Resumo: O Direito Tributário Sancionador é um sub-ramo do Direito Tributário responsável pelo estudo das sanções, que são aplicadas quando há o descumprimento de uma obrigação tributária. Em consonância com o princípio constitucional da legalidade, toda matéria relativa à tributação, incluindo essas sanções, deverá ser previamente disposta em lei. As sanções aplicadas no âmbito do direito tributário, quando não tipificadas em leis penais, são pecuniárias (multas). Contudo, em nosso cotidiano, presenciamos a aplicação da denominada sanção política. Essa espécie de sanção não observa os direitos e garantias fundamentais do indivíduo e os princípios constitucionais. Portanto, a prática das sanções políticas representa verdadeiro arbítrio da Administração, devendo ser rechaçada sempre que identificada.
Palavras chave: Direito Tributário Sancionador. Sanções políticas. Legalidade.
Abstract: The Tax Law Sanctioning is a sub-branch of the Tax Law responsible for the study of sanctions that are applied when there is noncompliance with a tax liability. In line with the constitutional principle of legality, all material related to taxation, including those sanctions, must be previously arranged by law. The penalties imposed under the tax law, if not typed in criminal laws, are pecuniary (fines). However, in our daily life, we witness the application of so-called political sanction. This kind of punishment does not respect the fundamental rights and guarantees of the individual and the constitutional principles. Therefore, the practice of political sanctions is true will of the Administration, should be rejected whenever identified.
Keywords: Tax Law Sanctioning. Political sanctions. Legality.
Sumário: Introdução. 1. A tributação no Brasil. 1.1 Breve histórico. 1.2 Estrutura e organização do Sistema Tributário atual. 1.3 Finalidades dos tributos. 1.4 O papel do Estado na criação, fiscalização e cobrança dos tributos. 2. O direito tributário sancionador. 2.1. Os ilícitos fiscais. 2.2 As sanções. 2.2.1Objetivos. 2.2.2 Algumas espécies de sanções. 2.2.2.1 Sanção penal. 2.2.2.2 Sanção administrativa. 2.2.2.3 Sanção tributária. 2.3 Sanções políticas. 3. Princípios constitucionais atingidos quando da ocorrência das sanções políticas. 4. A Lei de Execução Fiscal. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho apresenta pesquisa acerca das sanções políticas tributárias, que consistem em sanções comumente aplicadas pela Administração como meio de coagir o contribuinte que se encontra em débito com o Fisco, a quitar suas obrigações. Como resultado dessa coação, o contribuinte se vê privado de seus direitos, e de consequência tem o exercício de suas atividades comerciais prejudicado, ou mesmo impedido.
A norma instituidora dos tributos traz como uma de suas principais características a compulsoriedade[1], que consiste na obrigação de dar dinheiro ao Estado, logo, é obrigatória e deve ser cumprida por todos aqueles que praticam o respectivo fato gerador.
Essa mesma norma também deverá trazer a previsão de uma sanção no caso do descumprimento da obrigação tributária, e que será aplicada com diversos objetivos, dentre eles: pedagógico/didático, preventivo, punitivo e indenizatório.
O Direito Tributário Sancionador é o ramo do Direito Tributário responsável pelo estudo das sanções tributárias, e como tal, conceitua as variadas formas de sanções, sempre observando a Constituição e as leis, e a hierarquia existente entre elas.
A República Federativa do Brasil é regida pela Constituição Federal de 1988, que instituiu a tripartição de poderes, independentes e harmônicos entre si, em que cada um possui uma competência designada em lei. A Lei Maior também determina que, via de regra, cabe ao Poder Judiciário a aplicação de restrições aos direitos do indivíduo, salvo a possibilidade de a Administração executar restrições, desde que observados os direitos e garantias individuais, de conteúdo também constitucional.
Vale destacar que os atos normativos editados devem observar os preceitos constitucionais, e, por isso, o legislador editou a Lei de Execução Fiscal (Lei n° 6830/80), que trata da forma de efetuar cobranças de créditos tributários. Portanto, conforme o princípio da legalidade, é por meio deste ato normativo que as cobranças de tributos deverão ser realizadas.
As sanções políticas, objeto da pesquisa, são aplicadas pela Administração com a justificativa do poder de polícia fiscal, consistente nas prerrogativas que a Administração possui de condicionar e limitar o exercício de atividades e/ou propriedades pelos particulares em nome do interesse coletivo. Indubitavelmente o poder de polícia tem fundamental importância para a defesa da coletividade, na medida em que é responsável pela fiscalização das atividades relativas à segurança, à higiene, à ordem, dentre outros. Contudo, a validade desses atos praticados encontram limitações na lei, observadas também a razoabilidade, a proporcionalidade e a responsabilidade.
No caso das sanções políticas, verificamos que os referidos princípios não são observados, haja vista que a lei que trata do assunto determina que para a cobrança de tributos é necessário o ajuizamento de ação de execução fiscal.
Infelizmente ainda presenciamos em nosso cotidiano a prática das sanções políticas, amparadas por atos normativos editados pela Administração e que são contrários aos preceitos constantes nas garantias fundamentais do indivíduo.
Este comportamento adotado pela Administração é reprovado pela doutrina, conforme será exposto durante o trabalho. Neste mesmo sentido, a jurisprudência pátria repele a aplicação desse tipo de sanção, tanto é que o Supremo Tribunal Federal a denominou de execução política, exatamente tratar-se de uma medida ilegal e desarrazoada..
Em razão da prática constante dessas sanções e sua condenação por parte dos tribunais, foram editadas súmulas pela Suprema Corte, fato este que, mais uma vez, corrobora a afirmação que a aplicação dessa espécie de sanção é de toda forma desarrazoada.
Neste contexto serão analisadas legislações que tratam da matéria pesquisada, relacionando-as com os atuais posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais.
Cabe ressaltar que trataremos de hipóteses em que há mero inadimplemento em relação à obrigação tributária, logo, não se enquadram nessa pesquisa as situações em que há reiterados débitos tributários que tenham por objetivo lesar o Fisco e a sociedade, atos já tipificados em leis penais.
1 A TRIBUTAÇÃO NO BRASIL
1.1 BREVE HISTÓRICO
O caráter obrigatório do pagamento de tributos ocorre desde tempos remotos, senão vejamos:
“O tributo é tão velho quanto as sociedades humanas. Onde quer que tenha existido um governante e um grupo de governados existiu o tributo, que sempre foi o instrumento pelo qual os que governam arrecadam dos governados os recursos financeiros necessários ao custeio das despesas do governo” [2].
Num breve exame da história do Brasil, logo após seu descobrimento, na época do Brasil Colônia, já existia a obrigatoriedade do pagamento de impostos para a Coroa portuguesa, cuja destinação era o financiamento de novas expedições, o pagamento de despesas e o enriquecimento daquele país. Os tributos eram calculados conforme a produção de matérias primas, destacando-se o quinto do pau-brasil, o primeiro tributo criado, que incidia sobre sua comercialização.
O Pacto Colonial permitia que houvesse transação portuária tão-somente entre colônia e metrópole. Com a vinda da família Real para o Brasil Colônia, com posterior emancipação para Império, os portos brasileiros foram abertos às outras nações, o que ocasionou o início de transações comerciais do Brasil com outros países.
Neste contexto, o imposto de importação, que incidia sobre as relações comerciais externas, ganhou destaque e passou a ser uma das principais formas de arrecadação do Império. Essa espécie de tributo visava à arrecadação de fundos e a proteção aos produtos nacionais. Nesta época, os tributos passam a atender não somente aos interesses de Portugal, mas também do Brasil.
Por fim, no período republicano[3], no período denominado República Velha (1889-1930), o café era o principal produto produzido no país, sendo a sua principal fonte de receitas. O sistema tributário brasileiro daquele período fora herdado do período imperial, e assim, permanecendo com as principais características retro mencionadas.
Em momento posterior ao do auge da produção cafeeira, ocorre o início da industrialização, e consequente ampliação das relações comerciais internas, culminando na criação de tributos incidentes sobre a produção de bens e transações comerciais internas, o que acaba por auxiliar nas despesas públicas.
Uma importante mudança no sistema tributário e merecedora de destaque ocorre na década de 60, período em que há o aumento de despesas em virtude do desenvolvimento industrial. Esses fatos levaram à necessidade da reforma e modernização do sistema tributário existente.
Neste mesmo período a população presenciou um aumento significativo na produção de bens, consumo e renda, o que consequentemente levou à criação de novos impostos, dessa vez, incidentes sobre esses fatos.
Na década de 60 verificamos também a limitação imposta aos Estados para legislar sobre matéria tributária. A partir de então, somente a União tinha a competência para legislar sobre tributação. Nesta época também foram criados os fundos de participação dos Estados e dos Municípios, necessários à realização de políticas sociais de forma descentralizada.
Em 1966, foi aprovado o Código Tributário Nacional através da Lei n° 5172/66, e em 1967, uma nova Constituição. Com esses dois atos normativos mencionados, o sistema tributário nacional inicia uma fase de reorganização.
A Constituição de 1988, vigente na atualidade, tem caráter liberal e social, graças às influências dos movimentos ocorridos nos séculos XVIII, XIX e XX. A influência liberal é visualizada principalmente no capítulo de trata dos direitos e garantias fundamentais, em que há uma nova concepção de Estado com poderes limitados, dando ênfase à liberdade dos indivíduos. Em relação ao Estado social, verificamos a importância da intervenção do Estado nos chamados direitos sociais.
A partir de então, o indivíduo passa a ter maior importância e consequente proteção no ordenamento jurídico, senão vejamos:
“Também os direitos do homem são, indubitavelmente, um fenômeno social. Ou, pelo menos, são também um fenômeno social: e, entre os vários pontos de vista de onde podem ser examinados (filosófico, jurídico, econômico, etc.), há lugar para o sociológico, precisamente o da sociologia jurídica. Essa multiplicação (ia dizendo “proliferação”) ocorreu de três modos: a) porque aumentou a quantidade de bens considerados merecedores de tutela; b) porque foi estendida a titularidade de alguns direitos típicos a sujeitos diversos do homem; c) porque o próprio homem não é mais considerado como ente genérico, ou homem em abstrato, mas é visto na especificidade ou na concreticidade de suas diversas maneiras de ser em sociedade, como criança, velho, doente, etc. Em substância: mais bens, mais sujeitos, mais status do indivíduo[4]”.
Importante destacar também a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1949, documento de cunho eminentemente protetivo dos direitos humanos e que também influenciou a edição do atual texto Constitucional.
Posteriormente, com o fenômeno do neoconstitucionalismo, o ordenamento jurídico passa a destacar “novos” direitos, denominados direitos de solidariedade, neles incluídos o meio ambiente, a tributação, dentre outros.
Diante da influência dos acontecimentos supramencionados, foi promulgada a atual Constituição, que deu continuidade à reformulação o sistema tributário nacional iniciada na década de 60. Dentre essas reformas, citemos a definição de competências de cada ente federado na instituição de tributos e a criação de novos princípios tributários a serem observados quando da edição de leis infraconstitucionais que versem sobre matéria tributária. Desde então, o ordenamento jurídico tem se desenvolvido, conforme a dinâmica da sociedade.
Em relação à influência das mudanças iniciadas na década de 60 no sistema tributário constitucional atual, Kildare Gonçalves Carvalho menciona que “o Sistema Tributário tem suas raízes na Emenda Constitucional n. 18/65, que introduziu a reforma tributária no Brasil, de modo a dar maior consistência e cientificidade à matéria” [5].
O prestigiado autor prossegue enfatizando também a importância dos princípios fundamentais do indivíduo na Constituição de 1988:
“Os princípios fundamentais da Constituição de 1988 desempenham relevante função no texto Constitucional (função teleológica ou diretiva), por orientar a ação dos Poderes do Estado (Legislativo, Executivo e Judiciário), demarcando seus limites e atuação” [6].
Face ao exposto, a Constituição de 1988 inicia a redemocratização no país, possui cunho liberal e social, dando maior ênfase aos direitos e garantias do indivíduo e que vem traduzida em todo o seu conteúdo, especialmente no título que trata dos Direitos e Garantias fundamentais.
1.2 ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA TRIBUTÁRIO ATUAL
A Constituição Federal de 1988 dispõe nos arts. 145 a 162 a matéria relativa ao Sistema Tributário Nacional, aos seus princípios, suas normas e as espécies de tributos a serem instituídos pelos entes federados, conforme os limites na Carta fixados.
O Código Tributário Nacional surgiu com a Lei n° 5172/66. Embora o tenham formalmente editado como lei ordinária, desde a Constituição de 1967 tem ele o status de lei complementar, tendo sido recepcionado pelo art. 34, § 5° do ADCT da nova Constituição da República. Por consectário lógico, as alterações no CTN ocorrerão somente mediante lei complementar.
No Direito Tributário brasileiro, os tributos constituem gênero, da qual são suas espécies os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria. Uma das principais características dos tributos é a obrigatoriedade do seu pagamento, sempre que houver a prática do fato gerador definido em lei.
A relação jurídica existente entre o Estado e o contribuinte é ex lege, ou seja, decorre da lei, que também deverá prever a aplicação de uma sanção na hipótese do descumprimento da obrigação ali imposta.
Em relação à natureza jurídica do tributo, Geraldo Ataliba defende ser de natureza obrigacional de dar dinheiro ao Estado, senão vejamos:
“(…) o objeto da relação jurídica é o comportamento consistente em levar dinheiro aos cofres públicos. Este dinheiro – levado aos cofres públicos, por força da lei tributária – recebe vulgarmente a designação de tributo. Juridicamente, porém, tributo é a obrigação de levar dinheiro e não o dinheiro em si mesmo” [7].
Isto posto, a tributação não consiste no dinheiro propriamente dito, mas, sim, na obrigação do contribuinte de dar dinheiro ao Estado.
1.3 FINALIDADES DOS TRIBUTOS:
O Estado necessita de recursos para cumprir com as obrigações de prestação de serviços essenciais à população, e.g.: segurança, educação, saúde, assistência social, transporte, etc. Tais serviços devem garantir a promoção da ordem, do bem-estar e do progresso dos grupos sociais pertencentes ao Estado. Portanto, os tributos constituem um meio para satisfazer essas necessidades básicas coletivas.
Para que consiga cumprir com sua função/serventia, o Estado necessita captar recursos financeiros. O montante desses recursos é denominado receita pública
As receitas públicas, a depender de sua forma de aquisição, são divididas em receitas originárias e receitas derivadas. Receitas originárias são aquelas oriundas do próprio patrimônio do Estado; receitas derivadas, do patrimônio dos particulares.
O tributo se encontra dentro das receitas derivadas, nas quais o particular é obrigado a contribuir para que Estado consiga executar os seus objetivos, constantes no art. 3° da Constituição Federal.
Os tributos são criados com fins diversos, dentre eles: finalidade fiscal, extrafiscal e parafiscal. Na finalidade fiscal o tributo é instrumento arrecadador de receitas para a execução de políticas públicas.
Na finalidade extrafiscal, por sua vez, os tributos não visam diretamente à arrecadação, mas a intervenção em comportamentos, estimulando ou desestimulando condutas, e assim, influenciando nas atividades humanas, conforme o interesse pretendido.
Por fim, um imposto terá a finalidade parafiscal quando for cobrado por instituições de relevância pública, como as empresas que compõem o chamado sistema “S” (Sesi, Senai, dentre outras) e os órgãos representantes de atividades profissionais (OAB, CFM, CRC, sindicatos…). Neste caso, os tributos são destinados à manutenção dessas instituições.
Face ao retro perfilhado, conclui-se que o poder de tributar é justificado a partir do conceito de preferência do bem da coletividade sobre os interesses individuais.
1.4 O PAPEL DO ESTADO NA CRIAÇÃO, FISCALIZAÇÃO E COBRANÇA DOS TRIBUTOS:
Para compreensão do papel do Estado na criação, fiscalização e cobrança dos tributos torna-se necessária compreensão acerca do conceito de competência legislativa tributária.
A Constituição Federal atribui no capítulo que trata do Sistema tributário nacional a competência para União, Estados, Distrito Federal e Municípios legislarem sobre a matéria tributária. Sobre a competência tributária, Luciano Amaro nos ensina:
“(…) O poder de criar tributos é repartido entre os vários entes políticos, de modo que cada um tem competência para impor prestações tributárias, dentro da esfera que lhe é assinalada pela Constituição. Temos assim a competência tributária – ou seja, a aptidão para criar tributos – da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. “Todos têm, dentro de certos limites, o poder de criar determinados tributos e definir seu alcance, obedecidos os critérios de partilha de competência estabelecidos pela Constituição”.[8]
Em virtude da competência legislativa, somente os entes federados poderão instituir tributos, desde que observados os limites constitucionais impostos. Entre os limites ali fixados, há a indelegabilidade da competência tributária a outros órgãos ou pessoas. Portanto, a competência legislativa é exclusiva do Pode Legislativo de cada ente.
Já em relação à competência para fiscalização e a arrecadação dos tributos, caberá ao Poder Executivo de cada ente federado, salvo nas hipóteses de parafiscalidade[9]. Essa fiscalização e cobrança são realizadas pela Administração Tributária. A respeito desta atividade, Kyoshi Harada nos leciona:
“A Administração tributária é a atividade do poder público voltada para a fiscalização e arrecadação tributária. É um procedimento que objetiva verificar o cumprimento das obrigações tributárias, praticando, quando for o caso,os atos tendentes a deflagrar a cobrança coativa e expedir as certidões comprobatórias da situação fiscal do sujeito ativo”.[10]
Importante destacar que durante as fases de fiscalização e arrecadação tributárias, caso não haja o pagamento espontâneo da obrigação, a autoridade administrativa realizará a constituição do crédito tributário através do lançamento. Assim, o lançamento é o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, identificar o seu sujeito passivo, determinar a matéria tributável e calcular ou por outra forma definir o montante do crédito tributário, aplicando, se for o caso, a penalidade cabível[11].
Portanto, somente por meio do lançamento é que o crédito tributário torna-se líquido, certo e exigível.
A partir de então, a autoridade fazendária iniciará a cobrança administrativa. Esse tipo de cobrança será feita por quem exerce atividade administrativa plenamente vinculada, conforme disposto no art. 3° do CTN.
Durante este procedimento administrativo, o contribuinte poderá impugnar a cobrança imposta, podendo ocorrer as seguintes hipóteses: pagamento espontâneo, extinção do crédito[12], caso configure alguma das hipóteses previstas em lei, ou, não sendo possível o pagamento através da fase administrativa, passaremos à fase de cobrança judicial.
Assim, caso ocorra o não pagamento espontâneo da obrigação tributária após o seu lançamento, competirá ao ente federado, como credor, ajuizar ação de execução fiscal, de acordo com a Lei n° 6830/80.
As obrigações tributárias são subdivididas em principais e acessórias. As obrigações principais correspondem ao pagamento tributo em si, definido em lei, sendo também denominadas obrigações materiais. As acessórias consistem nas prestações positivas ou negativas (obrigações de fazer ou não fazer conforme definições em lei tributária) às quais os contribuintes estão sujeitos – sendo conhecidas como obrigações formais.
Na hipótese de mora do devedor no cumprimento das obrigações tributárias, estará o contribuinte sujeito a sanções, sempre em consonância com lei previamente criada com esta finalidade.
Sobre o descumprimento das obrigações e a decorrência de sanções, vejamos a citação de Luciano Amaro:
“No direito tributário, a infração pode acarretar diferentes consequências. Se ela implica falta de pagamento de tributo, o sujeito ativo (credor) geralmente tem, a par do direito de exigir coercitivamente o pagamento do valor devido, o direito de impor uma sanção (que há de ser prevista em lei, por força do princípio da legalidade), geralmente traduzida num valor monetário proporcional ao montante do tributo que deixou de ser recolhido. Se se trata de mero descumprimento de obrigação formal (“ obrigação acessória", na linguagem do CTN), a consequência é, em geral, a aplicação de uma sanção ao infrator (também em regra configurada por uma prestação em pecúnia). Trata-se das multas ou penalidades pecuniárias, encontradiças não apenas no direito tributário, mas também no direito administrativo em geral, bem como no direito privado “[13].
A partir do ajuizamento da ação de execução Fiscal, inicia-se a fase judicial, em que a Fazenda federal, estadual ou municipal ingressa em juízo para a cobrança forçada do crédito tributário. Além dos entes federados, poderão ajuizar a execução as respectivas autarquias e entidades que detenham capacidade tributária por delegação[14], conforme disposto em lei.
A partir do que foi exposto neste tópico, a Administração estará cumprindo com os princípios regentes da Administração Pública, agindo com eficiência, transparência e celeridade, conforme os ditames constitucionais.
2 O DIREITO TRIBUTÁRIO SANCIONADOR
O Direito Tributário é o ramo do direito que tem por objeto as relações entre Estado e contribuinte. Assim nos ensina Sacha Calmon Navarro Coelho:
“(…) O Direito Tributário regula e restringe o poder do Estado de exigir tributos e regular os deveres e direitos dos contribuintes, isonomicamente”[15].
Considerando que o pagamento de tributos consiste em uma obrigação compulsória determinada por lei, a sua não observância enseja a aplicação de sanções, também previstas na lei instituidora do tributo.
A aplicação de sanções é necessária à efetivação da obrigação, sob pena de torná-la inócua e sem eficácia.
O Direito Tributário Sancionador é responsável pelo estudo das sanções aplicadas em decorrência da não observância dos preceitos contantes nas leis tributárias. Ainda que esse sub-ramo disponha sobre sanções, e tenha algumas relações com o Direito Penal, não tem subordinação a este.
Obviamente não podemos deixar de ressaltar a existência da relação entre Direito Tributário Sancionador e Direito Penal. Entretanto, o fato de as normas tributárias terem princípios comuns ao Direito Penal não permte concluir que elas tenham natureza penal.
Portanto, considerando que o Direito Tributario Sancionador trata tão somente de infrações estritamente fiscais, a ele serão aplicados os principios proprios da atividade punitiva estatal, conforne o regime jurídico tributário, logo, é considerado um sub-ramo do Direito Tributário.
2.1 OS ILICITOS FISCAIS:
Ao cogitar no termo “ilícito”, temos em mente que houve o descumprimento de um dever imposto por lei. Por conseguinte, imaginamos otema dos ilícitos penais, haja vista ser o ilícito comumente tratado no Direito Penal, cujo objeto é a tutela dos bens da vida considerados mais relevantes.
O critério utilizado pelo legislador na tipificação de atos delituosos é da maior proteção a determinandas situações que necessitam maior atenção, de bens da vida considerados de maior relevância. A afirmação é objeto de estudo de Luciano Amaro:
“A qualificação da gravidade da infração é jurídico-positiva, vale dizer, é o legislador que avalia a maior ou menor gravidade de certa conduta ilícita para cominar ao agente uma sanção de maior ou menor severidade”[16].
Quando tratarmos de assuntos de maior relevância, a pena, em regra, será a privativa de liberdade, e poderá ser aplicada somente pelo Poder Judiciário, respeitados o contraditorio e o devido processo legal.
Entretanto, quando tratamos de outros temas em que há descumprimento de obrigação que não necessita da intervenção do Direito Penal, estaremos diante de outros tipos de ilícitos, como é o caso dos ilicitos civis, administrativos e tributários.
De forma mais específica, ao referir-se ao tema do ilícito tributário, Sacha Calmon assim explica:
“(…) o ilícito tributário retrata o comportamento humano contrário ao prescrito nas normas tributárias, que são basicamente: não pagar o tributo previsto em lei ou fazê-lo a destempo ou a menor; praticar atos vedados pela lei tributária ou deixar de praticar atos obrigatórios, segundo essa mesma lei[17]”.
Em análise ao critério de relevância dos bens da vida, passaremos à análise específica do ilícito fiscal não delituoso. Na hipótese da ocorrência desse tipo de ilícito, haverá a aplicação de uma sanção administrativa/tributária, imposta pela Administração, sempre observando as disposições previstas na lei que trata do assunto, além da análise da proporcionalidade entre o ato praticado e a sanção a ser imposta.
Em regra, teremos a aplicação de sanção pecuniária (multa), uma vez que a Constituição Federal impede a aplicação de penas privativas de liberdade ou restritiva de direitos por órgão diverso do Poder Judiciário. As restrições de ordem constitucional são fundamentadas pelos arts. 5°, XXII e 170 da Carta Magna.
De forma mais peculiar, ao analisar a sanção a ser aplicada em caso do inadimplemento de obrigação tributária, a sanção a ser aplicada não poderá extrapolar os limites constantes no Texto Constitucional. Interpretação lógica dessa afirmação é a de que não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel[18]. Da mesma forma queé assegurado o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profisionais que a lei estabelecer[19].
2.2 AS SANÇÕES
A sanção consiste no meio que a ordem jurídica utiliza para desestimular o comportamento contrário à lei. Nos dizeres de Hugo Brito Machado:
“(…) pode a sanção limitar-se a compelir o responsável pela inobservância da norma ao cumprimento de seu dever, ou pode consistir num castigo, numa penalidade a este cominada”[20].
Dessa forma, a sanção possui diversas finalidades, conforme será exposto a diante.
Importante destacar que na sua aplicação, a sanção, deve ser proporcional, ou seja, possuir correlação em relação ao ato praticado, caso contrário, haverá a prática de arbitrariedades.
2.2.1 OBJETIVOS:
As sanções tributárias visam induzir o contribuinte a cumprir seus deveres legais, desestimulando comportamentos contrários à lei.
Inicialmente elas eram aplicadas no âmbito do direito penal, por este motivo, as sanções tributárias têm relações com este ramo do direito.
As normas jurídicas são estabelecidas para garantir a manutenção da ordem social, e as sanções, uma forma de garantir a eficácia das normas. Para Paulo Roberto Coimbra Silva, as sanções possuem uma função transformadora e uma virtude educativa, uma vez que ratifica condutas mais convenientes para a convivência social.
O autor prossegue, ressaltando a crescente ampliação das normas sancionadoras em decorrência da complexidade das relações humanas disciplinadas pelo direito positivo. Essas normas possuem múltiplas utilidades e funções e aqui destacaremos: a função preventiva, a repressiva, a reparatória, a didática e assecuratória.
Função Preventiva:
A função preventiva tem o escopo de criar a consciência dos destinatários das normas à certeza da impropriedade de sua infração, de forma a desestimular o rompimento da ordem instituída. Ao analisar as sanções tributárias, Paulo Coimbra nos ensina a finalidade do caráter preventivo da sanção:
(…) “finalidade de reforçar a eficácia das normas jurídicas, conferindo-lhe coercitividade, imprescindível para evitar ou desestimular a sua violação” [21].
Dentro do contexto do papel educativo e de acordo com a finalidade descrita pelo autor, a função preventiva deve provocar nos contribuintes uma coerção motivada pela a convicção da aplicação da pena, uma vez que não é a intensidade ou o rigor do castigo que irá impedir os delitos, mas sim a certeza de sua punição.
Paulo Coimbra, ao citar Foucault, também ressalta a observação deste filosofo em relação a eficácia das punições quando este diz:
“(…) sua eficácia é atribuída à sua fatalidade, não à sua intensidade visível; a certeza de ser punido é que deve desviar o homem do crime e não mais o abominável teatro (…)” [22].
Assim sendo as sanções operam no sentido de anteparar a infração, com o intuito de fortalecer a eficácia das normas jurídicas estabelecidas.
Função Repressiva ou Punitiva:
A função Repressiva fundamenta-se no castigo, na penalidade a ser aplicada àquele que infringiu o ordenamento jurídico. A punição é uma resposta ao ilícito e precisa ser pertinente e coerente com a violação. Deve-se considerar a proporcionalidade entre o ato praticado, o dano causado, e a pena instituída, caso contrário a pena torna-se desmedida.
Helenilson Cunha Pontes afirma com propriedade a importância do princípio da proporcionalidade quando diz:
“A proporcionalidade também requer um sopesamento dos diversos valores pelo Direito, não se admitindo que uma sanção por sua intensidade exacerbada, possa comprometer outros valores e interesses judiciais tutelados”[23].
E segue enfatizando o referido princípio no tocante às sanções:
“As sanções positivas podem e devem ser controladas pelo principio da proporcionalidade já que o alcance de uma finalidade de interesse público não pode chegar ao extremo de comprometer a eficácia dos demais interesses protegidos pelo ordenamento constitucional” [24].
Assim, inferimos que a proporcionalidade é então uma ferramenta de controle à designação e aplicação das sanções, devendo sua intensidade ser medida de acordo com a valorização social da gravidade atribuída ao ato ilícito.
Função Reparatória ou Indenizatória
A finalidade indenizatória, quando comparada com as funções preventiva e punitiva, tem raízes mais recentes, influenciadas pelo direito civil. Refere-se ao pagamento de uma indenização ao dano ocasionado à vitima do ato praticado.
Sobre essa finalidade, Paulo Roberto Coimbra Silva (2007) nos esclarece:
“(…) as sanções de natureza compensatórias pretendem restabelecer a paz e o equilíbrio perturbados pela prática de um alto lesivo, implicando para o protagonista do dano, único e tão-somente, a privação do que fora por ele ilegitimamente obtido ou reparação do que fora por ele injustificavelmente lesado”[25].
Cabe ressaltar que o ato danoso não necessariamente é um ato ilícito e o ato ilícito não é pressuposto da sanção reparatória, sendo assim as sanções reparatórias têm como conjetura de sua aplicação o dano ou a lesão dele decorrente e não o ato ilícito em si.
Paulo Roberto Coimbra Silva reforça essa afirmação quando enfatiza a teoria do risco, que considera mais plausível a possibilidade de uma sanção reparatória de um dano não precedido ou concomitante à prática de um ato antijurídico. O autor ainda exemplifica a referida teoria: quando o Estado, em prol do bem comum, no exercício regular de suas atribuições, impõe sacrifícios a um particular ou a um grupo determinado de particulares, e como compensação, oferta-se a estes uma indenização.
As sanções indenizatórias são implicações do dano causado e por este motivo sua aplicação não prescinde de sua demonstração e quantificação. Neste contexto quando o perpetrante de uma lesão satisfaz a respectiva sanção, ressarcindo o que foi lesado extingue-se o seu dever. Por isso, as sanções indenizatórias são substitutivas e devem ser pautadas em critérios objetivos, almejando a extensão e a intensidade do dano que se busca reparar.
Função Didática
Assim como a finalidade indenizatória, a finalidade didática também é recente e objetiva contribuir para a educação e correição daquele que praticou o ato contrário à lei. Neste caso, espera-se que o infrator compreenda a ilicitude do ato por ele praticado, e assim, não o faça novamente.
Função Incentivadora ou premial
Esta função tem a finalidade de estimular condutas positivas e desejáveis por parte da população, e como recompensa, concede a eles alguns benefícios. Servem de estimulo as condutas almejadas, sendo mais conveniente à coletividade.
Função assecuratória
Tem o escopo de garantir a execução da obrigação, assegurando ao ente credor o direito ao recebimento do respectivo débito. Como exemplos dessa função temos os institutos da responsabilidade por extensão e por transferência.
A responsabilidade por extensão ocorrerá quando uma terceira pessoa, além do contribuinte que efetivamente praticou o fato gerador, também for responsável pelo pagamento de um tributo. Essa responsabilidade poderá ou não desobrigar o contribuinte, conforme dispuser a lei.
Na responsabilidade por transferência, a obrigação tributária é constituída inicialmente em relação ao contribuinte que efetivou o fato gerador da obrigação tributária, e posteriormente comunicará a outro responsável, consistindo em maior garantia no pagamento do débito.
2.2.2 ALGUMAS ESPÉCIES DE SANÇÕES:
2.2.2.1 Sanção penal:
Conforme já exposto, a finalidade do Direito Penal é a proteção dos bens jurídicos mais relevantes para a sociedade. A efetivação dessa proteção ocorre por meio da previsão, aplicação e execução da pena. Portanto, a sanção penal é o instrumento que o Estado utiliza para a proteção dos bens mais importantes.
No tocante à sua aplicação, deverão ser observados os princípios constantes em nossa Lei Maior. Exatamente pela limitação imposta pela Constituição, o Brasil limita as espécies de penas a serem aplicadas, quais sejam: pena privativa de liberdade, pecuniária e restritiva de direitos, todas aplicadas, via de regra, pelo Poder Judiciário.
Por fim, é importante lembrarmos as principais características das sanções penais, a saber: legalidade, anterioridade, personalidade, humanidade e proporcionalidade, todas expressas em nosso texto constitucional.
2.2.2.2 Sanção administrativa:
Essas sanções se encontram previstas em atos normativos que regem as atividades da Administração Pública. Sua criação é fundamentada no princípio da supremacia do interesse público, que, nos dizeres de Alexandre Mazza:
“(…) significa que os interesses da coletividade são mais importantes que os interesses individuais, razão pela qual a Administração, como defensora dos interesses públicos, recebe da lei poderes especiais não extensivos aos particulares[26]”.
Exatamente com base neste princípio que as normas que regem a Administração limitam ou restringem o exercício de direitos do individuo.
Essa limitação e/ou restrição de direitos é realizada por meio do denominado poder de polícia, consistente na prerrogativa conferida à Administração Pública para condicionar ou restringir o uso de bens e o exercício de direitos ou atividades pelo particular, em prol da bem estar da coletividade[27]. O conceito de poder de polícia, inclusive, se encontra positivado no art. 78, caput do CTN[28].
É preciso salientar que a aplicação dessa espécie de sanção não é ilimitada, pois que está sujeita ao controle administrativo e judicial. Além disso,a Administração deve respeitar os princípios constantes na Constituição, nossa lei maior, principalmente o princípio da legalidade.
2.2.2.3 Sanção tributária:
Considerando que o tributo consiste em uma prestação compulsóriaex lege, o não pagamento quando da ocorrência do fato gerador ensejará a aplicação de uma sanção. Essas sanções se subdividem em infrações materiais – descumprimento da obrigação principal, e infrações formais – descumprimento da obrigação acessória.
Há quem diga que essa sanção pertence ao ramo do Direito Administrativo, como também há quem defenda que elas pertençam ao Direito Penal. Por fim, há aqueles que se manifestam a favor da autonomia dessa espécie de sanção, afirmando que sua natureza é exclusivamente tributária. Nessa ultima corrente o fundamento se encontra no justributandi do Estado e que nelas estão incluídastão somente as sanções estritamente fiscais, uma vez que as sanções penais já se encontram tipificadas no Código Penal e leis penais extravagantes.
As sanções tributárias são subdivididas em sanções pecuniárias e não pecuniárias. Como exemplo de sanção pecuniária, temos a multa. A sua aplicação será feita pela Administração Pública, tem como principais finalidades a punitiva e a preventiva. Entre sanções não pecuniárias relativas ao direito tributário citemos as hipóteses tipificadas nas leis penais, como é o caso dos crimes contra a ordem tributária, previstos na Lei n° 8137/90. Outro exemplo de sanção não pecuniária é a hipótese das sanções políticas, de constitucionalidade duvidosa, conforme será exposta em capítulo específico.
2.3 SANÇÕES POLITICAS
As sanções políticas constituem uma modalidade de sanção aplicada de forma frequente e se materializam por meio de restrições de direitos como forma de obrigar o contribuinte, em débito com o Fisco, a quitar suas obrigações.
Com propriedade, Hugo de Brito Machado comenta:
“(…) Prática antiga, que, no Brasil, remonta aos tempos da ditadura de Vargas, é a das denominadas sanções políticas, que consistem nas mais diversas formas de restrições a direitos do contribuinte como forma oblíqua de obrigá-lo ao pagamento de tributos. São exemplos mais comuns de sanções políticas a apreensão de mercadorias em face de pequena irregularidade no documento fiscal que as acompanha, o denominado regime especial de fiscalização, a recusa de autorização para imprimir notas fiscais, a inscrição em cadastro de inadimplentes com as restrições daí decorrentes, a recusa de certidão negativa de débito quando não existe lançamento consumado contra o contribuinte, entre muitos outros” [29].
Conforme exposição tratada até então, as sanções que restringem direitos são aplicadas, via de regra, pelo Poder Judiciário. Excepcionalmente, poderá haver restrições de direitos pela Administração desde que a situação a ser restringida seja nociva à coletividade ou à segurança nacional. Dessa forma, essa possibilidade de restrição de direitos ocorrerá de forma excepcional, sob pena de tornar-se exagerada e desproporcional.
A doutrina majoritária condena a aplicação dessa sanção, haja vista desrespeitar os princípios fundamentais do indivíduo. Ora, essa sanção é aplicada por um órgão que não tem competência para tal, sem que haja um devido processo legal e sem qualquer possibilidade de contraditório e ampla defesa por parte do contribuinte.
Ainda assim, presenciamos em nosso cotidiano a aplicação frequente dessa sanção, motivo este que chamou atenção à pesquisa em comento.
Importante destacar que após o advento da Constituição de 1988, a Constituição Cidadã, é que houve maior número de questionamentos acerca das medidas arbitrárias adotadas pelo Estado, que aplicam medidas tais que significam verdadeiro desrespeito aos princípios da legalidade e da proporcionalidade.
Corroborando com os motivos ora elencados, Helenilson Cunha Pontes reforça a impossibilidade da aplicação de sanções políticas:
“O princípio da proporcionalidade, em seu aspecto necessidade, torna inconstitucional também grande parte das sanções indiretas ou políticas impostas pelo Estado sobre os sujeitos passivos que se encontrem em estado de impontualidade com os seus deveres tributários. Com efeito, se com a imposição de sanções menos gravosas, e até mais eficazes (como a propositura de medida cautelar fiscal e ação de execução fiscal), pode o Estado realizar o seu direito à percepção de receita pública tributária, nada justifica validamente a imposição de sanções indiretas como a negativa de fornecimento de certidões negativas de débito, ou inscrição em cadastro de devedores, o que resulta em sérias e graves restrições ao exercício da livre iniciativa econômica, que vão da impossibilidade de registrar atos societários nos órgãos do Registro Nacional do Comércio até de proibição de participar de concorrências públicas” [30].
Em face das consequências trazidas pelas sanções políticas, torna-se necessário identificar quando da sua ocorrência. Para facilitar essa identificação, destacamos algumas de suas características: implicam na restrição da atividade econômica; tratam de medida unilateral adotada pela Administração, impedindo o acesso ao Judiciário para discussão do débito, e consequentemente culminam em prática arbitrária realizada pelo Fisco.
As sanções políticas são comumente aplicadas em nosso ordenamento após a edição de atos normativos secundários (regulamentos, portarias, circulares, etc.), que não observam os preceitos constitucionais, trazendo ao ordenamento jurídico normas eivadas do vício da inconstitucionalidade.
Nesse mesmo sentido, Hugo de Brito Machado trata com propriedade sobre o tema da inconstitucionalidade dessas sanções:
“Qualquer que seja a restrição que implique cerceamento de liberdade de exercer atividade lícita é inconstitucional porque contraria o disposto nos artigos 5°, inciso XIII, e 170, parágrafo único, do Estatuto Maior do País” [31]
(…) “Cabe ao Fisco a utilização dos caminhos que a ordem jurídica oferece para constituir o crédito tributário, e cobrá-lo, mediante a ação de execução fiscal”.[32]
Neste mesmo sentido, Paulo Roberto Coimbra Silva reafirma a inconstitucionalidade das sanções políticas:
“As sanções não pecuniárias previstas nas leis tributárias, em sua maior parte, têm sua constitucionalidade infirmada pela melhor doutrina e jurisprudência. Dentre estas, destacam-se a interdição de estabelecimentos e o impedimento de atividades; a negativa de alvarás de funcionamento e de autorização para impressão de notas fiscais; a suspensão, o bloqueio e o cancelamento de inscrições cadastrais, e a exigência de pagamento de tributos e seus consectários como condição à expedição de licenças ou alvarás. Outras tantas são de constitucionalidade duvidosa, tais como a pena de perdimento de bens e a imposição de regimes especiais de fiscalização e de cumprimento de obrigações acessórias”[33].
O fundamento utilizado para legitimar essas normas inconstitucionais é o poder de polícia que a Administração possui, e queconsiste na legitimação do Estado para, em algumas situações[34], realizar intervenções em nome do bem comum sobre um interesse particular. Essas intervenções poderão causar restrições a direitos individuais, desde que esses direitos possam causar danos potenciais à coletividade.
Ressaltemos, mais uma vez, que tais intervenções feitas pela Administração devem ocorrer sob o crivo da lei, obedecendo ao principio da legalidade disposto no art. 37,caput[35]da nossa Constituição:
Conclui-se, dessa forma, que não se pode dizer que a supremacia do interesse público é fundamento para a aplicação das sanções políticas. A Administração Pública deturpa este conceito na tentativa de justificar suas atitudes, da mesma forma que viola os direitos fundamentais, quando aplica medidas desproporcionais.A prerrogativa de tributar não outorga ao Estado o poder de suprimir ou inviabilizar as atividades e direitos constitucionalmente previstos.
Para assegurar tais direitos, cada ente federado responsável em instituir impostos e suas sanções deverá observar os limites constitucionais impostos, sob pena de incorrer na edição de norma inconstitucional ou ilegal.
Em consonância com a doutrina pátria, o Supremo Tribunal Federal editou súmulas relativas ao assunto:
Súmula 70
“É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo”.
Súmula 323
“É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos”.
Súmula 547
“Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais”.
A partir da análise de jurisprudências emanadas pelosnossos tribunais, as sanções políticas podem assumir inúmeros formatos. De forma a demonstrar alguns deles, destacamos alguns julgados:
EMENTA: DÉBITO FISCAL – IMPRESSÃO DE NOTAS FISCAIS – PROIBIÇÃO – INSUBSISTÊNCIA. Surge conflitante com a Carta da República legislação estadual que proíbe a impressão de notas fiscais em bloco, subordinando o contribuinte, quando este se encontra em débito para com o fisco, ao requerimento de expedição, negócio a negócio, de nota fiscal avulsa (RE 413782/SC – Santa Catarina. Relator Min. Marco Aurélio. Data de julgamento:17/03/2005. Órgão julgador: Tribunal Pleno).
EMENTA: CONSTITUCIONAL. DIREITO FUNDAMENTAL DE ACESSO AO JUDICIÁRIO. DIREITO DE PETIÇÃO. TRIBUTÁRIO E POLÍTICA FISCAL. REGULARIDADE FISCAL. NORMAS QUE CONDICIONAM A PRÁTICA DE ATOS DA VIDA CIVIL E EMPRESARIAL À QUITAÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS. CARACTERIZAÇÃO ESPECÍFICA COMO SANÇÃO POLÍTICA. AÇÃO CONHECIDA QUANTO À LEI FEDERAL 7.711/1988, ART. 1º, I, III E IV, PAR. 1º A 3º, E ART. 2º. 1. Ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas contra os arts. 1º, I, II, III e IV, par. 1º a 3º e 2º da Lei 7.711/1988, que vinculam a transferência de domicílio para o exterior (art. 1º, I), registro ou arquivamento de contrato social, alteração contratual e distrato social perante o registro público competente, exceto quando praticado por microempresa (art. 1º, III), registro de contrato ou outros documentos em Cartórios de Registro de Títulos e Documentos (art. 1º, IV, a), registro em Cartório de Registro de Imóveis (art. 1º, IV, b) e operação de empréstimo e de financiamento junto a instituição financeira, exceto quando destinada a saldar dívidas para com as Fazendas Nacional, Estaduais ou Municipais (art. 1º, IV, c) – estas três últimas nas hipóteses de o valor da operação ser igual ou superior a cinco mil Obrigações do Tesouro Nacional – à quitação de créditos tributários exigíveis, que tenham por objeto tributos e penalidades pecuniárias, bem como contribuições federais e outras imposições pecuniárias compulsórias. 2. Alegada violação do direito fundamental ao livre acesso ao Poder Judiciário (art. 5º, XXXV da Constituição), na medida em que as normas impedem o contribuinte de ir a juízo discutir a validade do crédito tributário. Caracterização de sanções políticas, isto é, de normas enviesadas a constranger o contribuinte, por vias oblíquas, ao recolhimento do crédito tributário. 3. Esta Corte tem historicamente confirmado e garantido a proibição constitucional às sanções políticas, invocando, para tanto, o direito ao exercício de atividades econômicas e profissionais lícitas (art. 170, par. ún., da Constituição), a violação do devido processo legal substantivo (falta de proporcionalidade e razoabilidade de medidas gravosas que se predispõem a substituir os mecanismos de cobrança de créditos tributários) e a violação do devido processo legal manifestado no direito de acesso aos órgãos do Executivo ou do Judiciário tanto para controle da validade dos créditos tributários, cuja inadimplência pretensamente justifica a nefasta penalidade, quanto para controle do próprio ato que culmina na restrição. É inequívoco, contudo, que a orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal não serve de escusa ao deliberado e temerário desrespeito à legislação tributária. Não há que se falar em sanção política se as restrições à prática de atividade econômica objetivam combater estruturas empresariais que têm na inadimplência tributária sistemática e consciente sua maior vantagem concorrencial. Para ser tida como inconstitucional, a restrição ao exercício de atividade econômica deve ser desproporcional e não-razoável. 4. Os incisos I, III e IV do art. 1º violam o art. 5º, XXXV da Constituição, na medida em que ignoram sumariamente o direito do contribuinte de rever em âmbito judicial ou administrativo a validade de créditos tributários. Violam, também o art. 170, par. ún. da Constituição, que garante o exercício de atividades profissionais ou econômicas lícitas. Declaração de inconstitucionalidade do art. 1º, I, III e IV da Lei 7.711/'988. Declaração de inconstitucionalidade, por arrastamento dos parágrafos 1º a 3º e do art. 2º do mesmo texto legal. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. SANÇÃO POLÍTICA. PROVA DA QUITAÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS NO ÂMBITO DE PROCESSO LICITATÓRIO. REVOGAÇÃO DO ART. 1º, II DA LEI 7.711/1988 PELA LEI 8.666/1993. EXPLICITAÇÃO DO ALCANCE DO DISPOSITIVO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE NÃO CONHECIDA QUANTO AO PONTO. 5. Ação direta de inconstitucionalidade não conhecida, em relação ao art. 1º, II da Lei 7.711/1988, na medida em que revogado, por estar abrangido pelo dispositivo da Lei 8.666/1993 que trata da regularidade fiscal no âmbito de processo licitatório. 6. Explicitação da Corte, no sentido de que a regularidade fiscal aludida implica "exigibilidade da quitação quando o tributo não seja objeto de discussão judicial" ou "administrativa". Ações Diretas de Inconstitucionalidade parcialmente conhecidas e, na parte conhecida, julgadas procedentes. (ADI 173 / DF – DISTRITO FEDERAL Relator Min. Joaquim Barbosa. Data de julgamento: 25/09/2008. Órgão julgador: Tribunal Pleno).
EMENTA: REEXAME NECESSÁRIO E APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO COMINATÓRIA. INSCRIÇÃO DE FILIAL EM CADASTRO DE CONTRIBUINTES. EXIGÊNCIA DE QUITAÇÃO DE DÉBITOS FISCAIS. INADMISSIBILIDADE. SANÇÃO POLÍTICA. DIREITO AO LIVRE EXERCÍCIO DA ATIVIDADE ECONÔMICA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REDUÇÃO. DESCABIMENTO. A exigência de quitação de débito fiscal como condição para a inscrição de filial da empresa no cadastro de contribuintes do ICMS configura sanção política e afronta o direito do comerciante ao exercício das atividades econômicas, como previsto no art. 170, parágrafo único, da Constituição Federal. – Eventuais exigências feitas ao exercício do comércio devem ter por objetivo a regulamentação da atividade, sendo vedados as que possuam caráter coercitivo para obrigar ao pagamento de tributo. – O pagamento do débito tributário deve ser obtido através da execução fiscal, respeitado o devido processo legal, não se admitindo o uso de meios diversos para coagir o contribuinte a quitar a obrigação. – Descabe a redução dos honorários advocatícios fixados em valor coerente com a localidade da prestação de serviços, o zelo e presteza do profissional, o tempo exigido e a importância da causa. – Sentença confirmada no reexame necessário. – Recurso voluntário prejudicado. (TJMG – AC/Reexame necessário 1.0223.06.207990-8/002; Relatora Des. Heloísa Combat. Data de julgamento: 06/09/2009 data de publicação: 13/11/2009).
EMENTA:AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. RIO GRANDE DO SUL. LEIS ESTADUAIS 6.537/73 E 8.820/89. ICMS. APREENSÃO DE MERCADORIAS POR TEMPO INDETERMINADO E EM DESACORDO COM A FINALIDADE LEGAL. SANÇÃO POLÍTICA. Agravo regimental a que se nega provimento. (RE 633239 AgR/RS – Rio Grande do Sul. Relator Min. Joaquim Barbosa. Data de julgamento: 22/03/2011. Órgão julgador: Segunda Turma)
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – DIREITO TRIBUTÁRIO – MANDADO DE SEGURANÇA – INSCRIÇÃO ESTADUAL DE EMPRESA – RECUSA ADMINISTRATIVA – SÓCIO QUE INTEGRA OUTRAS SOCIEDADES EMPRESÁRIAS EM SITUAÇAO IRREGULAR PARA COM O FISCO – AFRONTA À LIBERDADE DE EXERCÍCIO DE ATIVIDADE ECONÔMICA – IMPOSSIBILIDADE – SENTENÇA REFORMADA. As sanções políticas na seara tributária, consistentes em restrições impostas aos contribuintes como meio indireto de obriga-los às satisfação do tributo, são amplamente rechaçadas pela doutrina e jurisprudência. A recusa à inscrição de empresa junto ao cadastro de contribuintes em função de o seu sócio integrar outros grupos societários em situação irregular perante o fisco constitui ofensa ao livre exercício de atividade econômica, princípio previsto nos arts. 5º, inciso XIII, e 170, parágrafo único, da Constituição Federal. Recurso provido.(TJMG – AC 1.0024,11,025460-4/001; Relatora Des. Áurea Brasil. Data de julgamento: 20/09/2012, data de publicação: 01/10/2012).
Diante do que foi exposto, fica clara a posição da nossa Corte em relação ao comportamento da Administração, que exorbita do poder de tributar para impor restrições às atividades econômicas no intuito de coagir o contribuinte impontual ao pagamento do tributo.
Corroborando com esta afirmação, concluímos com a citação usada por John Marshall no caso McCulloch v. Maryland: “O poder de tributar não pode chegar à desmedida do poder de destruir” [36].
3. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS ATINGIDOS QUANDO DA OCORRÊNCIA DAS SANÇÕES POLÍTICAS
3.1 Legalidade:
O significado desse princípio traz a limitação do Estado em face de seus atos, ou seja, somente a lei poderá definir e estabelecer os limites impostos ao indivíduo e a atuação estatal em face das restrições impostas.
A legalidade se encontra expressamente disposta em nossa Constituição no título II, que trata dos direitos e garantias fundamentais, no art. 5°, II.
No âmbito do direito tributário destacamos a legalidade estrita, em que “nenhum tributo será instituído, nem aumentado, a não ser através de lei” (CF/88, art. 150, inc. I). Além da instituição de um tributo, a lei também deve prever o fato gerador da obrigação tributária, os sujeitos ativo e passivo, enfim, todas as situações necessárias ao surgimento da obrigação tributária e consequências em caso do não cumprimento obrigacional. Neste sentido Hugo de Brito destaca:
“A rigor, o que a lei deve prever não é apenas a hipótese de incidência, em todos os seus aspectos. Deve estabelecer tudo quanto seja necessário à existência da relação obrigacional tributária. Deve prever, portanto, a hipótese de incidência e o consequente mandamento. A descrição do fato temporal e da correspondente prestação, com todos os seus elementos essenciais, e ainda a sanção, para o caso de não prestação”[37].
Concluindo com o que fora exposto acerca do tema legalidade, Eduardo Sabbag, em sua obra Manual de Direito Tributário, corrobora com a seguinte afirmação: “o princípio da legalidade é o vetor dos vetores”[38].
Em relação às sanções políticas, verificamos a sua contrariedade em relação ao principio da legalidade, uma vez que a Administração Pública não realiza o procedimento de acordo com o que preceitua a lei editada para a realização das cobranças de débitos tributários.
Importante mencionar que decorre do princípio da legalidade o princípio do devido processo legal, haja vista que a própria lei dispõe sobre a forma de garantia e eficácia dos atos estatais. O princípio significa, dessa forma, que a observância das leis materiais e processuais deverá ser traduzida em um processo justo e seguro.Sobre o devido processo legal, Alexandre Moraes nos leciona:
“O devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade, quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com o Estado-persecutor e plenitude de defesa (…)”[39].
A respeito da relação existente entre legalidade e devido processo legal:, temos:
“(…) o devido processo legal é o “processo devidamente estruturado” mediante o qual se faz presente a legitimidade da jurisdição, entendida jurisdição como poder, função e atividade “[40].
Ao tratarmos, mais uma vez do tema das sanções políticas tributárias, verificamos também a não observância do devido processo legal, pois queo contribuinte se encontra submetido ao arbítrio estatal, não tem oportunidade de discutir acerca da existência e da legalidade do débito, acabando por aceitar as imposições do Estado, como forma de se livrar da restrição que lhe fora imposta de forma coativa e ilegal.
3.2 Inafastabilidade da jurisdição:
Este princípio, também conhecido por direito de ação, se encontra expresso no art. 5°, XXXV da atual Constituição[41] e reproduz a primazia do Poder Judiciário na execução da função jurisdicional.
O mesmo texto constitucional também dispõe sobre as funções do Poder Judiciário brasileiro, dentre elas, o da prestação jurisdicional, assegurada a todos aqueles que estiverem diante da lesão ou ameaça a um direito. Traduz-se, desta forma, na garantia da proteção do princípio da Separação dos Poderes, também de cunho constitucional.
Ao analisarmos a aplicação das sanções políticas frente ao princípio mencionado, verificamos que o contribuinte sujeito a essa espécie de sanção não tem a oportunidade de exercer o seu direito de ação, uma vez que se encontra obrigado a efetuar o pagamento de um débito que lhe foi imputado.
Quando da aplicação das sanções políticas, verificamos que ao contribuinte não proporcionada essa modalidade de contestação da via adotada, haja vista que o próprio Estado decide, de forma unilateral, a restrição de um direito, até então garantido por lei: a atividade econômica lícita. Referido direito encontra-se disposto na CF/88, no art. 5°, XIII: “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”.
Assim, o princípio da inafastabilidade da jurisdição deverá ser garantido ao contribuinte em face do Estado, sendo-lhe garantida a apreciação de um débito e/ou uma sanção por parte de um órgão imparcial, de forma que seja decidido acerca de sua validade.
3.3 Não confisco:
O confisco tributário consiste na obtenção econômica por parte do Estado, mediante tributação exacerbada, culminando na insuportabilidade da carga tributária imposta ao contribuinte, levando, dessa forma, à apropriação indevida do patrimônio do particular pelo Estado.
Sobre o referido princípio, Hugo Brito Machado nos ensina:
“Tributo com efeito de confisco é tributo que, por ser excessivamente oneroso, seja sentido como penalidade. É que o tributo, sendo instrumento pelo qual o Estado obtém os meios financeiros de que necessita para o desempenho de suas atividades, não pode ser utilizado para destruir a fonte desses recursos”. MACHADO, p. 264.
No que relaciona às sanções (multas), aplicadas em face do descumprimento da obrigação tributária, o referido princípio também deverá ser observado. Portanto, do mesmo modo que nenhum tributo poderá estabelecer efeito confiscatório do patrimônio, igualmente, as multas relacionadas à tributação também não poderão causar o mesmo efeito.
Neste sentido, Eduardo Sabbag reafirma acerca da impossibilidade de aplicação de multas com caráter confiscatório:
“Não há dúvida de que uma multa excessiva, que extrapole os limites do razoável, ainda que visando desestimular o comportamento ilícito iterativo, além de irradiar sua carga punitiva, em seus dois elementos caracteres – o preventivo e o punitivo -, mostra-se vocacionada a burlar o dispositivo constitucional inibitório de sua existência, agredindo o patrimônio do contribuinte”[42] SABBAG, p.250.
3.4 Presunção de inocência:
O princípio da presunção da inocência, caracterizado pelo dever que o Estado tem de comprovar a culpa do acusado, é traduzida pela boa-fé do contribuinte e tem como principal função a defesa das liberdades individuais frente aos possíveis abusos do poder estatal. Portanto, até que sobrevenha prova de culpa, o indivíduo é considerado inocente do fato que lhe é imputado.
Tem origem do direito penal, em que as condenações ocorriam sem qualquer possiblidade de defesa por parte do acusado, que muitas vezes era submetido a tortura e acaba por confessar a prática de atos não cometidos.
Um dos defensores deste princípio, Cesare Beccaria, publicou a obra “Dos delitos e das penas” no século XVIII, considerada um marco na doutrina liberal penalista, e que tem no princípio da presunção da inocência um de seus pilares mais sólidos. O ilustre autor quando refere a este princípio, assim nos ensina:
“Um homem não pode ser chamado culpado antes da sentença do juiz, e a sociedade só pode retirar-lhe a proteção pública após ter decidido que ele violou os pactos por meio dos quais ela lhe foi concedida. Qual é, pois, o direito, senão o da força, que confere ao juiz o poder de aplicar uma pena a um cidadão, enquanto perdure a dúvida sobre a sua culpabilidade ou inocência”[43].
O princípio em menção foi positivado na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, elaborada à época da Revolução Francesa. Posteriormente também foi adotado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU (1948), e pelo Pacto de San Jose da Costa Rica (1969).
No ordenamento jurídico brasileiro, a presunção da inocência é introduzida como princípio constitucional somente na Constituição Federal de 1988.
Atualmente, além do Direito Penal, o princípio é também utilizado em outros ramos do direito. No âmbito do Direito Tributário, à Administração incumbe o dever de apresentar prova sobre a existência de um crédito em desfavor do contribuinte.
Ainda que a Constituição preveja a presunção de inocência relativa ao processo penal, o princípio também deverá ser aplicável no âmbito administrativo. Neste sentido, a jurisprudência mostra-se a favor dessa aplicação, senão vejamos:
“EMENTA: TRIBUTÁRIO. EXECUÇAO FISCAL. ICMS. INFRAÇAO TRIBUTÁRIA. QUEBRA DO DIFERIMENTO. COMPRADOR IRREGULAR.VENDEDOR DE BOA-FÉ. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. NAO-CORRÊNCIA. 1. A responsabilidade pela prática de infração tributária, malgrado o disposto no art.136 do CTN, deve ser analisada com temperamentos, sobretudo quando não resta comprovado que a conduta do vendedor encontrava-se inquinada de má-fé. Emhipótese como tais, tem emprego o disposto no art. 137 do CTN, que consagra aresponsabilidade subjetiva. Precedentes. 2. Recurso especial de Rui Claret de Carvalho Gonçalves provido e recurso especial da Fazenda Nacional improvido”. (RE471894/SP – São Paulo. Relator Min. João Otávio de Noronha. Data de julgamento: 23/05/2006,data de publicação: 04/08/2006).
Durante a fase administrativa de cobrança do débito tributário, essa prova é materializada pelo auto de infração; durante a fase judicial, pela certidão da dívida ativa, documento indispensável ao ajuizamento da ação de execução fiscal.
Lembrando que tanto no procedimento administrativo como no processo judicial, o contribuinte tem direito ao exercício do contraditório e a da ampla defesa, nos moldes constitucionais.
3.5 Proporcionalidade – princípio constitucional implícito
No campo do direito tributário, mais precisamente no tocante à aplicação das sanções políticas, constatamos a ocorrência do abuso de poder por parte da Administração que, fundamentada pelo poder de polícia, restringe atividades lícitas pelo simples motivo de o contribuinte estar em débito com o Fisco.
A proporcionalidade é considerada como a imprescindibilidade da realização da ponderação quando da criação das sanções (mediante lei), bem como de sua aplicação em relação ao ato praticado. O princípio em menção deve ser entendido como a proibição do excesso.
O correto nesta situação, em conformidade com o princípio da legalidade estrita, ao qual se submete a Administração Pública, o de ajuizar ação de execução fiscal, nos termo da legislação editada para esta finalidade, qual seja a lei de execução fiscal (Lei n° 6830/80).
Neste diapasão, estamos uma medida desproporcional, haja vista que a restrição da atividade não se deu por outros motivos senão o inadimplemento[44].
4A LEI DE EXECUÇÃO FISCAL
A lei n° 6830, publicada em 22 de setembro de 1980, foi editada com o objetivo de regulamentar a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública. Na cobrança dessa espécie de dívida estão incluídas as dívidas tributárias e não tributarias.
Seguindo-se o princípio da estrita legalidade, regente na Administração Pública, esta é a única hipótese para cobrança das obrigações tributárias quando o pagamento não é realizado de forma espontânea. Com a edição da lei em comento, o ordenamento jurídico impôs limites à Administração em relação ao assunto, protegendo os direitos de ambas as partes envolvidas no processo.
Antes de tratarmos da lei em comento, necessário, mencionarmos alguns conceitos importantes à sua compreensão.
Sabe-se que o nascimento da obrigação tributária ocorre com a prática do fato gerador definido em lei. Contudo, para que a obrigação seja exigível, necessário que haja a constituição do crédito tributário, o que é feito através do ato denominado lançamento.
O lançamento é o procedimento administrativo realizado pela autoridade fazendária e consiste na verificação da ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, na determinação da matéria tributável, no cálculo do montante do tributo devido, na identificação o sujeito passivo e, sendo caso, na aplicação da penalidade cabível[45]. Após o lançamento, o crédito tributário será inscrito na dívida ativa, passando, então, a ser exigível pelo credor através do ajuizamento da execução fiscal, nos termos da Lei 6830/80, utilizando-se de forma subsidiária o Código de Processo Civil.
Uma vez ajuizada a ação de execução, o devedor será citado para pagar a dívida ou garantir a execução. Dentre as formas de garantias temos, o depósito em dinheiro, o oferecimento de fiança bancária ou a nomeação de bens à penhora.
Importante destacar que em eventual fase de penhora de bens, o Estado deverá utilizar a forma menos gravosa para o contribuinte; dessa forma serão observados os direitos e garantias fundamentais, os demais preceitos legais relativos ao tema, bem como as consequências decorrentes do procedimento (consequências sociais e econômicas). Interpretação lógica é a de que as medidas excepcionais[46] dispostas na lei de execução fiscal serão utilizadas de forma excepcional.
Sobre o tema, Alexandre Rego confirma a necessidade de sopesamento das consequências geradas por uma eventual penhora desmedida:
“O Estado tem o dever de ponderar sobre as melhores opções para resgate de seu crédito, levando em consideração os prejuízos eventualmente causados ao contribuinte e seus reflexos na sociedade.”[47].
Como procedimento judicial, os princípios constitucionais do processo deverão ser observados, haja vista a hierarquia existente entre as leis infraconstitucionais e constitucionais. Dentre esses princípios constitucionais citemos o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa.
Dessa feita, havendo a estrita observância dos procedimentos constantes na lei e nos preceitos constitucionais, estarão protegidos tanto o credor como o devedor, e assim, o processo de execução cumprirá com a finalidade imposta.
CONCLUSÃO
O Estado foi criado para executar a satisfação dos interesses coletivos. Para a realização desses interesses, ele necessita captar recursos, sendo que a tributação é uma das principais formas de arrecadação financeira.
O Brasil é regido pela Constituição Federal de 1988, nossa Lei Maior, e sua principal característica é a supremacia. Portanto é o texto constitucional o responsável na orientação da edição das normas infraconstitucionais.
O atual sistema tributário nacional é originado da Constituição, consequentemente, as demais normas tributárias deverão seguir os princípios constitucionais. No texto constitucional, no mesmo capítulo em que é tratado do sistema tributário, também se encontram dispostas as competências para instituir e legislar sobre tributos e os limites em relação a essas competências.
Em atenção ao que dispõe a Constituição, é competência da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, a edição de normas que instituam tributos, desde que haja estrita observância aos princípios constitucionais, caso contrário, estes entes incorrerão no abuso do poder e desvio de finalidade.
Em conclusão à pesquisa realizada, foi observado que a sanção aplicada em caso de inadimplemento da obrigação tributária se dá através das multas.
Contudo, foi verificada também a aplicação de outra espécie de sanção, denominada sanção política, cujo objetivo é o de restringir direitos do contribuinte em débito com o Fisco, de forma a obrigá-lo a quitar seus tributos. Referida sanção não tem embasamento constitucional, ao contrário, representa um verdadeiro desrespeito aos direitos e garantias individuais.
Conforme exposto durante o tema pesquisado, a aplicação das sanções políticas consiste exatamente na hipótese de abuso de poder, uma vez que a Administração restringe atividades lícitas, sem justificativas razoáveis.
Quando essa sanção é aplicada, a Administração exorbita do seu poder, invadindo competência do Poder Judiciário, aplicando restrições aos direitos de indivíduos com o escopo de obriga-lo ao pagamento de débito decorrente de obrigação tributária.
Portanto, em consonância à supremacia constitucional, essa prática adotada deve ser rechaçada pelos nossos Tribunais, de forma que não mais seja identificada em nosso cotidiano. Dessa forma, haverá a observância e predominância da supremacia constitucional no país.
Informações Sobre o Autor
Maria Aparecida dos Reis
Advogada, pós graduanda em Direito Público