Resumo: O artigo apresenta uma abordagem histórica do seguro e sua importância para a responsabilidade civil, apontando as diferenças principiológicas entre os dois institutos. Além disso, o trabalho expõe como a responsabilidade civil acabou contribuindo para o desenvolvimento do seguro obrigatório tanto no Brasil quanto em outros países. Por fim, o artigo apresenta as vantagens e desvantagens do seguro em relação à responsabilidade civil.
Palavras-chave: seguro; responsabilidade civil; indenização.
Sumário: I. Introdução II. Princípio da restituição integral III. Contexto histórico do seguro frente à responsabilidade civil IV. História do seguro V. Classificação dos Seguros no Brasil VI. Indenização no seguro de dano VII. Conclusão
I. Introdução
O risco é inerente a qualquer obrigação. A noção de risco passa pela desconformidade entre a atividade humana e os fatos que nela interferem como acontecimentos danosos que rompem o equilíbrio anterior, refletindo negativa e diretamente sobre as pessoas e seu patrimônio[1].
O credor da obrigação tem fé que o devedor irá cumprir com suas obrigações em razão de uma responsabilidade individual.
A partir da adoção da teoria do risco puro na responsabilidade civil, pela qual a responsabilidade passou a ser objetiva em diversos casos e não mais somente subjetiva, o instituto do seguro cresceu como uma garantia pelo risco, criado como uma forma de indenizar quem paga o seguro, não se preocupando diretamente com o lesado.
O seguro atua como resposta à necessidade de se eliminarem as conseqüências derivadas de um dano eventual como resultado da assunção de um risco.
Com o decorrer dos anos, os seguros deixam de ser individuais e passam a ser coletivos e, após, obrigatórios. A securitização, portanto, está diretamente relacionada ao problema do risco nas relações humanas.
Ocorre que conforme trataremos mais adiante, a indenização do seguro é “tarifada”. Um dos motivos é que deve observar o princípio indenitário, não visar lucro, respeitando os limites legais.
Desta forma, observa-se que a indenização oferecida pelo seguro não repara o dano em relação à responsabilidade civil, apenas mitiga em relação ao lesado, mas permite maior rapidez na amenização do dano, razão pelo qual é cada vez mais comum a securitização nas relações humanas em geral.
Assim, a indenização garantida pelo contrato de seguro paga até o limite da responsabilidade contratual e não o efetivo valor do débito no caso da responsabilidade civil.
Apesar disso, em vista da socialização do risco, o seguro deixa de ser interesse apenas privado e passa a ser de interesse público, razão pela qual, desde o Decreto-Lei no. 73 de 1966 ampliaram-se o rol dos seguros obrigatórios.
Contudo, é importante observar que a responsabilidade civil, por sua vez é pautada pelo princípio da restituição integral.
O seguro está sujeito a um regime jurídico diferente. Tal instituto é uma forma de garantia contratual, não estando diretamente relacionado à reparação do risco.
De qualquer forma, o seguro mitiga o dano, especialmente em razão do lesado. Este se souber que existe seguro poder recorrer diretamente ao segurador, porque neste caso o lesado também é o credor.
Entretanto, o lesado não obterá a indenização maior do que aquela estipulada na apólice. Contra quem causou o dano efetivamente o lesado pode pleitear um complemento da reparação, em razão da responsabilidade civil individual.
II. Princípio da restituição integral
Giovanna Visintini, em seu Tratado de la Responsabilidad Civil, comenta no capítulo IX sobre a delimitação das conseqüências danosas passíveis de reparação.
A autora faz referência ao artigo 2056 do Código Civil italiano que dispõe acerca do ressarcimento devido à pessoa que sofreu um dano por um ato ilícito e os parâmetros para a determinação do dano reparável pelo credor pelo descumprimento das obrigações.
Inicialmente, acredita-se que existiria um principio geral entre os ordenamentos jurídicos pelo qual o ressarcimento deve ser integral e abarcar tanto as perdas como o que se deixou de ganhar.
Entretanto é necessário avaliar o dano derivado do descumprimento (contratual) e do ato ilícito (extracontratual), o que significa identificar o dano, ou seja, an debeatur e convertê-lo em valor monetário equivalente, isto é, o quantum debeatur.
A individualização do dano a ser ressarcido pressupõe já resolvida a questão da imputação da obrigação do ressarcimento a um responsável e a questão dos termos do dano injusto sofrido pelo lesado, sujeito as medidas legais e judiciais dirigidas a circunscrever os prejuízos reparáveis.
A quantificação do dano nem sempre acompanha a sua individualização, pois pode ocorrer em momento posterior.
Entretanto, a primeira investigação é a mais importante e faz com que surjam diversos problemas jurídicos, uma vez que cada ordenamento tem seus critérios para a delimitação do dano a reparar.
Embora existam diversos tipos de danos reparáveis, conforme os diferentes ordenamentos jurídicos, o presente artigo se propõe a discutir os danos patrimoniais.
Conforme observa Pontes de Miranda “dano patrimonial é o dano que atinge o patrimônio do ofendido”[2].
Quanto ao dano patrimonial, Giovanna Visintini[3] comenta que o Código Civil italiano expressa uma clara diretiva de que a reintegração do patrimônio lesionado tanto por descumprimento ou por ato ilícito deve ser integral.
Pode-se entender que o mesmo se aplica ao nosso sistema legal uma vez que o artigo 944 do Código Civil dispõe que “A indenização mede-se pela extensão do dano” (restitutio in integrum).
Verifica-se, então, que a indenização, no que toca à sua valoração, deverá ser medida de acordo com a própria extensão do dano experimentado – e comprovado – pela vítima.
Da mesma maneira, os intérpretes franceses[4] diante do artigo 1149 do Código Civil francês consideram que a indenização deve ser integral, com vistas a restabelecer a situação na qual o lesado se encontrava antes da ocorrência do ato ilícito.
Ainda em relação ao principio da restituição integral, o Código Civil alemão também dispões expressamente que “quem está obrigado a ressarcir o dano deve restabelecer a situação que existiria se não houvesse ocorrido o ato que obriga o ressarcimento”.
Assim, através de estudos do direito comparado resta confirmado que o princípio geral expressado também é adotado por outros ordenamentos jurídicos, além do brasileiro.
Tal princípio permite aos juízes correlacionar a quantia do ressarcimento com as necessidades da vítima. Citem-se como exemplos, em caso de dano a pessoa, a jurisprudência deve adequar a indenização ao reembolso de gastos necessários para enfrentar tratamentos médicos, no caso de dano patrimonial, para defender o lesado das conseqüências da desvalorização monetária e, em geral, para adequar o método de cálculo do dano às exigências concretas e individuais do lesado.
Segundo Visintini, pode-se dizer que a aplicação do princípio da restituição integral preparou o caminho para o seguro obrigatório, especialmente no campo do dano causado pela circulação de veículos.
Efetivamente, é em função da cobertura de seguro que os juízes podem recorrer constantemente a tal regra sem a necessidade de avaliar a gravidade da culpa cometida, nem a possibilidade econômica do responsável, atendendo exclusivamente as necessidades reais do lesado.
III. Contexto histórico do seguro frente à responsabilidade civil
Após o início do século XX, o seguro de responsabilidade civil se desenvolveu de maneira extraordinária em todos os países industrializados.
Suzanne Carval[5] entende que a responsabilidade civil moderna deve muito ao seguro, sem o qual as metamorfoses que viriam não poderiam ocorrer. Expansão, objetivação e multiplicação dos danos reparáveis tudo se desenvolveu a partir deste instituto.
O “leading case” apontado pela doutrina foi julgado em 1º de julho de 1845, entre a companhia L’Automédon e Isot sobre a contratação de um seguro de veículo.
No referido caso a apólice do seguro previa que em caso de acidente, o segurado seria reembolsado da soma dos valores pagos a título de danos.
Em 25 de janeiro de 1844 um veículo da Isot se acidenta e mata um indivíduo, sendo obrigado a pagar a viúva da vítima a soma de 1575 francos a título de danos. A Isot pede reembolso a companhia L’Automédon que se recusa a pagar, alegando que o veículo que havia ocasionado o acidente estava sem motorista no instante do acidente, o que seria um descumprimento da apólice e das regras contratuais.
Sem examinar o mérito da questão, o Tribunal de Comércio de Paris declara nulo, contrário aos bons costumes e à ordem publica o contrato celebrado entre a Isot e a companhia L’Automédon e como conseqüência que a Isot não deveria receber o valor pleiteado, mas somente o pagamento dos valores pagos a companhia.
A decisão do tribunal francês foi fundamentada nos artigos 1131 e 1133 do seu Código Civil que estabelecia que “a obrigação sobre uma causa ilícita não produz nenhum efeito” e, ainda, “a causa é ilícita quando contrária à ordem pública e aos bons costumes”.
Segundo a decisão judicial, é contrário à ordem pública contratar seguro sobre o quase-delito que pode ser cometido pelo segurado ou por seus empregados.
Assim, o Tribunal declarou o contrato de seguro ali referido como nulo e contrário aos bons costumes e à ordem pública.
A companhia apelou da decisão argumentando que aquele seguro não era contrário à lei, aos bons costumes ou à ordem pública, pois tinha como objeto garantir o proprietário dos veículos reparações civis que poderiam resultar de acidentes causados pela condução dos seus veículos.
Outrossim, L’Automedon aduziu que a liberdade das convenções é um direito comum e que as proibições são exceção e que tal contrato seria favorável à ordem e ao interesse público.
A Corte reformou a sentença por entender que a sociedade teria interesse nesse tipo de contrato que tinha por objetivo restaurar o bem estar e a segurança das indústrias e dos proprietários de toda a natureza.
Conforme a decisão proferida, os contratos de seguro, como obrigações civis, são de direito comum, tem por objeto a reparação de danos pecuniários e que, portanto, os seguros não poderia ser proibidos sob o fundamento de que em certos casos eles podem fazer com que os segurados cometam um delito ou quase-delito.
Os delitos, como a fraude, não são presumidos e um contrato não pode ser proibido em razão de um evento excepcional, cuja apreciação deverá ser submetida ao tribunal.
No caso em tela, o tribunal decidiu que não poderia resultar para o segurado nenhum outro benefício além do reembolso das somas que teria desembolsado, condenando a companhia L’Automédon a reembolsar Isot a soma de 1575 francos que ele pagou a viúva Verrie a título de reparação civil.
Neste sentido, Charles Sainctelette entende que o dano é mais importante do que a causa e defende que o seguro não tem por objeto suprir a um recurso causado por um dano ou a insuficiência de um recurso existente, de cobrir as lacunas ou de corrigir as faltas de organização política, ele vai mais longe. Seu objetivo é cobrir imediatamente e diretamente a socorro de uma infelicidade causada por um sinistro.
Gaston Stéfani, citado por Suzanne Carval, aponta as discussões sobre a natureza do contrato de seguro já em 1876.
Referido autor explica que o contrato de seguro é diferente da cláusula de exclusão de responsabilidade. Ao contratar o seguro o contratante não se livra da responsabilidade, como ocorre na cláusula de exoneração de responsabilidade, que faz com que o dano recaia sobre apenas uma das partes. Na contratação do seguro, pelo contrário, o dano é repartido e, portanto, é reduzido.
No contrato de seguro, o segurador nada mais é que um intermediário que agrupa os riscos e que compensa a partir das regras de estatística. Assim, o seguro distribui os riscos, enquanto que a cláusula de exoneração transfere de um para outro.
René Savatier comenta a respeito das vantagens e inconveniências da amortização dos riscos para toda a sociedade trazidos pelo seguro obrigatório, o qual foi estabelecido por lei na França em 1951.
O autor afirma que o princípio de toda a responsabilidade é a culpa e que qualquer pessoa tem menos cuidado e atenção em evitar um acidente quando sabe que quem reparará o dano é outro que não ela própria, ou seja, que não assumirá as conseqüências de sua culpa.
Assim, embora o seguro obrigatório seja necessário, como um meio de amenizar os danos causados a terceiros em acidentes de trânsito, o autor critica o fato de que as pessoas têm menos zelo quando sabem que estão cobertas por seguro e especialmente quando o que arcará com o pagamento do dano é o Estado.
Tal crítica pode ser bem feita em relação à França, mas quanto ao Brasil não necessariamente ela se aplica, pois embora tenhamos o seguro obrigatório, ter uma dano reparado pelo Estado é sempre um processo difícil e demorado.
A autora Geneviéve Viney também critica a coletivização da responsabilidade, em razão da indeterminação do responsável.
Evolução da responsabilidade civil até o seguro obrigatório
A responsabilidade civil sofreu transformações a partir do surgimento do seguro de responsabilidade em relação à culpa e quanto à responsabilização pelos danos.
Houve um declínio da culpa subjetiva em relação à responsabilidade civil. Os ordenamentos jurídicos passaram a prever a possibilidade de responsabilização sem culpa em casos de atividades perigosas que conferissem riscos a sociedade, criando assim, a responsabilidade objetiva.
Em matéria de responsabilidade contratual se atribuiu amplamente a obrigação de resultado e com isso, a responsabilidade de pleno direito, como por exemplo, ao transportador que cause danos a seus passageiros ou no transporte de mercadorias.
O regime de responsabilidade objetiva teve forte expansão e contribuiu para o desenvolvimento do seguro de responsabilidade.
Além de necessário para garantir os empresários nas atividades consideradas arriscadas, o seguro de responsabilidade era interessante por permitir a demanda direta contra o segurador o dano sofrido, uma vez que a ação direta era considerada como um direito próprio da vítima.
Com o incremento do seguro de responsabilidade surgiu o movimento de socialização dos riscos.
Notadamente, passou-se a observar a prática de seguros diretos de pessoas e de coisas que consistia na transferência de determinados riscos como de acidentes, de doença, de destruição de um bem, o que permite a repartição dos custos de indenização entre aqueles que estão expostos a certo tipo de dano.
Em vista da preocupação pelos riscos de acidentes e de doenças aos quais estavam expostos os empregados durante sua jornada de trabalho, o legislador não tardou em tornar obrigatório o seguro conhecido como social que consistia em juntar os riscos sociais a um regime geral de seguridade social.
Tal regime foi organizado após a II Guerra Mundial visando garantir aos seus segurados um mínimo de recursos e a cobertura de doença, invalidez, acidente do trabalho, aposentadoria, etc.
Importante observar que as prestações pagas pela seguridade social indenizam apenas parcialmente os danos sofridos e a sua finalidade não é a mesma que da responsabilidade civil.
Sendo assim, a vítima de um acidente do trabalho pode, por exemplo, além de receber o valor pago pela seguridade social, pleitear uma indenização direta do responsável pelo dano, em razão de sua responsabilidade civil.
O seguro direto obrigatório teve origem no sistema de seguros sociais e após no da seguridade social.
Jacques Ghestin[6] comenta que na França o próprio legislador contribuiu para o crescimento do seguro, tendo em vista que criou a obrigação da contratação do seguro de responsabilidade civil para os condutores de veículos terrestres, para aqueles que praticam caça, esportes perigosos e, ainda, para os que exercem determinadas atividades profissionais.
Em relação ao seguro de veículos e de caça a obrigação legal se completou com a organização de um “fundo de garantia” reagrupando todas as pessoas que praticam estas atividades com o objetivo de indenizar os danos praticados por autores desconhecidos, que não sejam segurados, ou ainda, que sejam insolventes.
Ghestin entende que houve um estímulo da cobrança de reparação de danos, pois quando a vítima sabe que o autor é coberto por seguro ela não hesitará em responsabilizá-lo e a pleitear a reparação dos prejuízos.
Por outro lado, os juízes também são estimulados a interpretar liberalmente as condições da responsabilidade e a avaliar os danos causados de maneira a indenizar completamente as vítimas se sabe que o responsável teve a precaução de se fazer garantir por um seguro.
Portanto, é certo que o crescimento do seguro de responsabilidade contribuiu para o aumento do número da demanda de reparação de danos e fez com que as pessoas passassem a acreditar que todo dano causado a outrem dá direito a uma indenização.
Entretanto, ressalta-se que este mesmo fator permitiu igualmente atribuir uma importância real ao princípio da reparação integral.
Desta forma, pode-se afirmar que o desenvolvimento da noção de dano reparável que engloba não só os atentados físicos aos bens e à pessoa, mas parte dos ganhos e toda a forma de atentado contra a personalidade, inclusive os danos morais, devem bastante à prática do seguro de responsabilidade.
IV. História do seguro
4.1. História do seguro no mundo
O seguro nasceu da necessidade do homem em controlar o risco. Existem indícios que já na Babilônia, vinte e três séculos antes de Cristo, quando as caravanas atravessavam o deserto para comercializar camelos em cidades vizinhas, surgiram as primeiras modalidades de seguros[7].
Como era comum, alguns animais morrerem durante o caminho, todos os cameleiros, cientes do grande risco, firmaram um acordo no qual pagariam para substituir o camelo de quem o perdesse. Além de uma atitude solidária por parte do grupo, já era sem dúvida uma forma primária de seguro.
Na China antiga e no Império Romano também haviam seguros rudimentares, através de associações que visavam ressarcir membros que tivessem algum tipo de prejuízo.
Com o Renascimento e a expansão marítima da época Mercantilismo a cobertura aos riscos ganhou nova importância. Foi em virtude dos seguros marítimos que se desenvolveu a gestão de risco na maior parte do mundo.
No ramo da navegação, também foi adotado o princípio de seguro entre os hebreus e fenícios cujos barcos navegavam através dos mares Egeu e Mediterrâneo. Existia entre os navegadores um acordo que garantia a quem perdesse um navio, a construção de outro, pago pelos demais participantes da mesma viagem.
No século XII da era cristã, surge uma nova modalidade de seguro. Chamava-se Contrato de Dinheiro e Risco Marítimo, formalizado por meio de um documento assinado por duas pessoas, sendo uma delas a que emprestava ao navegador quantia em dinheiro no valor do barco e das mercadorias transportadas. Se durante a viagem o barco sofresse alguma avaria, o dinheiro emprestado não era devolvido. Caso contrário, esse dinheiro voltava para o financiador acrescido de juros.
Em 1234, o papa Gregório IX proibiu o Contrato de Dinheiro e Risco Marítimo em toda Europa. Os homens ligados ao negócio buscaram então subterfúgios para que pudessem continuar a operar na navegação com aquele seguro. E encontraram: o banqueiro se tornava comprador do barco e das mercadorias transportadas. Caso o navio naufragasse, o dinheiro adiantado era o preço da compra. Se o barco chegasse intacto ao seu destino, a cláusula de compra se tornava nula e o dinheiro era devolvido ao banqueiro, acrescido de outra quantia como rendimento do empréstimo feito.
A preocupação com transporte marítimo tinha como causa interesses econômicos, pois o comércio exterior dos países se dava apenas por mar. A idéia de garantir o funcionamento da economia por meio do seguro prevalece até hoje. A forma de seguro é que mudou, e se aperfeiçoa cada vez mais.
O primeiro contrato de seguro nos moldes atuais foi firmado em 1347, em Gênova, com a emissão da primeira apólice. Era um contrato de seguro de transporte marítimo.
Como se constata acima, o seguro semelhante ao que conhecemos, está diretamente relacionado ao contrato de seguro marítimo, através da constituição de organizações de auxílio mútuo[8] ao transporte pelo mar.
Em decorrência da insegurança existente nas viagens marítimas é que os comerciantes passaram a se preocupar em encontrar um mecanismo de cobertura dos riscos envolvidos naquela atividade.
A teoria das probabilidades desenvolvida por Pascal, associada à estatística, deu grande impulso ao seguro porque a partir de então os valores pagos pelo seguro, seus prêmios, puderam ser calculados de forma mais justa. Tais critérios são válidos até hoje. No século XVI, uma nova etapa surge na história do seguro com dois acontecimentos marcantes: as Tontinas, na França e o Lloyds, em Londres. As Tontinas, uma das primeiras sociedades de socorro mútuo, foi criada em 1653 por Lorenzo Tonti. Apesar da grande aceitação inicial, essa sociedade não conseguiu sobreviver ao longo do tempo.
A segunda foi fundada em Londres, em 1678, do Lloyds por Edward Lloyds, proprietário de um bar que era ponto de encontro de navegadores e atraía pessoas interessadas nos negócios de seguros. Ali, passaram a concretizá-los por meio de contratos. O Lloyds tornou-se uma verdadeira bolsa de seguros e assim opera até os dias de hoje.
No século XVII, o mercado securitário se expandiu e ganhou novos produtos de cobertura terrestre, especialmente em decorrência do Grande Incêndio de Londres de 1666, que destruiu cerca de 25% da cidade.
Ademais, com o advento da máquina e da era industrial no século XIX, surgiram e desenvolveram-se outras modalidades de seguro, como o de transportes terrestres, etc. Os tempos haviam mudado e o mundo ingressava na era da produção em série e do consumo em escala. A figura do segurador individual desaparecia, e no seu lugar entram as companhias seguradoras como existem atualmente.
4.2. História do seguro no Brasil
O seguro no Brasil desenvolveu-se com a vinda da Família Real Portuguesa e a abertura dos portos, em 1808, que intensificaram a navegação[9]. A primeira empresa seguradora do país, a Companhia de Seguros Boa-Fé, surgiu no mesmo ano, com objetivo operar no seguro marítimo.
Até 1822, ano da Independência só se desenvolveu aqui o seguro marítimo. Menos trinta anos depois foi promulgado o Código Comercial, que regulamentou as operações de seguro marítimo, proibindo o seguro sobre a vida de pessoas livres. Com o progresso decorrente, fundaram-se novas empresas, que então passaram a se dedicar a outros ramos de seguro, como o de incêndio e o de mortalidade de escravos, seguro de destaque da época, dada a importância da mão-de-obra negra para a atividade econômica.
Em 1855, foi fundada a Companhia de Seguros Tranqüilidade no Rio de Janeiro, a primeira a comercializar no Brasil seguro de vida.
Poucos anos depois, estabeleceram-se no Brasil diversas empresas estrangeiras, que trouxeram para o país a sua experiência específica.
Com a Proclamação da República, a atividade seguradora, em todas as suas modalidades foi regulamentada. Promulgado em 1916, o Código Civil regulou, como fizera o Código Comercial em relação aos seguros marítimos, todos os demais seguros inclusive o de vida. Em 1935, foi fundada aquela que viria a ser a maior companhia seguradora da América Latina, a Atlântica Companhia Nacional de Seguros, hoje Bradesco Seguros.
Em 1939, foi criado o Instituto de Resseguro do Brasil (IRB), com a atribuição de exercer o monopólio do resseguro no país. Já em 1966, com a edição do Decreto lei nº 73, é instituído o Sistema Nacional de Seguros Privados com a criação da Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), órgão oficial fiscalizador das operações de seguro.
V. Classificação dos Seguros no Brasil
A sistematização jurídica dos seguros, no Brasil, compreende dois grandes ramos: o seguro social e o seguro privado.
Seguro social é aquele em que o Estado figura como segurador, assumindo e gerindo determinado riscos, como por exemplo, o seguro-desemprego. Tal matéria está afeta a previdência social e prevista em legislação própria, sendo desta forma excluída da regulação do Decreto-Lei no. 73/66 que criou o Sistema Nacional de Seguros Privados e regula as operações de seguro e resseguro.
Por outro lado, os seguros privados correspondem às operações individuais de seguros expressos, bilateralmente, por meio de contrato.
Todas as operações de seguros privados realizadas no país estão subordinadas às disposições do Decreto-lei referido acima, sejam eles obrigatórios ou facultativos.
Importante ressaltar que embora a divisão de seguros sociais e privados esteja relacionada a classificação dos seguros em obrigatórios e facultativos, são diferentes na medida em que os ainda que os seguros obrigatórios tenham caráter social, alguns correspondem a proteção de riscos particulares, sendo, portanto, considerados privados.
Consideram-se seguros privados, de acordo com o Decreto-lei 73/66, os seguros de coisas, de pessoas, de responsabilidade civil, de obrigações, direitos e garantias.
Integram-se nas operações de seguros privados os sistemas de co-seguro, resseguro e retrocessão.
5.1. Seguro de dano e seguro de pessoa
O Código Civil disciplina dois grandes gêneros de seguro que norteiam todas as espécies de seguros oferecidas pelo mercado de seguros privados, sendo eles: o seguro de dano e o seguro de pessoas.
Conforme conceitua Ivan de Oliveira Silva “os seguros de danos são aqueles que detêm natureza tipicamente indenitária, ou seja, são voltados a recomposição patrimonial do segurado”[10].
Segundo o princípio indenitário, a indenização não pode ser fonte de enriquecimento para o segurado, um dos preceitos gerais do contrato de seguro.
O seguro de pessoa, por sua vez, não tem caráter indenitário, mas sim previdenciário. Partindo do pressuposto que que a vida ou as faculdades não tem preço, seu valor não está sujeito à limitação, sendo variável conforme a vontade e as condições financeiras do segurado.
De acordo com que observa Buranello, “o seguro de dano é aquele que se aplica a qualquer modalidade de seguro que tenha como principal função reparar a perda sofrida pelo segurado”[11].
Aos seguros de danos cabe uma subdivisão, qual seja, os danos diretos, relacionados às coisas e os danos indiretos, relacionados ao seguro de responsabilidade civil.
5.2. Seguro de responsabilidade civil
O seguro de responsabilidade civil é aquele em que o segurador assume os riscos dos danos que o segurado possa provocar a outrem em razão de ação ou omissão própria, de coisa ou de pessoa sob a sua guarda.
Neste sentido, dispõe o Código Civil, em seus artigos 931 e 932, que:
“Art. 931. Ressalvados outros casos previstos em lei especial, os empresários individuais e as empresas respondem independentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação.
“Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:
I – os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;
II – o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições;
III – o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;
IV – os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos;
V – os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia.”
Embora tecnicamente os seguros de responsabilidade sejam seguros de reembolso, pois conforme a disposição legal, o segurado deveria realizar o pagamento direto a vítima referente ao dano causado e posteriormente, a seguradora lhe garantiria o reembolso, na prática, geralmente o segurador promove diretamente a reparação dos danos à vítima, mediante recibo de quitação do segurado e do terceiro.
O seguro de responsabilidade civil pode ter objeto determinado e/ou indeterminado, conforme observado por Voltaire Marensi[12], entretanto, geralmente o seguro de responsabilidade são seguros contra danos com objeto indeterminado por ser difícil precisar o objeto que sofrerá o dano.
Em relação à possibilidade de se acobertar ato ilícito ou não, o Código Civil, em seu artigo 762[13] superou qualquer dúvida, uma vez que a nulidade do contrato só é proveniente de ato doloso do segurado.
Além disso, a cobertura da espécie de seguro em tela poderá incluir a responsabilidade civil objetiva e subjetiva, conforme contratado pelas partes.
Em geral a vítima que sofreu um dano somente poderá ajuizar a demanda em face daquele que diretamente lhe causou prejuízos extrapatrimoniais, ocorre que o artigo 788 do Código Civil[14], que dispõe sobre os seguros de responsabilidade obrigatórios, abre exceção a regra geral, permitindo que o lesado promova ação judicial diretamente em face do segurador.
5.3. Seguros obrigatórios de responsabilidade civil
Os seguros obrigatórios de responsabilidade civil, assim como em outros países, surgiram a partir dos riscos apresentados a partir do desenvolvimento social, destacando-se pela facilidade de locomoção e com isso, os acidentes envolvendo automóveis.
Desta forma, entenderam as autoridades públicas que determinados seguros, ainda que pertencentes à iniciativa privada, deveriam se tornar obrigatórios a fim de beneficiar a coletividade, de modo que todos pudessem receber a garantia contra os riscos neles previstos[15].
No Brasil, o seguro obrigatório recebeu maior importância a partir do advento do Decreto-Lei 73/66 que tornou compulsórios os seguintes seguros:
“Art 20. Sem prejuízo do disposto em leis especiais, são obrigatórios os seguros de:
a) danos pessoais a passageiros de aeronaves comerciais;
b) responsabilidade civil do proprietário de aeronaves e do transportador aéreo;
c) responsabilidade civil do construtor de imóveis em zonas urbanas por danos a pessoas ou coisas;
d) bens dados em garantia de empréstimos ou financiamentos de instituições financeiras pública;
e) garantia do cumprimento das obrigações do incorporador e construtor de imóveis;
f) garantia do pagamento a cargo de mutuário da construção civil, inclusive obrigação imobiliária;
g) edifícios divididos em unidades autônomas;
h) incêndio e transporte de bens pertencentes a pessoas jurídicas, situados no País ou nêle transportados;
j) crédito à exportação, quando julgado conveniente pelo CNSP, ouvido o Conselho Nacional do Comércio Exterior (CONCEX);
l) danos pessoais causados por veículos automotores de vias terrestres e por embarcações, ou por sua carga, a pessoas transportadas ou não;
m) responsabilidade civil dos transportadores terrestres, marítimos, fluviais e lacustres, por danos à carga transportada.”
Com exceção do DPVAT (Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres), seguro obrigatório de responsabilidade civil de proprietário de veículos automotores de via terrestre, que possui regulamentação própria, todos os demais seguros obrigatórios previstos acima continuam regidos pelas normas técnicas dos demais ramos.
O DPVAT é regulado pela Lei no. 6.194, de 19 de dezembro de 1974, foi alterada pela Lei no. 8.441, de 13 de julho de 1992 e pela Medida Provisória no. 340, de 29 de dezembro de 2006. Tal seguro não permite às partes contratantes modificar suas condições, nem introduzir novas cláusulas, como ocorre nos demais seguros obrigatórios.
VI. Indenização no seguro de dano
A indenização é a contraprestação do segurador nos contratos de seguro de dano.
A reparação é o meio pelo qual se busca a satisfação de alguma perda que alguém sofreu. Um das modalidades do gênero reparação é a indenizacão. Porém, não se pode confundir indenização com compensação.
Indenização é a reparação pela perda de natureza material e econômica (dano patrimonial). Por outro lado, a compensação ocorre no caso de perda de natureza imaterial não econômica (dano moral).
Muitos acreditam que o segurador é obrigado a indenizar sempre o valor constante na apólice quando os prejuízos são totais. Ocorre que essa é uma noção equivocada sobre a indenização devida pelo segurador, pelo fato de coincidir em muitos casos a indenização com a importância segurada.
Conforme já mencionado, nos seguros de dano prevalece o princípio indenitário, ou seja, o valor da indenização não poderá ultrapassar o montante do interesse segurado informado na apólice, isso porque o segurado não pode lucrar com o seguro.
O segurado deve receber o valor real dos bens destruídos ou danificados que possuía antes do sinistro, isto é o que irá delimitar o valor da indenização será especificamente o sinistro.
O princípio indenitário é adotado no Brasil e também em outros países, conforme se verifica na lei francesa de julho de 1930 que dispõe que a indenização devida pelo segurador ao segurado não pode ultrapassar o montante do valor da coisa segurada no momento do sinistro[16].
Em nosso país, o artigo 781 do Código Civil prevê duas limitações em relação à indenização, qual sejam, não pode ultrapassar o valor do interesse segurado, isto é, do próprio prejuízo e fica ainda limitado ao valor máximo da garantia consignada[17].
Cumpre notar que é possível que a apólice identifique o valor do bem segurado, margeando o valor nominal da indenização ou ainda, indicar que seja apurado o valor de mercado do bem segurado.
Nas duas hipóteses, no momento do sinistro deve ser avaliado o valor real dos prejuízos, a fim de evitar que seja infringido o princípio indenitário.
Contudo, conforme observa Pedro Alvim, “tendo o segurado pago o prêmio calculado sobre o valor superior ao que realmente recebeu no momento do sinistro, pode pleitear a devolução da diferença”[18].
Neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça entende que é “abusiva a prática de incluir na apólice um valor, sobre o qual o segurado paga o prêmio, e pretender indenizá-lo por valor menor, correspondente ao preço de mercado, estipulado pela própria seguradora”[19].
VII. Conclusão
Por todo o exposto, podemos concluir que embora a securitização tenha contribuído para o desenvolvimento da responsabilidade civil moderna, sem a qual não haveria a expansão, objetivação e multiplicação dos danos reparáveis, entendemos que o seguro apresenta suas limitações em relação ao princípio da restituição integral no que se refere à indenização.
Tal limitação é decorrente do próprio dispositivo legal vigente, pois enquanto o artigo 944 do Código Civil dispõe que “a indenização mede-se pela extensão do dano” (restitutio in integrum), o artigo 781 do mesmo Código dispõe que “a indenização não pode ultrapassar o valor do interesse segurado no momento do sinistro, e, em hipótese alguma, o limite máximo da garantia fixado na apólice, salvo em caso de mora do segurador”.
Enquanto a indenização na responsabilidade civil, no que se refere à sua valoração deverá ser medida de acordo com a própria extensão do dano experimentado – e comprovado – pela vítima, em relação ao seguro, a indenização referente a um dano encontra os limites já apontados: não pode ultrapassar o valor do interesse segurado e o valor máximo da garantia consignada.
Conforme mencionamos, a indenização do seguro é “tarifada” porque deve observar o princípio indenitário, não visar lucro, respeitando os limites legais.
Desta forma, observa-se que a indenização oferecida pelo seguro não repara o dano em relação à responsabilidade civil, apenas mitiga em relação ao lesado, mas permite maior rapidez no recebimento do valor.
A indenização garantida pelo contrato de seguro paga até o limite da responsabilidade contratual e não o efetivo valor do débito no caso da responsabilidade civil.
Isto porque, conforme apontado, o seguro está sujeito a um regime jurídico diferente da responsabilidade civil. O seguro é uma forma de garantia contratual, não estando diretamente relacionado à reparação do risco.
Ainda assim, o seguro continua sendo cada vez mais interessante tanto no âmbito privado, como no público por mitigar o prejuízo.
Além que, conforme preceitua o parágrafo único do artigo 788, “demandado em ação direta pela vítima do dano, o segurador não poderá opor a exceção de contrato não cumprido pelo segurado, sem promover a citação deste para integrar o contraditório”.
Desta previsão legal conclui-se que o lesado, se souber que existe seguro, pode recorrer diretamente ao segurador, porque o credor é o lesado e não o segurado.
Embora o lesado não obtenha a indenização maior do que aquela estipulada na apólice, no caso de seguro, nada impede que o lesado busque a reparação total do dano contra quem o causou efetivamente, em vista do princípio da restituição integral, mas de qualquer forma terá garantido pelo menos o valor segurado.
Informações Sobre o Autor
Roberta Correa Gouveia
Doutoranda em Direito Civil Comparado pela PUC-SP