e 205, CF/88). O fundamento da insurgência indicada é que tais despesas visam à preservação da saúde e á qualificação como instrumentos, inclusive, para a própria aquisição da renda, de modo que a tributação dos valores destinados aos custeio desborda da autorização constitucional para tributar a renda.
As alíquotas da exação são fixadas de forma progressiva, tendo seu percentual atual previsto pela Lei n. 11.945/09, possuindo cinco alíquotas que variam de isento à 27,5% (vinte e sete e meio por cento).
6. Imposto sobre produtos industrializados
6.1. Função
É concebido como um imposto de função extrafiscal, servindo de instrumento de intervenção no âmbito econômico e social. Neste imposto se destaca a chamada função extrafiscal proibitiva, que impõe uma tributação pesada sobre os produtos nocivos à saúde ou cujo consumo almeja-se desestimular. (ex. cigarro e bebidas alcoólicas). Além disso, em razão da seletividade, esse imposto grava com mais rigor os produtos considerados supérfluos.
Todavia, embora tenha sido forjado com uma finalidade extrafiscal, atualmente, figura no segundo lugar da arrecadação entre os impostos federais, sendo superado apenas pelo IR. Deste modo, aponta-se que seu aspecto arrecadatório (função fiscal) teria ganhado relevância.
6.2. Aspectos constitucionais
A competência para sua instituição vem previstas pelo art. 153, IV, CF/88, sendo atribuída à União, sendo que tal dispositivo prevê que cabe a este ente federativo o imposto sobre produtos industrializados.
Ora, a base econômica é encontrada pela interpretação do sistema. No presente caso, para encontrarmos o fato-signo presuntivo de riqueza dado à tributação pelo IPI, devemos conjugar o inciso IV, do art. 153, com o parágrafo 3, inc. II, da CF/88. O primeiro dispositivo constitucional fala em produtos industrializados e o parágrafo em uma operação, o que nos leva a concluir que o imposto incide sobre operações com produtos indutrializados, e não sobre a posse ou propriedade de tais bens.
Para este fim, operações devem ser concebidas como um negócio jurídico, ou seja, são os atos dependentes da vontade humana capazes de produzir efeitos jurídicos. A noção de produto, como vista acima, é o resultado da produção, ato ou efeito de produzir, criar, gerar, elaborar, realizar. Continua sendo qualquer bem produzido pela natureza ou pelo homem, e continua a haver a distinção entre produto e mercadoria, visto acima, todavia, esse produto deve possuir o adjeto industrializado, razão pela qual deve ser aquilo que se industrializou, que foi objeto de indústria[39].
Ademais, há outro requisito que deve ser observado pelo legislador tributário, qual seja, que haja industrialização por um dos contratantes da operação, conforme assentado pelo STJ no REsp 435.575/SP, julgado em 04/04/05. Desta forma, não é suficiente que haja havido industrialização em algum momento, motivo pelo qual não incide IPI na venda do comerciante (varejista) ao consumidor final.[40]
Seu delineamento constitucional impõe a observância de vários mandamentos principais, quais sejam: a) será seletivo, em função da essencialidade do produto; b) será não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores; c) não incidirá sobre produtos industrializados destinados ao exterior; d) terá reduzido seu impacto sobre a aquisição de bens de capital pelo contribuinte do imposto , na forma da lei; e) somente se submete à noventena mas não à anterioridade do exercício; f) exceção à legalidade quanto à fixação das alíquotas.
6.3. Princípios constitucionais
a) Seletividade
Tal princípio dita que o imposto será seletivo em função da essencialidade do produto. Não se trata de uma opção/faculdade para o legislador, mas de um mandamento constitucional cogente/obrigatório, cujo descumprimento acarreta a mácula da inconstitucionalidade. Por isso, a tributação deve ser diferenciada conforme a qualidade do produto, utilizando-se para tal diferenciação o critério do grau de essencialidade do produto.
Disso decorre que a tributação pelo IPI deve ser mais gravosa sobre os produtos considerados supérfluos e mais leve sobre os produtos considerados essenciais, aumentando na razão inversa da essencialidade do produto.
Neste sentido, a seletividade serve de medida da capacidade contributiva nos impostos indiretos, porque os produtos essenciais são consumidor por toda a população, ao passo que os supérfluos são consumidos apenas por aqueles que, já tendo satisfeito suas necessidades essenciais, dispõem de recursos adicionais para aquisição dos supérfluos.
b) Não-cumulatividade
O inc. II, do parágrafo 3, do art. 153, CF/88, determina que o IPI será não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores. Embora não seja cláusula pétrea, deve ser observada pelo legislador ordinário. (ADI 939)
Trata-se de uma técnica de tributação que busca impedir o “efeito em cascata”, ou seja, que na cadeia econômica não haja incidências sucessivas sobre a uma base econômica que já sofreu, anteriormente, a incidência do imposto. Se não houvesse a não-cumulatividade poderia haver um ônus tributário demasiadamente elevado.
A não-cumulatividade é realizada através do sistema de créditos, o que significa que o imposto pago pelo industrial anterior é abatido do imposto devido pelo industrial posterior, de forma que o contribuinte apura o IPI a pagar, verifica o crédito que possui das operações anteriores, e efetua a respectiva compensação, pagando somente o excedente. Isto denomina-se sistema de creditamentos.
É exatamente isso o que dispõe o art. 49, do CTN e o art. 25, da Lei n. 4.502/64:
“Art. 25. Para efeito do recolhimento, na forma do art. 27, será deduzido do valor resultante do cálculo:
I – o imposto relativo às matérias-primas, produtos intermediários e embalagens, adquiridos ou recebidos para emprego na industrialização e no acondicionamento de produtos tributados.”
Tal creditamento não depende do efetivo pagamento do imposto pelo industrial precedente na cadeia produtiva, do qual o contribuinte tenha adquirido seus insumos. O industrial simplesmente credita-se do imposto destacado na nota fiscal dos insumos que tenha adquirido, independentemente de verificação acerca do pagamento ou não do imposto relativo à operação anterior na cadeia produtiva. Ora, a CF/88 diz que deverá haver creditamento do imposto cobrado nas operações anteriores. A palavra “cobrado” não exige a extinção da obrigação tributária, mas tão somente que haja imposto devido na operação anterior, que haja sido destacado na nota fiscal de aquisição do insumo.[41]
Questão interessante surge nos casos dos insumos isentos, não-tributados ou sujeitos à alíquota zero, o que gerou ampla discussão doutrinária e judicial.
Para Leandro Paulsen a entrada de insumos nessas condições não conferem direito ao crédito, uma vez que não sendo devido o tributo na operação anterior, não há que se falar em montante cobrado na operação anterior (o que é requisito para o crédito nos termos da CF/88, art. 153, parágrafo 3, II). Ademais, se não houve imposto devido, não há que se falar em cumulatividade, a qual só ocorre quando as etapas da cadeia econômica são tributadas.[42]
O STF e STJ entendem que os insumos não-tributados ou sujeitos à alíquota zero não geram direito ao crédito em eventual saída tributada. (REsp. 1.134.903/SP, DJ. 24/06/2010 – art. 543-C, CPC; RE 353.657; RE 370.682) Nesses casos, há mais um inconveniente, pois, se admitido o crédito, ele seria realizado por qual importância? Não há parâmetros para autorizar o crédito e o Judiciário não poderia atuar como legislador positivo, o que somente viria a corroborar a ausência do direito ao crédito em tais ocasiões.
Da mesma forma, quando a entrada do insumo for tributada mas a saída não o for, também não haverá direito à manutenção do crédito anterior, salvo se a lei expressamente conferir tal direito (STJ – REsp 860.369 e REsp 1.147.346). Neste sentido, o direito ao crédito veio com o art. 11 da Lei 9.779/99, que autoriza o creditamento somente quando o produto é isento ou tributado à alíquota zero, o que, como entende o STJ não alcança os produtos não tributados (REsp 1.147.346).
Por fim, deixemos consignado que os créditos decorrentes deste sistema de não-cumulatividade não se sujeitam à correção monetária, haja vista serem escriturais (STF RE 351754, jun/2005), de modo que a correção monetária só é admitida se prevista em lei.
c) Imunidade específica
Há previsão de imunidade quanto ao IPI relativo à produtos destinados ao exterior. Assim, sempre que a operação com produtos industrializados se destinar ao exterior, não poderá ser exigido o imposto.
d) Redução do impacto sobre a aquisição de bens de capital
Bens de capital são aqueles utilizados no processo produtivo, tais como máquinas e equipamentos. Cabe à lei ordinária estabelecer os critérios para diminuição do impacto do IPI na aquisição de bens de capital, não sendo possível buscar o reconhecimento de isenção, imunidade, alíquota zero ou crédito tão somente em razão do dispositivo constitucional, porquanto tal redução do impacto tributário é prevista por uma norma constitucional de eficácia limitada, que, conforme doutrina constitucional não são aplicáveis diretamente, exigindo integração legislativa, sem a qual não terá aplicabilidade.
6.4. Normas Gerais e Regra-Matriz
As suas normas gerais são previstas pelos arts. 46 à 51, do CTN e a sua regra-matriz foi instituída pela Lei n. 4.502/64, sendo que as alíquotas são fixadas pelo Decreto n. 4.542/02 (TIPI). Além disso o regulamento do imposto se encontra no Decreto n. 7.212, de 15 de junho de 2010.
a) Critério Material
O CTN (normas gerais) explicita o que seja industrialização para efeitos do imposto. Vale relembrar que tal regramento vem somente detalhar a base econômica constitucionalmente prevista, eis que o legislador infraconstitucional não pode desbordar da competência outorgada pela Constituição, valendo lembrar, aqui, mais uma vez, o art. 110 do CTN. Sendo assim, trazemos a baila o parágrafo único do art. 46 CTN:
“Parágrafo único. Para os efeitos deste imposto, considera-se industrializado o produto que tenha sido submetido a qualquer operação que lhe modifique a natureza ou a finalidade, ou o aperfeiçoe para o consumo.”
Os elementos nucleares são: a) modificação na natureza; b) modificação da finalidade; c) aperfeiçoamento para o consumo. A Lei n. 4.502/64 continua a regulamentação legal sobre o que seja industrialização, fazendo-o no parágrafo único do art. 3[43]. Por fim, o regulamento do imposto (Decreto n. 7.212/10) traz os conceitos de transformação, beneficiamento, montagem, acondicionamento, reacondicionamento, renovação e recondicionamento[44]. Vejamos cada uma delas é conceituada[45]: por Eduardo Sabbag:
“- Transformação: é o processo exercido sobre a matéria-prima que lhe dá nova forma ou finalidade, fazendo com que surja um produto com forma, fins e conceitos diversos do insumo que entraram na industria para transformaçao. O insumo ou matéria-prima velhos perdem a individualidade (desaparecem) para surgir um produto novo. Há a obtenção de uma espécie nova.
Ex. transformação de madeira serrada, de outras matérias-primas (tecido, espuma, molas) e de outros produtos intermediários (arames, pregos, colas), em um produto novo: a poltrona estofada;
Transformação do granito em blocos de pedra-sabão, para asfaltamento.
– Beneficiamento: processo de modificação, aperfeiçoamento ou alteração do funcionamento de um produto já existente. O produto “velho” permanece, sofrendo alterações que o aperfeiçoam.
Ex. mudança de veículo de cabine simples para cabine dupla.
– Montagem: reunião de produto e peças já existentes em um novo produto, contudo, sem que tais peças ou produtos percam a individualidade (os produtos velhos não desaparecem, são apenas reunidos). O produto que surge desta reunião possui nova amplitude, finalidade ou funcionamento.
– Acondicionamento ou reacondicionamento: é o processo de alteração da embalagem visual do produto, ou seja, modificação da apresentação do produto ao seu consumidor.
Ex. estojo de produtos de higiene pessoal composto por um sabonete, um perfume e um talco. Esses três produtos são colocados em uma só embalagem para criar um visual convidativo, diferenciado, buscando agradar o consumidor e levá-lo a comprar o produto.
Reempacotamento de arroz de sacos de 5 Kg para sacos de 2 Kg.
– Renovação ou recondicionamento: é a renovação exercida em um produto usado ou inutilizado, restaurando-lhe a utilização, como se novo voltasse a ser.
Ex. recondicionamento de baterias, de amortecedores.”
Os incisos do art. 46 do CTN pretendem dar o contorno da hipótese de incidência do IPI, vejamos:
“Art. 46. O imposto, de competência da União, sobre produtos industrializados tem como fato gerador:
I – o seu desembaraço aduaneiro, quando de procedência estrangeira;
II – a sua saída dos estabelecimentos a que se refere o parágrafo único do artigo 51;
III – a sua arrematação, quando apreendido ou abandonado e levado a leilão.”
Restringiremos nossa análise aos produtos industrializados de produção nacional, deixando consignado que o imposto também incide sobre os produtos oriundo do exterior e não é afastado no caso de arrematação em leilão, dos produtos abandonados ou apreendidos.
O CTN (normas gerais) diz que o fato gerador consiste na saída dos produtos industrializados dos estabelecimentos industriais ou daquele a ele equiparado pela lei e, ainda, do estabelecimento comercial que forneça produtos industrializados a estabelecimento industrial (art. 46, II, c/c art. 51, ambos do CTN). O aspecto material da regra-matriz do imposto vem previsto na Lei n. 4.502/64, art. 2, verbis:
“Art. 2. Constitui fato gerador do imposto:
II – quanto aos de produção nacional, a saída do respectivo estabelecimento produtor.”
Neste contexto, a Lei n. 4.502/64 assim como o CTN devem ser interpretados à luz da Constituição (interpretação conforme), de modo que não basta a mera saída do produto, mais do que isso, é necessário que tal saída decorra de um negócio jurídico (operação), nos exatos termos da base econômica constitucionalmente delimitada.
Assim, podem concluir que o critério material é a saída do produto industrializado do estabelecimento industrial ou equiparado, que o tenha submetido à processo de industrialização, decorrente de um negócio jurídico (operação).
b) Critério temporal
O fato gerador do IPI é classificado como instantâneo, ou seja, ocorre em um dado instante, gerando cada ocorrência uma obrigação específica. Destarte, compreendido que o critério temporal representa o momento em que se reputa ocorrido o critério material (conduta), seria perfeitamente adequado que fosse coincidente com a saída do produto industrializado do estabelecimento industrial. Contudo, aqui, a lei criou algumas ficções jurídicas, que estão previstas no art. 36 de seu Regulamento (Decreto n. 7.212/10):
“Art. 36. Considera-se ocorrido o fato gerador:
I – na entrega ao comprador, quanto aos produtos vendidos por intermédio de ambulantes (Lei nº 4.502, de 1964, art. 2º e art. 5º, inciso I, alínea “a”, e Decreto-Lei no 1.133, de 16 de novembro de 1970, art. 1o);
II – na saída de armazém-geral ou outro depositário do estabelecimento industrial ou equiparado a industrial depositante, quanto aos produtos entregues diretamente a outro estabelecimento (Lei nº 4.502, de 1964, art. 2º e art. 5º, inciso I, alínea “a”, e Decreto-Lei no 1.133, de 1970, art. 1o);
III – na saída da repartição que promoveu o desembaraço aduaneiro, quanto aos produtos que, por ordem do importador, forem remetidos diretamente a terceiros (Lei nº 4.502, de 1964, art. 2º e art. 5º, inciso I, alínea “b”, e Decreto-Lei no 1.133, de 1970, art. 1o);
IV – na saída do estabelecimento industrial diretamente para estabelecimento da mesma firma ou de terceiro, por ordem do encomendante, quanto aos produtos mandados industrializar por encomenda (Lei nº 4.502, de 1964, art. 2º e art. 5º, inciso I, alínea “c”, e Decreto-Lei no 1.133, de 1970, art. 1o);
V – na saída de bens de produção dos associados para as suas cooperativas, equiparadas, por opção, a estabelecimento industrial;
VI – no quarto dia da data da emissão da respectiva nota fiscal, quanto aos produtos que até o dia anterior não tiverem deixado o estabelecimento do contribuinte (Lei nº 4.502, de 1964, art. 2º e art. 5º, inciso I, alínea “d”, e Decreto-Lei no 1.133, de 1970, art. 1o);
VII – no momento em que ficar concluída a operação industrial, quando a industrialização se der no próprio local de consumo ou de utilização do produto, fora do estabelecimento industrial (Lei nº 4.502, de 1964, art. 2º, § 1º);
VIII – no início do consumo ou da utilização do papel destinado à impressão de livros, jornais e periódicos, em finalidade diferente da que lhe é prevista na imunidade de que trata o inciso I do art. 18, ou na saída do fabricante, do importador ou de seus estabelecimentos distribuidores, para pessoas que não sejam empresas jornalísticas ou editoras (Lei no 9.532, de 1997, art. 40);
IX – na aquisição ou, se a venda tiver sido feita antes de concluída a operação industrial, na conclusão desta, quanto aos produtos que, antes de sair do estabelecimento que os tenha industrializado por encomenda, sejam por este adquiridos;
X – na data da emissão da nota fiscal pelo estabelecimento industrial, quando da ocorrência de qualquer das hipóteses enumeradas no inciso VII do art. 25 (Lei nº 9.532, de 1997, art. 39, § 4º);
XI – no momento da sua venda, quanto aos produtos objeto de operação de venda que forem consumidos ou utilizados dentro do estabelecimento industrial (Lei nº 4.502, de 1964, art. 2º e art. 5º, inciso I, alínea “e”, Decreto-Lei no 1.133, de 1970, art. 1o, e Lei nº 9.532, de 1997, art. 38);
XII – na saída simbólica de álcool das usinas produtoras para as suas cooperativas, equiparadas, por opção, a estabelecimento industrial; e
XIII – na data do vencimento do prazo de permanência da mercadoria no recinto alfandegado, antes de aplicada a pena de perdimento, quando as mercadorias importadas forem consideradas abandonadas pelo decurso do referido prazo (Decreto-Lei no 1.455, de 1976, art. 23, inciso II, e Lei no 9.779, de 1999, art. 18, e parágrafo único).
Parágrafo único. Na hipótese do inciso VII, considera-se concluída a operação industrial e ocorrido o fato gerador na data da entrega do produto ao adquirente ou na data em que se iniciar o seu consumo ou a sua utilização, se anterior à formalização da entrega.
Art. 37. Na hipótese de venda, exposição à venda, ou consumo no território nacional, de produtos destinados ao exterior, ou na hipótese de descumprimento das condições estabelecidas para a isenção ou a suspensão do imposto, considerar-se-á ocorrido o fato gerador na data da saída dos produtos do estabelecimento industrial ou equiparado a industrial (Lei nº 4.502, de 1964, art. 9º, § 1º, e Lei no 9.532, de 1997, art. 37, inciso II).”
c) Critério Espacial
Indica o locus onde deve ocorrer o critério material para que o fato seja alcançado pela tributação via IPI. Analisando o imposto em tela, observamos que o critério espacial não é previsto por lei. Deste modo, podemos concluir que é coincidente com a territorialidade, de modo que, por se tratar de um imposto federal, será o território nacional.
d) Critério pessoal
Tendo em vista que se trata de um imposto federal e que a lei não indicou quem deveria receber o crédito oriundo de seu fato imponível, temos que a União é que figura como sujeito ativo da obrigação tributária dele decorrente.
O sujeito passivo que tem relação pessoal e direta com a situação que constitui seu fato gerador (fato imponível), ou seja, o contribuinte, é o industrial ou pessoa a ele equiparada, nos termos do art. 51, inciso II, do CTN. Em sua regra-matriz a previsão se encontra no art. 3 e 4, da Lei n. 4.502/64:
“Art . 3º Considera-se estabelecimento produtor todo aquêle que industrializar produtos sujeitos ao imposto.”
O regulamento do IPI é esclarecedor a este respeito quando diz em seu art. 8 que estabelecimento industrial é o que executa qualquer das operações de que resulte produto tributado, ainda que de alíquota zero ou isento. O art. 24, II, explicita que o industrial é contribuinte em relação ao fato gerador decorrente da saída de produto que industrializar em seu estabelecimento, bem como quanto aos demais fatos geradores decorrentes
Além dos contribuintes, temos a figura do responsável, que é aquela pessoa colocada na condição de sujeito passivo da obrigação tributária sem que tenha relação pessoal e direta com o fato imponível, justificando-se tal sujeição passiva em razão de disposição legal. São eles:
“Art. 25. São obrigados ao pagamento do imposto como responsáveis:
I – o transportador, em relação aos produtos tributados que transportar, desacompanhados da documentação comprobatória de sua procedência (Lei nº 4.502, de 1964, art. 35, inciso II, alínea “a”);
II – o possuidor ou detentor, em relação aos produtos tributados que possuir ou mantiver para fins de venda ou industrialização, nas mesmas condições do inciso I (Lei no 4.502, de 1964, art. 35, inciso II, alínea “b”);
III – o estabelecimento adquirente de produtos usados cuja origem não possa ser comprovada pela falta de marcação, se exigível, de documento fiscal próprio ou do documento a que se refere o art. 372 (Lei nº 4.502, de 1964, art. 35, inciso II, alínea “b”, e art. 43);
IV – o proprietário, o possuidor, o transportador ou qualquer outro detentor de produtos nacionais, do Capítulo 22 e do Código 2402.20.00 da TIPI, saídos do estabelecimento industrial com imunidade ou suspensão do imposto, para exportação, encontrados no País em situação diversa, salvo se em trânsito, quando (Decreto-Lei no 1.593, de 1977, art. 18, Lei no 9.532, de 1997, art. 41, Lei no 10.833, de 2003, art. 40, e Lei no 11.371, de 28 de novembro de 2006, art. 13):
a) destinados a uso ou consumo de bordo, em embarcações ou aeronaves de tráfego internacional, com pagamento em moeda conversível (Decreto-Lei nº 1.593, de 1977, art. 8º, inciso I);
b) destinados a lojas francas, em operação de venda direta, nos termos e condições estabelecidos pelo art. 15 do Decreto-Lei no 1.455, de 7 de abril de 1976 (Decreto-Lei nº 1.593, de 1977, art. 8º, inciso II);
c) adquiridos por empresa comercial exportadora, com o fim específico de exportação, e remetidos diretamente do estabelecimento industrial para embarque de exportação ou para recintos alfandegados, por conta e ordem da adquirente (Lei no 9.532, de 1997, art. 39, inciso I e § 2o); ou
d) remetidos a recintos alfandegados ou a outros locais onde se processe o despacho aduaneiro de exportação (Lei no 9.532, de 1997, art. 39, inciso II);
V – os estabelecimentos que possuírem produtos tributados ou isentos, sujeitos a serem rotulados ou marcados, ou, ainda, ao selo de controle, quando não estiverem rotulados, marcados ou selados (Lei no 4.502, de 1964, art. 62, e Lei no 9.532, de 1997, art. 37, inciso V);
VI – os que desatenderem as normas e requisitos a que estiver condicionada a imunidade, a isenção ou a suspensão do imposto (Lei no 4.502, de 1964, art. 9o, § 1o, e Lei no 9.532, de 1997, art. 37, inciso II);
VII – a empresa comercial exportadora, em relação ao imposto que deixou de ser pago, na saída do estabelecimento industrial, referente aos produtos por ela adquiridos com o fim específico de exportação, nas hipóteses em que (Lei no 9.532, de 1997, art. 39, § 3o):
a) tenha transcorrido cento e oitenta dias da data da emissão da nota fiscal de venda pelo estabelecimento industrial, não houver sido efetivada a exportação (Lei no 9.532, de 1997, art. 39, § 3o, alínea “a”);
b) os produtos forem revendidos no mercado interno (Lei no 9.532, de 1997, art. 39, § 3o, alínea “b”); ou
c) ocorrer a destruição, o furto ou roubo dos produtos (Lei no 9.532, de 1997, art. 39, § 3o, alínea “c”);
VIII – a pessoa física ou jurídica que não seja empresa jornalística ou editora, em cuja posse for encontrado o papel, destinado à impressão de livros, jornais e periódicos, a que se refere o inciso I do art. 18 (Lei nº 9.532, de 1997, art. 40, parágrafo único);
IX – o estabelecimento comercial atacadista de produtos sujeitos ao regime de que trata a Lei no 7.798, de 1989, que possuir ou mantiver produtos desacompanhados da documentação comprobatória de sua procedência, ou que deles der saída (Lei nº 7.798, de 1989, art. 4º, § 3º, e Medida Provisória no 2.158-35, de 2001, art. 33);
X – o estabelecimento industrial, relativamente à parcela do imposto devida pelos estabelecimentos equiparados de que tratam os incisos XI e XII do art. 9o, quanto aos produtos a estes fornecidos, na hipótese de aplicação do regime de que trata o art. 222, (Lei no 10.833, de 2003, art. 58-F, inciso II, e Lei no 11.727, de 2008, art. 32);
XI – o estabelecimento comercial referido no inciso XIII do art. 9o, pelo imposto devido pelos estabelecimentos equiparados na forma dos incisos XI e XII daquele artigo, quanto aos produtos a estes fornecidos, na hipótese de aplicação do regime de que trata o art. 222 (Lei no 10.833, de 2003, art. 58-G, inciso II, e Lei no 11.727, de 2008, art. 32); e
XII – o estabelecimento importador, relativamente à parcela do imposto devida pelos estabelecimentos equiparados de que tratam os incisos XIV e XV do art. 9o, quanto aos produtos a estes fornecidos, na hipótese de aplicação do regime de que trata o art. 222 (Lei nº 10.833, de 2003, art. 58-F, inciso II, e Lei no 11.727, de 2008, art. 32).
§ 1o Nos casos dos incisos I e II não se exclui a responsabilidade por infração do contribuinte quando este for identificado (Lei no 4.502, de 1964, art. 35, § 1o, e Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996, art. 31).
§ 2o Na hipótese dos incisos X, XI e XII, o imposto será devido pelo estabelecimento industrial ou encomendante ou importador no momento em que derem saída aos produtos sujeitos ao imposto conforme o regime de que trata o art. 222 (Lei nº 10.833, de 2003, art. 58-F, § 3º, art. 58-G, parágrafo único, e Lei no 11.827, de 20 de novembro de 2008, art. 1o).”
Como substitutos tributários:
“Art. 26. É ainda responsável, por substituição, o industrial ou equiparado a industrial, mediante requerimento, em relação às operações anteriores, concomitantes ou posteriores às saídas que promover, nas hipóteses e condições estabelecidas pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (Lei no 4.502, de 1964, art. 35, inciso II, alínea “c”, e Lei no 9.430, de 1996, art. 31).”
São responsáveis solidários:
“Art. 27. São solidariamente responsáveis:
I – o contribuinte substituído, na hipótese do art. 26, pelo pagamento do imposto em relação ao qual estiver sendo substituído, no caso de inadimplência do contribuinte substituto (Lei no 4.502, de 1964, art. 35, § 2o, e Lei no 9.430, de 1996, art. 31);
II – o adquirente ou cessionário de mercadoria importada beneficiada com isenção ou redução do imposto pelo seu pagamento e dos acréscimos legais (Decreto-Lei no 37, de 18 de novembro de 1966, art. 32, parágrafo único, inciso I, e Medida Provisória no 2.158-35, de 2001, art. 77);
III – o adquirente de mercadoria de procedência estrangeira, no caso de importação realizada por sua conta e ordem, por intermédio de pessoa jurídica importadora, pelo pagamento do imposto e acréscimos legais (Decreto-Lei nº 37, de 1966, art. 32, parágrafo único, alínea “c”, Medida Provisória no 2.158-35, de 2001, art. 77, e Lei no 11.281, de 2006, art. 12);
IV – o encomendante predeterminado que adquire mercadoria de procedência estrangeira de pessoa jurídica importadora, na operação a que se refere o § 3o do art. 9o, pelo pagamento do imposto e acréscimos legais (Decreto-Lei no 37, de 1966, art. 32, parágrafo único, alínea “d”, e Lei no 11.281, de 2006, art. 12);
V – o estabelecimento industrial de produtos classificados no Código 2402.20.00 da TIPI, com a empresa comercial exportadora, na hipótese de operação de venda com o fim específico de exportação, pelo pagamento do imposto e dos respectivos acréscimos legais, devidos em decorrência da não efetivação da exportação (Medida Provisória nº 2.158-35, de 2001, art. 35);
VI – o encomendante de produtos sujeitos ao regime de que trata a Lei no 7.798, de 1989, com o estabelecimento industrial executor da encomenda, pelo cumprimento da obrigação principal e acréscimos legais (Lei nº 7.798, de 1989, art. 4º, § 2º, e Medida Provisória no 2.158-35, de 2001, art. 33);
VII – o beneficiário de regime aduaneiro suspensivo do imposto, destinado à industrialização para exportação, pelas obrigações tributárias decorrentes da admissão de mercadoria no regime por outro beneficiário, mediante sua anuência, com vistas na execução de etapa da cadeia industrial do produto a ser exportado (Lei no 10.833, de 2003, art. 59); e
VIII – o encomendante dos produtos sujeitos ao imposto conforme os regimes de tributação de que tratam os arts. 222 e 223 com o estabelecimento industrial executor da encomenda, pelo imposto devido nas formas estabelecidas nos mesmos artigos (Lei nº 10.833, de 2003, art. 58-A, parágrafo único, e Lei no 11.727, de 2008, art. 32).
§ 1o Aplica-se à operação de que trata o inciso III o disposto no § 2o do art. 9o (Lei no 10.637, de 2002, art. 27, e Lei no 11.281, de 2006, art. 11, § 2o).
§ 2o O disposto no inciso V aplica-se também aos produtos destinados a uso ou consumo de bordo, em embarcações ou aeronaves em tráfego internacional, inclusive por meio de ship’s chandler (Medida Provisória nº 2.158-35, de 2001, art. 35, parágrafo único).
Art. 28. São solidariamente responsáveis com o sujeito passivo, no período de sua administração, gestão ou representação, os acionistas controladores, e os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado, pelos créditos tributários decorrentes do não recolhimento do imposto no prazo legal (Decreto-Lei no 1.736, de 20 de dezembro de 1979, art. 8o).
Art. 29. São solidariamente responsáveis os curadores quanto ao imposto que deixar de ser pago, em razão da isenção de que trata o inciso IV do art. 55 (Lei no 8.989, de 24 de fevereiro de 1995, art. 1o, § 5o, e Lei no 10.690, de 16 de junho de 2003, art. 2o).”
e) Critério Quantitativo
O critério quantitativo nos dá a forma de calcular a prestação devida pelo sujeito passivo em razão da verificação fática da realização da hipótese de incidência do imposto. Em síntese, havendo fato imponível, surge a necessidade de calcular o montante do imposto, o que é feito segundo o critério quantitativo de sua regra-matriz, formado pela base de cálculo e pela alíquota.
Dispõe o CTN sobre a base de cálculo do imposto no seu art. 47, sendo que, para as operações com produtos industrializados nacionais (art. 46, II, CTN), estatui que será o valor da operação, enquanto que a Lei n. 4.502/64 prevê em seu art. 14, que será o valor total da operação, corroborando, assim, os ditames do CTN.
O valor total da operação compreende o preço do produto, acrescido do valor do frete e das demais despesas acessórias. Além disso, a lei veda que haja abatimento de sua base de cálculo de quaisquer descontos, abatimentos ou diferenças, mesmo incondicionais, o que gera discussões sobre este imposto.
A lei, como visto, não permite que sejam deduzidos os descontos, abatimentos ou diferenças, sejam concedidos a qualquer título, mesmo incondicionalmente (parágrafo segundo do art. 14, da Lei n. 4.502/64). Esta é a regra atualmente vigente. Contudo, na redação original, somente não podiam ser deduzidos os descontos concedidos sob condição.[46]
Leandro Paulsen entende que a vedação à dedução dos descontos incondicionais é incompatível com a base de cálculo prevista pelo CTN, haja vista que este estabelece que a base de cálculo do IPI é o valor da operação, o que se consubstanciaria no preço final da operação de saída do produto do estabelecimento. O valor da operação seria o preço, o qual, por sua vez, é o valor ajustado consensualmente entre comprador e vendedor, o que pode ser o resultado da tabela com seus descontos incondicionais.[47]
O STJ entende que os descontos incondicionais não podem integrar a base de cálculo do IPI, no que se encontra na mesma linha das lições de Leandro Paulsen. Vejamos a ementa de seu julgado, que foi prolatado com fulcro na sistemática dos recursos repetitivos (art. 543-C, do CPC):
Assim, temos que os descontos incondicionais podem ser deduzidos da base de cálculo do IPI, tendo em vista que o parágrafo 2 do art. 14, da Lei n. 4.502/64, é incompatível com a base de cálculo prevista pelo art. 47, II, a, do CTN, que fixou como o valor da operação de que decorrer a saída do produto.
O desconto concedido pelo vendedor, sem nenhum encargo para o comprador, não compõem a real expressão econômica da operação tributada, de forma que o valor da operação é alcançado com a dedução dos descontos incondicionais. Somente após deduzir o valor dos descontos incondicionais é que se chega, de fato, ao real valor da operação. Não se pode incluir valores fictícios na base de cálculo do imposto, valores esses que não compõem a expressão econômica do fato imponível. A base de cálculo deve expressar o real conteúdo econômico da operação da qual decorra a saída dos produtos industrializados, o que autoriza a dedução dos descontos incondicionais.
Há julgados que entendem que a inclusão do valor do frete na base de cálculo do IPI também é indevida:
“TRIBUTÁRIO. IPI. BASE DE CÁLCULO. VALOR DO FRETE E DEMAIS ACESSÓRIOS. NÃO-INCIDÊNCIA. ART. 14, §§ 1º E 3º, DA LEI Nº 4.502/1964, NA REDAÇÃO DADA PELO ART. 15 DA LEI Nº 7.798/1989. INCONSTITUCIONALIDADE. CORREÇÃO MONETÁRIA. 1. São inconstitucionais os §§ 1º e 3º do art. 14 da Lei 4.502/1964, acrescentados pela Lei nº 7.798/1989, uma vez que essa lei, sendo ordinária, não poderia ter disciplinado matéria afeta à lei complementar. 2. A inclusão do valor do frete e demais acessórios por lei ordinária como parte integrante do valor da operação – que é a base de cálculo do IPI -, quando a transação se der no mercado interno, contraria as previsões insertas no art. 146, III, “a”, da Constituição, e 47 do CTN. 3. É incabível a incidência de correção monetária sobre os créditos presumidos de IPI, por ausência de expressa previsão legal, exceto se o direito ao creditamento não foi exercido pelo contribuinte em razão de óbice criado pelo Fisco. 4. Aplica-se a Taxa SELIC para correção de créditos de IPI, por extensão das regras atinentes à repetição de indébito. (TRF4, APELREEX 2005.71.11.002456-6, Primeira Turma, Relator Jorge Antonio Maurique, D.E. 12/01/2010)”
f) Alíquotas
As alíquotas podem ser alteradas pelo Poder executivo, devendo variar conforme a essencialidade do produto, conforme já visto acima. Contudo, a faculdade do Executivo alterar as alíquotas somente pode ser exercida atendias asa condições e os limites estabelecidos em lei. No caso do IPI, tais limites e condições se encontram no DL 1.199/71, especificamente em seu art. 4, que dispõe:
“Art. 4. O Poder Executivo, em relação ao Imposto sobre Produtos Industrializados, quando se torne necessário atingir os objetivos da política econômica governamental, mantida a seletividade em função da essencialidade do produto, ou, ainda, para corrigir distorções, fica autorizado:
I – a reduzir alíquotas até 0 (zero);
II – majorar alíquotas, acrescentando até 30 (trinta) unidades ao percentual de incidência fixado na lei;”
As alíquotas do IPI estão previstas na TIPI (Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados), representada pelo Decreto n. 6006/06, com suas alterações.
7. Imposto sobre operações de crédito, câmbio, seguro, ou relativo à operações com títulos e valores mobiliários
7.1. Da correta denominação do imposto
A exação que passamos a tratar também é conhecida pela sigla IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) tendo em vista incidir sobre operações de índole iniludivelmente financeiras. Contudo, tal designação é equivocada, porquanto a base econômica da exação, como veremos, não pode ser reconduzida simplesmente à “operações financeiras”, inexistindo no ordenamento jurídico pátrio a competência para instituir um imposto com tal espectro de abrangência[48].
Além disso, o conceito de operações financeiras é muito vago, ora alcançando fatos não sujeitos à tributação por esse imposto, ora deixando de fora fatos que se sujeitam ao seu pagamento. Seja como for, a terminologia IOF não representa bem a abrangência da competência traçada pela Constituição Federal.
Desta forma, para a clareza de ideias, para prestigiarmos a precisão das nomeclaturas e evitarmos, com isso, equívocos doutrinários, legislativos e jurisprudenciais, optamos por acolher a advertência de Leandro Paulsen para chamar corretamente o imposto de IOCCSTVM (Imposto sobre operações de crédito – IOCrédito, câmbio – IOCâmbio, seguros – IOSeguros e títulos e valores mobiliários – IOTVM.[49]
7.2. Função
É concebido como um imposto de função extrafiscal, servindo de instrumento de intervenção no âmbito econômico e social. Segundo Hugo de Brito Machado:
“Efetivamente, o IOF é muito mais um instrumento de manipulação da política de crédito, câmbio e seguro, assim como de títulos e valores mobiliários, do que um simples meio de obtenção de receitas, embora seja bastante significativa a sua função fiscal, porque enseja a arrecadação de somas consideráveis.”[50]
De fato, a função extrafiscal desse imposto consiste no controle da política monetária[51], haja vista que permite à União intervir no funcionamento do mercado financeiro, “aquecendo-o” ou “esfriando-o”, de acordo com a necessidade. Podemos apontar, a título de exemplo, a necessidade de conter um surto inflacionário gerado em razão de ampla demanda de consumo, viabilizada pelo fácil acesso ao crédito; uma das alternativas viáveis de intervenção do Estado no domínio econômico será o aumento do IOF, de forma a tornar mais oneroso o acesso à financiamentos e, consequentemente, teremos uma desaceleração do consumo.
7.3. Aspectos constitucionais
A competência para sua instituição vem previstas pelo art. 153, V, CF/88, competindo à União instituir imposto sobre “operações de crédito, câmbio e seguros, ou relativas à títulos ou valores mobiliários.”
De imediato, o primeiro ponto que constatamos é que não se trata de uma única base econômica outorgada à tributação, mas de quatro bases econômicas: 1) operações de crédito; 2) operações de câmbio; 3) operações de seguro; e 4) operações relativas à títulos ou valores mobiliários. Destarte, o impropriamente chamado IOF, na verdade, consiste em vários impostos com bases econômicas diversas, todas elas previstas pelo art. 153, inciso V, CF/88.
Todas as bases econômicas possuem um ponto comum, qual seja, dizem respeito à operações. Como já visto anteriormente em nosso curso, operações é o termo utilizado para designar negócios jurídicos.[52]
a) Impostos sobre operações de crédito – IOCrédito
O ponto de partida nos é dado pela literalidade do texto do art. 153, inciso V, da CF/88: o imposto grava negócios jurídicos de crédito. O conceito de crédito possui dois elementos: a) confiança; b) tempo.
Podemos conceituar crédito[53] como o ato por intermédio do qual se realiza uma prestação presente em troca de uma promessa de prestação futura, baseado na confiança que o credor deposita no devedor de que esse cumprirá a prestação que lhe cabe, seja em razão de suas característica pessoas ou por causa da garantia oferecida.
Portanto, a sua base econômica são negócios jurídicos referentes à entrega de dinheiro com vistas ao cumprimento de uma prestação futura. (Ex. empréstimos bancários a juros; financiamentos; mútuo feneratício etc.)
Os negócios jurídicos (operações) que possuem como objeto o crédito podem ser efetivados entre: a) pessoas físicas; b) pessoas físicas e pessoas jurídicas; c) pessoas jurídicas. Além disso, tais pessoas jurídicas podem ser instituições financeiras ou não. O que queremos ressaltar é que as operações de crédito não são praticadas com exclusividade por instituições financeiras, haja vista que sempre estarão presentes quando alguém efetuar uma prestação presente com vistas à uma prestação futura. Resta saber se a base econômica do IOCrédito exige que as operações de crédito sejam praticadas por instituições financeiras.
Sobre o assunto podemos citar a decisão proferida pelo STF na medida cautelar na ADI n. 1.763, que reconheceu que não há tal restrição, de modo que o IOCrédito não possui base econômica adstrita à operações de crédito praticadas por instituições financeiras, contudo, tal manifestação ocorreu em sede de medida cautelar, ainda estando pendente a conclusão do processo. Em razão da relevância de tal decisão, transcrevemos sua ementa:
“IOF: incidência sobre operações de factoring (L. 9.532/97, art. 58): aparente constitucionalidade que desautoriza a medida cautelar. O âmbito constitucional de incidência possível do IOF sobre operações de crédito não se restringe às praticadas por instituições financeiras, de tal modo que, à primeira vista, a lei questionada poderia estendê-la às operações de factoring, quando impliquem financiamento (factoring com direito de regresso ou com adiantamento do valor do crédito vincendo – conventional factoring); quando, ao contrário, não contenha operação de crédito, o factoring, de qualquer modo, parece substantivar negócio relativo a títulos e valores mobiliários, igualmente susceptível de ser submetido por lei à incidência tributária questionada.”
Do voto proferido pelo exmo. rel. Sepúlveda Pertence, condutor do julgamento da medida cautelar em questão, extraímos:
“Nem convence de logo que, para sujeita ao imposto as suas operações típicas, a lei tivesse que equiparar as empresas de factoring à instituições financeiras: a conclusão parte da petição de princípio de que, segundo a Constituição, a participação dessas últimas, as instituições financeiras, no negócio, fosse dado subjetivo elementar da incidência do tributo cogitado; o que, entretanto, não parece exato….
Assim, é de notar, primeiro, que não há no CTN – e nem a Constituição o autorizaria – a restrição subjetiva das operações de crédito tributáveis pelo IOF àquelas praticadas pelas instituições financeiras”
Sobre o assunto, podemos citar a AC n. 2006.71.00.035792-0, julgado pela 1 Turma do TRF4 em 19/05/2010, e também o acórdão representado pela ementa que segue abaixo, ambos no mesmo sentido:
“TRIBUTÁRIO. IOF. OPERAÇÃO DE CRÉDITO. A Constituição não exige que o contrato de mutuo seja celebrado com instituição financeira, o que, inclusive, já restou afirmado pelo STF quando, inobstante entendimentos doutrinários em contrário, apontou, ainda que em sede cautelar, a constitucionalidade da incidência do IOCrédito sobre operações de factoring. A primeira lei instituidora do então IOF limitara o âmbito de incidência às operações praticadas por operações financeiras, o que não restou estabelecido constitucionalmente, tampouco no CTN, de modo que não há mesmo impedimento a que o legislador ordinário faça incidir sobre operações de crédito entre outras pessoas. (TRF4, AC 2002.71.07.005995-1, Segunda Turma, Relator Leandro Paulsen, D.E. 09/05/2007)”
Assim, prevalece o entendimento de que as operações de crédito na precisam, necessariamente, serem praticada por instituições financeiras para que sejam alcançadas pelo IOCrédito. Exatamente nesse sentido podemos citar o entendimento de Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho[54] e Leandro Paulsen, este último leciona que:
“Cabe notar, realmente, que nem a CRFB, ao enunciar a competência, nem o CTN, ao traçar os arquétipos do fato gerador, base de cálculo e contribuintes, circunscreveram às instituições financeiras o Imposto sobre Operações de Crédito; pelo contrário, ensejam a instituição sobre qualquer operação de crédito.” [55],
a.1) Saque realizados em cadernetas de poupança
A Lei nº 8.033/90, ao dispor sobre a hipótese de incidência do IOCrédito colocou dentro de seu alcance os saques realizados em cadernetas de poupança.
“Art. 1º São instituídas as seguintes incidências do imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários:…
V – saques efetuados em cadernetas de poupança.”
A discussão que surgiu pode ser representada pela seguinte indagação: os saques de valores existentes em conta poupança se amoldam à base econômica constitucionalmente prevista? Haveria em tais saques uma operação de crédito?
De forma alguma. Tal fato não é alcançado pela competência prevista pelo art. 153, V, da CF/88, motivo pelo qual esse dispositivo legal foi declarado inconstitucional pelo STF, tendo sua execução suspensa pelo Senador Federal através da Resolução nº 28/07. (art. 52, X, CF/88) Exatamente em razão desse entendimento foi que o Supremo Tribunal Federa – STF – editou a súmula 664, vazada nos seguintes termos:
“É inconstitucional o inciso V do art.1 da Lei 8.033/90, que instituiu a incidência do imposto nas operações de crédito, câmbio e seguros – IOF sobre saques efetuados em caderneta de poupança”
Da análise do RE n. 232.467-5 pelo Pleno do STF em 29/09/99, rel. Min. Ilmar Galvão, observamos que o legislador tem o dever de manter-se dentro dos limites da base econômica constitucionalmente delineada do IOCrédito, especificamente quanto aos limites do que pode ser entendimento como crédito. Vejamos:
“TRIBUTÁRIO. IOF SOBRE SAQUES EM CONTA DE POUPANÇA. LEI Nº 8.033, DE 12.04.90, ART. 1º, INCISO V. INCOMPATIBILIDADE COM O ART. 153, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. O saque em conta de poupança, por não conter promessa de prestação futura e, ainda, porque não se reveste de propriedade circulatória, tampouco configurando título destinado a assegurar a disponibilidade de valores mobiliários, não pode ser tido por compreendido no conceito de operação de crédito ou de operação relativa a títulos ou valores mobiliários, não se prestando, por isso, para ser definido como hipótese de incidência do IOF, previsto no art. 153, V, da Carta Magna. Recurso conhecido e improvido; com declaração de inconstitucionalidade do dispositivo legal sob enfoque.”
Sobre o assunto, Leandro Paulsen é enfático ao dizer que:
“Não será possível, pois, a instituição, a título de imposto sobre operações de crédito, de imposto sobre aquilo que não configure um negócio consubstanciado na entrega de moeda mediante obrigação à prestação futura.”[56]
b) Imposto sobre operações de câmbio – IOCâmbio
A sua base econômica são negócios jurídicos com câmbio, o qual é compreendido como a compra e venda de moeda estrangeira ou nacional, ou, ainda, a entrega de determinada moeda à alguém em contrapartida de outra moeda recebida. Assim, o fato dado à tributação pela competência tributária são negócios jurídicos referentes à troca de moeda nacional por moeda estrangeira.
c) Imposto sobre operações de seguro – IOSeguro
A Constituição autoriza a União a instituir imposto sobre operações de seguro, de modo que sua base econômica são negócios jurídicos referentes à seguro. A noção de seguro nos é dada pelo Código Civil de 2002 (Lei n. 10.406/02), especificamente em seu artigo 757, verbis:
“Art. 757. Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou coisa, contra riscos predeterminados.”
Segundo ensinamentos de Maria Helena Diniz:
“Contrato de seguro é a convenção pela qual alguém adquire, mediante pagamento de um prêmio, o direito de exigir da outra parte uma indenização, caso ocorra o risco futuro assumido. Segurador.”[57]
Portanto, o imposto poderá alcançar os negócios jurídicos nos quais alguém se obriga para com outrem, mediante remuneração de um prêmio, a indenizar prejuízos resultantes de riscos futuros, estes devidamente especificados quando da realização dos respectivos negócios jurídicos.
d) Imposto sobre operações relativas a títulos e valores mobiliários – IOTVM
Já em um primeiro instante percebemos que o imposto grava dois objetos: títulos e valores mobiliários, devendo ser ressaltado que o qualificativo mobiliários se refere tanto à títulos como valores. Deste modo, o fato da vida passível de tributação diz respeito à títulos mobiliários e valores mobiliários.
A expressão Títulos mobiliários poderia ser reconduzida aos chamados títulos de crédito, contudo, não é o que ocorre. Títulos é termo empregado em nosso direito como designativo de qualquer documento que contenha a menção de um direito, seja qual for a sua natureza[58]. Títulos mobiliários são os papeis designativos de direitos autorizados a serem negociados no mercado de capitais.
A seu turno,valores mobiliários é conceito que se liga ao mercado de capitais. São investimentos oferecidos ao público, sobre os quais o investidor não tem controle direto, cuja aplicação é feita em dinheiro, bens ou serviços, na expectativa de lucro, não sendo necessária a emissão do título para materialização da relação obrigacional.[59] Segundo Eduardo Sabbag são:
“documentos ou instrumentos que materializam direitos de crédito, sendo aptos para circular no mercado entre mãos estranhas daquelas que lhe deram nascimento.”[60]
O art. 2, da Lei n. 6.385/76, que regula o mercado de valores mobiliários e cria a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), prevê como valores mobiliários:
“I – as ações, debêntures e bônus de subscrição;
II – os cupons, direitos, recibos de subscrição e certificados de desdobramentos relativos aos valores mobiliários;
III – os certificados de depósito de valores mobiliários;
IV – as cédulas de debêntures;
V – as cotas de fundos de investimentos em valores mobiliários ou de clubes de investimento em quaisquer ativos;
VI – as notas comerciais;
VII – os contratos futuros, de opções e outros derivativos, cujos ativos subjacenets sejam valores mobiliários;
VIII – outros contratos derivativos, independentemente dos ativos subjacentes.”
Além desses, a Lei 10.303/01 introduziu a seguinte definiçao:
“IX – quando ofertados publicamente, quaisquer outros títulos ou contratos de investimento coletivo, que gerem direito de participação, de parceria ou remuneracão, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advém do esforço do empreendedor ou de terceiro.”
Nenhuma emissão pública de valores mobiliários poderá ser distribuída, no mercado, sem prévio registro na CVM, entendendo-se por atos de distribuição a venda, promessa de venda, oferta à venda ou subscrição, aceitação de pedido de venda ou subscrição de valores mobiliários. Estão expressamente excluídos do mercado de valores mobiliários os títulos da dívida pública federal, estadual ou municipal e os títulos cambiais de responsabilidade de instituição financeira, exceto as debêntures. Estes negócios jurídicos referentes à títulos e valores mobiliários, como definidos acima, estão sujeitos ao imposto.
7.4. Princípios constitucionais
a) Exceção à legalidade
O parágrafo 1 do art.153, da CF/88, permite ao Poder Executivo alterar as alíquotas do imposto, desde que observe as condições e os limites estabelecidos em lei. A este respeito, ressaltamos que o elemento que pode ser alterado pelo Executivo é somente a alíquota, não sendo permitido que modifique a sua base de cálculo. Por tal razão, o art. 65 do CTN, não foi inteiramente recepcionado pela atual Constituição brasileira.
b) Exceção à anterioridade
O art. 150, parágrafo 1, da CF/88, excepciona este imposto da aplicação da anterioridade, seja ela a anterioridade do exercício ou a noventena. Desta forma, o aumento do imposto é exigido de imediato, não havendo exigência constitucional da espera de algum prazo para a sua efetiva cobrança.
c) Incidência única relativamente ao outro enquanto ativo financeiro ou instrumento cambial
O parágrafo quinto do art. 153 dispõe:
“O ouro, quando definido em lei como ativo financeiro ou instrumento cambial, sujeita-se exclusivamente à incidência do imposto de que trata o inciso V do caput deste artigo, devido na operação de origem; a alíquota mínima será de um por cento, assegurada a transferência do montante da arrecadação nos seguintes termos:
I – trinta por cento para o Estado, o Distrito Federal ou o Território, conforme a origem;
II – setenta por cento para o Município de origem.”
O ouro pode ser visto como ativo financeiro/instrumento cambial ou não, sendo que, caso se qualifique como ativo financeiro, somente se sujeitará ao pagamento do IOTVM e, ainda assim, somente na primeira operação.
Neste diapasão, a qualificação do ouro como ativo financeiro ou não depende da sua finalidade, ou seja, da função dada para este minério pelo seu titular. Se destinar-se, por exemplo, à confecção de jóias, relógios ou outras mercadorias, sendo tratado como simples metal nobre, se sujeitará ao pagamento de ICMS. Por outro lado, se servir como instrumento cambial ou ativo financeiro, a exemplo dos investimentos em ouro, somente poderá ser exigido o IOTVM. Portanto, fácil observar que a incidência de um ou outro imposto depende da função dada ao minério.
A Lei n. 7.766/89 define legalmente o ouro como ativo financeiro ou instrumento cambial, vejamos:
“Art. 1 O ouro, em qualquer estado de pureza, em bruto ou refinado, quando destinado ao mercado financeiro ou à execução da política cambial do País, em operações realizadas com a interveniência de instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, na forma e condições autorizadas pelo Banco Central do Brasil, será desde a extração, inclusive, considerado como ativo financeiro ou instrumento cambial.”
A operação de origem (ouro como instrumento cambial ou ativo financeiro), que é a única sobre a qual pode ser exigido o imposto, é aquela realizada pela instituição financeira para a sua aquisição. Exatamente neste sentido foi o entendimento do STF (RE 190.363-5 e AgRgRE 214.571/SP)
7.5. Normas gerais e regra-matriz de incidência
Sobre a sigla IOCCSTVM, que representa a competência prevista pelo inciso V do art. 153 da CF/88, encontramos, na verdade, quatro espécies de impostos distintos. Por tal razão, imperioso se mostra tratá-los separadamente.
a) IOCrédito
Suas normas gerais se encontram no inc. I do art. 63, inc. I do art. 64, art. 66, todos do CTN. A sua principal legislação instituidora, dentre outras, é o DL n. 1.783/80, Lei n. 9532/97 e Lei n. 9.779/99. Por fim, seu regulamento é previsto pelo Decreto n. 6.306/07.
a.1) Critério material
O art. 63, I, do CTN, diz que o fato gerador do imposto, quanto às operações de crédito, é a efetivação desse crédito através da entrega total ou parcial do montante ou do valor que constitua o objeto da obrigação, ou sua colocação à disposição do interessado. Em síntese é a efetivação do negócio jurídico relativo ao crédito, através de sua efetiva entrega (total ou parcial) ou disponibilização à seu destinatário.
A regra padrão que institui o imposto se encontra no art. 1, do DL 1.783/80, vejamos:
“Art 1º O imposto incidente, nos termos do art. 63 do Código Tributário Nacional, sobre operações de crédito, câmbio e seguro, e sobre operações relativas a títulos e valores mobiliários será cobrado às seguintes alíquotas:
I – empréstimos sob qualquer modalidade, aberturas de crédito e descontos de títulos: 0,5% ao mês sobre o valor da operação ou percentual proporcionalmente equivalente quando for cobrado e uma só vez;”
Por sua vez, o art. 1º, da Lei n. 5143/66, prevê que:
“Art 1º O Impôsto sôbre Operações Financeiras incide nas operações de crédito e seguro, realizadas por instituições financeiras e seguradoras, e tem como fato gerador:
I – no caso de operações de crédito, a entrega do respectivo valor ou sua colocação à disposição do interessado;”
É tal legislação que dá fundamento para a exigência do imposto sobre operações de crédito praticadas por instituições financeiras (art. 2, I, “a”, Decreto n. 6.306/07).
Cumpre-nos consignar que, inicialmente, a regra-matriz do imposto somente alcançava tais operações quando praticadas por instituições financeiras, ficando afastada a tributação das demais operações de crédito praticadas por outras pessoas. Contudo, isso não decorre do texto constitucional, mas de uma opção política do legislador, que em seu âmbito de atuação assegurado pela separação de poderes, entendeu por bem que somente deveriam ser tributadas pelo IOCrédito os negócios jurídicos praticados por instituições financeiras.
Desta forma, como a competência tributária não se esvai em razão do não exercício pelo seu titular (incaducabilidade), nada obsta que posteriormente a lei venha prever a exigência do gravame sobre as demais operações de crédito.
Prosseguindo a exposição, temos que os negócios jurídicos relativos ao crédito são delineados pelo Decreto nº 6.306/07
“Art. 3o O fato gerador do IOF é a entrega do montante ou do valor que constitua o objeto da obrigação, ou sua colocação à disposição do interessado (Lei no 5.172, de 1966, art. 63, inciso I)….
§ 3o A expressão “operações de crédito” compreende as operações de:
I – empréstimo sob qualquer modalidade, inclusive abertura de crédito e desconto de títulos (Decreto-Lei no 1.783, de 18 de abril de 1980, art. 1o, inciso I);”
A previsão de tributação pelo IOCrédito de pessoas jurídicas que não se caracterizam como instituições financeiras se encontra na Lei nº 9.779/99, da qual mencionamos o art. 13, verbis:
“Art. 13. As operações de crédito correspondentes a mútuo de recursos financeiros entre pessoas jurídicas ou entre pessoa jurídica e pessoa física sujeitam-se à incidência do IOF segundo as mesmas normas aplicáveis às operações de financiamento e empréstimos praticadas pelas instituições financeiras.”
Em razão de tal disposição legal, o IOCrédito alcança os mútuos financeiros (operações de crédito) que forem acertados entre pessoas jurídicas ou pessoas jurídicas e pessoas físicas, mesmo quando não houver a presença de instituição financeira no negócio entabulado entre as partes. A previsão regulamentar respectiva se encontra no art. 3º, § 3º, III, do Decreto nº 6.306/07:
“§ 3o A expressão “operações de crédito” compreende as operações de:
III – mútuo de recursos financeiros entre pessoas jurídicas ou entre pessoa jurídica e pessoa física”
A tributação das operações de factoring adveio da Lei nº 9.532/97, especificamente de seu art. 58:
“Art. 58. A pessoa física ou jurídica que alienar, à empresa que exercer as atividades relacionadas na alínea “d” do inciso III do § 1º do art. 15 da Lei nº 9.249, de 1995 (factoring), direitos creditórios resultantes de vendas a prazo, sujeita-se à incidência do imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro ou relativas a títulos e valores mobiliários – IOF às mesmas alíquotas aplicáveis às operações de financiamento e empréstimo praticadas pelas instituições financeiras.
§ 1° O responsável pela cobrança e recolhimento do IOF de que trata este artigo é a empresa de factoring adquirente do direito creditório.
§ 2° O imposto cobrado na hipótese deste artigo deverá ser recolhido até o terceiro dia útil da semana subseqüente à da ocorrência do fato gerador.”
Como vimos quando analisamos a base econômica do imposto, atualmente o STF posiciona-se pela constitucionalidade de referido dispositivo legal. Quanto ao critério material citamos o art. 3º, § 3º, II, de seu regulamento:
“§ 3o A expressão “operações de crédito” compreende as operações de:
II – alienação, à empresa que exercer as atividades de factoring, de direitos creditórios resultantes de vendas a prazo (Lei no 9.532, de 1997, art. 58);”
Na verdade, o factoring pode ser de dois tipos: a) conventional factoring; b) maturity factoring. O primeiro ocorre quando os créditos negociados são pagos antes do vencimento da dívida, enquanto que o segundo o pagamento ocorre no vencimento dos créditos negociados. Isso tem grande importância, haja vista que o art. 58 da Lei nº 9.532/97 somente menciona os direitos creditórios resultantes de venda a prazo, de forma que o gravame somente alcança o conventional factoring.
Pelo exposto, podemos concluir que o critério material do IOCrédito é o negócio jurídico referente à efetivação de crédito, entabulado com instituição financeira, entre pessoa jurídicas não financeiras ou entre pessoa jurídica e pessoa física, excetuados apenas os negócios jurídicos celebrados entre pessoas físicas. O CTN o define como a entrega ou colocação do montante do crédito à disposição do tomador do crédito.(art. 63, I, CTN).
a.2) Critério espacial
O critério espacial coincide com o território nacional, mormente considerando que se trata de um imposto federal.
a.3) Critério temporal
O critério temporal do IOCrédito não traduz quaisquer ficções jurídicas, considerando-se ocorrido o critério material (conduta) no instante em que o crédito é entregue total ou parcialmente ao interessado, ou colocado a sua disposição. O art. 3º, § 1º, do Decreto nº 6.306/07 é preciso ao estabelecer que:
“§ 1o Entende-se ocorrido o fato gerador e devido o IOF sobre operação de crédito:
I – na data da efetiva entrega, total ou parcial, do valor que constitua o objeto da obrigação ou sua colocação à disposição do interessado;
II – no momento da liberação de cada uma das parcelas, nas hipóteses de crédito sujeito, contratualmente, a liberação parcelada;
III – na data do adiantamento a depositante, assim considerado o saldo a descoberto em conta de depósito;
IV – na data do registro efetuado em conta devedora por crédito liquidado no exterior;
V – na data em que se verificar excesso de limite, assim entendido o saldo a descoberto ocorrido em operação de empréstimo ou financiamento, inclusive sob a forma de abertura de crédito;
VI – na data da novação, composição, consolidação, confissão de dívida e dos negócios assemelhados, observado o disposto nos §§ 7o e 10 do art. 7o;
VII – na data do lançamento contábil, em relação às operações e às transferências internas que não tenham classificação específica, mas que, pela sua natureza, se enquadrem como operações de crédito.”
a.4) Critério pessoal
Sujeito ativo é a União, não havendo qualquer parafiscalidade na exação. Por outro lado, os sujeitos passivos deste imposto se subdividem entre contribuintes e responsáveis.
Segundo dispõe o art. 66, CTN, permite-se que seja colocado na condição de contribuinte qualquer das partes da operação tributada, conforme dispuser a lei. Assim, o legislador ordinário pode colocar na condição de contribuinte tanto aquele que empresta como aquele que toma o empréstimo. Vejamos o que dispõe a este respeito o Decreto nº 6.306/07:
“Art. 4o Contribuintes do IOF são as pessoas físicas ou jurídicas tomadoras de crédito (Lei no 8.894, de 1994, art. 3o, inciso I, e Lei no 9.532, de 1997, art. 58).[61]
Parágrafo único. No caso de alienação de direitos creditórios resultantes de vendas a prazo a empresas de factoring, contribuinte é o alienante pessoa física ou jurídica.”
Assim, temos que contribuinte, em razão da legislação que institui o tributo é o tomador do crédito, ou seja, o beneficiário do crédito que recebe uma determinado crédito em troca de uma prestação futura. Nas operações de factoring o contribuinte é aquele que cede os títulos creditórios, recebendo, em troca, uma prestação.
Ao lado do contribuinte esta exação também comporta a sujeição passiva indireta, de modo que, nos termos em que autorizado pelo art. 128 do CTN, a legislação tem colocado na condição de responsável tributário aquele que concede o crédito, nos termos do Decreto 6.306/07, vejamos:
“Art. 5o São responsáveis pela cobrança do IOF e pelo seu recolhimento ao Tesouro Nacional:
I – as instituições financeiras que efetuarem operações de crédito (Decreto-Lei nº 1.783, de 1980, art. 3º, inciso I);[62]
II – as empresas de factoring adquirentes do direito creditório, nas hipóteses da alínea “b” do inciso I do art. 2o (Lei nº 9.532, de 1997, art. 58, § 1º);[63]
III – a pessoa jurídica que conceder o crédito, nas operações de crédito correspondentes a mútuo de recursos financeiros (Lei nº 9.779, de 1999, art. 13, § 2º).[64]”
a.5) Critério quantitativo
A base de cálculo do imposto é disciplinada pelo art. 64, do CTN:
“Art. 64. A base de cálculo do imposto é:
I – quanto às operações de crédito, o montante da obrigação compreendendo o principal e os juros;”
A alíquota pode ser alterada pelo executivo nas condições e limites legais. A lei que prevê tais condições e limites é a Lei nº 8.894/94, que prevê como alíquota máxima o percentual de 1,5% ao dia:
“Art. 1º O Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou relativas a Títulos e Valores Mobiliários será cobrado à alíquota máxima de 1,5% ao dia, sobre o valor das operações de crédito[65] e relativos a títulos e valores mobiliários.
“Parágrafo único. O Poder Executivo, obedecidos os limites máximos fixados neste artigo, poderá alterar as alíquotas do imposto tendo em vista os objetivos das políticas monetária e fiscal.”
b) IOTVM
b.1) Critério material
O arquétipo da conduta vem previsto no art. 63, IV, CTN:
“Art. 63. O imposto, de competência da União, sobre operações de crédito, câmbio e seguro, e sobre operações relativas a títulos e valores mobiliários tem como fato gerador:
IV – quanto às operações relativas a títulos e valores mobiliários, a emissão, transmissão, pagamento ou resgate destes, na forma da lei aplicável.”
Assim, o critério material são negócios jurídicos que digam respeito à emissão, transmissão, pagamento ou resgate dos títulos e valores mobiliários.
A lei instituidora do imposto previu a conduta que gera a tributação pelo IOTVM é a Lei nº 8.033/90, que prescreveu:
“Art. 1º São instituídas as seguintes incidências do imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários:
I – transmissão ou resgate de títulos a valores mobiliários, públicos e privados, inclusive de aplicações de curto prazo, tais como letras de câmbio, depósitos a prazo com ou sem emissão de certificado, letras imobiliárias, debêntures e cédulas hipotecárias;”
Sua disciplina legal é complementada pela Lei nº 8.894/94[66], que não se esmerou na melhor técnica, contudo, autoriza a tributação de toda a base econômica prevista constitucionalmente e delineada pelo CTN.
Deste modo, entendemos por bem citar o art. 25, do Decreto nº 6.306/07, que sintetiza o critério material do IOTVM detalha o critério material:
“Art. 25. O fato gerador do IOF é a aquisição, cessão, resgate, repactuação ou pagamento para liquidação de títulos e valores mobiliários (Lei nº 5.172, de 1966, art. 63, inciso IV, e Lei no 8.894, de 1994, art. 2o, inciso II, alíneas “a” e “b”).”
Assim, seu critério material é aquisição, cessão, resgate, repactuação ou pagamento para liquidação de títulos e valores mobiliários.
b.2) Critério temporal
No caso do IOTVM inexiste ficção legal que estabeleça que a conduta se considera ocorrida em um momento legalmente estabelecido. No caso deste imposto, a conduta se considera ocorrida, como naturalmente deveria ser previsto, no ato da realização dos negócios jurídicos referente ao critério material. Assim, o critério temporal é a data da realização dos negócios jurídicos referentes aos títulos e valores mobiliários.
b.3) Critério espacial
Para que a conduta se sujeite ao pagamento do IOTVM basta que ela ocorra dentro do território nacional.
b.4) Critério pessoal
O sujeito ativo é a União (credora), enquanto o sujeito passivo (devedor), que se reveste da condição de contribuinte, da mesma forma que o IOCrédito, pode ser qualquer das partes do negócio jurídico relativo à aquisição, cessão, resgate, repactuação ou pagamento para liquidação de títulos e valores mobiliários (art. 66, CTN), conforme dispuser a lei. A lei, por sua vez, previu que contribuinte são:
a) os adquirentes de títulos e valores mo;
b) II – as instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, no caso de liquidação (pagamento) dos títulos e valores mobiliários.
Os sujeitos passivos que se qualificam como responsáveis estão previstos no art. 3º, inciso IV, do DL 1783/80, e no art. 28, da MP nº 2.158-35/01, sendo eles:
a) as instituições autorizadas a operar na compra e venda de títulos e valores mobiliários;
b) a pessoa jurídica que intermediar recursos, junto a clientes, para efetuar as referidas aplicações em fundos administrados por outra pessoa jurídica.
b.5) Critério quantitativo
O aspecto quantitativo é representado pela conjugação entre base de cálculo e alíquota, sendo que a base de cálculo deve representar o aspecto dimensível do critério material, ou seja, deve guardar necessária correlação com o aspecto material. O art. 64, do CTN, dispõe que:
“Art. 64. A base de cálculo do imposto é:
IV – quanto às operações relativas a títulos e valores mobiliários:
a) na emissão, o valor nominal mais o ágio, se houver;
b) na transmissão, o preço ou o valor nominal, ou o valor da cotação em Bolsa, como determinar a lei;
c) no pagamento ou resgate, o preço.”
A Lei nº 8894/94, art. 2º, II, c/c Decreto nº 6.306/07 completa a instituição de sua base de cálculo, sendo referente ao valor da operação, ou seja, do negócio jurídico relativo à títulos e valores mobiliários.
A alíquota máxima é de 1,5% ao dia, conforme estabelecido pela Lei nº 8.894/94, em seu artigo 1ª, parágrafo único. Na prática, a regra é que a alíquota seja zero (art. 33, Decreto nº 6.306/07), havendo a tributação de algumas operações especificadas.
8. Imposto sobre a propriedade territorial rural
8.1. Escorço histórico
O ITR – Imposto sobre propriedade territorial rural – já foi de competência dos Estados-membros (CF/46) e dos Municípios (EC nº 5/61), contudo, atualmente é entregue à competência tributária da União, conforme prevê o art. 153, VI, CF/88.
Os dispositivos jurídicos que tratam desse imposto são: art. 153, VI e § 4º, da CF/88; arts. 29 à 31,do CTN; Lei nº 9.393/96 e Decreto nº 4.382/02 (regulamento).
8.2. Função
É concebido como um imposto de função extrafiscal, servindo de instrumento da política agrária do governo, por desestimular a manutenção de latifúndios improdutivos e, de outro lado, estimular a redistribuição de terras no país.
Em função, exatamente, dessa finalidade extrafiscal é que são previstas alíquotas progressivas de acordo com a área do imóvel e seu grau de utilização. Tendo em vista tais razões, foi editada a EC nº 42/03, que prescreveu no § 4º do art. 153 da CF/88, que o imposto será progressivo de forma a desestimular a manutenção de propriedades improdutivas.
8.3. Aspectos constitucionais
A competência para sua instituição vem previstas pelo art. 153, VI, CF/88, sendo atribuída à União, que prevê o imposto sobre “propriedade territorial rural”.
a) Conceito de propriedade como limite à atuação do legislador infraconstitucional
A propriedade é o mais amplo dos direitos reais, envolvendo a faculdade de usar, gozar e dispor do bem, compreendendo, ainda, o direito de reavê-lo de quem quer que injustamente o possua ou detenha. Merece transcrição o art. 1.228 e seguintes do CCB/02:
“Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
Art. 1.229. A propriedade do solo abrange a do espaço aéreo e subsolo correspondentes, em altura e profundidade úteis ao seu exercício, não podendo o proprietário opor-se a atividades que sejam realizadas, por terceiros, a uma altura ou profundidade tais, que não tenha ele interesse legítimo em impedi-las.
Art. 1.230. A propriedade do solo não abrange as jazidas, minas e demais recursos minerais, os potenciais de energia hidráulica, os monumentos arqueológicos e outros bens referidos por leis especiais.
Parágrafo único. O proprietário do solo tem o direito de explorar os recursos minerais de emprego imediato na construção civil, desde que não submetidos a transformação industrial, obedecido o disposto em lei especial.
Art. 1.231. A propriedade presume-se plena e exclusiva, até prova em contrário.”
Para nós, é exatamente com esse conceito que se constrói a base econômica do ITR[67], tendo em vista o disposto no art. 110, do CTN, que prescreve:
“Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.”
De fato, a lei ordinária tributária não poderia alterar os conceitos previstos pela CF/88 sob pena dessa ficar desprovida de força normativa, porquanto, se a legislação estivesse livre para disciplinar o que seria propriedade não haveria limites para o legislador estatuir o imposto e retirar dos contribuintes os valores que bem entendesse. Nosso Estado Democrático de Direito não se compadece com isso, de modo que a Constituição serve de limite até mesmo contra a atuação do legislador, no que se inclui a sua atividade legislativa tributária.
Deste modo, o conceito de propriedade deve servir de limite para a exigência do ITR, não podendo o legislador equiparar qualquer outro direito real ao conceito de propriedade. Contudo, prevalece o entendimento de que a conduta tributável pode ser tanto a propriedade, como a posse ou o domínio útil, vejamos as razões para isso.
b) Entendimento majoritário
Não obstante a CF/88 fale expressamente em propriedade, o legislador previu a incidência do imposto sobre a propriedade, o domínio útil ou a posse, o que fez tanto através de suas normas gerais (art. 29, do CTN) como da legislação instituidora do tributo (art. 1º, Lei nº 9.393/96).
A previsão legal (CTN e Lei nº 9.393/96) é considerada válida com base no entendimento de que a CF/88, ao mencionar a propriedade, também quis alcançar a posse e o domínio útil, pois esses nada mais são do que direitos inerentes à propriedade[68]. Conforme ensina Aires Fernandino Barreto[69] a Constituição ao mencionar o vocábulo “propriedade” não o empregou em seu sentido técnico-jurídico, mas sim na acepção de “patrimônio imobiliário rural”, ou de “imóvel rural”, abrangendo tanto o fato de alguém ser proprietário quando o de ser titular do domínio útil, ou ainda, ser possuidor a qualquer título.
Deste modo, quando a Constituição utiliza a expressão propriedade, que é o direito pleno, também autoriza a tributação de seus elementos (posse e domínio útil).
c) Territorial
Territorial é adjetivo que se liga à noção de propriedade vista acima, de modo que o que o imposto grava é a propriedade territorial (e também o domínio útil ou posse) e não toda e qualquer propriedade imobiliária. Tal expressão (territorial) se liga à território, sendo este uma extensão de terra, de modo que a dimensão econômica que se sujeita a tributação são terrenos[70], ou seja, é a propriedade da terra nua, diferentemente do que ocorre com o IPTU, que alcança a propriedade predial e territorial urbana.
O conceito relativo à expressão territorial pode ser reconduzido ao de imóvel por natureza, sendo exatamente esse o conceito utilizado tanto pelo CTN (art. 29) quanto pela Lei nº 9.393/96, motivo pelo tais disposições legais guardam compatibilidade com a CF/88 o conceito de imóvel por natureza era dado pelo art. 43 do revogado Código Civil de 1.916, sendo esta a acepção utilizada pelo legislador tributário ao instituir o imposto.
“Art. 43. São bens imóveis:
I – o solo com a sua superfície, os seus acessórios e adjacências naturais, compreendendo as árvores e frutos pendentes, o espaço aéreo e o subsolo; (Redação dada pelo Decreto do Poder Legislativo nº 3.725, de 15.1.1919)”
O atual CC/02 traz previsão semelhante no seu art. 79, verbis:
“Art. 79. São bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente.”
Portanto, imóvel por natureza, e, por conseguinte, propriedade territorial é o solo nu e seus agregados da própria natureza (vegetação, árvores etc.), ficando excluídos o cultivo ou construções, mas compreendendo as árvores, frutos pendentes, o espaço aéreo e o subsolo. Contrapõe-se à noção de imóvel por acessão física[71] ou intelectual[72], que são conceitos de Direito Civil, que não se sujeitam à tributação pelo ITR.
d) Rural
Esse dado possui grande relevância na diferenciação do âmbito de tributação do IPTU e ITR, pois, se o imóvel for urbano, somente poderá ser exigido o IPTU, enquanto que, caso seja rural, somente pode ser exigido o ITR. Ressaltemos que nunca poderá ser exigido os dois impostos simultaneamente com base na mesma situação (propriedade imobiliária).
A definição do que seja imóvel rural ou urbano depende da adoção de dois critérios: a) localização do imóvel; b) destinação do imóvel.
d.1) Critério da localização
Pelo critério da localização, imóvel rural será aquele situado fora da zona urbana do Município. Desta forma, o conceito é definido por exclusão: será rural o imóvel que estiver fora da zona urbana, sem que exista conceito de zona rural que não seja aquela que não for urbana. Neste sentido citamos lição de Eduardo Sabbag:
“Assim, definir-se-á zona urbana pelo critério prevalente da localização, indicando-se que zona rural há de ser fixada por exclusão. Em primeiro lugar, averigua-se a natureza da zona urbana; parte-se, após, por exclusão, ao conceito de zona rural.”[73]
Esse é o critério utilizado pelo CTN, vejamos:
“Art. 29. O imposto, de competência da União, sobre a propriedade territorial rural tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel por natureza, como definido na lei civil, localização fora da zona urbana do Município.”
A delimitação de zona urbana é obtida pela análise da lei municipal (Plano Diretor), a qual deve seguir os parâmetros estatuídos pelo § 1º, do art. 32, do CTN:
“§ 1º Para os efeitos deste imposto, entende-se como zona urbana a definida em lei municipal; observado o requisito mínimo da existência de melhoramentos indicados em pelo menos 2 (dois) dos incisos seguintes, construídos ou mantidos pelo Poder Público:
I – meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais;
II – abastecimento de água;
III – sistema de esgotos sanitários;
IV – rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição domiciliar;
V – escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de 3 (três) quilômetros do imóvel considerado.
§ 2º A lei municipal pode considerar urbanas as áreas urbanizáveis, ou de expansão urbana, constantes de loteamentos aprovados pelos órgãos competentes, destinados à habitação, à indústria ou ao comércio, mesmo que localizados fora das zonas definidas nos termos do parágrafo anterior.”
Assim, a lei Municipal que defina a Zona Urbana deve observar, pelo menos, dois dos melhoramentos previstos no dispositivo do CTN supraindicado.
Destarte, para aferirmos se o imóvel se encontra em zona urbana devemos verificar a lei municipal que trate do tema, pois nela é que estará indicado o que se considera como tal. Além disso, devemos observar se tal lei obedeceu à condição estabelecida pelo CTN, qual seja, a existência de pelo menos dois dos melhoramentos previsto no dispositivo legal supracitado.
d.2) Critério da finalidade
Ao lado do critério da localidade existe o critério da destinação, que elege como elemento identificador do imóvel como urbano ou rural a sua destinação. O critério parte da premissa de que a palavra “rural” designa o que seja próprio do campo, em contraste do que seja próprio da cidade. Desta forma, a sua finalidade o caracterizaria para fins de pagamento de ITR ou IPTU.
O imóvel rural deve ser aquele destinado à atividade agropastoris, ou seja, utilizado em exploração extrativa vegetal, agrícola, pecuária ou agroindustrial. Tendo em vista estas considerações, foi que o art. 15, do DL nº 57/66 previu que um imóvel em tais condições não deveria ser submeter ao pagamento de IPTU:
“Art 15. O disposto no art. 32 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, não abrange o imóvel de que, comprovadamente, seja utilizado em exploração extrativa vegetal, agrícola, pecuária ou agro-industrial, incidindo assim, sôbre o mesmo, o ITR e demais tributos com o mesmo cobrados.”
O DL 57/66 foi editado quando não se fazia necessário a edição de Lei Complementar para tratar do tema (normas gerais), dessa forma, assim como o CTN foi recebido com o status de Lei Complementar de normas gerais, esse Decreto-Lei nº 57/66 também o foi, sendo considerado válido pela jurisprudência pátria:
4. Recurso especial provido (STJ. REsp 492869 / PR. 1ª T., rel. Min. Teori Albino Zavascky, DJ. 07/03/2005)”
O Supremo Tribunal Federal corrobora esse entendimento como podemos observar do precedente representado pelo RE 140773 / SP, julgado em 08/10/1998.
d.3) Conclusão
Em razão do entendimento jurisprudencial, a delimitação do que seja imóvel rural deve ser obtida da conjugação do critério da localização com o da finalidade. Considera-se o critério da localização, com exceção dos imóveis localizados dentro da zona urbana Municipal que forem destinados à atividades agropastoris. Sobre o assunto, citemos o seguinte julgado:
8.4. Princípios constitucionais
a) Progressividade
A progressividade do ITR vem prevista no art. 153, parágrafo 4, inc. I:
“4. O imposto previsto no inciso VI do caput:
I – será progressivo e terá as suas alíquotas fixadas de forma a desestimular a manutenção de propriedades improdutivas;”[74]
Tal redação foi conferida pela EC n. 42/03, tendo acrescentado à redação anterior a expressão “será progressivo e”, pois, a redação original já previa que o imposto deveria ter alíquotas fixadas de modo a desestimular a manutenção de propriedades improdutivas. Assim, a reforma da CF/88 objetivou evitar alegações quanto à impossibilidade de se admitir a progressividade em impostos reais, alegações estas que geraram discussões quanto ao IPTU (STF. RE 153.441-0). Conforme ensina Leandro Paulsen:
“Com a nova redação, o inciso I do 4 do art. 153 enseja tanto o estabelecimento de alíquota maior à medida que aumenta a base de cálculo (progressividade), como a utilização extrafiscal do ITR, de modo que seja mais onerado o proprietário que não dê destinação econômica ao seu imóvel rural, produza apenas em parte do mesmo ou com baixo rendimento.
Note-se que, não fosse a expressa autorização outorgada pela EC n. 42/03, não se admitiria progressividade de alíquotas para o ITR, pois o STF tem orientação no sentido de que os impostos reais não admitem progressividade.”[75]
b) Imunidade de pequenas glebas
O ITR não pode incidir sobre pequenas glebas rurais, definidas em lei, quando exploradas pelo proprietário que não possua outro imóvel. (153, 4, II, CF/88).
Para esse fim, pequenas glebas foram definidas pela Lei n. 9.393/96 como aquelas que variam de 30 há à 100 há conforme a localização das terras[76]. No entanto, a extensão da gleba, por si só, não a coloca sob o amparo da imunidade, é necessário também a unititularidade, ou seja, que o proprietário não possua outro imóvel rural ou urbano. Não há, atualmente, requisito de que o titular explore a gleba sozinho ou com auxílio somente de sua família, uma vez que tal requisito foi abolido pela EC n. 42/03.
A discussão que se põe sobre esse assunto é de ordem formal. A regulamentação dessa imunidade partiu de lei ordinária, enquanto que o art. 146, II, CF/88 exige lei complementar para tratar do assunto. Outrossim, sendo a imunidade um limite colocado conta o legislador, a sua regulamentação por lei ordinária inutilizaria o instituto, já que outra lei ordinária poderia dispor de forma contrária.
CARRAZZA prevê como solução para essa inconstitucionalidade a aplicação, por analogia, do art. 191 da CF/88, fixando a metragem das pequenas glebas em 50 ha, até que sobrevenha lei complementar que trate do assunto.[77]
8.5. Delegação aos Municípios
O ITR é de competência da União, a qual também tem o dever de fiscalizá-lo e arrecadá-lo, sendo que, nesse caso, o produto da arrecadação do ITR é distribuído ao Município em que se situa o imóvel e à União, na proporção de 50% (cinqüenta por cento) para cada um. Todavia, a CF/88 prevê que a sua fiscalização e arrecadação pode ser feita pelo Município, em razão de opção deste (art. 153, 4, III, CF/88), sendo que, neste caso, o produto da arrecadação se destinará exclusivamente à ele (art. 158, II, CF/88).
O detalhe que devemos ter em mente é que tal opção não poderá implicar em redução do imposto ou qualquer forma de renúncia fiscal, e, que embora a capacidade ativa passe para o Município, a competência, por ser indelegável, permanece com a União.
8.6. Normas gerais e regra-matriz
a) critério material
A conduta que, uma vez ocorrida, gera o dever de pagar o imposto é a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel por natureza, localizado fora da zona urbana do município, ou, mesmo dentro da zona urbana quando o imóvel for destinado a atividades agropastoris. (art. 1. Lei n. 9393/96, art. 29 CTN, e art. 153, VI, CF/88).
O fato gerador desse imposto se caracteriza como um fato gerador continuado, pois consiste em uma situação duradoura, que se repete no tempo em intervalos regulares.
b) Critério temporal
A tributação pelo ITR não se vincula a determinado ato que ocorra num dado instante, mas a uma situação que se encontra presente a algum tempo, mais ou menos longo. Como tal situação é duradoura, faz-se necessário que a lei estabeleça um instante no qual ocorra a incidência tributária, e, então, o proprietário, possuidor ou titular do domínio útil tenha que pagar o imposto. Este momento é representado pelo critério temporal.
Conforme dita o art. 1, da Lei 9393/96, o momento em que a conduta passa a ser relevante, isto é, o instante em que ocorre a incidência tributária e que ao sujeito passivo é imposto o dever de pagar o tributo, se verifica no dia 1 de janeiro de cada ano.
Ressaltamos que o fato gerador do imposto não é ser proprietário[78] do imóvel por um ano, mas sê-lo no dia 1 de janeiro de cada ano, de maneira que é irrelevante se o sujeito passivo titularizava o imóvel por período inferior a um ano ou se o alienou durante o ano. Constatada a propriedade do imóvel na data prevista, seu proprietário é colocado na condição de sujeito passivo do tributo independentemente de considerações outras sobre a manutenção dessa propriedade.
c) Critério espacial
O critério espacial do imposto é o território nacional, de forma que verificada a titularidade de imóvel rural em qualquer lugar deste, haverá a incidência tributária. Tal critério não pode ser identificado com zona rural, eis que seu fato gerador não é somente “ser proprietário de imóvel”, mas “ser proprietário de imóvel rural” e, tal conceito, como visto acima, não depende somente de sua localização, mas também de sua destinação, à luz do art. 15 do DL 57/66.
d) Critério pessoal
O sujeito ativo (credor), como regra, é a União, salvo em relação aos Municípios ou Distrito Federal optarem por fiscalizá-lo e arrecada-lo, nos termos do art. 153, 4, III, CF/88, quando, então, o sujeito passivo será o Município ou DF.
O sujeito passivo (devedor) pode se revestir da condição de contribuinte ou responsável. Contribuinte do imposto é titular da propriedade, domínio útil ou posse do imóvel rural em 1 de janeiro de cada ano. Por sua vez, a legislação de regência colocou o sucesso, a qualquer título, na condição de responsável pelo pagamento do imposto. (art. 31 do CTN c/c arts. 4 e 5 da Lei 9.393/96).
O sucessor a qualquer título é aquele previsto pelos arts. 128 à 133 do CTN, valendo menção ao adquirente, o espólio, os herdeiros, o cônjuge meeiro do titular do imóvel a época de sua incidência. Na verdade, o responsável pode ser encontrado pela análise das regras de responsabilidade tributária prevista no próprio CTN.
e) Critério quantitativo
O critério quantitativo é incumbido de determinar o quantum que deve ser recolhido aos cofres públicos. Neste aspecto, ganha importância a previsão constitucional de progressividade e fixação de alíquotas de modo a desestimular a manutenção de propriedades improdutivas. De fato, a legislação que cuida do imposto esposa tais diretrizes ao delinear a base de cálculo e alíquotas desse imposto.
e.1) Base de cálculo
O CTN prevê que a base de cálculo será o valor fundiário do imóvel. Valor fundiário nos remete ao valor do terreno, correspondendo ao valor da terra nua correspondente ao seu preço de mercado, o que impede a inclusão dos valores relativos a benfeitorias em sua base de cálculo. (art. 31 do CTN).
Com tais conceitos o legislador tributário se manteve fiel à base econômica prevista constitucionalmente, que indica que o imposto somente pode alcançar a propriedade territorial. Ao eleger o valor da terra nua como a base de cálculo, a lei não desbordou da autorização constitucional, pelo contrário, a homenageou, excluindo o cômputo de construções, instalações, benfeitorias, culturas, pastagens cultivadas e melhoradas, florestas plantadas etc.
Contudo, nem toda a terra nua pode ser tributada, eis que existem determinadas extensões que não são utilizáveis ou que não se sujeitam à exploração pelo titular do imóvel. Assim, a Lei n. 9.393/96 considera na apuração do imposto as áreas de preservação permanente, reserva legal, de interesse ecológico e as comprovadamente imprestáveis para qualquer exploração agrícola, pecuária, granjeira ou florestal, as quais, se existentes, diminuem o valor a ser pago a título de ITR (art. 10, 1, II).
Portanto, a base de cálculo do imposto, conforme estipulado por sua lei instituidora, não é o valor da terra nua (VTN), mas o valor da terra nua tributável (VTNt), que é um conceito que permite certo abatimento em relação as áreas imprestáveis, de preservação permanente, reserva legal, de interesse ecológico etc.[79]
e.2) Alíquotas
As alíquotas são graduadas de forma progressiva em consideração à extensão da gleba, e também de modo a desestimular a manutenção de propriedades improdutivas, variando de 0.03% à 20%.
A progressividade é encontrada quando constatamos que as alíquotas aumentam conforme aumenta a área do imóvel, independentemente do grau de utilização. Por sua vez, a diferença maior encontramos no aumento de alíquota que considera o grau de utilização do imóvel, vejamos a tabela de suas alíquotas:
e.3) As alíquotas do ITR e o princípio do não-confisco
A alíquota de 20% de um imposto que grave a propriedade é bem alta, já que em 5 (cinco ) anos o imposto terá absorvido o valor total do bem, o que chegaria às raias do confisco. Por outro lado, o ITR possui nítida função extrafiscal, sendo utilizado como instrumento estatal para desestimular a manutenção de propriedades improdutivas e garantir a função social da propriedade. Como então resolver esse dilema? Sobre esse assunto é esclarecedora a lição de Luís Fernando de Souza Neves:
“O direito de propriedade, que era tido como absoluto, exclusivo e perpétuo, sofreu uma relativização em virtude da função social da propriedade introduzida pela Constituição de 1988. …
Estaríamos, então, autorizados a concluir que o princípio da função social da propriedade, à guisa de relativizar o direito de propriedade, antes absoluto, exclusivo e perpétuo e de aplicar a extrafiscalidade para inibir abusos, autorizou, ilimitadamente, a progressão de alíquotas para forçar o proprietário a melhorar a produtividade de sua área rural ou dela defazer-se?
Cremos que não, porque esse princípio não recebeu do poder constituinte originário “status” e valoração tão elevados a ponto de sobrepô-lo ao princípio da proibição de tributos com efeitos confiscatórios e que o autorizasse, por meio da progressividade o aumento ilimitado de alíquotas.
É cedido que a Constituição Federal em seu art. 5, XXIII prescreveu que a propriedade deverá atender sua função social. Porém, esse mesmo artigo também garantiu no inciso imediatamente anterior – XXII, que essa propriedade apesar de não ser mais considerada perpétua, exclusiva, absoluta ou incontrastável, jamais poderá ser desconsiderada e, sob qualquer pretexto, encampada pelo Estado em detrimento dos direitos do particular.
Os limites à ação do Estado também estão postos nessa mesma Constituição nos arts. 5, XXIV e 184.
Já o art. 184 atribui à União competência para desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel que não esteja cumprindo sua função social, mas condiciona essa ação do Estado à prévia e justa indenização….
Portanto, mesmo as propriedades improdutivas não poderão, sob pretexto de não estarem cumprindo sua função social, receber como castigo uma tributação escorchante que resulte em seu perdimento, pois e o princípio da função social da propriedade não estiver sendo cumprido, apesar da Constituição autorizar o uso de alíquotas progressivas no ITR, impede que a progressividade resvale para o confisco.
Mas, se mesmo com o decurso de tempo tal progressividade não demonstrar resultado eficaz para forçar o proprietário, possuidor ou detentor do domínio útil a tornar a propriedade produtiva, a União ainda poderá valer-se da desapropriação para fins de reforma agrária, mediante justa e prévia indenização.”[80]
e.4) Reserva legal e área de preservação permanente
A reserva legal e a área de preservação permanente possuem relevante impacto no valor do imposto devido, uma vez que têm repercussão tanto no grau de utilização do imóvel (o que determinará a alíquota aplicável), quando no valor da terra nua tributável (que repercute diretamente na base de cálculo). Sendo assim, a possibilidade de sua utilização traz implicações em todo o critério quantitativo, já que é determinante tanto da alíquota quanto da base de cálculo, tornando o tributo mais gravoso ou de reduzido impacto.
Como o ITR é um imposto cujo lançamento se faz através da sistemática do chamado lançamento por homologação (art. 150, CTN), surge a questão sobre a necessidade de comprovação documental da existência da reserva legal e da área de preservação permanente, eis que o sujeito passivo deverá declarar o tributo e efetuar seu recolhimento independentemente de análise prévia por parte da Administração Tributária. A resposta quanto a esta questão é dada pelo 7, do art. 10, da Lei 9.393/63, vejamos:
“§ 7o A declaração para fim de isenção do ITR relativa às áreas de que tratam as alíneas “a” e “d” do inciso II, § 1o, deste artigo, não está sujeita à prévia comprovação por parte do declarante, ficando o mesmo responsável pelo pagamento do imposto correspondente, com juros e multa previstos nesta Lei, caso fique comprovado que a sua declaração não é verdadeira, sem prejuízo de outras sanções aplicáveis. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001)”
Portanto, em razão desse dispositivo legal, o sujeito passivo não necessita comprovar a existência de tais áreas, bastando que as inclua em sua declaração. A verificação da veracidade das informações prestadas pelo declarante ficariam sujeitas à homologação por parte do Fisco, que, discordando, poderá lançar a diferença e aplicar as penalidades respectivas.
9. Imposto sobre grandes fortunas
O art. 153, inc. VII, da CF/88, confere à União a competência para instituir imposto sobre grandes fortunas, nos termos de lei complementar.
É um imposto que ainda não foi instituído, estando apenas previsto dentre as competências tributárias da União. A instituição dessa exação depende de uma opção política que, até agora, inexistiu, embora já tenham tramitado no Congresso Nacional projetos de lei que tentaram instituí-lo, como o Projeto de Lei Complementar do Senado n. 162/89, o de n. 108/89, o de n. 208/89, o de n. 218/90 e o de n. 268/90.
O inconveniente político contra a edição a instituição do IGF seria a retirada das grandes fortunas do País, as quais se destinariam à países onde o imposto não é cobrado. Para isso o contribuinte teria assegurado o prazo de 90 (noventa) dias entre a instituição do tributo e sua cobrança, tendo em vista a anafastável noventena prevista no art. 150, III, c, CF/88.
Uma das questões jurídicas que são colocadas a respeito desse imposto consiste em sabermos se a referência expressa à lei complementar no próprio inc. VII, do art. 153, da CF/88, imporia a utilização desse instrumento normativo para instituição do tributo ou se tal referência seria a mesma prevista pelo art. 146, III, “a”, da Carta Magna, ou seja, se a lei complementar somente é exigida para tratar de suas normas gerais.
Tal referencia à lei complementar deve ser entendida como uma imposição distinta da prevista pelo art. 146 da CF/88, que trata de normas gerais em matéria tributária, especificamente quanto à definição dos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes dos impostos discriminados na Constituição. Isto porque a referência expressa à “nos termos de lei complementar” não pode ser inócua, motivo pelo qual devemos entender que o IGF somente pode ser instituído através de lei complementar, do mesmo modo que é exigido este instrumento normativo para instituição de empréstimos compulsórios e para o exercício de sua competência residual (art. 154, I, e art. 195, 4, ambos da CF/88).
10. Impostos decorrentes da competência residual e impostos extraordinários
A União e somente ela (de forma que esta faculdade não se estende aos Estados, DF e Municípios) possui, além das competências tributárias previstas taxativamente pela CF/88, a competência residual para instituição de impostos, conforme previsto pelo art. 154, I, da Magna Carta. Isto significa que outros impostos federais podem ser criados independentemente de sua expressa previsão constitucional, bastando que sejam observadas as condições e limites previstos para o exercício desta competência.
Tais condições são: a) a exigência de lei complementar para instituição do imposto; b) a exigência de que o imposto seja não-cumulativo; c) que o imposto não tenha o mesmo fato gerador ou base de cálculo dos impostos já previstos pela CF/88; e, por fim, iv) que 20% do produto de sua arrecadação seja destinado aos Estados e DF (art. 157, II, CF/88),
Além dessa competência residual, a União também pode instituir impostos extraordinários, consoante previsão contida no art. 154, II, CF/88, segundo a qual tais impostos podem ser instituídos no caso de guerra externa ou sua iminência, podendo estar compreendidos ou não em sua competência tributária, mas que serão suprimidos gradativamente quando cessadas as causas de sua criação.
A competência para instituir impostos extraordinários é ampla, gozando o legislador de liberdade para conformação da exação, podendo, inclusive, invadir a competência outorgada a outros entes da federação por meio de mera lei ordinária. Não há problema algum nessa larga margem de liberdade, uma vez que a exigência tributária se justifica para que o País possa fazer frente à uma guerra externa, o que não se coaduna com procedimentos formais ou insurgências de toda ordem por parte dos contribuintes.
Entretanto, cessadas as causas que dão sustentação aos impostos extraordinários (guerra externa ou sua iminência), estes obrigatoriamente devem ser suprimidos de forma gradual, posto que não se justifica a sua cobrança quando a situação de guerra já se encontrar superada, não havendo mais perigo para a nação.
Informações Sobre o Autor
Ari Timóteo dos Reis Júnior
Especialista em Direito Tributário pelo IBET. Pós-graduando (lato sensu) em Direito Processual Civil e em Direito Constitucional. Ex-Procurador do Estado de Minas Gerais. Procurador da Fazenda Nacional.