Contextualização Histórica da Democracia Participativa e do Estatuto da Cidade no Atual Estado Democrático de Direito

Resumo: O Brasil constitui um Estado Democrático de Direito, previsto constitucionalmente e efetivado pela participação popular na escolha de seus representantes. Esta natureza estatal, aliada aos ditames da cidadania, fornece elementos essenciais para implementação de políticas efetivas para toda sociedade. Diante disso, reclamos surgiram para a especificação das realidades locais, desconcentrando o poder exclusivo da União, que se processou com a publicação do Estatuto da Cidade. Esse intento foi fruto de reclamos durante a história e forneceu maior organização do Estado Democrático brasileiro. A matéria é pouco debatida, sendo pouco disseminado o Direito Municipal, mas isto vem mudando. Nesse alvitre, está a propositura de planejamentos, seguindo o estatuto e referendados nos planos diretores dos municípios. Isto gera maior responsabilidade para as entidades municipais ao passo que gera melhor identificação com o povo na democracia, já que exige o cumprimento dos planos e programas municipais.


Palavras-chave: Democracia. Municípios. Participação. Estatuto da Cidade.


Abstract: Brazil constitutes a democratic state, provided constitutionally and affected popular participation in choosing their representatives. This character of legislation, coupled with the dictates of citizenship, provide essential elements for implementing effective policies for the whole society. Given this, claims have emerged for the specification of local realities, decentralizing the exclusive power of the Union, which sued the publication of the City Statute. This attempt was the result of complaints during the story and provided the largest organization of a democratic state of Brazil. The matter is much debated, with little widespread Municipal Law, but that’s changing. This suggestion is the initiation of planning, following the statute and approved the master plans of municipalities. This generates greater responsibility to the municipal entities while generating better identification with the people in democracy, as it requires compliance with the plans and municipal programs.


Keywords: Democracy. Municipalities. Participation. City Statute.


Sumário: 1 – Considerações iniciais: Origem e Expansão da Democracia. 2 – Os Caminhos da Democracia Participativa no Brasil. 3 – O Estatuto da Cidade como Fruto de Reivindicações Populares a partir da Atual Carta Republicana. 4 – O Plano Diretor Participativo. 5 – Aspectos Práticos do Plano Diretor. 6 – O Objeto do Plano Diretor. 7 – O Prazo para Elaboração do Plano Diretor e a Responsabilização do Administrador pelo seu Não Cumprimento. 8 – Referência.


1 – CONSIDERAÇÕES INICIAIS: Origem e Expansão da Democracia.


A partir da Grécia Antiga, com o nascimento e o desenvolvimento da filosofia clássica, até os nossos dias, a democracia é uma temática secular que tem sido pauta das grandes discussões filosóficas, políticos e sociais.


Daí consiste a grande dificuldade na sua conceituação através de uma abordagem predominantemente jurídica, no entanto, podemos identificar elementos comuns nas diversas definições de democracia, como sendo, uma forma de limitação e legitimação do poder do povo. Referindo-se ao mesmo núcleo do conceito, escreve Norberto Bobbio (2004, p.53),


“Da idade clássica a hoje o termo ‘democracia’ foi sempre empregado para designar uma das formas de governo, ou melhor, um dos diversos modos com que o governo na qual o poder político é exercido pelo povo.”


Ao longo da história foram concebidas diversas formas de democracia bem como vários conceitos de acordo com a cultura de cada nação, grau de poder exercido. Podendo desta feita, a democracia ser direta, representativa (indireta) ou participativa (semidireta).


Na democracia direta o povo exerce o poder diretamente, mas para tal seriam necessárias condições ideais para que isto ocorresse, tais como, uma população pequena que interviesse diretamente nas decisões do poder público, o que não se visualiza na atualidade.


Na democracia representativa o povo exerce o poder através de representantes eleitos e também diretamente por meios de participação popular. Conforme nossa interpretação da Constituição de 1988, este foi o sistema adotado pelos constituintes.


A Constituição, portanto, acolhe os postulados da democracia representativa e participativa, no qual predomina como pressuposto a existência de um processo dinâmico, com a existência de uma sociedade aberta e ativa, que no decorrer desse processo, oferece aos cidadãos a possibilidade de desenvolvimento integral, liberdade de participação critica no sistema político e condições de igualdade econômica, político e social.


A democracia participativa tem como premissa o interesse básico dos indivíduos na autodeterminação política e na abolição do domínio dos homens sobre os homens e concebe a formação de vontade política de baixo para cima, num processo de estrutura com a participação de todos os cidadãos. A participação política visualiza a cidadania e a mudança do poder, nos diversos domínios sociais.


O princípio da igualdade está previsto no artigo 5º nos seguintes termos: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. A situação de desigualdades sociais e regionais é reconhecida no texto constitucional, sendo um dos objetivos fundamentais do Estado Brasileiro a redução da desigualdade e erradicação da pobreza e da marginalização.


O princípio da igualdade como comando constitucional é o fundamento para a instituição de políticas públicas, contendo planos e programas para combater o processo de exclusão social.


2 – Os Caminhos da Democracia Participativa no Brasil.


Segundo Tocqueville (1977), a democracia participativa surgiu na década de 60 como lema das manifestações nos movimentos estudantis pertinentes à nova esquerda, e difundiu-se em toda a classe trabalhadora a partir da ideia de que deveria haver considerável participação dos cidadãos nas decisões.


Históricas reivindicações populares quanto ao direito de todos os cidadãos à cidade – especialmente articuladas no movimento pela reforma urbana – se apresentam com força ao longo da elaboração da Carta Republicana de 1.988, assumindo destacado papel.


É a Constituição Cidadã, na expressão de Ulysses Guimarães, Presidente da Assembleia Nacional Constituinte que a produziu, porque teve ampla participação popular em sua elaboração e especialmente porque se volta decididamente para a plena realização da cidadania.


Pela primeira vez, é bom frisar, a cidade foi tratada na Constituição Federal, que nasceu com o intuito de assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, o bem estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna e sem preconceitos, fundada na harmonia social.


No estabelecimento da nova Constituição o País alcançou, também, um novo e promissor patamar com a incorporação, na lei fundamental, da participação popular nas decisões de interesses público. Este direito vem aos poucos sendo incorporado pelo poder público para levar adiante suas ações.


No parágrafo único do artigo primeiro desta Constituição, diz “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representante eleitos ou diretamente eleitos, nos termos da Constituição”.


Sendo a Constituição a Lei Maior de um país, e trazendo tal determinação no artigo primeiro que estabelece a forma e fundamentos do Estado Brasileiro, não seriam necessárias leis hierarquicamente inferiores para assegurar a participação no âmbito do Poder Público.


A Carta Magna de 1988 trás em seu texto inúmeros dispositivos que garante ao cidadão a participação popular em todas as esferas do Poder Público e são disciplinados por leis complementares e ordinárias.


3 – O Estatuto da Cidade como Fruto de Reivindicações Populares a partir da Atual Carta Republicana.


O Estatuto das cidades como muitas leis surgidas em um regime democrático é fruto de uma batalha travada pelos movimentos populares, entidades de classes e organizações atuantes na questão urbana desde antes do início dos trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte visando incluir o capítulo da política urbana na Constituição Federal de 1988, o que deu origem no texto final aos artigos 182 e 183, que assim reza,


“Art.182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem – estar de seus habitantes.


§ 1.º- O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.


(…)


Art. 183. Aquele que possuir como sua, área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.”


O supracitado artigo 182 estabeleceu que a política de desenvolvimento urbano, executada pelo poder público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei têm por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes, definindo que o instrumento básico desta política é o Plano Diretor, no pleno desenvolvimento das funções.


O artigo 183, por sua vez, fixou que todo aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirirá o seu domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. Este artigo abriu a possibilidade de regularização de extensas áreas de nossas cidades ocupadas por favelas, vilas, alagados ou invasões, bem como loteamentos clandestinos espalhados pelas periferias urbanas, transpondo estas formas de moradia para a cidade denominada formal.


A partir de 1.990, com a necessidade de regulamentar o capítulo da reforma urbana, todas as principais entidades envolvidas passaram a atuar decisivamente para o surgimento do que veio ser o Estatuto da Cidade, Lei n.º 10.257/2001.


O Estatuto da Cidade passa a ser o instrumento garantidor do cumprimento da função social da cidade e da ocupação do solo urbano na medida em que estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em benefício da coletividade e do bem estar dos cidadãos. Embora o estatuto seja um avanço, não altera o conceito de propriedade privada. Seu caráter principal é disciplinar a exploração do solo urbano vinculado à necessidade coletiva, introduz as formas de uso e ocupação territorial, regularizem as situações surgidas em função do déficit habitacional, bem como, intensificar o nível de participação popular no poder político local, pois nos termos da Constituição a participação popular deverá ter lugar em todos os níveis de exercício do Poder Político, mas o nível local é seu habitat natural.


O Estatuto da Cidade reúne importantes instrumentos urbanísticos, tributários e jurídicos que podem garantir efetividade ao Plano Diretor, responsável pelo estabelecimento da política urbana na esfera municipal e pelo pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, como preconiza o artigo 182.


O Plano diretor é um instrumento que visa garantir a todos os moradores do município um lugar adequado para viver em dignidade, com acesso à moradia, saneamento, transporte, trânsito seguro e serviços urbanos. Esse planejamento precisa ser conduzido pela prefeitura, aprovado pela câmara de vereadores e contar com a participação da sociedade em sua elaboração e implementação.


4 – O Plano Diretor Participativo.


O Estatuto da Cidade e Constituição de 1988 trazem elementos fundamentais para reverter o processo histórico de desenvolvimento desigual nas nossas cidades. O processo de elaboração do Plano Diretor também é objeto das preocupações democráticas do estatuto. Vislumbra-se uma preocupação considerável com a superação do chamado planejamento de gabinete, que funcionou como grande gerador de desigualdade, por não levar em conta a parcela da população menos desfavorecida.


Aliás, merece transcrição a lição de José Afonso da Silva (1992, p.82), sobre a existência de um planejamento participativo que diz,


“É um completo engano pensar que a democracia atrapalha o planejamento, mesmo porque, se esta antinomia fosse verdadeira, seria correto eliminar imediatamente o planejamento. Ao, o planejamento é uma forma de organizar a democracia e de exprimi-la. O que devemos dizer de forma clara e tranqüila, é que este tipo de planejamento toma partido da maioria da população da cidade e a defende, aliás, por isso é democrático.”


A função social da cidade e da propriedade e a participação popular no planejamento e gestão das cidades, esses dois elementos devem estar detalhados no Plano Diretor de cada município, tornar viáveis e efetivar esses elementos é o grande desafio a superar, para a construção do processo de gestão democrática, com a participação ampla dos habitantes na condução do destino das cidades.


Na esfera municipal, o poder público sempre teve privilegiado e destacado papel. Hoje, contudo, ele assume função de protagonista ao ser o principal responsável pela formulação, implementação e avaliação permanentes de sua política urbana, estabelecida no Plano Diretor, visando garantir, a todos, o direito à cidade e a justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização.


Novos ares, novos instrumentos e muito trabalho pela frente se apresentam para todos os cidadãos e cidadãs brasileiras. Consensos entre os agentes responsáveis pelo desenvolvimento urbano – população, governo e empresariado foram buscados e gradativamente se firmam.


A sociedade, a partir da nova lei, está convocada a examinar com atenção suas práticas e, ao revê-las, consagra renovados comportamentos e ações.


Ao viver e participar ativamente do que exigiu constar em lei, aprovada por seus representantes, estará avaliando continuamente sua aplicação para reforçar suas virtudes e corrigir os possíveis defeitos da legislação ora estabelecida. O processo é permanente, em especial por se tratar de instrumentos que a lei prevê serem aplicados em cidades, organismos dinâmicos por excelência.


O Estatuto da Cidade é, na atualidade, a esperança de mudança positiva no cenário urbano, pois reforça a atuação do poder público local com poderosos instrumentos que, se utilizados com responsabilidade, permitem ações consequentes para a solução ou minimização dos graves problemas observados nas cidades brasileiras.


A lei sozinha, é claro, não resolverá os históricos problemas urbanos. Contudo, com a atual legislação, os Municípios têm a oportunidade de cumprir da melhor maneira, e ativamente, seu papel de sujeitos, responsáveis que são pela formulação,, implementação e avaliação da política urbana, permitindo que, de fato, todos os moradores de nossas cidades participem do processo e sejam os beneficiários de suas ações.


5 – Aspectos Práticos do Plano Diretor.


Com o advento da Carta Republicana de 1.988 e do Estatuto da Cidade, o Plano Diretor foi elevado à categoria de instrumento jurídico indispensável para o desenvolvimento das políticas urbanas.


No entanto, o conceito de Plano Diretor precede qualquer legislação geral, que estabeleça normas com caráter de planejamento urbano. A noção de Plano Diretor sempre girou em torno do urbanismo, como sendo, um meio de planejamento dos municípios no qual se buscava conduzir o desenvolvimento do município nos seus diversos setores (físico, econômico, social e etc.).


A atual Constituição e o estatuto da Cidade contribuíram muito com a conceituação do Plano Diretor do ponto de vista jurídico, e muitas divergências foram superadas a respeito do conceito, com a promulgação destes dispositivos legais, mas tais divergências fogem ao objeto do nosso estudo.


O jurista Jacinto Arruda Câmara (2003, p.311) conseguiu extrair uma brilhante definição do Plano Diretor, a partir dos dispositivos de direito positivo que vigoram hoje no Brasil, como sendo,


“O Plano Diretor é o mais importante instrumento de planificação urbana previsto no Direito Brasileiro, sendo obrigado para alguns Municípios e facultativos para outros; deve ser aprovado por lei e tem, entre outras prerrogativas, a condição de definir qual a função social a ser atingida pela propriedade urbana e de viabilizar a adoção dos demais instrumentos de implementação da política urbana.”


Para serem alcançados os objetivos da política urbana de garantir o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade, do cumprimento da função social da propriedade, e da garantia de condições dignas de vida urbana nos termos do artigo 182 da Constituição, o Município, na consecução dessa política, tem como principal instrumento o Plano Diretor.


O Plano Diretor é incumbido da tarefa de estabelecer como normas imperativas aos particulares e agentes privados, as metas e diretrizes da política urbana, os critérios para verificar se a propriedade atende sua função social, as normas condicionadoras do exercício desse direito, objetivando alcançar os fins da política urbana: garantir as condições dignas de vida urbana, o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e o cumprimento da função social da propriedade.


Ele tem a atribuição de definir as áreas urbanas consideradas subutilizadas ou não utilizadas, sujeitas, portanto, à aplicação dos referidos instrumentos, para que a propriedade urbana situada nessas áreas tenha uma função social.


O Plano Diretor é requisito obrigatório para o poder público municipal aplicar, de forma sucessiva, o parcelamento ou edificação compulsória, imposto sobre a propriedade predial e territorial progressivo no tempo e a desapropriação para fins de reforma urbana, ao proprietário de imóvel urbano nos termos do parágrafo 4º, do artigo 182, da CF.


Assim, é também incumbência do Plano Diretor a definição dos critérios para a utilização dos instrumentos estabelecidos no Estatuto da Cidade, tais como a outorga onerosa do direito de construir, as operações urbanas consorciadas, o direito de preempção, a transferência do direito de construir e as Zonas Especiais de Interesse Social.


O desenvolvimento do planejamento urbanístico, pelo poder público municipal, não pode se restringir a planos meramente indicativos para o setor privado, pois a normatização urbanística preconizada no texto constitucional tem como essência propiciar faculdades e direitos e gerar obrigações aos indivíduos para o cumprimento dos objetivos da política urbana como, por exemplo, garantir que a propriedade urbana cumpra a sua função social.


O Plano Diretor como plano urbanístico se caracteriza como plano imperativo, por suas normas e diretrizes serem impositivas para a coletividade, apresentando um conjunto de normas de conduta que os particulares ficam obrigados a respeitar.


Os critérios e as exigências estabelecidas para o exercício do direito de propriedade devem ser obedecidos pelos particulares, sob o risco de ficarem sujeitos às obrigações e sanções aplicáveis pelo poder público, por descumprimento ao Plano Diretor.


A nossa Constituição traz de forma clara que, os municípios com mais de vinte mil habitantes devem editar o Plano Diretor (art. 182 §1º da CF). No entanto, o Estatuto da Cidade ampliou o rol dos municípios que devem editar o Plano Diretor utilizando a determinação Constitucional como limite mínimo, a ampliação deste limite não incide em uma inconstitucionalidade, pois sua ampliação manteve coerência com o dispositivo Constitucional.


Assim, além dos municípios com mais de vinte mil habitantes ficaram obrigados também os municípios integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas; integrantes de áreas de especial interesse turísticos; e inseridas na área de influência de empreendimento ou atividades com significativo impacto ambiental de âmbito nacional.


6 – O Objeto do Plano Diretor.


O Plano Diretor configura-se como instrumento basilar da política de desenvolvimento e expansão urbana, nele deve constar ás linhas mestras sobre toda e qualquer matéria de interesse urbanístico.


A partir desta atribuição serão traçadas as formas de utilização dos instrumentos de política urbana disponibilizado aos municípios pela norma em estudo. Um grande questionamento surgiu a respeito do conteúdo mínimo que uma planificação urbana deveria conter para ser considerado um Plano Diretor.


Contudo, o Estatuto da Cidade pacificou tal questionamento, pois arrolou em seu artigo 42 os assuntos sem os quais uma planificação não pode ser considerado um plano diretor, o artigo traz três pontos como obrigatórios.


O primeiro ponto refere-se à delimitação das áreas urbanas, onde poderá ser aplicado o parcelamento, edificação ou utilização compulsória, considerando a existência de infraestrutura e de demanda para utilização.


O segundo ponto dispõe sobre o direito de preempção (artigo 25), outorga onerosa do direito de consumir (artigos 28 e 29), operações urbanas consorciadas (artigo 32), e transferência do direito de construir (artigo 35).


O Plano deve definir uma escala de prioridade para o exercício do direito de preempção. Nos termos do § 1º do artigo 25 do Estatuto da Cidade, a lei municipal baseada no Plano Diretor delimitará as áreas em que incidirá o direito de preempção.


Para o Município utilizá-la, nos termos do artigo 28 e 29 do Estatuto da Cidade, cabe ao Plano Diretor: fixar as áreas nas quais o direito de construir poderá ser exercido acima do coeficiente de aproveitamento básico; definir os limites máximos a serem atingidos pelos coeficientes de aproveitamento, considerando a proporcionalidade entre a infraestrutura existente e o aumento de densidade esperado em cada área; fixar áreas nas quais poderá ser permitida alteração de uso do solo, mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário (por analogia, definir o limite máximo de alteração do uso do solo). O Plano Diretor poderá fixar coeficiente de aproveitamento básico único para toda a zona urbana, ou diferenciado, para áreas específicas dentro da zona urbana.


O Plano Diretor também poderá definir quais são as áreas urbanas na cidade que poderão estar sujeitas as operações urbanas, que posteriormente deverão ser delimitadas por lei municipal.


Cabe ao Plano Diretor definir os critérios para a aplicação da transferência do direito de construir, no sentido de definir em que regiões da cidade e em que áreas urbanas este instrumento poderá ser aplicado.


E o terceiro ponto obrigatório que deve está presente no plano diretor, refere-se a um sistema de acompanhamento e controle que deve trazer.


Já o parágrafo segundo do artigo 40 estabelece que o Plano Diretor deva englobar o território do Município como um todo, assim o Plano Diretor deve abranger tanto a zona urbana como a zona rural do Município.


O Estatuto da Cidade define a abrangência territorial do Plano Diretor de forma a contemplar as zonas rurais com respaldo no texto constitucional, uma vez que a política urbana, de acordo com a diretriz prevista no inciso VII do artigo 2º do estatuto da Cidade, deve promover a integração e a complementaridade entre atividades urbanas e rurais, tendo em vista o desenvolvimento socioeconômico do Município e do território sob sua área de influência.


A Constituição, ao prescrever que a política de desenvolvimento urbano tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem estar de seus habitantes, não diferencia os habitantes situados na zona rural dos que estão situados na zona urbana. A realidade das cidades demonstra, cada vez mais, a ligação entre as atividades promovidas na zona rural com as atividades urbanas, uma vez que grande parte da população que vive na zona rural tem seu emprego e trabalho na região urbana, sem contar com a utilização da infraestrutura e de serviços urbanos, como o transporte coletivo, escolas, postos de saúde, hospitais, comércio e lazer.


A política de desenvolvimento urbano, fundamenta no princípio do desenvolvimento sustentável, como já visto, significa um modelo de desenvolvimento  baseado na garantia do meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações. O desenvolvimento da cidade nestes termos depende do desenvolvimento da região rural.


O sistema de planejamento municipal, que é matéria do Plano Diretor, por exemplo, deverá ser constituído por órgãos administrativos regionalizados que compreendam também a região rural.


Não há dúvida que a competência sobre a política agrícola e agrária é da União (pelo artigo 22, I, da CRFB é competência privativa da União legislar sobre direito agrário), mas é necessário haver uma nítida integração entre a questão urbana e a questão agrária.


Além do que as missões constitucionais estabelecidas como campo da atuação comum da União, Estados e Municípios, que são normas constitucionais dirigentes para a execução da política urbana municipal, pressupõe uma intervenção por parte do Município abrangendo toda a sua população e, portanto, todo o seu território.


Desse modo, para o Município promover a política de desenvolvimento urbano, deve apresentar um Plano Diretor com normas voltadas a abranger a totalidade do seu território, compreendendo a área urbana e rural. Padece de vício constitucional o Plano Diretor que se restringir apenas à zona urbana e de expansão urbana.


7 – O Prazo para Elaboração do Plano Diretor e a Responsabilização do Administrador pelo seu Não Cumprimento.


De acordo com o artigo 50 do Estatuto este estabeleceu o prazo de cinco anos (a partir de 10 de outubro de 2001, ou seja, da entrada em vigor da Lei) obrigatório para os Municípios que não tem Plano Diretor com mais de vinte mil habitantes em suas cidades e também para aqueles inseridos em região metropolitana e os Municípios que já tem Plano Diretor, que, porém, não atendam os requisitos constitucionais do artigo 182 da Constituição Federal e os critérios para a sua aprovação prevista no art. 40 do Estatuto da Cidade, bem como não dispõe do conteúdo mínimo definido no artigo 42 do supracitado Estatuto.


No caso de o Plano Diretor em vigência no Município ter sido aprovado sem a participação da comunidade local, desrespeitando, assim, o requisito constitucional da participação popular, o Município deve revisar o seu Plano Diretor no prazo de cinco anos conforme estabelecido no artigo 50.


Os municípios que já possuem um Plano Diretor que não apresente a delimitação das áreas urbanas onde poderá ser aplicado o parcelamento, edificação ou utilização compulsória, o imposto sobre a propriedade urbana progressivo no tempo e a desapropriação para fins de reforma urbana, terão o prazo de cinco anos para revisar o Plano Diretor de modo a delimitar as áreas urbanas onde incidirão estes instrumentos.


As sanções previstas no Estatuto da Cidade referentes ao não cumprimento do prazo de edição do Plano Diretor devem ser aplicadas tanto para os Municípios sem Plano Diretor, como também para os Municípios cujos Planos Diretores não atendam ás exigências da Constituição Federal e do Estatuto da Cidade. Pelo menos a cada dez anos, este deverá ser revisto.


A inconstitucionalidade por omissão resulta como sanção ao Município, na impossibilidade de exercer a faculdade estabelecida nos termos do artigo 182 § 4º, de exigir um comportamento positivo do proprietário de imóvel urbano para a sua propriedade ter uma função social. O Município não pode exercer a faculdade constitucional de aplicar o parcelamento ou edificação compulsória, o imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo, e a desapropriação para fins de reforma urbana.


O nosso sistema de controle de constitucionalidade admite a ocorrência da inconstitucionalidade por omissão, tanto por inércia legislativa como administrativa. De acordo com o § 2º do artigo 103 da Carta Republicana, declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.


Um procedimento essencial para apurar a responsabilidade do prefeito, dos demais agentes públicos do Executivo e dos próprios vereadores é a definição por lei municipal dos prazos para o envio do Plano Diretor pelo Executivo municipal e a definição do prazo para a sua aprovação na Câmara Municipal.


A Câmara Municipal pode e deve tomar a iniciativa legislativa de estabelecer o prazo para o Executivo enviar o Plano Diretor, caso não exista ainda previsão na legislação municipal, bem como definir o prazo para a sua aprovação no âmbito Legislativo Municipal, visando o cumprimento do prazo de cinco anos definido no Estatuto da Cidade.


A Câmara também pode e deve tomar a iniciativa de apresentar o projeto de lei para instituir o Plano Diretor quando o Executivo Municipal deixar de apresentá-lo ao legislativo Municipal. Esta hipótese também é válida se a competência de iniciativa legislativa para apresentar o projeto de lei do Plano Diretor for concorrente entre o Executivo e o legislativo Municipal.


Se o Prefeito não encaminhar o Plano Diretor para a Câmara Municipal, o Judiciário, ao declarar a inconstitucionalidade por omissão, dará ciência ao Prefeito que este terá o prazo de trinta dias para tomar as providências cabíveis para cumprir com a decisão e se não cumprir ficará configurada a responsabilidade do prefeito por descumprimento de decisão judicial. O Executivo também pode praticar uma inconstitucionalidade por omissão quando deixar de aplicar as normas estabelecidas pelo Plano Diretor.


O Executivo que não organizar os Conselhos e executar o Plano Diretor sem assegurar a participação da comunidade, mediante os mecanismos constituídos, tais como as audiências públicas e a iniciativa popular de planos de interesse específico de bairros, fica sujeito à declaração de inconstitucionalidade por omissão. O Prefeito, nestas hipóteses, incorre também em improbidade administrativa de acordo com inciso VII do artigo 52 do Estatuto da Cidade.


O Prefeito estará sujeito à perda do mandato devido à configuração de infração político administrativa, ou crime de responsabilidade (nos termos em que dispor a Lei Orgânica), oi de improbidade administrativa com base no inciso VI do Estatuto da Cidade.


De acordo com a Lei Federal n.º 8.429/92, há três grandes categorias de improbidade administrativa, cada qual submetida a um grupo mais específico de sanções. O Estatuto da Cidade não identifica qual seria o tipo de improbidade existente, mas por força  lógica o enquadramento será na categoria dos atos que atentam contra os princípios da Administração Pública, o que inclui qualquer ação ou omissão a violar os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições.


A inconstitucionalidade pode ocorrer por omissão legislativa, quando a Câmara Municipal não aprovar o Plano Diretor submetido a sua apreciação pelo Executivo Municipal, no prazo definido pelo artigo 50 do Estatuto da Cidade, ou no prazo definido por lei municipal, como por exemplo, a Lei Orgânica do Município.


Outra hipótese é a de, no decorrer dos cinco anos, o Executivo não encaminhar o projeto de lei do Plano Diretor para ser apreciado pelo Legislativo.


Neste caso a Câmara Municipal pode ter a iniciativa legislativa de apresentar um projeto de lei de Plano Diretor para ser submetido à aprovação da Câmara. Neste caso, a comissão permanente responsável pela política urbana poderá apresentar a proposta de lei do Plano Diretor.


No caso do artigo 182, parágrafo 1º, a ordem de legislar, está presente pela obrigatoriedade do Município (com mais de vinte mil habitantes) para a Câmara Municipal editar o Plano Diretor. Essa imposição, a partir da edição do Plano, concretiza a norma constitucional do município a se capacitar para promover a política urbana.


Em relação á improbidade administrativa dos Vereadores, não existe uma opinião consolidada em nossa jurisprudência sobre casos de omissão legislativa.


Portanto, é essencial que seja reconhecida pela Administração Publica no processo administrativo, a capacidade processual coletiva de grupos de cidadãos, de comunidades atingidas pelas decisões administrativas e suas representações, de organizações e movimentos populares, de associações de classe, de organizações não governamentais para a tutela dos direitos coletivos e difusos dos cidadãos.


Ressalte-se que, a relação entre a Administração Pública e o cidadão deve ser construída com base na democracia. Isso significa que o Estado Brasileiro, como um Estado Democrático de Direito deve conter uma ordem jurídica com mecanismo eficaz de controle da Administração Pública, mediante instrumentos e processos democráticos de cooperação, parceria e participação enquanto formas legítimas do exercício da cidadania.


 


Referências bibliográficas:

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraíva, 2000.

BOBBIO, Noberto. O futuro da democracia. São Paulo: Paz e Terra, 2004.

DAHL, Roberto,(2001).Sobre a democracia, Brasília: Universidade de Brasília, 2001.

DALLARI, Dalmo de Abreu. O que é participação política. São Paulo: Brasiliense, 1983. (Coleção primeiros passos, 104)

DALLARI, Dalmo de Abreu; FERRAZ, Sergio. (orgs) Estatuto da Cidade (Comentários a Lei 10.257/2001). São Paulo: Malheiros, 2003.

PAULO, Marcelo Alexandrino e Vicente. Direito Administrativo Brasileiro. 28. Ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2005.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 28 ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

MORAIS, Alexandre de Morais. Direito Constitucional. 10.ed.São Paulo: Atlas, 2004.

RIBEIRO. Luiz César de Queiroz; CARDOSO, Adauto Lucio. Reforma Urbana e Gestão Democrática Promessas e Desafios do Estatuto da Cidade. Rio de Janeiro: Revan, 2003.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Democratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa. Rio de janeiro: Civilização Brasileira, 2002. (Reinventar a emancipação social: para novos manifestos.

SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 9.ed. São Paulo: Malheiros, 1992.

 


Informações Sobre o Autor

Maria dos Remedios Calado

Professora na UFCG; Especialista em Direito Processual Civil; Assessora Jurídica do Programa de Direitos Humanos na UFCG


logo Âmbito Jurídico