Resumo: Este artigo tem o objetivo de elucidar pontos acerca da produção antecipada de prova no processo penal, tema que não foi muito abordado por doutrinadores, mas que é de imensa importância para o processo em si. Trataremos sobre a necessidade e a urgência que se impõe no momento da produção de uma prova antecipadamente. Abordaremos também sobre o anteprojeto do Código de Processo Penal e os avanços que ele trouxe para a produção probatória. A problemática acerca do juízo competente e do papel do Delegado de Polícia, quando a prova tiver que ser produzida ainda na fase do inquérito policial, também será falada neste artigo. A preocupação com as garantias a que a produção antecipada da prova deve se submeter também será comum neste artigo.
Palavras-chave: Prova; Processo Penal; Produção antecipada; Urgência; Contraditório.
Abstract: This paper aims to enlighten some points about the anticipated production of evidence in criminal procedure, a subject that was not much discussed by scholars, but it is of immense importance to the process itself. We will address the need and the urgency that is required at the time of the production of evidence in advance. We will also discuss about the draft of the Criminal Procedure Code and the progress he brought to the probative production. The issue about the competent court and the role of the Chief of Police, when the evidence has to be produced still in the police investigation phase, will also be spoken in this paper. Concern about the guarantees that the anticipated production of proof must submit will also be common in this paper.
Keywords: Evidence; Criminal Procedure; Anticipated production; Urgency; Contradictory.
Sumário: Introdução. 1. Tópicos sobre a teoria geral da prova. 2.1. Análise dogmática da prova. 2.2. Regras aplicáveis. 3. A produção da prova antecipada. 3.1. Natureza jurídica da antecipação probatória. 3.2. Momentos da produção antecipada de provas. 3.2.1. Durante a investigação. 3.2.2. No curso do processo criminal. 3.3. Legitimados. 3.4. Garantias. 3.5. Juízo competente. 4. A produção antecipada de prova no projeto do novo código de processo penal. 4.1. Noções gerais. 4.2. Legitimados. 4.3. Hipóteses. 4.4. Juiz das garantias. 5. Posição dos Tribunais Superiores. Considerações finais.
Introdução
A produção de provas no processo penal é instituto de suma importância, pois de acordo com o art. 155, do Código de Processo Penal[1], doravante CPP, “O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação […]”. Ou seja, a prova desempenha o seu papel mais importante ao longo do processo judicial.
Devemos então tratar a prova no processo penal como a mais pura fonte da verdade, sempre lutando para preservá-la ao máximo, de maneira que ela possa alcançar e servir ao fim a que se presta. Este fim, o da busca da verdade, repercute em toda a sociedade, afinal, não podemos pensar o processo apenas como um fato isolado; tratamos das liberdades individuais, mas, acima disso, esta a busca por uma sociedade livre.
Nucci ressalta um ponto muito importante, de que “a descoberta da verdade é sempre relativa, pois o que é verdadeiro para uns, pode ser falso para outros” (NUCCI, 2005, p.352). Evidente que, no processo em geral, a verdade é aquela que convence o juiz, e, portanto, cabe à defesa e à acusação buscar esse convencimento, sendo que boa parte deste caminho é guiado pelas provas que ambas as partes são capazes de produzir. O Juiz pode, inclusive, alcançar uma decisão errônea, mas nunca devemos aduzir que esta certeza é falsa, visto que uma certeza é sempre uma certeza, e ela é a base para uma sentença proferida. Ainda, segundo ele “sustentar que o juiz atingiu uma convicção falsa seria o mesmo que dizer que o julgador atingiu uma “certeza incerta”, o que é um contrassenso. Para haver condenação, exige-se que o magistrado tenha chegado ao estado de certeza (…)” (NUCCI, 2005, p.352).
Tal autor também aproveita o conceito de “verdade” para diferenciar o processo penal do processo civil, distinguindo a busca da verdade em diferentes tipos, “que, no processo penal, é denominada material, real ou substancial, justamente para fazer contraste com a verdade formal ou instrumental do processo civil” (NUCCI, 2005, p. 351).
Essas e outras diferenças entre os processos civil e penal serão exploradas em momento oportuno deste trabalho. Mas, inegável reconhecer que os processualistas penais ainda precisam preencher algumas lacunas utilizando o processo civil quando o assunto tratado é a antecipação da produção de provas.
Não obstante, a parte final da redação do art. 155, supracitado, expõe o tema deste trabalho de conclusão de curso, a Produção de Prova Antecipada no Processo Penal: “[…] ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas”. (grifo nosso). Percebemos que o legislador quis garantir a efetividade do inquérito e do processo penal com este artigo, assegurando assim que nenhuma prova, seja ela testemunhal ou pericial, fosse perdida pela ação do tempo, prejudicando o devido processo legal. Sim, devido processo legal é também a devida produção de provas, seja ela contra ou a favor do réu. É o que aborda o art. 225, do CPP: “Se qualquer testemunha houver de ausentar-se, ou, por enfermidade ou por velhice, inspirar receio de que ao tempo da instrução criminal já não exista, o juiz poderá de ofício, ou a requerimento de qualquer das partes, tomar-lhe antecipadamente o depoimento”. Ora, observamos então que a responsabilidade com as provas no processo penal cabe a todas as partes, inclusive ao juiz.
Muitas provas possuem caráter de urgência e são essenciais para o processo criminal. Estas devem ser tratadas com maior atenção e sua produção deve ser priorizada, em face do evidente dano que o tempo pode causar a elas. Nosso objetivo é mostrar o quão elas são importantes e, em face disso, como devem agir os operadores do Direito no momento crucial da produção antecipada de uma prova.
Além disso, muitos penalistas utilizam analogias com o Direito Processual Civil para tratar sobre a antecipação da produção das provas. Iremos abordar isto posteriormente, mostrando como foram preenchidas as lacunas deixadas pelo legislador no CPP, e o que a jurisprudência pode nos mostrar como evolução nesse tema.
Ademais, com a iminência da realização de grandes eventos em nosso país, como as Olimpíadas e as Paraolimpíadas de 2016, que serão realizadas na cidade do Rio de Janeiro, e de eventos já realizados nestes últimos anos, como a Copa das Confederações da FIFA em 2013 e a Copa do Mundo da FIFA em 2014, a importância da produção de provas antecipadas tornou-se mais evidente. Devemos imaginar diversas situações envolvendo turistas, atletas estrangeiros, membros dos governos de países participantes, etc. Em casos de crime envolvendo não residentes no Brasil, as provas testemunhais podem ser prejudicadas se os testemunhos não forem tomados antes mesmo do ajuizamento da ação penal condenatória, haja vista que o retorno dos envolvidos geralmente se dá logo após o término dos eventos.
Além disso, depender de cartas rogatórias para produção de provas em outros países pode ser temerário, a ponto de comprometer o inquérito policial e o devido processo legal, e, consequentemente, prejudicar o trabalho dos operadores do Direito com atuação ao longo de todas as etapas da persecução penal.
1. Tópicos sobre a teoria geral da prova
A prova é o centro do processo criminal, tema basilar para que possamos tratar sobre o devido processo legal e o contraditório e a ampla defesa. Se a prova produzida não respeitar diversos procedimentos e institutos legais, ela se torna inválida e acaba por contaminar todo o processo.
Antes de avançarmos para o foco deste trabalho, qual seja a produção antecipada de prova no processo penal, precisamos tratar sobre a prova em si, suas características e conceituações.
Analisando historicamente a prova e sua produção, fica evidente que tal instituto passou por diversas fases, evoluindo para o que conhecemos hoje. Na Idade Média, acreditava-se em muitos mitos e dogmas para justificar a culpa de alguém que era acusado. Ele era submetido a “diversos métodos e formas jurídicas de obtenção da verdade, desde as ordálias e juízos de deus (ou dos deuses), na Idade Média, em que o acusado submetia-se a determinada provação física” (PACELLI, 2013, p. 325-326), e, vindo a superá-las, aduziam os julgadores que aquilo que afirmava o acusado era a verdade, visto que os deuses o permitiram viver.
Atualmente, entendemos a prova como algo a ser utilizado para que o juiz possa formar seu convencimento e fundamentar a sua decisão. Segundo Capez: “[…] é o conjunto de atos praticados pelas partes, pelo juiz (CPP, arts. 156, 2ª parte, 209 e 234) e por terceiros (p.ex., peritos), destinados a levar ao magistrado a convicção acerca da existência ou inexistência de um fato, da falsidade ou veracidade de uma afirmação. Trata-se, portanto, de todo e qualquer meio de percepção empregado pelo homem com a finalidade de comprovar a verdade de uma alegação.
Por outro lado, no que toca à finalidade da prova, destina-se à formação da convicção do juiz acerca dos elementos essenciais para o deslinde da causa. Sem dúvida alguma, o tema referente à prova é o mais importante de toda a ciência processual, já que as provas constituem os olhos do processo, o alicerce sobre o qual se ergue toda a dialética processual. Sem provas idôneas e válidas, de nada adianta desenvolverem-se aprofundados debates doutrinários e variadas vertentes jurisprudenciais sobre temas jurídicos, pois a discussão não terá objeto” (CAPEZ, 2006, p. 282).
Ainda, Pereira dá uma conceituação para a prova, baseado na investigação criminal: “Na investigação criminal, tendo em conta essas definições, a prova vem a ser um veículo intermediário para cognição do crime, porque este é fato passado que não pode ser experimentado no presente. Contudo, não se trata de prova do fato, mas de prova acerca do que se diz dos fatos, ou rigorosamente falando, de prova das hipóteses fáticas que são sustentadas para justificação das conclusões de indiciamento, denúncia ou sentença” (PEREIRA, 2010, p. 251).
Um conceito que é constantemente abordado por doutrinadores e que causa muita polêmica é o da “verdade real”. Mesmo não sendo uma unanimidade entre os autores, resta evidente que devemos nós, como operadores do Direito, seguir constantemente a busca da verdade para obtermos como resultado um processo justo e igualitário. É isto que Damásio nos diz: “O processo, sabidamente, é o instrumento pelo qual o Estado aplica a jurisdição consistente numa reconstituição de fatos. Materializa-se na tentativa de reconstrução da verdade com o escopo de se aplicar corretamente o Direito ao caso concreto. A verdade real, cuja busca é a tônica do Processo Penal, somente se atinge por intermédio da prova. Daí avulta a importância desse tema referido das Ordenações Filipinas como “o farol que deve guiar o juiz em suas decisões” (Liv. III, Tít. 63)” (JESUS, 2000, prefácio).
Contudo, alguns autores, entendem que existe um mito formado acerca da “busca da verdade real” no processo. Para ele, “o mal maior causado pelo citado princípio da verdade real tenha sido a disseminação de uma cultura inquisitiva (…)” (PACELLI, 2013, p. 331). Ainda, em seu Curso de Processo Penal, ele afirma: “Não só é inteiramente inadequado falar-se em verdade real, pois que esta diz respeito à realidade do já ocorrido, da realidade histórica, como pode revelar uma aproximação muito pouco recomendável com um passado que deixou marcas indeléveis no processo penal antigo, particularmente no sistema inquisitório da Idade Média, quando a excessiva preocupação com a sua realização (da verdade real) legitimou inúmeras técnicas e obtenção da confissão do acusado e de intimidação da defesa” (PACELLI, 2013, p. 332).
1.1. Análise dogmática da prova
Devemos entender a prova como algo a ser usado para buscar o convencimento pleno do juiz ao longo do processo penal. Estas provas podem ser produzidas pelas partes, por terceiros, como peritos e especialistas, por exemplo, e também pelo próprio juiz, de ofício ou ex officio, segundo o art. 156, II, do CPP. É sobre exatamente esta previsão feita pelo CPP que Tourinho Filho trata: “De modo geral, admitem-se todos os meios de prova. O Juiz pode desprezar a palavra de duas testemunhas e proferir sua decisão com base em depoimento de uma só. Inteira liberdade tem ele na valoração das provas. Não pode julgar de acordo com conhecimentos que possa ter extra-autos. […] Se o Juiz tiver conhecimento da existência de algum elemento ou circunstância relevante para o esclarecimento da verdade, deve ordenar que se carreiem para os autos as provas que se fizerem necessária” (TOURINHO FILHO, 2005, p. 516).
O ato de provar um fato é amplo e muito utilizado pelo Processo Penal. Nucci expõe que podemos entender o termo prova em três sentidos distintos, quais sejam “a) ato de provar: é o processo (ex.: fase probatória); b) meio: trata-se do instrumento pelo qual se demonstra a verdade de algo (ex.: prova testemunhal); c) resultado da ação de provar: é o produto extraído da análise dos instrumentos de prova oferecidos, demonstrando a verdade de um fato”. Ele ainda é brilhante ao dizer que a prova “é o clímax do processo”, visto que “pode dizer o juiz, ao chegar à sentença: ‘fez-se prova de que o réu é autor do crime’” (2005, p. 351).
Então, quando falarmos em provas no processo, devemos salientar como fez Tourinho Filho, dentre a totalidade das provas, aquelas que o nosso CPP “dá especial atenção”, como o “exame de corpo de delito, às perícias em geral, ao interrogatório do réu, à confissão, às declarações do ofendido, às testemunhas, ao reconhecimento de pessoas ou coisas, acareações, documentos, indícios […]” (TOURINHO FILHO, 2005, p. 513).
Ele ainda lembra algumas outras provas que podem ser utilizadas pelas partes, ao longo da persecução penal: “Ao lado desses meios de prova, podemos lembrar as justificações, que, embora não disciplinadas no estatuto processual penal, mas no CPC, são referidas pelo CPP, no seu art. 423. A ficha dactiloscópica (CPP, art. 6º, VIII), as fotografias, esquemas ou desenhos (CPP, arts. 164 e 165). As provas fonográficas e até mesmo cinematográficas, embora não possam ser encartadas na moldura do art. 232 do CPP, são documentos, mesmo porque o documento expressa a ideia de qualquer manifestação intelectual, como um desenho, uma fotografia, um esquema, etc.
Além dessas provas, outras podem ser produzidas, dês que não atentem contra a moralidade, nem violentem a dignidade da pessoa humana”. (grifo nosso) (TOURINHO FILHO, 2005, p. 513).
Portanto, podemos resumir a prova como tudo que, dentro dos limites legais, pode ser usado pelas partes no processo de convencimento do juiz. Evidente que muitas outras provas, além das corriqueiras e das que são tratadas pelo CPP, as partes devem se sentir com liberdade para utilizar a criatividade na sua produção, desde que observados os princípios constitucionais e as devidas garantias.
Mas para que esta prova seja considerada válida e existente dentro dos autos do processo, há de ter um juízo de valor, e este juízo não deve ser feito por outro senão pelo presidente do processo. É o que traz a lume o art. 400, § 1º, do CPP, que diz que “as provas serão produzidas numa só audiência, podendo o juiz indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias” (grifo nosso).
Devemos observar com atenção, entretanto, que nem tudo é permitido no momento da produção das provas. Existe aquilo que chamamos de prova proibida, matéria que recebe guarida da Constituição Federal[2], doravante CF, em seu art. 5º, inciso LVI, que nos diz serem “inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”. Existem diversas provas consideradas proibidas no Processo Penal, sendo classificadas em provas ilegítimas, provas ilícitas, além das provas produzidas a partir da violação do sigilo bancário ou das comunicações do investigado, sem a devida autorização judicial.
Importante ressaltar aquilo que não é ou não pode ser admitido como evidência. Temos então que falar sobre as provas ilícitas ou ilegais. Estas provas são vedadas tanto pela CF como pelo CPP, segundo o art. 5º, LVI, da primeira e o art. 157, caput, do segundo. Algumas evidências do cometimento, ou não, de uma infração penal, por vezes devem ser desentranhadas dos autos processuais, a fim de que seu vício não contamine todo o resto do processo, principalmente quando tratarmos do Tribunal do Júri.
As provas ilícitas são consideradas como tal em decorrência de alguma irregularidade quanto a sua obtenção. Vários motivos podem levar uma prova a ser considerada ilícita ou ilegal e causar a sua consequente exclusão do processo. Os principais motivos, segundo Pacelli são o de garantir “a proteção do direito à intimidade, à privacidade, à imagem (art. 5º, X), à inviolabilidade do domicílio (art. 5º, XI), normalmente os mais atingidos durante as diligências investigatórias” (PACELLI, 2013, p. 343).
Claro que existem questões que invalidam a prova não por alguma característica sua em si, mas pelo meio utilizado para buscar a sua obtenção “como ocorre, por exemplo, na confissão obtida mediante tortura, ou mediante hipnose, ou, ainda, pela ministração de substâncias químicas (soro da verdade, etc)” (PACELLI, 2013, p. 343). Tourinho Filho cita outras provas que não devem ser admitidas: “Metem-se a rol entre as provas não permitidas aquelas objeto de captação clandestina de conversações telefônicas (CF, art. 5º, XII), de microfones dissimulados para captar conversações íntimas, o diário, onde algumas pessoas registram, com indisfarçável nota de segredo, os acontecimentos mais importantes do seu dia-a-dia” (TOURINHO FILHO, 2005, p. 506).
A CF fala, conforme citado acima por Tourinho Filho, na captação clandestina de conversações telefônicas, mas, segundo alguns julgados dos tribunais superiores tem-se tornado mais flexível o entendimento de que seria reservado a um dos interlocutores o direito da gravação: “[…] é lícita a prova consistente no teor de gravação de conversa telefônica realizada por um dos interlocutores, sem o conhecimento do outro, se não há causa legal específica de sigilo nem de reserva da conversação, sobretudo quando se predestine a fazer prova, em juízo ou inquérito, a favor de quem a gravou” (BRASIL, Supremo Tribunal Federal, RE 402.717-8, Relator: Min. Cézar Peluso, 2008).
Isso nos mostra que, mesmo que o processo penal permita uma ampliação quanto às possibilidades de produção de prova, inclusive sendo consideradas mais amplas que as do processo civil, de acordo com Pacelli, algumas regras devem ser respeitadas, a fim de que os princípios balizadores do Direito sejam preservados.
1.2. Regras aplicáveis
Para entendermos as regras específicas da prova, precisamos tratar inicialmente sobre o procedimento probatório. De acordo com Capez, ele se divide em quatro momentos distintos que seriam a proposição, a admissão, a produção, propriamente dita, e a valoração, que, de acordo com ele, coincide com o desfecho do processo (CAPEZ, 2006).
A proposição da prova deve ser feita em momento adequado do processo, já previamente estipulado pelo nosso CPP. Segundo Capez, “em regra, as provas devem ser propostas com a peça acusatória, com a defesa prévia, ou, então, com o libelo, com a contrariedade”. Já a admissão, segundo o autor, “trata-se de ato processual específico e personalíssimo do juiz, que, ao examinar as provas propostas pelas partes e seu objeto, defere ou não a sua produção”; devemos lembrar que este deferimento pelo juiz é obrigatório para que uma prova seja considerada válida.
Então, superadas essas duas etapas iniciais, a produção propriamente dita da prova acontece. As partes devem utilizar dos meios possíveis e necessários para convencer o juiz daquilo que aduzem. Finda a produção, caberá ao juiz valorar as provas. Segundo Nucci, existem três sistemas possíveis para a avaliação da prova, sendo ele seriam o da livre convicção, o da prova legal e o da persuasão racional. O terceiro também pode ser chamado de “convencimento racional, livre convencimento motivado, apreciação fundamentada ou prova fundamentada” (NUCCI, 2005, p. 357); O sistema da persuasão racional é o sistema adotado pelo processo penal brasileiro, segundo Nucci e Capez, pelo art. 93, IX, da CF e art. 157, do CPP. Capez aborda que tal sistema: “Atende às exigências da busca pela verdade real, rejeitando o formalismo exacerbado, e impede o absolutismo pleno do julgador, gerador do arbítrio, na medida em que exige motivação. Não basta ao magistrado embasar a sua decisão nos elementos probatórios carreados aos autos, devendo indica-los especificamente. Não pode, igualmente, o magistrado buscar como fundamento elementos estranhos aos autos (quod neon est in actis non est in mundo: o que não está nos autos não está no mundo). Trata-se, na realidade, do sistema que conduz ao princípio da sociabilidade do convencimento, pois a convicção do juiz em relação aos fatos e às provas não pode ser diferente da de qualquer pessoa que, desinteressadamente, examine e analise tais elementos” (CAPEZ, 2006, p. 311).
O procedimento da produção das provas, como falado anteriormente neste trabalho, segue algumas regras e deve respeitar importantes institutos. Os principais são o contraditório e a ampla defesa, resumindo o que deve ser o devido processo legal. Tais direitos são considerados como garantias fundamentais pela nossa Constituição Federal, que os menciona no inciso LV, do seu art. 5º, que diz que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;” (grifo nosso).
Também falamos muito, no âmbito do processo penal, na questão da paridade de armas e da igualdade que deveria existir na busca da tutela jurisdicional, e que não é nada além de uma tentativa de equiparação das partes, através de mecanismos que proporcionem a elas as melhores condições possíveis para que possam produzir as provas necessárias. Armas então seriam as possibilidades, oportunidades, meios ou instrumentos que as partes teriam para poder convencer o juiz. Mas não devemos enxergar esta paridade como um simples apanhado de regras, formando uma lista inflexível e imutável de ações paliativas que nos tragam a falsa impressão de igualdade. É o que afirmam Luiz Flávio Gomes e Valério de Oliveira Mazzuoli: “Mas a igualdade não pode ser, evidentemente, somente formal: o correto enfoque da 'paridade de armas' leva ao reconhecimento não de uma igualdade estática, senão dinâmica, em que o Estado deve suprir desigualdades para vivificar uma igualdade real. Se o devido processo é a expressão jurisdicional democrática de um determinado modelo de Estado, essa igualdade somente pode ser a substancial, efetiva, real. As oportunidades dentro do processo (de falar, de contraditar, de reperguntar, de opinar, de requerer e de participar das provas etc.) devem ser exatamente simétricas, seja para quem ocupa posição idêntica dentro do processo (dois réus, v.g.), seja para os que ostentam posição contrária (autor e réu, que devem ter, em princípio, os mesmos direitos, ônus e deveres)” (GOMES; MAZZUOLI, 2011, p. 113).
Analisando esta passagem, resta claro e cristalino o entendimento de que devemos buscar uma igualdade material, e não apenas formal. Este é o entendimento Aristotélico, de que “devemos tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades”, sempre trabalhando para que seja criada uma desigualdade jurídica que permita chegar a uma igualdade filosófica.
Outro princípio muito importante é o da oralidade. Este princípio exige que o juiz, para poder julgar, deve se basear não apenas no que leu no processo, mas também nas provas que serão produzidas de forma oral, como os depoimentos e os testemunhos. Tal princípio não está previsto de forma expressa no CPP ou na Constituição, apenas recebendo referências na Lei 9.099/95, nos arts. 2º e 62. Esse princípio ainda abarca outros quatro subprincípios, que são o da imediatidade, que significa que o juiz deve ter contato imediato com a prova. O princípio da concentração de atos, o princípio da celeridade e, finalmente, o principio da identidade física do juiz. Este último acaba sendo o mais importante dos quatro, visto que ele determina, muitas vezes, a manutenção de um determinado magistrado ao longo da persecução penal.
Ainda, tratando sobre a validade das provas produzidas, há dois requisitos de suma importância que devem ser observados ao longo do processo. Seriam eles “a presença do juiz como condição de validade das provas” e “a presença das partes como condição de validade das provas”. Estes dois quesitos intitulam duas partes do livro de Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho e Antonio Scarance Fernandes, tal a sua importância para garantir que as provas produzidas sejam consideradas válidas.
A presença, tanto do juiz quanto das partes, são duas exigências que serão exploradas na análise da prova emprestada, no próximo capítulo deste trabalho. Os autores citados acima entendem que as provas que não são produzidas sob o crivo do juiz “não se prestam senão à formação da opinio delicti, para efeito de oferecimento da denúncia”, e isso “quer do inquérito policial, quer de procedimentos administrativos ou sindicâncias administrativas em geral”.
Da mesma forma eles interpretam a obrigatoriedade da presença das partes no colhimento de prova: “Foi salientado, aliás, que a garantia não significa apenas que a parte possa defender-se contra as provas apresentadas contra si, exigindo-se, ainda, que seja colocada em condições de participar, assistindo às que forem colhidas de ofício pelo juiz. É que tudo quanto for utilizado sem prévia intervenção e participação das partes acaba sendo conduzido a conhecimento privado do juiz” (GRINOVER; GOMES FILHO; FERNANDES, 2011, p. 118).
Portanto, resumindo as obrigações da presença das três peças que formam o processo penal (juiz, acusação e defesa), devemos entender que as provas serão consideradas inválidas por vício formal as que forem produzidas por uma das partes, sem a presença do juiz, bem como as que forem produzidas pelo juiz sem a presença de ambas as partes.
2. A produção da prova antecipada
Muito pouco se escreveu acerca deste assunto até hoje em nosso país. Alguns autores europeus já abordam com maior frequência este tema, contudo, não é simples aproveitar a linha de pensamento dos doutrinadores estrangeiros, principalmente pelo fato de os sistemas de acusação e defesa serem, muitas vezes, distintos.
No Brasil, a persecução penal se inicia, como regra, com a ação do Delegado de Polícia. Em outras palavras, o Delegado irá investigar uma notitia criminis, que “[…] pode ser oferecida por qualquer pessoa do povo e, obviamente, pode ter início a partir do próprio conhecimento pessoal do fato pela autoridade policial (art. 5º, §3º, CPP)” (PACELLI, 2013, p. 56).
Esta investigação poderá resultar no indiciamento dos suspeitos de cometimento do crime pelo Delegado titular do inquérito, e cabendo ao Ministério Público, posteriormente, oferecer ou não a acusação contra aqueles. Em havendo a acusação, iniciará, aí, o processo em si. Portanto, muito importante destacar que, por se tratar de fase pré-processual, o inquérito policial prescinde de contraditório e de ampla defesa, como afirma Pacelli, em seu Curso de Processo Penal: “Por fim, e antes de examinarmos o inquérito policial em suas características essenciais, cumpre trazer a lume questão das mais importantes, atinente à necessidade, ou não, do contraditório e da ampla defesa no âmbito da fase de investigação.
Do ponto de vista da jurisprudência nacional, o tema não pode despertar mais indagações, estando ali assentada, como regra, a não aplicação dos citados princípios constitucionais à fase de investigação” (PACELLI, 2013, p. 54).
Contudo, torna-se um pouco confuso quando a produção de alguma prova essencial no curso da investigação é necessária. Como poderia então essa prova ser aproveitada pelo processo penal, visto que não foi produzida sob o crivo do contraditório ou da ampla defesa, sem as mínimas garantias constitucionais? A solução é adotar diversas medidas que validem a prova produzida, tal como a participação da parte na produção das provas, a garantia da presença do Ministério Público durante o procedimento, e desde que sejam respeitados alguns outros quesitos: “[…] Fernandes sintetiza que o direito à prova se manifesta processualmente através de vários direitos da parte: a) direito de requerer a produção da prova; b) direito a que o juiz decida sobre o pedido de produção da prova; c) direito a que, deferida a prova, esta seja realizada, tomando-se todas as providências necessárias para sua produção; d) direito a participar da produção da prova; e) direito a que a produção da prova seja feita em contraditório; f) direito a que a prova seja produzida com a participação do juiz; g) direito a que, realizada a prova, possa manifestar-se a seu respeito; h) direito a que a prova seja objeto de avaliação pelo julgador” (FERNANDES[3], 2000, pp. 68-69 apud AMICO, 2008, p. 7).
Portanto, nada além de trazer um pouco da fase processual para a fase de investigação. Evidente que, se fosse algo tão simples, tal instituto seria utilizado com maior frequência pela justiça. Afinal, no momento em que são respeitados os princípios do contraditório e da ampla defesa, a prova produzida no inquérito policial poderá ser usada para o convencimento do juiz, visto que, de acordo com o art. 155, do CPP, as únicas exceções para que o juiz utilize provas não produzidas durante o processo são as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.
É o que leciona Ada Pellegrini Grinover: “[…] a) os elementos probatórios colhidos na fase investigatória, prévia ao processo, servem exclusivamente para a formação do convencimento do acusador, não podendo ingressar no processo e ser valorados como provas (salvo se se tratar de prova antecipada, submetida ao contraditório judicial, ou de prova cautelar, de urgência, sujeita a contraditório posterior); b) o exercício da jurisdição depende de acusação formulada por órgão diverso do juiz (o que corresponde ao aforisma latino nemo in iudicio tradetur sine accusatione); c) todo o processo deve desenvolver-se com contraditório pleno, perante o juiz natural. […]” (grifo nosso) (GRINOVER, 1999, p. 71-79).
Já na fase processual, devemos observar com maior atenção o art. 366 do CPP. Ele expõe uma circunstância que pode ocorrer a partir do não comparecimento do réu após a citação e que autoriza a produção de provas antecipadamente, desde que urgentes. Evidente que, nesta situação, alguns problemas são automaticamente superados, como a questão da presença da figura do julgador, a denúncia pelo Ministério Público já está formalizada e, portanto, a acusação já possui um papel atuante no processo, além de já ter sido aberta a possibilidade de ampla defesa e contraditório. Vejamos então a redação do art. 366, do CPP: “Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes […]”.
O Código de Processo Civil[4], doravante CPC, também prevê a possibilidade de produção antecipada das provas e trata disso do art. 846 em diante. O art. 846 cita como possibilidades de prova a ser antecipada o interrogatório das partes, a inquirição de testemunhas e o exame pericial. De acordo com os arts. 847, I e II e 848, caput, indicam que, além da necessidade de justificativa para a antecipação da produção de prova, esta só ocorrerá se a parte ou a testemunha tiver que se ausentar ou, por motivo de moléstia grave ou idade, o receio de que ela não esteja mais viva, ou ainda, incapaz de produzir a prova, seja grande. E é sobre esses princípios que José de Moura Rocha se debruça, citando os ensinamentos de Pontes de Miranda: “Adequando a questão a este aspecto é que Pontes de Miranda destaca o problema frente aos princípios da imediatidade e da concentração para proclamar que não são a princípios que se serve; são os princípios que servem à causa da justiça. Em sendo assim temos que disciplinam eles o contato do juiz com a produção das provas em determinado lapso de tempo e, com palavras de Pontes de Miranda: "Se a lei reconhece que alguma circunstância impede a realização deste escopo, apresenta-se-lhe o problema técnico de permitir que o ato se pratique, ou que se proceda à diligência, com o mínimo de quebra dos dois princípios. O sacrifício do ato ou da diligência à observância rígida da imediatidade e da concentração seria sacrifício dos fins aos meios". Portanto, sendo a ação de produção antecipada da prova, quando da pendência da ação (principal) de ordem incidental, não restará qualquer problema porque será competente para dela conhecer o juiz que conhece da ação dita principal. Mas, se é ela promovida antes da propositura da principal, há de se ter em conta os elementos circunstanciais que no momento em que se pretende a antecipação, existirem” (ROCHA, 2011, p. 59).
No processo civil, assim como no processo penal, o pedido de antecipação da produção da prova deve ser fundamentado, justificando tal pedido. Contudo, o momento desta requisição no processo civil será na petição inicial, diferente do que acontece para o processo penal, visto que não há tal instrumento, e sim uma denúncia do Ministério Público. E, no processo penal, ainda há a possibilidade de tal pedido ocorrer antes mesmo da denúncia, com apenas uma investigação em curso. Sobre este aspecto José Rocha também trata em seu artigo: “Outro aspecto que deve ser considerado com bastante cuidado será o de se exigir do requerente uma justificação da necessidade da antecipação da prova. Utilizará ele a petição inicial, como em qualquer processo, para promoção da correspondente ação de antecipação de prova, petição esta que se há de adequar a sua natureza não importando que seja autônoma ou incidental. O que vai destacar-se nesta petição será o seu objeto: a conservação da prova” (ROCHA, 2001, p. 59).
Ainda, o art. 849 admite que “havendo fundado receio de que venha a tornar-se impossível ou muito difícil a verificação de certos fatos na pendência da ação, é admissível o exame pericial”.
E a doutrina processualista civil trabalha ainda com outra possibilidade de produção antecipada de prova, que o processo penal ainda não incorporou de modo generalizado, que é a de uma ação probatória autônoma. Nada além de um processo antes do processo que realmente se tem. Fredie Didier Jr. e Paula Sarno Braga, ao tratarem do tema, lecionam: “O foco, aqui, é a ação probatória autônoma. Não visa ela, como visto, oferecer tutela cautelar. Tem por objeto imediato a prestação de tutela jurisdicional tipicamente satisfativa, mais precisamente de certificação e efetivação de um direito à prova, enquanto situação jurídica que confere a alguém o poder de buscar e acessar a prova, constituindo-a em juízo.
Isso pode revelar-se indispensável, por exemplo, para que a parte, devidamente informada sobre fatos que circundam situação jurídica por ela vivida, tenha condições de avaliar suas chances de êxito em eventual processo de certificação de direito material, e adote, conscientemente, a postura que lhe parecer mais adequada: (a) seja com a instauração do processo de cognitivo, visando discutir o direito material; (b) seja com o prosseguimento do processo cognitivo já instaurado; (c) seja, simplesmente, empreendendo esforços para chegar a uma autocomposição” (DIDIER JUNIOR; BRAGA, 2013, p. 18).
Ora, se a prova produzida neste processo autônomo serve para embasar e justificar o ingresso futuro em uma lide, ela também poderá ser utilizada no decorrer deste “novo” processo. Claro, sua valoração só ocorrerá neste segundo momento, visto que o primeiro processo tinha, como objeto, apenas a produção da prova, e, solucionada esta questão, não há motivos aparentes para que o juiz tenha que valora-la. “Com base nesse direito autônomo à prova, o que requer a parte, em juízo, é a efetiva produção da prova, e, não, sua mera asseguração para que seja utilizada em futuro e eventual processo de certificação do direito material– que pode sequer existir. […] Mas só produzida, não valorada.
Sua valoração judicial dar-se-á, se for o caso, na fundamentação da decisão que examinar o direito que se funda nos fatos cuja prova se pretender produzir na ação probatória autônoma. Ou seja, ela somente será valorada pelo juiz se: (a) a parte vier a promover outra ação, em que afirma outro direito, cujo suporte fático será provado com a prova produzida antecipadamente; (b) o juiz julgar a demanda, já em curso, que se funda em direito cujo suporte fático será provado com a prova produzida antecipadamente” (DIDIER JUNIOR; BRAGA, 2013, p. 18).
Traçado esse breve paralelo entre o processo civil e o processo penal, no que tange à antecipação da produção de provas, cabe falarmos especificamente sobre a produção antecipada de provas no processo penal. Discorreremos sobre a sua natureza jurídica, sobre os diferentes momentos do processo em que pode ocorrer a antecipação, bem como dos legitimados a fazerem o pedido, e também sobre as garantias que devem ser respeitadas.
2.1. Natureza jurídica da antecipação probatória
A prova no processo penal assume importância ao iniciar o convencimento do magistrado competente. Não é unânime entre os doutrinadores a posição referente à natureza jurídica da prova em geral. Muitos a consideram como processual e outros como natureza material.
O certo é que a prova deveria ser produzida ao longo do processo criminal. Contudo, existem os casos previstos pelo arts 225 e 366 do CPP. Nestes casos, entendemos que a prova teria natureza cautelar, antecipando seus efeitos para a fase anterior ao processo, no caso do art. 225, ou para a fase anterior à instrução, segundo o art. 366. É este também o entendimento de Ada Pellegrini Grinover: “O processo penal acusatório não se desnatura com a produção antecipada da prova testemunhal (cautelar) na fase de inquérito policial, permanecendo hígidos os seus corolários: a) os elementos probatórios colhidos na fase investigatória, prévia ao processo, servem exclusivamente para a formação do convencimento do acusador, não podendo ingressar no processo e ser valorados como provas (salvo se se tratar de prova antecipada, submetida ao contraditório judicial, ou de prova cautelar, de urgência, sujeita a contraditório posterior); b) o exercício da jurisdição depende de acusação formulada por órgão diverso do juiz (o que corresponde ao aforisma latino nemo in iudicio tradetur sine accusatione); c) todo o processo deve desenvolver-se com contraditório pleno, perante o juiz natural” (grifo nosso) (GRINOVER, 1999, p. 71-79).
2.2. Momentos da produção antecipada de provas
É de suma importância diferenciar, para que possamos analisá-los posteriormente, os dois momentos previstos para a produção antecipada de provas. O primeiro momento se dá durante a fase de investigação criminal no curso do inquérito policial, este sob a presidência do Delegado de polícia civil ou federal; o segundo é com o processo já iniciado, com suporte no art. 366 do CPP.
Cada momento possui suas peculiaridades e diferenças, principalmente no que tange às questões da participação do Ministério Público e da existência, ou não, de ampla defesa e contraditório.
2.2.1. Durante a investigação
Durante a fase de investigação não existia a possibilidade, a princípio, de proporcionar aos suspeitos e investigados o contraditório e a ampla defesa. No ano de 2009, o Supremo Tribunal Federal, doravante STF, publicou a Súmula Vinculante nº 14[5], que trata sobre o sigilo, antes totalmente inviolável, do inquérito policial; segundo a Súmula, o advogado do investigado poderá ter acesso aos documentos do procedimento investigatório, o que poderia proporcionar uma falsa sensação de contraditório ou de ampla defesa caso fosse necessário produzir provas antecipadamente.
Claro que, na prática, este princípio ainda não é plenamente respeitado pelas polícias investigativas. O Delegado abre o procedimento investigatório e inicia as diligências que julga necessário, como tomada de depoimentos, incursões ao local do crime e análise de exames periciais. Conforme ele vai delineando o indiciamento dos suspeitos de cometer o delito, o inquérito vai tomando forma, na teoria. Na prática, os delegados deixam para tornar público o inquérito apenas quando finalizado, e, segundo a Súmula Vinculante supracitada, apenas os elementos de prova já documentados é que devem ser disponibilizados ao defensor do representado.
Então, em verdade, o defensor fica impotente frente à discricionariedade do delegado quando da fase do inquérito. Ele depende não só da agilidade do investigador para documentar todas as provas, como também da vontade do mesmo em fazer isto. Claro que isso não impede que o bom advogado ou defensor público possa tomar medidas que protejam seu representado. Mas, muitas vezes fica evidente a dificuldade em ter acesso aos dados do inquérito, que até serem de fato documentados, pode causar prejuízos aos investigados e suspeitos.
Contudo, o investigado não se tornou acusado ainda, e talvez nem venha a se tornar, caso o delegado decida por não indiciá-lo ou o Promotor responsável pelo caso decida não denunciá-lo. Portanto, ele não participa ativamente da produção de provas, e isso torna complicada a antecipação da produção da prova na fase anterior ao processo.
Então, a primeira situação que devemos vislumbrar ao analisar a produção de provas no inquérito policial é a situação do investigado. Como não há uma acusação formalizada pelo Ministério Público, teoricamente a prova não poderia ser usada para convencer o juiz futuramente. Não se pode colocar a pessoa que está sendo investigada numa posição de acusado, sem que se tenha certeza disso. É necessário “aguardar a conclusão das investigações policiais para a adequada propositura da ação penal, resguardando a dignidade da pessoa humana que não deve ser atingida por denúncia temerária […]” (AMICO, 2008, p. 7). Evidente que, em casos extraordinários, há a autorização para produção da prova.
Carla Campos Amico enfatiza muito bem a questão, levantando uma questão muito importante, sobre quais fatos que devem ser questionados à testemunha: “Como, no inquérito policial, ainda não foi delimitada a acusação que apenas ocorre com o oferecimento da denúncia ou da queixa, quais devem ser os fatos questionados à testemunha sobre o crivo do contraditório? A prova oral deve ser colhida quanto à provável imputação ao agente descrita no auto de prisão em flagrante ou em outras provas até então coletadas. Evidentemente que a prova cautelar produzida sob o crivo judicial só terá valor a respeito dos fatos já identificados e definidos e entre as partes que participaram da coleta da prova, resguardada a ampla defesa e o efetivo contraditório” (AMICO, 2008, p. 8).
Mas então como deve o delegado proceder frente à iminência do perecimento de uma prova que pode ser importante não só para a finalização do inquérito, mas também para o correto entendimento a ser desenvolvimento no processo de convencimento do juiz feito? Segundo Amico, “o pedido de produção antecipada de prova deve ser processado em autos apartados ao da investigação policial […]”. Evidente então que este procedimento deverá a partir desta etapa contar com a presença do Ministério Público, sob a presidência do juiz competente. Além disso, tal procedimento seguirá alguns requisitos essenciais, quais sejam: “[…] da seguinte maneira: 1- formulação de requerimento motivado pelo Ministério Público (ação penal pública), pelo ofendido (ação penal privada) ou pelo indiciado ou suspeito, endereçado ao juiz competente; 2- para apreciar o pedido, em concorrendo dois ou mais juízes igualmente competentes ou com jurisdição cumulativa, prevalecerá aquele que tiver antecedido aos outros na prática de algum ato do procedimento investigatório, tais como decretação de prisão preventiva, concessão de fiança, mandado de busca e apreensão ou autorização de interceptação telefônica (CPP, art. 83). Não havendo prevenção entre os juízes, a precedência da distribuição fixará a competência (CPP, art. 75); 3- deferido o pedido, o juiz procederá à ouvida da testemunha, com a participação do Ministério Público, do ofendido, do indiciado ou suspeito, devidamente acompanhados de advogado, resguardado o contraditório” (AMICO, 2008, p. 8).
Então, o procedimento do Delegado deve se resumir em informar o Ministério Público, para que esse possa requerer ao juiz do feito que se produza uma prova antecipadamente. O inquérito policial irá continuar com seu curso normal, devendo o Delegado dar prosseguimento à sua investigação, paralelamente com a produção das provas antecipadas. Claro que não podemos ser ingênuos a ponto de achar que esta produção de prova não irá afetar, mesmo que indiretamente, o inquérito e a investigação do Delegado. Portanto, o presidente da investigação, Delegado de Polícia, deve ter muito cuidado na condução do inquérito, tomando todas as medidas de precaução para que produza um instrumento perfeito, sem vícios.
Das diversas provas que podem ser produzidas no decorrer do processo, como as perícias, exame do corpo de delito, documentos, depoimentos e testemunhos, esta “é a mais importante, não em razão de sua inexistente preponderância probatória, mas, sim, por ser a prova mais comum e de largo uso e, consequentemente, a mais produzida” (PELUSO, 2008, p. 189) e ainda, segundo Tourinho Filho, "pois dificilmente, e só em hipóteses excepcionais, provam-se as infrações com outros elementos de prova […] Assim, a prova testemunhal é uma necessidade, e nesta reside seu fundamento". (TOURINHO FILHO, 2007, p. 303)
No inquérito policial, as provas produzidas mais corriqueiramente são as testemunhais, através de depoimentos pessoais. Não raras vezes, processos inteiros são pautados no que viu uma testemunha ou no que a vítima relata como sendo a verdade. Evidente que não poderia o juiz formar seu convencimento com base apenas nas provas do inquérito, pois se encontraria afrontando o art. 155 do CPP. Mas, assim como afirma Amico, não podemos negar a importância de tais provas.
Dentre as provas colhidas no inquérito policial, “a prova testemunhal tem valor relevante, pois não raras vezes, por deficiência de perícia técnica adequada e oportuna, as infrações penais só podem ser comprovadas por declarações de pessoas que assistiram ao fato ou dele tiveram conhecimento” (AMICO, 2008, p. 7). Merece destaque, finalmente, a precisa diferenciação feita por Vinícius Peluso, sobre a produção antecipada e seus diferentes momentos, com base nos arts. 225 e 366, do CPP: “Na primeira hipótese, a relação processual penal está completa, com a presença do réu (devidamente citado) e seu defensor constituído, ocorrendo que a antecipada oitiva das testemunhas será acompanhada pela parte e seu defensor, que, assim, participarão ativamente na produção da prova, que somente foi antecipada em razão de situações especialíssimas. Não há aqui a mera asseguração e conservação da prova, mas, sim, verdadeira produção antecipada, já que todas as partes processuais participaram ativamente de sua produção, sob a égide dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, e que, dessa forma, passa verdadeiramente a integrar a instrução processual.
Já na segunda hipótese, a oitiva antecipada das testemunhas ocorrerá na ausência do acusado e de seu defensor constituído, que, portanto, não poderão influir no ato processual, caracterizando-se a inobservância do contraditório e da ampla defesa, o que impede que tal ato processual se caracterize como verdadeira produção de prova e, pois, como ato instrutório, tratando-se, assim, de mero ato processual assecuratório de prova” (PELUSO, 2008, p. 189).
2.2.2. No curso do processo criminal
A Lei 9.271[6], sancionada no ano de 1996, deu nova redação ao art. 366 do CPP, modificando-o para permitir que a produção de provas antecipadas fosse prevista, no caso de revelia do acusado, com a consequente suspensão do processo. Com a nova redação, este artigo se tornou referencial para um princípio que toda a justiça deve pautar-se e buscar alcançá-lo sempre, o da celeridade no processo, que ajuda a levar a justiça mais rapidamente para aqueles que a solicitam.
A partir de então, tal artigo passou a elucidar uma das possibilidades de produção antecipada de provas, desta vez em caso de suspensão do processo, e pela necessidade de preservação das provas, visto que o tempo pode levar ao seu perecimento: “Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312” (grifo nosso).
Na fase processual, é necessária a decretação da suspensão do processo frente à revelia do réu citado por edital que não comparece e nem constitui advogado. A decisão do juiz é interlocutória, pois apenas suspende o curso do processo e, segundo o artigo supracitado, do CPP, é obrigatório o esgotamento das tentativas para encontrar o acusado na lide. Será necessário então, para acontecer a revelia no processo, que o réu seja citado pessoalmente e deliberadamente deixe de comparecer em juízo. Se não tiver sido feita a citação pessoal, apenas seja feita por edital, e esse edital seja frustrado pela não resposta do réu, será o processo suspenso. Caso o suspeito compareça em juízo, esta suspensão acaba e as provas voltam a ser produzidas normalmente. Cabe ao juiz analisar o enredo fático que envolve a antecipação da produção, conforme o que escreve Vinicius de Toledo Piza Peluso, Juiz de Direito no Estado de São Paulo: “Por sua vez, após a precisa alegação e a sumária comprovação da situação fática que inspiram o receio de que, ao tempo da normal instrução, seja impossível ou extremamente difícil a oitiva da(s) testemunha(s), caberá ao Juiz analisar os fatos e sua comprovação e decidir pela asseguração ou não da prova testemunhal” (PELUSO, 2008, p. 190).
Como em qualquer momento para a produção de provas, o devido processo legal também será observado nesta fase. Evidente a maior facilidade para que alguns requisitos sejam observados aqui, se compararmos com o outro momento a ser analisado – durante o inquérito policial – visto que, já temos um juiz presidindo o procedimento e um membro do Ministério Público como representante do Estado.
Um exemplo que Nucci expõe em seus comentários ao CPP é o da inspeção judicial. Ele compara tal medida com o CPC, mais especificamente em seus arts. 440 e 441. Segundo ele, “tal medida, por analogia, pode ser usada no processo penal, constituindo, aliás, importante ferramenta para a busca da verdade real”. Nesta hipótese, o magistrado não se sentiu plenamente esclarecido acerca dos fatos e provas produzidos, por exemplo, por um perito oficial; assim, ele vai pessoalmente se dirigir à cena do crime, como, por exemplo, o local em que se deu um acidente de trânsito que causou a morte de um pedestre. Neste interregno do processo, “as partes podem acompanhar o magistrado, fazendo observações que julguem pertinentes (art. 442, parágrafo único), o que demonstra o respeito ao contraditório e à ampla defesa. No final da diligência, lavra-se auto do ocorrido (art. 443)” (NUCCI, 2007, p. 347). Esta é uma hipótese que também pode ser utilizada para se antecipar o convencimento do juiz, não precisando ele aguardar a produção de prova plena, visto que, com o passar do tempo, a cena do crime deve ser desfeita, com o intuito de permitir que a cidade volte ao seu estado de normalidade.
Segundo Nucci, devemos utilizar o art. 366 com muito cuidado, para não “banalizar o disposto neste artigo, crendo ser regra o que vem a ser exceção”. Mas o que isso significa exatamente? Devemos entender que o artigo supracitado serve para garantir a defesa de um acusado que pode não ter tido conhecimento ainda de que é réu em um processo, e não apenas para produzir provas. Ou seja, “somente as provas realmente perecíveis precisam ser efetivadas na ausência do réu, ainda que lhe seja nomeado defensor dativo”. Aduz que: “Ouvir uma criança, que tenha visto um crime, é urgente, pois o próprio desenvolvimento físico e psicológico do informante pode alterar-se, comprometendo relevantes dados armazenados em sua memória. Entretanto, ouvir uma pessoa que, na fase policial, já declarou que apenas ouviu dizer a respeito de quem seria o autor do crime, sem fornecer nenhum outro dado relevante, é indevido. Assim, sustentamos que cabe ao prudente critério do magistrado decidir a respeito da urgência da prova, sem haver qualquer tipo de generalização. Neste prisma: STJ: “A determinação da produção antecipada de provas, nos termos do art. 366 do CPP, com a redação dada pela Lei 9.271/96, adstringe-se à discricionariedade do magistrado que preside o processo, não gerando constrangimento desde que devidamente fundamentada” (HC 8.590-SP, 6ª T., rel. Fernando Gonçalves, 27.04.1999, v.u., DJ 24.05.1999, p. 203, grifo nosso)” (NUCCI, 2007, p. 633).
Talvez por este rigor exagerado e por este excesso de cuidado que a prova antecipada ainda enfrenta muita resistência, tanto por parte dos magistrados como por parte do Ministério Público. “Muitos juízes de primeiro grau e instâncias recursais, aos olhos muitas vezes conformados do Ministério Público, têm feito tabula rasa da necessidade inquestionável de se providenciar a produção antecipada de prova (…)” (MARCÃO, 2003, p. 511). E o objetivo principal deste trabalho é exatamente desmistificar o tema da produção antecipada da prova, seja no curso do inquérito policial, seja já com o processo em andamento frente à denúncia do Ministério Público.
Claro que não devemos tratar este instituto como algo corriqueiro, que possa servir como medida paliativa para outros problemas enfrentados pelo Poder Judiciário e pela Polícia, como a dificuldade de encontrar um réu foragido ou revel, ou ainda pela incapacidade de garantir que uma prova seja produzida em um futuro próximo e mesmo assim sirva para satisfazer as dúvidas do magistrado.
Ainda importante ressaltar que o art. 366 não se iguala ao art. 225, ambos do CPP, no que tange à urgência e necessidade de antecipação, frente a um perigo iminente de perecimento das provas. As medidas que se impõe pelo artigo 366 têm caráter “puramente conservativo, não implicando na plena e efetiva realização do direito probatório” (PELUSO, 2008, p. 189). Segundo o autor: “Na hipótese da suspensão do processo determinada pelo art. 366, do CPP (LGL19418), a "produção antecipada" da prova oral tem o nítido caráter de medida cautelar incidental ad perpetuam rei memoriam, que visa à segurança da prova, tão-somente documentando algum fato cujo desaparecimento seja provável, para que, posteriormente, possa ser utilizado como prova, preservando, assim, a sua futura produção do perigo que a ameaça.
Não se trata, pois, de verdadeira produção emergencial e antecipada de prova, como ocorre, v.g., nos casos definidos no art. 225, do CPP (LGL19418) […]” (PELUSO, 2008, p. 189).
2.3. Legitimados
A antecipação da produção de provas, ainda na fase de investigação policial, desencadeia uma série de consequências, principalmente nas questões envolvendo os princípios do contraditório e da ampla defesa. Ainda, a questão da atuação do Ministério Público durante a fase anterior ao processo e a atuação do Delegado, titular da investigação, pautando, e, quiçá, controlando a linha futura de atuação do Parquet. Devemos nos preocupar com isso, afinal, necessitamos perceber as instituições como independentes, ainda que interligadas e colaborativas umas com as outras. “Admitir a produção antecipada da prova testemunhal na fase de inquérito policial, por sua vez, não confere ao juiz a atribuição de investigador, própria da autoridade policial, senão a função de determinar providências cautelares sob o manto do contraditório e da ampla defesa para evitar o perecimento do direito do Estado (jus puniendi) ou do agente (jus libertatis), enfim a perda da possibilidade de elucidação da verdade real” (AMICO, 2008, p. 8)
Se utilizarmos a divisão em momentos e fases para a produção antecipada da prova, divisão esta já proposta no subitem anterior deste trabalho, podemos perceber claramente que quando já se encontra em fase processual, a produção da prova, mesmo que antecipada, não se mostra tão problemática quando se dá na fase do inquérito policial. Basicamente, isso acontece pelo simples fato de não contarmos com a presença do Ministério Público e dos acusados em geral para que este procedimento seja realizado. Existem muitas dúvidas acerca da maneira que os delegados devem proceder, visto que, aparentemente, estariam eles, em determinadas situações, se arriscando a assumir o papel do acusador, reservado exclusivamente ao Ministério Público e seus representantes.
O nosso CPP, diferente do CPC, não deixa claro, pelo menos não explicitamente, quem são os legitimados para a propositura do pedido de antecipação da produção de provas urgentes e necessárias.
O art. 333 do CPC distribui o ônus da prova às partes envolvidas no processo, tanto autor como réu. Segundo o artigo supracitado o ônus da prova cabe ”ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito” e “ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor”. Portanto, tornam-se legitimadas ambas as partes, frente ao estabelecido pela lei. Ainda, na possibilidade de produção antecipada de provas para que estas provas, assim que produzidas, produzam uma certeza que antes era inexistente e, com isso, motive o ingresso de uma futura ação. Segundo Daniel Baggio Maciel, sobre o art. 333: “Neste mesmo dispositivo legal, ainda há a previsão de que pertence ao réu o ônus da prova dos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito afirmado pelo autor. Além daqueles que possuem legitimação para demandar ou para serem demandados na ação principal, também pode ocorrer de um terceiro requerer a asseguração da prova mediante ação cautelar. Para tanto, ele também deverá evidenciar o risco a que está sujeita a prova almejada, o seu presumível direito à obtenção dela e o interesse jurídico no acertamento da lide principal. Exemplo clássico da asseguração pretendida por terceiro é o da seguradora que requer a realização de perícia no veículo segurado para proteger a prova dos danos causados em decorrência de um acidente de trânsito. Pode ocorrer, e não raro acontece, de a seguradora recear que terceiro ajuíze a ação indenizatória contra o segurado e que este promova a denunciação da lide em relação à empresa que, em virtude do contrato, está obrigada a ressarcir regressivamente o prejuízo experimentado pelo contratante (art. 70, III). Daí o interesse jurídico dela em preservar a prova dos danos” (grifo nosso) (MACIEL, 2012).
Então, o que acontece muitas vezes é o ajuizamento de uma ação cautelar que não vai causar nenhuma repercussão no futuro, visto que ela serve apenas para que uma das partes esclareça um fato que seria motivador para o ingresso de uma ação propriamente dita.
Já no processo penal os legitimados modificam-se um pouco, visto que o Ministério Público passa a desempenhar função de suma importância no andamento do processo. Ele se torna então, obviamente, um dos legitimados para pedir a antecipação da produção de uma prova urgente ou com alta chance de perecimento.
Ainda, o juiz que preside o processo, poderá, de ofício, decretar a antecipação na produção da prova, mesmo que não tenha sido iniciada a ação penal. É o que disciplina o art. 156 do CPP: “Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício: I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida.”.
Isso acarretará em uma série de atos que serão a consequência desta decisão judicial. O primeiro exemplo é o chamamento do Ministério Público ao processo, visto que o presidente do procedimento, durante a fase de investigação é o Delegado de Polícia, não devendo o Ministério Público interferir de maneira alguma nos rumos da investigação. Após o encerramento do inquérito, poderá o Promotor designado remeter ao Delegado os autos da investigação, com diligências a serem tomadas para que ele possa finalmente denunciar os envolvidos na prática do delito penal.
As partes interessadas também, obviamente, são consideradas legitimadas a pedir a garantia da antecipação da produção de uma prova que possa se perder em decorrência do tempo. Portando, o réu e até um terceiro interessado, como o querelante, podem ingressar com uma ação cautelar, ou ainda, fazer o requerimento da produção da prova em sede processual, mas antes de iniciada a fase de instrução.
Isso se torna mais facilmente entendível quando pensamos que a ampla defesa e o contraditório são institutos que, caso não sejam observados, acabam por invalidar a produção das provas antecipadas, bem como contaminam o processo que elas se incluem.
Ora, faz-se mister que o contraditório e a ampla defesa sejam observados e devidamente respeitados. Portanto, é claro e cristalino que, para que isso possa se dar de maneira satisfativa, todas as partes deverão estar presentes no momento da produção da prova. E não adianta apenas uma participação fictícia, mas sim uma participação ativa, contributiva e propositiva. Para entendermos melhor isso, trataremos em seguida especificamente sobre as garantias.
Resta claro que o Delegado de Polícia é, inquestionavelmente, aquele que deve conduzir a investigação, excetuando-se os casos em que o Ministério Público a assume. Ele dirá qual a linha que a investigação deverá seguir, ele poderá impor medidas cautelares urgentes, e ele decidirá o que será apresentado ao Promotor, em caso de indiciamento dos suspeitos investigados, tendo o poder de arquivar a investigação ou dar prosseguimento a ela.
Mas, não cabe a ele decidir se o suspeito será processado e julgado, como boa parte da população acredita ser. Muitos pensam que, no momento que o Delegado indicia os suspeitos do cometimento de um delito, o Ministério Público está obrigado a dar prosseguimento, acusando os investigados. Ora, se tratamos todas as esferas com independência e devemos sempre buscar aumentar o nível de autonomia das mesmas, este é um pensamento que não pode vigorar. Contudo, importante salientar que, por mais independentes que essas esferas sejam, elas devem se comunicar, cooperarem entre si, manter o canal do diálogo sempre aberto. Ao fazerem isso, ambos os trabalhos são facilitados, permitindo que a justiça seja alcançada de maneira mais rápida e eficiente.
Conforme exposto anteriormente, ao dar cabo à produção da prova antecipadamente, não está se fazendo nada além de trazer um pouco do processo para dentro do inquérito policial. Mas, engana-se quem pensa que o legitimado para fazer o pedido de antecipação da produção da prova é o Delegado. O Delegado não é parte, não acusa nem defende, a ele cabe apenas investigar, desencavar evidências que possam dar ao Juiz uma maior noção de justiça. Então, se ele não é o responsável por não ser parte futura no processo, cabe às partes esse pedido ao juízo.
Citamos então aqui como legítimos a fazer o pedido enquanto partes o Ministério Público em caso de ação penal pública, bem como os advogados, tanto de defesa quanto de acusação. Mas seríamos ingênuos de pensar que o Delegado não tem nenhuma influência sobre essa postulação. Ao se deparar com uma prova que deve ser produzida de maneira urgente, pelas diversas razões do art. 225 do CPP, ele entra em contato com o Ministério Público, para que esse faça o pedido ao juízo competente.
Claro que ele não é o responsável direto por essa solicitação; entretanto, não podemos desconsiderar a sua participação nesse momento, em face do amplo conhecimento que ele tem sobre a investigação em curso. É o que ressalta Amico, no momento que trata sobre a denúncia que ainda não aconteceu e o cuidado que devemos tomar: “Como, no inquérito policial, ainda não foi delimitada a acusação que apenas ocorre com o oferecimento da denúncia ou da queixa, quais devem ser os fatos questionados à testemunha sobre o crivo do contraditório? A prova oral deve ser colhida quanto à provável imputação ao agente descrita no auto de prisão em flagrante ou em outras provas até então coletadas. Evidentemente que a prova cautelar produzida sob o crivo judicial só terá valor a respeito dos fatos já identificados e definidos e entre as partes que participaram da coleta da prova, resguardada a ampla defesa e o efetivo contraditório” (AMICO, 2008, p. 8).
Então, apenas o Promotor e o advogado da outra parte são partes legitimas para solicitar ao juiz que seja deferido o pedido de antecipação da produção das provas. Além deles, conforme já exposto no capítulo anterior, o juiz também pode determinar ex officio a produção antecipada, segundo o art. 156, do CPP. Evidente que não devemos encarar isso como uma medida inquisitorial, que, segundo alguns autores é o sistema do nosso país, mesmo que disfarçadamente. Não podemos pensar nada além de que estão enganados estes doutrinadores. Segundo Amico: “A concessão judicial da medida cautelar de antecipação da produção da prova testemunhal, na fase de inquérito policial, não atenta contra qualquer princípio constitucional de garantia individual ou mesmo contra o sistema acusatório e, nos dias atuais, sua importância se revela, especialmente, no combate à força do crime organizado que aposta na ineficiência de técnicas periciais do Estado, no poder de atemorizar e fazer desaparecer testemunhas, de corromper agentes públicos e na demora da prestação jurisdicional” (AMICO, 2008, p. 8)
Uma questão relevante, que é levantada por alguns autores, é que se o juiz pudesse determinar a produção antecipada da prova na fase anterior ao processo caracterizaria a adoção do sistema inquisitorial. Mauro Fonseca Andrade tratou sobre o tema: Na nossa visão, a (im)possibilidade de o juiz ex officio determinar, em plena fase de investigação, a produção antecipada de prova, irá depender justamente do tipo de investigação em que essa antecipação for determinada. Melhor explicando, o perfil ou os poderes que a legislação processual dá ao nosso juiz criminal depende claramente do modelo de investigação em que ele estiver inserido. Nas investigações policiais ou do Ministério Público, a atuação do juiz está restrita ao exercício do papel de garante dos direitos fundamentais do sujeito investigado. Em razão disso, o processo penal cautelar de produção antecipada de prova somente pode ser instaurado a partir do ajuizamento da respectiva ação penal por parte da autoridade investigante, sob pena de, se assim também agir o magistrado, estar ferindo de morte o brocardo latino ne procedat iudex ex officio.
Ainda nesse modelo de investigação, a inviabilidade de atuação ex officio, por parte do juiz, também está presente nos processos cautelares já instaurados por iniciativa da autoridade investigante. E assim o é porque nos parece indiscutível que o fato de o juiz imiscuir-se nos rumos da investigação criminal e apontar necessidades – ou seja, certas provas – sequer sentidas por quem a presida ou a controle externamente, são fatores mais que determinantes para o afastamento de sua condição de garante dos direitos fundamentais. Reflexo disso será a perda da possibilidade de seguir atuando nessa fase preliminar, e até mesmo de atuar posteriormente como julgador do fato objeto dessa investigação.
Já, nas investigações presididas por um magistrado, o papel exercido pelo juiz não é só o de garante dos direitos fundamentais do sujeito investigado, senão também – e principalmente – o de condutor e responsável máximo pela apuração da infração penal em tese cometida. Mais que isso, as regras desse modelo de investigação criminal não estão calcadas no brocardo ne procedat iudex ex officio. Ao contrário, o magistrado possui plena liberdade para agir quando entenda necessário, a começar, inclusive, pela instauração da própria investigação que irá presidir. Se assim o é, nenhum obstáculo há de modo a impedir que o juiz-investigador possa determinar, ex officio, a produção antecipada de prova. Na verdade, é da própria natureza desse modelo de investigação que o juiz tenha plena liberdade de atuação, pois ninguém melhor do que ele para conhecer as necessidades de uma investigação que ele mesmo preside” (ANDRADE, 2009, p. 59-60).
Portanto, não devemos considerar o Delegado como parte legitima a figurar nessa fase processual dentro da fase investigatória. Devemos considerar o Ministério Público, o advogado do investigado e o juiz competente para tal, caso este seja o titular da investigação. O Delegado será, digamos assim, uma parte interessada nesta produção de provas, visto que ele poderá aproveitar o resultado obtido para pautar a sua linha de investigação, e até tomar outras providências que julgar necessárias.
2.4. Garantias
As garantias básicas, que permeiam todo o processo penal, como o contraditório, a ampla defesa e a oralidade, são respeitadas nesta antecipação da produção de uma prova urgente e perecível, seja no curso do inquérito policial ou no curso do processo em si.
Tais garantias são tão importantes que, quando não observadas, ensejam em possível anulação dos atos processuais, e, em algumas vezes, desencadeia na anulação de todo o processo e de uma eventual sentença viciada. É o exemplo que Marcão, citando uma decisão da 10ª Câmara do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, a qual versa sobre uma sentença que se baseou exclusivamente em provas produzidas antecipadamente sem a devida observância do contraditório e da ampla defesa, dá: “Com efeito, a autodefesa significa a participação pessoal do acusado no contraditório, mediante sua contribuição para a função defensiva. Divide-se, como visto, no direito de audiência e no direito de presença. Este último representa a possibilidade de o réu tomar posição a todo o momento sobre o material probatório produzido, comparecendo aos atos da instrução.
Por tal motivo, afirma-se que a participação do acusado nos atos de processo-crime a que responde ‘é uma consequência dos princípios constitucionais que ao acusado garantem o direito de ampla defesa e o de contrariedade na instrução criminal, pois é certo que, presente o réu no ato de inquirição da testemunha, poderá ele esclarecer o seu defensor acerca de um ou outro ponto do depoimento, ensejando, assim, a formulação de reperguntas explicativas’ (RTJ 80/4).
Assim, suspenso o processo pela revelia do acusado, a produção antecipada da prova testemunhal só será cabível, respeitada a garantia constitucional da ampla defesa, prestigiada com a recente alteração legislativa, em caráter excepcional, traduzido na exigência da medida, que se configura nas hipóteses do art. 225 do mesmo diploma legal, em nenhum momento ventiladas no caso em tela” (MARCÃO, 2003, p. 513).
O autor é claro em enfatizar que devemos, sim, utilizar a produção antecipada das provas necessárias para a busca da verdade real. Segundo ele: “A busca da verdade real interessa tanto ao Ministério Público quanto ao Poder Judiciário e ao próprio réu. Interessa à segurança das decisões judiciais. Não se pode concluir num juízo apriorístico que a produção antecipada de prova seja instrumento de violação da ampla defesa, notadamente em casos onde sequer não houve alegação de prejuízo por parte do réu em seu desconformismo.
De se ressaltar, ainda, que o réu, mesmo na produção antecipada de prova, sempre estará amparado por defesa técnica. Ocorrendo o contrário, a nulidade do processo será absoluta, evidentemente.
A busca da verdade real, garantia constitucional e processual que é, não pode ser considerada, sob tal enfoque, instrumento gerador de nulidade por cerceamento de defesa” (MARCÃO, 2003, p. 514-515).
Outro ponto importante que permeia a questão das garantias é o direito líquido e certo em produzir uma prova antecipadamente. As decisões dos Tribunais de Justiça têm sido constantemente alvo de divergência e posicionamentos contrários, conforme mostra Rogério Tucci, em seu artigo: “Essa divergência mostra-se, outrossim, acentuada na comarca de São Paulo, entre membros do Ministério Público e Juízes-presidentes de Tribunal do Júri, afiançando aqueles, sob variegados argumentos, a existência, in casu, de direito líquido e certo à produção antecipada de provas. E, consequentemente, vêm sendo impetrados mandados de segurança, perante o Tribunal de Justiça do Estado, cuja apreciação tem ensejado, previamente, a concessão de medidas liminares, a par de diversificado posicionamento dos Desembargadores integrantes das Câmaras Criminais: uns, das mais antigas, conservadores; outros, das mais novas, liberais; e, entre eles, os demais, numa postura intermediária…” (TUCCI, 1998, p. 759-760).
Mas, mesmo com tal divergência de entendimentos, uma coisa é clara e cristalina, e não há de ser questionada, muito menos ignorada: a questão da presença do acusado e, não menos importante, a presença de seu representante, seja ele indicado pelo próprio réu ou dativo, indicado pelo juiz. Não nos resta dúvida em aceitar e concordar com o que diz Tucci, não deixando margem para dúvidas ou interpretações distintas: Seja, todavia, qual for o entendimento de cada um, em plano estritamente técnico-científico não se pode fugir à incogitabilidade de direito líquido e certo à realização antecipada de qualquer prova, nas situações ventiladas neste breve estudo. Nem, também, e noutro aspecto, a que a produção antecipada de prova, sem a presença do acusado e com a atuação defensiva simplesmente dativa (sem possibilitação, portanto, e em linha de princípio, da necessária efetividade), atenda, si et in quantum, que seja, à imprescindibilidade de contraditoriedade real, preconizada no inc. LV do art. 5.º da CF (LGL19883): sem o exercício concreto do direito de autodefesa, e ante a impossibilidade de contato do acusado com o defensor nomeado, a contradição tende a mostrar-se praticamente nenhuma, e a defesa, segura e preambularmente, frustrada (ou, até, em determinadas circunstâncias, cerceada)” (TUCCI, 1998, p. 760).
O art. 156, do CPP dispõe sobre o deferimento da produção de provas antecipadas ex officio judicis, de maneira a permitir que essas provas sejam produzidas exclusivamente para que o juiz do caso possa formar seu convencimento, visto que ele as julgou importantes. Mas, não podemos esquecer e devemos sempre ratificar que tais provas devam ser analisadas pelas partes, estando o contraditório e a ampla defesa assegurados no momento que elas venham a ser produzidas.
Sobre a questão do defensor, caberá ao juiz determinar um Defensor Público, caso o réu não possa pagar por um advogado particular. Este é mais um dos quesitos para que se tenha uma prova produzida antecipadamente de maneira legítima, não ensejando a sua anulação futuramente. Este defensor garantirá que os direitos do réu sejam preservados, a fim de que nenhum abuso seja realizado.
Portanto, mais importante até do que garantir que o Ministério Público e o Juiz estejam presentes, não sendo o procedimento conduzido pelo Delegado, é garantir a presença do réu e seu defensor. O Ministro Cezar Peluso foi preciso em um julgado sobre o tema, ao tratar das garantias necessárias: “Para o que penso, com o devido respeito, deva ser o entendimento correto do disposto no art. 366, caput, do Código de Processo Penal, há de sua nova redação, introduzida pela Lei nº 9.271/96, ser vista e interpretada à luz da norma constitucional inscrita no art. 5º, inc. LV, da qual aparece como inafastável consequência, dados estes termos peremptórios:
‘Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.’ (grifo do autor). […] ‘O tratamento dado pela Lei n. 9.271/96 à revelia, determinando a suspensão do processo — com a correlata suspensão do curso do prazo prescricional — para o acusado que, citado por edital, não compareça e não constitua advogado, tem, antes de tudo, fundamento constitucional. Com efeito, as garantias do contraditório e da ampla defesa, sob o aspecto dinâmico (correspondendo à igualdade de armas), indicam a necessidade de sua observância efetiva e concreta, não se satisfazendo com um enfoque meramente formal. O contraditório, em seu primeiro momento, deve corresponder à informação, pela qual se fará possível o exercício da defesa, e essa necessidade de informação fica praticamente infirmada pela ficção de uma citação editalícia. A leitura sensível e atenta do texto constitucional já indicava a incompatibilidade entre uma condenação à revelia, sem a efetiva observância do devido processo legal, e as garantias constitucionais’.” (GRINOVER[7], 1996 apud STF, HC 85.824-4 – SP, Rel. Cezar Peluso, em 05-08-2008).
2.5. Juízo competente
Outro princípio, relativamente atual no nosso ordenamento jurídico, a ser observado, é o da identidade física do juiz. Segundo Pacelli, este princípio só foi adotado pelo nosso CPP em 2008, depois de quase setenta anos, em seu art. 399, § 2º, e depois de há muito já ter sido incorporado pelo CPC. Segundo ele: “A medida é importantíssima, já que a coleta pessoa da prova, isto é, o contato imediato com os depoimentos, seja das testemunhas, seja também do ofendido e do acusado, parece-nos de grande significado para a formação do convencimento judicial.
Como se sabe, o provimento judicial final deve demonstrar um juízo de certeza, quando condenatória a sentença. E essa, a certeza, de tão difícil obtenção, deve cercar-se das maiores cautelas. Daí a exigência de o juiz da instrução ser o mesmo da sentença alinha-se com um modelo processual que valoriza o livre convencimento motivado e da persuasão racional, dado que se põe como a mediação (da prova para a sentença) para a formação da convicção do magistrado” (PACELLI, 2013, p. 329).
Ronaldo Pinto resume a sua importância dizendo que “se é missão do julgador a pesquisa da verdade histórica do fato, tal verdade somente surgirá mediante a produção da prova” (PINTO, 2000, p. 3). E, para que possamos estudar a prova antecipada mais especificamente, precisamos antes fazer uma análise da prova em geral, de suas normas e de suas características.
Outra questão que causa muita controvérsia é a questão de qual o juízo deve ser eleito como competente para o pedido da antecipação da produção de certa prova, nos casos em que o processo ainda não foi iniciado.
Segundo o §2º do art. 399 do CPP, “o juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença”. Ora, nesse caso, é algo de entendimento óbvio, visto que o processo já estará em andamento na fase de instrução e o juiz já estará presidindo o processo.
Contudo, não podemos descartar que uma prova urgente e necessária tenha que ser produzida na fase de investigação, antes de iniciado o processo e antes também da designação de um juízo competente. Neste caso, entendemos que o mais correto é a utilização do princípio da prevenção, ou seja, de que caso mais de um juiz igualmente competentes estejam concorrendo, será escolhido àquele que já tiver realizado algum ato no processo ou em momento anterior a este. É o que expõe o art. 83, do CPP: “Art. 83. Verificar-se-á a competência por prevenção toda vez que, concorrendo dois ou mais juízes igualmente competentes ou com jurisdição cumulativa, um deles tiver antecedido aos outros na prática de algum ato do processo ou de medida a este relativa, ainda que anterior ao oferecimento da denúncia ou da queixa (arts. 70, § 3o, 71, 72, § 2o, e 78, II, c)”.
Portanto, caso o pedido de antecipação da produção de determinada prova já tenha sido feito ao juiz de determinada vara, este tornar-se-á o mais indicado para dar continuidade aos atos e presidir o processo.
3 A produção antecipada de prova no projeto do novo código de processo penal
O nosso atual CPP foi publicado no ano de 1941. Sofreu pequenas reformas ao longo dos anos, como a Lei 9.672, que, em 1996, alterou a redação do art. 366, fundamental para o estudo da prova antecipada. Também consideramos importante a Lei 11.690 de 2008, que trouxe alterações para o art. 155, tratando sobre a relação das provas com a convicção que o juiz deve alcançar para proferir sentença. Contudo, por mais reformas que pudessem ter sido feitas ao longo desses mais de setenta anos, atualmente o CPP se mostra ultrapassado em certos pontos, e, um deles, é a pouca importância que ele dá para a prova antecipada.
Finalmente, em 2009, foi concluído o projeto do CPP[8], que teve como relator Eugênio Pacelli de Oliveira. O projeto trouxe algumas inovações ao tratar sobre a prova antecipada, principalmente no momento que impôs algumas regras materiais. Segundo a Comissão dos juristas responsáveis pelo projeto, “a incompatibilidade entre os modelos normativos do citado Decreto-lei nº 3.689, de 1941 e da Constituição de 1988 é manifesta e inquestionável” (PACELLI, 2009, p. 13). E afirmam isso com toda razão.
3.1. Noções Gerais
Em sua exposição de motivos, os juristas destacam a importância do garantismo no processo penal. Afirmam que não é a garantia de direitos pelo Estado que torna lenta a justiça de nosso país. Além disso, para eles, se quisermos buscar um processo mais justo e igualitário, devemos sim observar as questões das garantias das partes: “Nesse passo, cumpre esclarecer que a eficácia de qualquer intervenção penal não pode estar atrelada à diminuição das garantias individuais. É de ver e de se compreender que a redução das aludidas garantias, por si só, não garante nada, no que se refere à qualidade da função jurisdicional. As garantias individuais não são favores do Estado. A sua observância, ao contrário, é exigência indeclinável para o Estado. Nas mais variadas concepções teóricas a respeito do Estado Democrático de Direito, o reconhecimento e a afirmação dos direitos fundamentais aparecem como um verdadeiro núcleo dogmático. O garantismo, quando consequente, surge como pauta mínima de tal modelo de Estado. De modo geral, o processo judicial pretende viabilizar a aplicação de uma norma de Direito, necessária à solução de um conflito ou de uma forma qualquer de divergência entre os jurisdicionados. Precisamente por isso, a decisão judicial há de se fundar em conhecimento – o mais amplo possível – de modo que o ato de julgamento não seja única e solitariamente um ato de autoridade.
Observe-se, mais, que a perspectiva garantista no processo penal, malgrado as eventuais estratégias no seu discurso de aplicação, não se presta a inviabilizar a celeridade dos procedimentos e nem a esperada eficácia do Direito Penal. Muito ao contrário: o respeito às garantias individuais demonstra a consciência das limitações inerentes ao conhecimento humano e a maturidade social na árdua tarefa do exercício do poder” (PACELLI, 2009, p. 13-14).
O §1º do art. 147 deixou claro que “as provas antecipadas serão produzidas na presença do Ministério Público e do defensor”. Isto é um verdadeiro avanço, sobretudo nas questões das garantias processuais que devem ser respeitadas, tais como o contraditório e a ampla defesa.
Afirmamos incansavelmente neste trabalho que a prova só deveria ser considerada válida quando produzida sob o crivo das garantias supracitadas, e, não poderia ser diferente com a prova produzida antecipadamente. Vejamos então a redação do art. 147, que teve como base o art. 366 do atual CPP: “Art. 147. Se o acusado, citado por edital, não apresentar resposta escrita, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar quaisquer das medidas cautelares previstas no art. 521.
§1º As provas antecipadas serão produzidas na presença do Ministério Público e do defensor.
§2º Se, suspenso o processo, o acusado apresentar-se pessoalmente ou requerer ao juízo, ainda que para alegar a nulidade da citação, ter-se-á por realizado o ato, prosseguindo regularmente o processo” (grifo nosso).
Outro ponto de destaque da exposição de motivos do anteprojeto é a questão da pena privativa de liberdade e das penas alternativas restritivas de direitos. Os juristas responsáveis deixaram claro que há uma predileção pelas penas alternativas, por motivos óbvios, segundo eles. O principal motivo exposto seria o de evitar o ambiente violento e maléfico contido nos estabelecimentos prisionais. De acordo com o anteprojeto: “Há inegável tendência na diminuição ou contenção responsável da pena privativa da liberdade, em razão dos malefícios evidentes de sua aplicação e execução, sobretudo em sistemas penitenciários incapazes de respeitar condições mínimas de existência humanamente digna. Em consequência, passou-se a adotar, aqui e mundo afora, medidas alternativas ao cárcere, quando nada por razões utilitaristas: a redução na reprodução da violência, incontida nos estabelecimentos prisionais.
Mas, nesse quadro, não só a pena ou sanção pública se apresenta como alternativa. A recomposição dos danos e a conciliação dos envolvidos pode se revelar ainda mais proveitosa e eficiente, ao menos da perspectiva da pacificação dos espíritos e da consciência coletiva da eficácia normativa. O anteprojeto busca cumprir essa missão, instituindo a possibilidade de composição civil dos danos, com efeitos de extinção da punibilidade no curso do processo, em relação a crimes patrimoniais, praticados sem violência ou grave ameaça e àqueles de menor repercussão social, no âmbito das infrações de menor potencial ofensivo. Prevê, mais que isso, uma alternativa ao próprio processo, condicionando a ação penal nos aludidos crimes contra o patrimônio, desde que ausente a grave ameaça ou a violência real” (PACELLI, 2009, p. 18).
Também são observados temas atuais que envolvem situações cotidianas nos processos criminais. As medidas cautelares e sua importância frente à iminência de dano, ou do respeito às normas constitucionais, visto que nossa Constituição é posterior ao CPP atual.
3.2. Legitimados
A primeira figura que devemos considerar como legitimado para determinar a antecipação da produção antecipada de uma prova é o juiz das garantias, conforme o caput dos arts. 147 e 186. Assim como as medidas cautelares, a produção antecipada de prova poderá ser decretada ex officio pelo juiz.
Ele também decidirá sobre os pedidos a ele encaminhados para produção antecipada da prova. Estes pedidos podem ser feitos por qualquer uma das partes do processo, segundo o art. 186: “Art. 186. O juiz, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, poderá ouvir antecipadamente a testemunha, nas hipóteses de enfermidade, de velhice ou de qualquer outro motivo relevante, em que seja possível demonstrar a dificuldade da tomada do depoimento ao tempo da instrução criminal”.
O Ministério Público, obviamente, está incluído neste rol das partes, visto que ele permanece como o titular da Ação Penal Pública. Nos casos de Ação Penal Privada, caberá ao advogado da defesa ou da acusação realizar esse requerimento ao juiz das garantias.
Em nenhum momento do anteprojeto ficou clara a posição que deve o Delegado assumir durante a investigação, caso haja a necessidade e urgência de produção antecipada de prova. Por isso, entendemos que deverá o Delegado informar ao Ministério Público sobre o andamento da investigação e que há a necessidade de antecipação da produção de prova, frente à grave risco de perecimento. Então, o Promotor será o responsável pelo requerimento ao juiz da produção da prova antecipadamente.
Cabe ao Promotor aceitar ou recusar tal pedido do Delegado, visto que ele é que melhor compreende o que é necessário e o que não é para denunciar o investigado. Ainda, pode ele não considerar que existem provas suficientes de cometimento de delito, ou ainda que não haja tipificação para a conduta do suspeito e, portanto, arquivar o procedimento.
3.3. Hipóteses
O novo CPP também tratará sobre a produção de provas na fase do inquérito policial, outro avanço inegável, visto que na codificação atual não temos nada que fale especificamente sobre a antecipação da produção da prova na fase de investigação. Em seu art. 190, o anteprojeto fala sobre a prova testemunhal da criança e do adolescente: “Art. 190. Na fase de investigação, ao decidir sobre o pedido de produção antecipada de prova testemunhal de criança ou adolescente, o juiz das garantias atentará para o risco de redução da capacidade de reprodução dos fatos pelo depoente, em vista da condição da pessoa em desenvolvimento, observando, quando recomendável, o procedimento previsto no art. 189.
§1º Antecipada a produção da prova na forma do caput deste artigo, não será admitida a reinquirição do depoente na fase de instrução processual, inclusive na sessão de julgamento do tribunal do júri, salvo quando justificada a sua imprescindibilidade, em requerimento devidamente fundamentado pelas partes.
§2º Para fins de atendimento ao disposto no inciso II do art. 188, o depoimento da criança ou adolescente tomado na forma do caput deste artigo será encaminhado à autoridade responsável pela investigação e ao Conselho Tutelar que tiver instaurado expediente administrativo, com o fim de evitar a reinquirição da criança ou adolescente”.
E não poderia ser mais pertinente este novo artigo. As autoridades enfrentam diariamente situações em que as únicas testemunhas de um crime são crianças ou adolescentes; ainda, muitas vezes, elas são as próprias vítimas do crime cometido. É sabido que durante um período da vida das pessoas, as memórias se alteram com muita facilidade, podendo um fato ser completamente distorcido, transformando uma mentira em verdade, também o contrário, no pensamento de uma criança ou adolescente.
Esta é a principal intenção desse novo artigo, evitar que as provas se percam frente à fragilidade das memórias das crianças e, mais grave ainda, que estas provas não sejam modificadas por um terceiro, muitas vezes o próprio investigado, nos casos de crimes domésticos. Importante destacar o §1º do referido artigo, que afirma que não será possível uma reinquirição do depoente depois de iniciada a fase de instrução. Esta medida se dá pelo fato de ser muito provável que o tempo haja sobre as memórias e percepções do depoente, podendo modificar, como falado, um fato assumido com verdadeiro. E é isso que buscaram os juristas relatores do anteprojeto, evitar ao máximo que uma prova possa ser invalidada, ou ainda, ser refutada por outra, com risco de influenciar a convicção do juiz das garantias.
Com isso, notamos que o processo penal sofrerá diversas mudanças com este anteprojeto. Mudanças positivas e que trarão para a justiça mais inclusão, mais objetividade e, quiçá, mais garantias, necessárias para que a sentença atinja sua plenitude.
3.4. Juiz das Garantias
Outro ponto importante do projeto do novo CPP é a criação do conceito de “juiz das garantias”. Este conceito mostra que a preocupação com as garantias fundamentais no processo penal aumentou com o passar do tempo, desde a publicação do atual Código, em 1941. E isso é muito importante, conforme já tratamos inúmeras vezes nesta dissertação. Os juristas responsáveis pelo projeto dizem que “para a consolidação de um modelo orientado pelo princípio acusatório, a instituição de um juiz de garantias, ou, na terminologia escolhida, de um juiz das garantias, era de rigor” (PACELLI, 2009, p. 16).
Mauro Fonseca Andrade tratou sobre o tema em publicação recente. Segundo ele, “tema de maior controvérsia, presente no PLS nº 156/2009, segue sendo o juiz das garantias” (ANDRADE, 2011, p. 03). Sua função, segundo ANDRADE, será: “Em síntese, […] atuar somente na fase de investigação, mas não como um juiz-investigante, que é conhecido internacionalmente sob a designação de juiz-instrutor. Na realidade, sua função é garantir a legalidade dos atos praticados e/ou requeridos pela autoridade investigante ou pelo Ministério Público no curso daquela primeira fase da persecução penal” (ANDRADE, 2011, p. 03).
Segundo ele: “De acordo com a nova disposição do artigo 156 do Código de Processo Penal, a prova de tudo aquilo que for alegado no processo continua sendo incumbência da parte que a fizer. Entretanto, ao juiz foi facultada a possibilidade de produzir prova em determinadas oportunidades. E a primeira delas, segundo previsão contida no inciso I daquele artigo, diz respeito à ordenação, de ofício, da produção antecipada de prova não só durante a fase processual, senão também antes mesmo do ajuizamento da ação penal” (ANDRADE, 2009, p. 51-52).
O instituto do juiz das garantias deveria ter sido mais amplamente estudado, tendo como ponto de partida as doutrinas internacionais que influenciam nosso ordenamento jurídico. Destarte, muitas críticas surgiram com o advento da implantação da figura do juiz das garantias. De acordo com Andrade, não será uma simples mudança de nome e de forma de agir do juiz: “Diversas foram as críticas sofridas pela proposição do juiz das garantias, que conseguiu mobilizar, até mesmo, o Conselho Nacional de Justiça (doravante, CNJ), que, em sua Nota Técnica nº 10/2010, apontou a inviabilidade de implantação daquela figura no Brasil, visto que cerca de 40% das Comarcas das Justiças Estaduais estão compostas somente por um magistrado. Em outros termos, a implantação da figura do juiz das garantias levaria a um choque orçamentário sem precedentes no Poder Judiciário brasileiro. Ademais, deixou-se claro que também levaria a um inevitável confronto com o direito a um processo com prazo razoável, garantia presente no inciso LXXVIII do artigo 5º da Constituição Federal, advindo, daí, uma interessante indicação do resultado de eventual questionamento sobre a constitucionalidade daquela regra de impedimento” (ANDRADE, 2011, p. 03).
O capítulo II do anteprojeto trata exclusivamente deste juiz das garantias, que nada mais é que o juiz tradicional, com um novo nome. “Art. 15. O juiz das garantias é responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário, competindo-lhe especialmente: […]
VII – decidir sobre o pedido de produção antecipada de provas consideradas urgentes e não repetíveis, assegurados o contraditório e a ampla defesa;” (grifo nosso).
Além desse, outro assunto que foi tratado no anteprojeto é a atuação ex officio do juiz que está presidindo o processo. O inciso I do art. 155 já tratava, mesmo que superficialmente sobre a questão da produção de provas de ofício pelo juiz. O que a Comissão de Juristas responsável pela elaboração de anteprojeto de reforma do CPP fez foi sintetizar dois artigos que poderiam andar juntos, como o art. 155 e o art. 225. Este último previa as hipóteses para que o juiz pudesse ouvir uma testemunha antecipadamente.
Com a intenção de tornar mais simples e objetivo o CPP é que foi redigido o art. 186. E isso há de ser considerada uma medida fantástica, do ponto de vista da objetividade e da economia processual. Mas não foi apenas para isso que ele serviu; em sua nova redação os juristas da Comissão foram mais abrangentes, ao incluir a expressão “qualquer motivo relevante”. Esta inclusão deu muito mais poder de decisão ao juiz, visto que, a relevância de um motivo é algo subjetivo. E, sendo um critério subjetivo, cabe ao juiz decidir sobre isso. Vejamos: “Art. 186. O juiz, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, poderá ouvir antecipadamente a testemunha, nas hipóteses de enfermidade, de velhice ou de qualquer outro motivo relevante, em que seja possível demonstrar a dificuldade da tomada do depoimento ao tempo da instrução criminal”.
Devemos observar ainda que os critérios objetivos, como as eventuais enfermidades e a velhice da testemunha, continuam presentes. Estes são perigos que notadamente colocam em risco a prova, não devendo o magistrado arriscar o seu perecimento. Portanto, com essa nova redação, a prova estaria ainda mais segurada, sendo a sua produção antecipada algo que deve ser mais fácil de alcançar.
5. Posição dos Tribunais Superiores
Os nossos tribunais já tiveram a oportunidade de se manifestar sobre o tema deste trabalho em diversas oportunidades. O Superior Tribunal de Justiça, doravante STJ, já julgou de maneiras distintas no que tange o entendimento acerca da necessária comprovação da efetiva urgência para a produção da prova antecipadamente.
Em dois julgados, os Ministros do STJ Vicente Leal e Cid Flaquer Scartezzini, decidiram que a prova, especialmente a oral, é sempre urgente, em razão do seu perecimento com o passar do tempo. Para eles, não caberia analisar o caso concreto, visto que a Lei 9.271/96, que alterou o art. 366 do CPP, foi clara e taxativa quanto à importância da produção da prova antecipadamente: “A produção antecipada de prova oral, mesmo sob a regência da Lei 9.271/96, é medida legalmente facultada ao Juiz, sendo inegável o seu caráter de urgência. E tanto o é que o art. 92, do CPP, que trata da suspensão do processo enquanto pendente questão prejudicial no juízo cível, prevê a inquirição de testemunhas durante a suspensão, por se tratar de prova de natureza urgente. Com efeito, a prova testemunhal deve ser colhida no tempo mais próximo possível do ato, em face do fenômeno humano ao esquecimento. Se os fatos são recentes, a memória testemunhal é valiosa e idônea com feições de credibilidade. O tempo é senhor de muitas coisas e produtor de muitos efeitos. O decurso do tempo faz morrer a memória dos homens. Assim é de se reconhecer que a prova testemunhal deve ser classificada como prova de natureza urgente, devendo sempre ser colhida em tempo próximo dos fatos a serem demonstrados. Evitar a produção de prova oral é obstruir a ação da justiça penal, é buscar a impunidade. E o legislador não quis esse resultado ao editar a Lei 9.271/96” (STJ, RMS 7.995 – SP, Rel. Vicente Leal, DJU de 20-4-1998, p. 2).
Ainda: “A revelia de acusado em processo-crime constitui, por si só, justificativa para a produção antecipada de prova testemunhal (art. 92 do CPP) na hipótese prevista no art. 366 do CPP com a redação introduzida pela Lei 9.271/96” (STJ, RHC 0006343 – SP/97, Rel. Cid Flaquer Scartezzini, DJ de 29-9-1997, p. 48236).
Contudo, em outros julgados sobre o mesmo tema, outros ministros entenderam que o caso concreto é determinante sim para o deferimento, ou não, da produção de prova antecipada frente à revelia do acusado. Os ministros do STJ Fernando Gonçalves e Gelson Dipp foram incisivos quanto à materialidade do caso concreto: “A aferição da urgência da produção antecipada de prova, no caso de suspensão do processo, em decorrência da revelia, é tarefa reservada à discricionariedade do magistrado que não pode ficar atrelado à premissa de que a prova testemunhal é sempre urgente, máxime quando, como é o caso dos autos, trata-se de crime que deixa vestígios, sendo de rigor a utilização de outros meios probatórios. Inteligência do art. 366 do CPP, com a redação dada pela Lei n. 9271/96” (STJ, Rel. Fernando Gonçalves, RT 258/142, apud PINTO, Ronaldo Batista, 2000, p. 322).
E também: “A determinação de produção antecipada de prova testemunhal oral, nos termos do art. 366 do CPP, é faculdade legal do Julgador, e medida que pode ser considerada urgente diante das peculiaridades do caso concreto” (STJ, Rel. Gilson Dipp, RT 762/560, apud PINTO, Ronaldo Batista, 2000, p. 321).
Evidente então que a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores acerca de tal tema ainda não é pacificada nem uniforme. Contudo, podemos ver que para os magistrados, diante de uma prova realmente urgente, mesmo que tenhamos que analisar o caso concreto, é imprescindível a antecipação da sua produção.
Outro ponto abordado pelos magistrados, em alguns julgados selecionados, é a comparação inevitável que se faz entre o art. 366 e o art. 225, ambos do CPP. Para alguns julgadores, o art. 366 deveria andar junto com o art. 225, devendo ser interpretado segundo o que preceitua o segundo artigo citado. Esse é o entendimento do Ministro do STJ Félix Fischer, logo após a promulgação da Lei 9.271/96: “Se, fundamentadamente, sem qualquer arbitrariedade, o juiz entender que não é hipótese de produção antecipada da prova, incabível, na via eleita, asseverar ofensa a direito líquido e certo. O art. 366 deve ser interpretado considerando-se o disposto no art. 225 do CPP, por não trazer, em regra, probabilidade de prejuízo para o réu, não pode ser tomado como referencial para a suspensão” (STJ, RHC 8.876 – SP, Rel. Félix Fischer, DJU de 3-8-1998, p. 271 apud PINTO, Ronaldo Batista, 2000, p. 322)
Já para outros ministros, como Cezar Peluso, membro do Egrégio STF, não deve haver uma flexibilização quanto ao caráter de urgência necessário para haver o deferimento do pedido de produção antecipada de provas. Segundo ele, o art. 366 não pode se sobrepor ao art. 225, de modo que toda prova esta sujeita a sofrer perecimento em razão do tempo, sendo assim, mais importante que isso, a questão do momento, afinal, “se fora urgente por natureza, mandaria a lógica que antecedesse sempre à própria instauração do processo”: “O argumento nevrálgico dos que defendem ou subentendem à prova testemunhal, na hipótese de que se cogita, essa urgência automática, capaz de lhe justificar sempre a colheita antecipada para fins de conservação, diz com as vicissitudes do transcurso do tempo, no sentido de que, como não há meios de prever quando nem se o réu ou seu defensor comparecerão a juízo, teriam elas caráter de inexorável prejuízo à apuração da verdade processual.
Não convence. A prova testemunhal é, todos concordam, precária, decerto a mais precária das provas, mas é o menos por força da distância temporal entre o fato e o testemunho em juízo do que pelas notórias e insuperáveis deficiências da capacidade humana de perceber, reter e relatar o passado com fidedignidade. O testemunho, posto que isento e insuspeito, nunca é reconstituição viva, nem sequer retrato da história, cujo distanciamento tende apenas a agravar-lhe a inata imperfeição. E é esta a razão mesma por que lhe não atribui a lei processual, como princípio, nenhuma precedência singular na ordem dos atos instrutórios” (STF, HC 85.824-4 – SP, Rel. Cezar Peluso, em 05-08-2008).
Para o ministro, resta claro que não devemos banalizar a produção antecipada das provas. Segundo ele faz-se mister a convergência entre ambos os artigos, não podendo o art. 366 ser interpretado de maneira exclusiva. A urgência então é a palavra chave utilizada por ele em seu voto, no qual ele defende a decisão de primeiro grau que indeferiu o pedido do Ministério Público, com base no princípio da ampla defesa e da igualdade de armas, e frente a não comprovação da necessidade e da urgência em garantir a produção da prova, conforme o art. 225 declara: “A declarada urgência exigida pelo caput do art. 366 predica, à margem de toda dúvida, o caráter excepcional da colheita antecipada de depoimentos e, sem necessidade de ginásticas de dialética, remete-se aos termos taxativos em que a compreende e define o próprio Código, no art. 225, o qual estabelece:
“Art. 225. Se qualquer testemunha houver de ausentar-se, ou, por enfermidade ou por velhice, inspirar receio de que ao tempo da instrução criminal já não exista, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, tomar-lhe antecipadamente o depoimento” (grifei).
O magistrado de primeiro grau, ao bem indeferir o pleito do representante do Ministério Público, considerou precisamente a conexão necessária entre as duas normas (arts. 366, caput, e 225), ao observar que “nada obsta que, havendo excepcional necessidade, a ser verificada em cada caso concreto seja deferida pelo juiz a antecipação probatória, situação que, ademais, já conta com previsão expressa no Código de Processo Penal (art. 225)” (fls. 25). Acertou em cheio” (STF, HC 85.824-4 – SP, Rel. Cezar Peluso, em 05-08-2008).
Este também é o entendimento do Tribunal da Alçada Criminal de São Paulo, em julgado do Desembargador Figueiredo Gonçalves, que deixa claro que a produção antecipada de provas só tem cabimento nas hipóteses do art. 225: “Em se tratando de processo suspenso nos termos do art. 366 do CPP, somente é possível a antecipação da prova oral nos casos previstos no art. 110 e no art. 225 do mesmo Diploma Legal, pois a Lei 9.271/96, ao modificar a legislação, pretendeu estabelecer verdadeiro contraditório na colheita das provas” (TACrimSP, Rel. Figueiredo Gonçalves, RJTACrim 39/430 apud PINTO, Ronaldo Batista, 2000, p. 323).
E a última novidade para a produção da prova antecipadamente no processo penal foi em julgado de outubro do corrente ano, em que o STJ, através do Ministro Jorge Mussi, julgou favorável o pedido de produção da prova testemunhal de um agente de segurança pública. Segundo o Ministro, tal função exige que a testemunha absorva muitas informações de diversos casos de conflitos com a lei e, portanto, é natural que o tempo possa causar o perecimento de algumas memórias que poderiam ser fundamentais para o processo.
Portanto, com fundamento no art. 366 do CPP, o Ministro Jorge Mussi deferiu o pedido de produção de provas antecipadamente, mas já com o processo em curso, mesmo não tendo sido o réu considerado revel. Conforme trecho da ementa: “O atuar constante no combate à criminalidade expõe o agente da segurança pública a inúmeras situações conflituosas com o ordenamento jurídico, sendo certo que as peculiaridades de cada uma acabam se perdendo em sua memória, seja pela frequência com que ocorrem, ou pela própria similitude dos fatos, sendo inviável a exigência de qualquer esforço intelectivo que ultrapasse a normalidade para que estes profissionais colaborem com a Justiça apenas quando o acusado se submeta ao contraditório deflagrado na ação penal. Esse é o tipo de situação que justifica a produção antecipada da prova testemunhal, pois além da proximidade temporal com a ocorrência dos fatos proporcionar uma maior fidelidade das declarações, possibilita o registro oficial da versão dos fatos vivenciados pelo agente da segurança pública, o qual terá grande relevância para a garantia da ampla defesa do acusado, caso a defesa técnica repute necessária a repetição do seu depoimento por ocasião da retomada do curso da ação penal. Precedente citado: HC 165.659-SP, Sexta Turma, DJe 26/8/2014” (STJ, RHC 51.232 – DF, Rel. Min. Jorge Mussi, em 02-10-2014. p. 1)
Considerações finais
Com este artigo, tivemos a intenção de mostrar os principais pontos acerca da produção da prova antecipada no âmbito do processo penal. Abordamos de maneira crítica a situação atual de tal instituto perante o Direito brasileiro, tentando encontrar soluções práticas e elucidar áreas que não foram muito esclarecidas ao longo da vigência do nosso atual CPP.
Um dos pontos mais nebulosos e que é grande motivo de controvérsias na doutrina, é a posição que o Delegado de Polícia deve desempenhar quando a produção da prova for antecipada ainda na fase do inquérito, quando presidido por ele. Visto que é uma antecipação da fase instrutória, não existem razões para que ele esteja presente ou com participação ativa na produção.
Outro aspecto controverso é a questão das garantias que devem permear a fase de instrução e, obviamente, a fase de produção da prova antecipada. O contraditório e a ampla defesa são essenciais para que a prova seja considerada válida e produza efeitos no processo. Também se torna, assim, indiscutível a presença do juiz competente, presidindo aquele ato.
É inegável que tivemos avanços jurisprudenciais nos últimos anos e, principalmente, na última década, importantíssimos para resolver alguns dos aspectos nebulosos desse tema que por vezes mostra ser tão polêmico. Vimos, recentemente, o STJ decidir favoravelmente um pedido de antecipação da produção de provas que dependem da memória de agentes de segurança pública. Ora, tal hipótese em nenhum momento foi citada pelo CPP na década de 1940, e, mesmo assim, o nosso judiciário teve a sensibilidade de tomar tal decisão.
Outras decisões foram proferidas ao longo dos últimos anos acerca do tema do nosso trabalho e, na maioria das vezes, a produção antecipada da prova foi concedida, visto que este é um assunto que importa muito para a área das garantias processuais.
Contudo, a nossa legislação atual ainda é muito precária no que tange o tema da produção de provas antecipadas no processo criminal. Muitas situações práticas não são previstas, e isso dificulta que haja uma total uniformização da jurisprudência e dos entendimentos doutrinários. O nosso CPP está obsoleto e ultrapassado quando o assunto é produção antecipada de provas.
O projeto para o novo CPP foi redigido por uma Comissão de Juristas de nosso país, mas, infelizmente, se encontra parado em meio à burocracia e à falta de interesse em renovar e oxigenar o processo penal brasileiro. Tal projeto apresentou inúmeras inovações na área do nosso trabalho, mas, ainda assim, precisaria ajustar as atuais previsões aos avanços jurisprudenciais.
Um exemplo de inovação trazida pelo projeto é a possibilidade de que o depoimento da criança ou do adolescente vítima ou testemunha de algum crime possa ser tomado antecipadamente, sob o argumento de que a sua memória pode mudar facilmente com o passar do tempo, alterando a sua percepção da verdade em torno do acontecido.
Portanto, podemos aduzir, a partir da pesquisa realizada que, mesmo sendo de suma relevância para o processo penal brasileiro, a prova antecipada não tem recebido a devida atenção pelos doutrinadores atuais. Talvez por causa da pouca evidência que é dada a ela pelo atual Código, muitos juristas acabam nem cogitando usá-la com maior frequência, e este foi, sem dúvidas, um dos nossos objetivos durante o trabalho: mostrar que é possível utilizar tal instituto de maneira satisfatória, e que todos, inclusive e, porque não, principalmente, o réu, podem se beneficiar de sua correta utilização.
Informações Sobre o Autor
Lucas de Mattos Ribeiro
Advogado bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul especialista em Direito Processual Penal pela Faculdade IDC