Imposto de Importação: A Não Concessão da Isenção Pela Alfandega Aos Produtos de Baixo Valor

Carlos Eduardo Souza Peres, Bacharel em Direito pela Faculdade Católica Dom Orione.

 

RESUMO

O presente trabalho destina-se esclarecer a posição atual de nossos tribunais e doutrina acerca da problemática encontrada na cobrança de impostos na alfandega e a respectiva construção de um entendimento, a fim de auxiliar e esclarecer às pessoas que o Fisco pode errar; nos valeremos de linguagem simplificada, afim de facilitar o entendimento do amigo leitor. Onde adotamos o método de pesquisa bibliográfica e documental, tais como sentenças e entendimentos doutrinários pátrio. A demanda por produtos desencadeou a necessidade de instrumentos de controle de importação mais eficientes, no entanto, a Receita Federal vem praticando a cobrança, ilegal, de impostos de produtos acima de cinquenta dólares. Ela se vale da portaria nº 156/99, que assim a autoriza. Porém há vício insanável na referida portaria, que transforma os atos derivados em ilegais. Dessa forma o artigo segue com o objetivo de demonstrar que a Receita Feral age fora da Lei.

Palavras-chave: Isenção. Imposto de Importação. Ilegalidade. Receita Federal.

 

ABSTRACT

This paper aims to clarify the current position of our courts and doctrine on the problems encountered in the collection of taxes in customs and the respective construction of an understanding, in order to assist and clarify the people that the Treasury can err; we will use simplified language in order to facilitate the understanding of the reader friend. Where we adopt the method of bibliographical and documentary research, such as sentences and doctrinal understandings patria. The demand for products has triggered the need for more efficient import control instruments; however, the Internal Revenue Service has been practicing the illegal collection of product taxes above fifty dollars. It uses the authority no. 156/99, which thus authorizes it. However, there is an insurmountable vice in the aforementioned ordinance, which transforms the derivative acts into illegal ones. Thus, the article follows with the purpose of demonstrating that the Feral Revenue acts outside the Law.

Keywords: Exemption. Import tax. Illegality. IRS.

 

Sumário: Introdução. Do Imposto de Importação. 2.1 Funções do Imposto. 2.2 Isenção. 3 Princípio da Legalidade Tributária e Reserva Legal. 3.1 Pirâmide de Kelsen. 3.2 Portaria nº 156/99. 3.3 A Relação com Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio – GATT. Conclusão. Referências.

 

INTRODUÇÃO

Nos tempos atuais, a economia se baseia, em grande parte, pela relação de compra e venda entre países, relação proporcionada e facilitada pelo advento da internet e de acordos econômicos entre países, que facilitam a transação de moeda e, por tanto, criam uma seguridade jurídica e a confiança no consumidor[1], que passa a romper a fronteira nacional.

A mudança de paradigma no comportamento do consumidor, acerca da compra de produtos no exterior,  fez com que o mercado brasileiro começa-se a se atentar ao impacto que esse comportamento poderia gerar na receita interna  do nosso país, de forma que a partir de 2007, a CNI (Confederação Nacional  da Indústria) começou a medir a importância que os produtos importados representavam no mercado interno brasileiro.

Segundo a Agência Brasil (14/08/18), se valendo de dados do CNI, em 2017 o consumo de importados por pessoas físicas representou 17% do consumo brasileiro, e na indústria esse valor, no mesmo ano, chega a 23,5%.

São valores significativos e, portanto, não poderiam passar desapercebidos pelo Governo Brasileiro, que tem nesse setor, a função de equilibrar a economia nacional em face da economia alienígena.

O principal instrumento que a União detém para controlar o fluxo de entrada de produtos externos no Brasil é, justamente, o Imposto de Importação. Previsto no art. 153, I da CF/88, e no art. 19 do CTN, bem como as causas de isenção do tributo, que está previsto no Decreto-Lei nº 1.804/80.

Desta forma, este artigo busca demonstrar se a isenção da figura tributária (art. 153, §6º da CF/88) aos produtos de até U$100,00 dólares (segundo o Decreto-Lei n º 1.804/80) deve ser aplicada, ou se é de U$50,00 dólares (como indica a portaria nº 156/99) o limite para a incidência da isenção da taxação aos produtos importados, por conta das contínuas ações judiciais e pedidos de revisão de tributo com fundamento nas citadas normas. E ainda, objetivamos confrontar as normas que abordam o assunto para, então, chegarmos ao bem que ela atinge.

O fato gerador para a incidência do imposto é a entrada do produto em território nacional. E quando aquele adentra no território brasileiro, a Alfândega é responsável pela fiscalização destes produtos advindos do exterior.

É, então, na Alfândega que ocorre a celeuma; quando este órgão decide seguir comandos como portarias, desrespeitar a hierarquia existente entre as normas, a fim de conseguir uma maior arrecadação e fomentar uma maior proteção ao mercado interno brasileiro, ela age corretamente?

Para alcançar o objetivo aqui pretendido, nos valeremos do método de pesquisa bibliográfica e documental, como decisões de tribunais e magistrados de primeiro grau, bem como entendimentos doutrinários pátrios, de forma a demonstrar da melhor maneira, a possível ilegalidade dos atos praticados pela Alfândega ao seguir comandos como o da portaria nº 156/99 acerca da aplicação da Isenção de taxação aos produtos importados, pois entendemos que portaria não é superior a Lei e, portanto, não deveria ser aplicada.

Para tanto, abordaremos nas seções do presente trabalho, o Imposto de Importação, cuja a liberdade de aplicação dada pelo Decreto-Lei nº 1.804/80 tem provocado transtornos aos contribuintes, em razão do surgimento da portaria nº 156/99.

Falaremos ainda dos princípios da Legalidade e Reserva Legal, que são de suma importância para o Direito, vez que são instrumentos que freiam o absolutismo do Estado, e por consequência, impedem que sejam realizadas ações que não forma objeto de deliberações pelos representantes do povo.

Não obstante, apresentaremos, nos moldes da finalidade deste trabalho, a Pirâmide de Kelsen. Esta é uma construção jusfilosófica que visa explicar a validação da Constituição de um país, bem como estabelecer uma hierarquia organizacional, onde as normas que estiverem no topo podem modificar normas que estão abaixo da pirâmide, mas as que estão a baixo não podem modificar as que estão a cima.

Em consonância à Pirâmide de Kelsen, abordaremos a Portaria nº 156/99. Esta apresenta inconstitucionalidade, vez que no seu artigo 2º, ins. II, inova no ordenamento jurídico ao extrapolar os limites legais estabelecidos pelo Decreto-Lei nº 1.804/80.

Por fim, apresentaremos a conclusão, que será uma síntese de tudo que que fora apresentado no presente artigo.

 

  1. DO IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO

Entendemos o imposto de importação como um tributo extrafiscal, cuja função não é arrecadatória, mas sim controladora, sendo sua destinação mais marcante a proteção do mercado interno contra abusos ou vantagens que produtos estrangeiros possam ter em relação ao nosso país, garantindo, assim, a saúde econômica interna e igualdade de concorrência mercantil entre as nações.

Não obstante, o imposto em estudo apresenta algumas características que se destacam, v.g., a sua flutuabilidade, não necessidade de lei anterior para a sua aplicação e sua aplicação imediata, ou seja, não necessita respeitar o princípio nonagesimal, nem do próximo exercício.

Todos esses pontos serão apresentados no correr do presente artigo.

 

  1. Funções do imposto

O imposto apresenta-se em nosso ordenamento jurídico-tributário com a função fiscal e extrafiscal; quando demonstra caráter arrecadatório de recursos econômicos para as atividades do Estado, temos a função fiscal, quando ele age com o fito de estimular determinada ação por parte do cidadão ou desestimular uma ação, encontramos a sua função extrafiscal.

Conforme o ensinamento do pensador Machado (2007, p. 258), o Estado costuma intervir financeiramente em três formas: a) por participação, quando ele deseja desenvolver determinada atividade; b) por determinação, quando interfere em uma atividade ditando o que deve ou não ser feito; e c) por indução, quando estimula determinada atividade que considera saudável, ou o reverso, quando considera prejudicial.

Ainda nos valendo dos ensinamentos de Machado (2007, p. 262), os impostos são divididos em úteis e inúteis: […] será útil à medida que permitir que a referência a um imposto federal, proporcional, indireto, seletivo, não cumulativo, predominantemente extrafiscal, identifique perfeitamente o imposto sobre produtos industrializados, e assim dispense a descrição das características específicas desse imposto.”

Esses exemplos doutrinários, fazem-se importantes na medida que se percebe a necessidade da obediência à Lei. Não só porque a ela é obstáculo à violência do Estado, mas também porque proporciona bem-estar econômico.

A função primordial do imposto de importação é extrafiscal. Protegendo o parque industrial pátrio, mas pode significar atraso no desenvolvimento e prejudicar a livre concorrência quando, um ente de fiscalização começa a se valer de manobras ilícitas para auferir maior proteção ou mesmo, arrecadação, o imposto se torna prejudicial a ponto de ser necessária a discussão em via judicial.

  • Isenção

Entendemos por isenção a não obrigação de pagamento de tributo em razão de uma previsão legal que a assim determina, ou pela sua falta; decorrência direta do princípio da Legalidade e da Reserva Legal. Machado (2005, p. 580) nos ensina que a isenção é uma exceção “feita pela lei à norma de tributação”. Conceituar a isenção é tarefa árdua e complexa, não encontrando entendimento comum entre os grandes pensadores, Sabbag (2012, p. 891).

Conforme já apresentado, para que haja a cobrança do tributo deverá haver, necessariamente, uma lei anterior ao fato gerador, ou seja, a lei deverá primeiro ser aprovada e só depois toda a ação que por ela for prevista poderá ser tributada[2]. De forma idêntica, para que haja a isenção deve haver primeiramente a previsão legal específica, pois assim nos obriga a Constituição, no art. 150, § 6º, sendo assim, não poderia uma lei de caráter geral tutelar a existência de uma isenção tributária. Sabbag (2012, p. 899) diz que: com “efeito, se há tributos criados por lei complementar, serão isentos por idêntica lei complementar”.

Vale apontar que, o art. 151, III da CF/88, proíbe que a União crie isenções cuja matéria tributária não lhe é pertencente. Sabbag (2012, apud., p. 900) citando Amaro, ensina que: A União não pode invadir a competência dos demais entes políticos; para fazê-lo, necessitaria de expressa autorização constitucional. Os Estados, embora não estejam expressamente proibidos de dar isenção de tributos municipais, nem por isso podem fazê-lo” (Grifos nossos).

Quando um ente federativo extrapola sua competência tributária de legislar, temos a chamadas isenções heterônomas.

Quando autores apontam que institutos como a isenção deve obedecer à Legalidade e Reserva Legal, estão apontando à necessidade de seguir os comandos preestabelecidos em todo nosso ordenamento jurídico para se evitar abusos do soberano, e consequentemente, garantir a ordem social e econômica.

  • PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA E RESERVA LEGAL

Entendemos a Legalidade como sendo um comando abstrato que passara pelo processo legislativo, com a devida aprovação, que gera ao contribuinte um dever de agir ou não agir em relação a um particular ou em relação ao fisco.

De forma similar, Moraes (2015, p. 42) ensina que, para que haja a cobrança de qualquer conduta, deve ser claro o comando normativo, que também deverá passar pelo devido processo legislativo constitucional.

Nossa Constituição prevê, logo em seu art. 5º, II, que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo, senão em virtude de Lei. Essa é a forma pela qual o princípio da Legalidade se apresenta no meio jurídico. Quer dizer isso que, a Constituição colocara a Legalidade como requisito a ser seguido; um princípio que visa garantir não só efeitos jurídicos, mas também a dignidade humana, vez que a legalidade se apresenta como uma das barreiras contra o absolutismo do soberano. Nesse sentido o mestre Silva (2000, p. 423) ensina que: o princípio da legalidade é nota essencial do Estado Democrático de Direito. É, também, por conseguinte, um princípio basilar do Estado Democrático de Direito […], porquanto é da essência do seu conceito subordinar-se à Constituição e fundar-se na legalidade democrática. Sujeita-se ao império da lei, mas da lei que realize o princípio da igualdade e da justiça não pela sua generalidade, mas pela busca de igualização das condições dos socialmente desiguais. Toda sua atividade fica sujeita à lei, entendida como expressão da vontade geral, que só se materializa num regime de divisão de poderes em que ela seja o ato formalmente criado pelos órgãos de representação popular, de acordo com o processo legislativo estabelecido na Constituição. É nesse sentido que se deve entender a assertiva de que o Estado, ou o Poder Público, ou os administradores não podem exigir qualquer ação, nem impor qualquer abstenção, nem mandar tampouco proibir nada aos administrados, senão em virtude de lei.”

Consequentemente ao que se percebe no art. 5º, II da CF/88, a legalidade tributária apresenta uma forma mais detalhada no art. 150, I da Carta Magna, onde estabelece: sem prejuízo ao direitos já previstos, ao Estado é vedado “I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”, e ainda no inciso IV: “utilizar tributo com efeito de confisco” (por se tratar de algo estrutural, nossa atual Carta Maior, manteve o que já fora previsto na Constituição de 1891, art. 72, §§1º e 30[3]).

Ora, o comando Constitucional é claro. É a Lei que deve regular a tributação sobre o contribuinte, e não portaria ou similar. Já que encontramos expresso o comando a ser seguido. Desta forma, os ensinamentos do ilustre Ministro Marcos Campbell Marques no Resp. 1522580 no STJ, Data: 17/04/2015: Impende obtemperar que a isenção está submetida, de forma restrita, ao princípio da legalidade, não permitindo sua mitigação. Desta Forma, está nítida a ilegalidade do ato da administração fazendária em diminuir o valor da isenção mediante Portaria. Com efeito, um dos fundamento do acórdão recorrido foi a impossibilidade de diminuição do valor da isenção via Portaria em razão da necessidade de lei específica para tanto, nos termos do art. 150, § 6º, da Constituição Federal de 1988.

É notório que, em meio a um crescente fluxo, o Estado brasileiro busque arrecadar mais e proteger o mercado interno de produtos estrangeiros, vez que, além de nossas fronteiras, vários países praticam uma política econômica voltado ao consumo, o que faz com que os produtos sejam menos taxados e, por conseguinte, o produto final seja mais barato. O que não ocorre no Brasil, onde os produtos são taxados a todo momento, o que gera um acréscimo no valor final do bem.

Corolário ao supracitado, assim como o Ministro Marcos Campbell que entende que a legalidade deve ser respeitada na hora da taxação, entendemos que a não observância de tal dogma estrutural, demonstra um certo conformismo tributário, vez que, ao invés de atualizar nossa política tributária a fim de nos tornamos competidores frente a outros países, prefere-se usufruir de uma conduta ilegal, quer seja, a cobrança de tributo por intermédio de portaria, quando se devia observar a Lei vigente.

Nosso Código tributário Nacional, no art. 20, I, já nos apresentara a necessidade de uma Lei específica para a cobrança de alíquota, apesar de revogado pelo Decreto nº 1.355/94.  No Decreto-Lei nº 1.804/80, em seu art. 2º, II estabelece, expressamente que: produtos de até cem dólares comerciais, cujo o remetente seja pessoa fica ou jurídica, não serão tributados. Em contrapartida, a portaria nº 156/99, no seu art. 1º, § 2º, estabelece que o limite para a isenção é de até cinquenta dólares comerciais.

Já o princípio da reserva legal denota o respeito que se deve ter ao texto escrito, isto é, matérias aos quais nossa Carta magna estabeleceu que somente poderiam ser tratados mediante lei formal, ou ainda, matéria reservada pela Constituição, à lei. É o que se percebe no art. 150, ins. I CF/88, que assevera a necessidade de lei para instituir novos tributos, ou seja, há uma hierarquia a ser respeitada.

  • Pirâmide de Kelsen

Deve-se observar a hierarquia normativa, onde a Constituição está no topo e portarias abaixo e no meio, a Lei[4].

De forma mais aprofundada, temos, que para Kelsen todo o Direito é o conjunto de normas jurídicas fundamentadas em uma norma fundamental que valida todo o sistema jurídico; essa norma fundamental é a Constituição. No entanto, ele propõe que a norma fundamental que legitima a Constituição é uma constituição essencial anterior e de um momento histórico qualquer, que por sua qualidade[5], conseguira alcançar certo equilíbrio comum social, mas que não se confunde com uma constituição necessariamente escrita, pois a norma fundamental relaciona-se com uma revolução de ideias. Nas palavras de Kelsen (2007, p. 97): Se se indagar, porém, sobre o fundamento da validade da Constituição, sobre a qual repousam todas as leis e os fundamentos de todas as leis e atos jurídicos, talvez se chegue a uma Constituição mais antiga e assim a uma historicamente primeira, promulgada por um único usurpador ou por um colégio formado de algum modo. E aqui, o que o primeiro órgão histórico da Constituição estabeleceu como sua vontade, com validade de norma, é a instituição básica de todo o conhecimento que extingue o ordenamento jurídico que repousa nessa Constituição.

Em decorrência desse entendimento baseado em uma cadeia de legitimação, surgi a ideia de pirâmide.

Em nossa Constituição atual, é perceptível a recepção de tal teoria, onde, v.g., no art. 59 (e seguintes) é possível visualizar uma hierarquia entre normas, quer sejam, em maior grau a Emenda à Constituição, seguidas pela Lei Complementar, Lei Ordinária, Lei Delegada, Medida Provisória, Decreto Legislativo, Resolução.

Desta forma a Constituição apresenta-se como sendo a maior fonte normativa, que por consequência, tem nos ideais do povo (art. 1º, § único CF/88) a sua legitimação.

  • Portaria nº 156/99

A Receita Federal, por sua vez não entende que haja uma violação a hierarquia de normas. Para ela, o Decreto-Lei nº 1.804/80 a autoriza estabelecer novos valores para a isenção de produtos importados por intermédio de portaria, vez que o art. 2º do referido comando expõe certa discricionariedade para estabelecer alíquotas: O Ministério da Fazenda, relativamente ao regime de que trata o art. 1º deste Decreto-Lei, estabelecerá a classificação genérica e fixará as alíquotas especiais a que se refere o § 2º do artigo 1º, bem como poderá: II- dispor sobre a isenção do imposto de importação dos bens contidos em remessas de valor até cem dólares norte-americanos, ou o equivalente em outras moedas, quando destinados a pessoas físicas”.

Quando a portaria nº 156/99 diz que para a isenção nos produtos de importados deverá haver, necessariamente, um remetente e um destinatário como pessoas físicas, ela infringiu a legalidade; o que torna impraticável a cobrança dos cinquenta dólares como limite para a isenção, já que o Decreto Lei nº 1.804/80 diz que: basta o destinatário ser pessoa física, para fazer jus aos limites da isenção, o que na pratica torna legalmente possível, apenas o valor de até cem dólares para a incidência da isenção, já que a portaria se torna ilegal.

Conforme o entendimento do Tribunal Regional Federal da Quarta Região, 5026178-05.2017.4.04.7000, SEGUNDA TURMA, Relator SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, juntado aos autos em 18/04/2018: TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO. ISENÇÃO. REMESSA POSTAL. DECRETO-LEI N.º 1.804/1980. PORTARIA MF N.º 156/99 E IN SRF N.º 96/99. ILEGALIDADE. 1.Conforme disposto no Decreto-Lei nº 1.804/80, art. 2º, II, as remessas de até cem dólares, quando destinadas a pessoas físicas, são isentas do Imposto de Importação. 2.A Portaria MF 156/99 e a IN 096/99, ao exigir que o remetente e o destinatário sejam pessoas físicas, restringiram o disposto no Decreto-Lei nº 1.804/80. 3.Não pode a autoridade administrativa, por intermédio de ato administrativo, ainda que normativo (portaria), extrapolar os limites claramente estabelecidos em lei, pois está vinculada ao princípio da legalidade”.

A Receita, corriqueiramente se defende apontando principalmente para o texto do Decreto-Lei nº 1.804/80, que não é no todo errado, porém como já dito, portaria não é instrumento apropriado para modificar comando legal.

Vale frisar que, para nós, a aplicação da isenção nos termos da portaria nº 156/99 só se torna impraticável pelo motivo de que ela modifica o preceito legal, de modo que qualquer ato reflexo dessa ilegalidade não deverá prosperar. Apesar de reconhecermos como válido, porém, não correto, o argumento apresentado no sentido de que: o Decreto-Lei nº 1.804/80 possibilitou ao fisco a liberdade de flutuar o valor da isenção (pois fazendo uma analogia à teoria da árvore envenenada, se um ato não deveria existir, todos aqueles que se subseguem também não poderão existir).

A consequência deste tipo de ilegalidade é a inconstitucionalidade da portaria. Isto porque há expressa previsão constitucional no sentido de que para a criação de tributo deverá haver, necessariamente, uma Lei.[6]

Como se pode notar, o comando legal não se tornou cristalino o suficiente para afastar qualquer margem de dúvidas para os limites da discricionariedade do fisco na elaboração de portarias, o que nos leva aos entendimentos de nossos magistrados. De modo que hoje toda a cobrança de impostos, baseado na referida portaria, se torna impraticável, pois o ato já nascera ilegal, o que acarretara na obrigatoriedade de ressarcimento ao contribuinte do valor pago.

  • A relação com o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio – GATT

Trata-se de alíquotas ad valorem, ou seja, valor em percentagem que incide sobre o valor que o produto alcançaria em situação de livre concorrência, conforme estabelece o art. VII, alínea “b” do GATT (Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, que visa regulamentar a relação de importação e exportação entre países, cuja a data é de 30 de Outubro de 1947, ao qual o Estado Brasileiro é signatário).

Apesar de no campo teórico ser um comando perfeito, na vida prática não é tão efetivo quanto poderia ser, isso porque  não tem como o fiscal saber, ao certo, qual o valor do produto em situação de livre concorrência, vez que o mercado de consumo é flutuante, com um produto valendo pouco hoje, mas amanhã poderá valer muito, ou mesmo a decisão do vendedor em vender o produto por um valor alto, mesmo que não o fosse o valor praticado com frequência no mercado, ou baixo (se valendo do renome da marca de sua empresa no mercado de consumo), de forma que sem critérios objetivos, previstos em Lei, cria-se margem para abusos.

Sabbag (2012, p. 1116) nos ensina que, o Poder Executivo poderá variar o valor da alíquota de acordo com seus interesses, porém, tais mudanças estão limitadas à Lei, ou seja, está presa à Legalidade em sentido lato.

Mesmo que não necessite de norma anterior para que seus valores sejam alterados, em razão da não obediência a anterioridade e nonagesimal. Isso quer dizer que uma vez dentro do limite legal previsto, os valores poderão variar sem o respeito à Legalidade, no entanto, não se pode extrapolar o quantitativo.

Ocorre que por força do princípio da Legalidade, nenhuma portaria poderia vir a modificar o comando expresso de uma Lei e estabelecer novos referenciais não autorizados. A consequência é que, todo ato derivado da ilegalidade tributária deverá ser ou ressarcido ou não cobrado, pois é o princípio da Legalidade reinante em nosso ordenamento.

Nesse sentido, nos parece que há a existência de certo protecionismo indireto, já que a cobrança está sendo feita de forma não prevista em Lei, tão pouco favorece a importação de bens de consumo por pessoas físicas, o que denota uma certa violão ao GATT, pois como estabelece o citado acordo, não é permitido a cobrança de taxas a fim de proteger o mercado nacional, sendo lícito apenas ao valor aproximado do custo[7]. Com proteção, significa, dificultar a entrada de produtos estrangeiros deixando-os em relação de desigualdade com os nacionais. Apesar que, é sabido que uma das funções de impostos de importações é evitar o Dumping, que é a entrada em excesso de produtos alienígenas no território com preços muito baixos.

De acordo com Thorstensen[8], aqueles que defendem a proteção às leis trabalhistas alegam que a sua violação geraria uma competição desleal; apesar de ser reconhecido que, para alguns países, a mão de obra é fator importante para o seu destaque comercial (de forma que mesmo que não seja algo pacífico no cenário mundial, aqueles que praticam a produção respeitando leis trabalhistas primordiais são vistos com bons olhos), e desta forma, retirando a possibilidade de concorrência dos produtos nacionais. Mas não é o que ocorre no Brasil acerca da aplicação da portaria nº 156/99.

Corolário, o GATT foi amplamente discutido acerca da proteção que os países poderiam se valer. Velloso[9] nos ensina que eram, em sua maioria, países em desenvolvimento que desejavam se proteger do comércio de países desenvolvidos, e apesar do protecionismo ter sido amplamente combatido pelo Estados Unidos, ele acabara sendo vencido[10], porém, o acordo firmou a possibilidade de proteção apenas quando a economia nacional estiver envolvida.

Vale apontar que, a pratica aduaneira não encontra respaldo no GATT, vez que ela viola seu ordenamento, isto é, não se fundamenta na defesa da economia nacional, mas tão somente em uma interpretação do Decreto-Lei nº1.804/80 de forma que inúmeras decisões apontam à não possibilidade da aplicação da portaria nº 156/99.

Nesse sentido, o Tribunal Federal da 4ª Região, Processo: APELREEX 6870 RS 2005.71.00.006870-8, Órgão Julgador: Primeira Turma, Publicação: D.E. 04/05/2010 Julgamento: 14 de abril de 2010, Relator: Álvaro Eduardo Junqueira: Ementa. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE IMPORTACAO. ISENÇÃO. REMESSA POSTAL. PORTARIA MF Nº 156/99 e IN SRF 96/99. ILEGALIDADE. 1. Conforme disposto no Decreto-Lei nº 1.804/80, art. 2º, II, as remessas de até cem dólares, quando destinadas a pessoas físicas, são isentas do Imposto de Importação. 2. A Portaria MF 156/99 e a IN 096/99, ao exigir que o remetente e o destinatário sejam pessoas físicas, restringiram o disposto no Decreto-Lei nº 1.804/80. 3. Não pode a autoridade administrativa, por intermédio de ato administrativo, ainda que normativo (portaria), extrapolar os limites claramente estabelecidos em lei, pois está vinculada ao princípio da legalidade”.

Novamente apontamos para a questão da cobrança da remessa postal, que, de acordo com o fisco, deve ser cobrado como se fosse tributo, fato esse já bordado, vide nota de roda pé nº 9, e que é amplamente combatido, pois trata-se de matéria consumerista e não tributária.

 

Conclusão

Com o advento de novas tecnologias, tal qual a internet, as pessoas começam a adquirir produtos dos mais variados países. Trata-se de um fenômeno mundial, que induz os países com grande fluxo de mercadorias, assim como o Brasil, a celebrarem acordos internacionais, tal qual o correu com o GATT (cujo assinantes em sua maioria são países em desenvolvimento) que estabelece aos países membros que não poderão dificultar a entra de produtos em seus territórios, salvo para garantir a segurança econômica nacional. Esse entendimento não foi pactuado pelo Estados Unidos, vez que para ele, quanto menos entraves ao seu comércio, melhor.

Em nosso ordenamento, esse tratado gerou o atual entendimento para cobrança de imposto de importação, no entanto, uma prática diária aduaneira é motivo de insatisfação do contribuinte, quer seja, o não respeito ao comando expresso em Lei.

Sob o fundamento que o Decreto-Lei nº 1.804/80, em seu art. 2º possibilitara a flutuação da base de cálculo, a Receita Federal edita a portaria nº 156/99, e estabelece um novo critério, quer seja, a necessidade do remetente ser pessoa física, para seja possível a aplicação da isenção do produto importado.

É certo que a Administração poderá flutuar a alíquota sem a necessidade de lei, no entanto, ela deverá se limitar aos valores legais, isso porque é a lei que cria ou modifica tributos em nosso país e não portarias.  Em outras palavras, a Lei cria limites abstratos que permitiram à Administração flutuar para mais ou para menos, dentro desses limites.

Desta forma, a prática da Receita de cobrar o imposto (mesmo após sentenças apontando para a ilegalidade), aponta que para o nosso fisco, a legalidade, os valores constitucionais e a confiança do contribuinte no sistema tributário, são todos menos importantes que a necessidade de arrecadar e proteger o mercado interno dos produtos estrangeiros, que costumam ser mais baratos que os nacionais, devido as baixas tributações a que são expostos na fabricação e comercialização dos produtos em seus países de origem.

Assim, após visualizarmos o GATT onde o Estado brasileiro é signatário, bem como o princípio da legalidade e reserva legal, concluímos que o melhor entendimento é aquele que estabelece a portaria 156/99 como sendo ilegal, vez que ela não é competente para modificar Lei, e por consequência, majorar o tributo; atingido diretamente a concessão da isenção aos produtos importados por pessoas físicas.

 

REFERÊNCIAS

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[1] Machado (2007, p. 611) fundamenta que a relação entre o fisco e o contribuinte é baseada, também, na confiança existente ao respeito à Lei, uma relação que permeia o sentimento contratual. Desta forma, a credibilidade para os atos de compra do consumidor é semelhante ao do contribuinte no momento de importar algo.

[2] Sempre obedecendo aos Princípios Gerais do Direito e nossa Carta Maior.

[3] Art. 72. A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros, residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade  nos termos seguintes:

  • 1º Ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma cousa, senão em virtude de lei.
  • 30. Nenhum imposto de qualquer natureza poderá ser cobrado senão em virtude de uma lei que o autorize.

[4] Forma simplificada, para que mantenhamos o foco no tema nuclear, visto que se fossemos desmembrar este assunto, não só sairíamos do objetivo deste artigo, como também nos estenderíamos demasiadamente.

[5] Com qualidade, quero dizer que, uma perfeição que foge do comum, de modo que fora alcançada um equilíbrio natural humano do senso de ordem.

[6] Para mantermos o intuito deste trabalho não falaremos com profundidade das espécies de controle constitucionais que acreditamos relacionados ao tema (pois esse tema é extenso), no entanto, com determinada frequência o Poder Judiciário vem realizando o controle difuso, pois ainda não há a pacificação do tema por intermédio do controle concentrado (este exercido pelo STF, que declara uma norma inconstitucional, gerando efeito erga omnes, ou seja, para todos, para todo o território nacional); o controle difuso é realizado por qualquer juiz, com efeitos restritos à ação judicial, ou seja, a declaração de inconstitucionalidade só gera efeitos para quem está litigando em juízo, não se aplicando aos demais membros da sociedade, tão pouco faz com a norma deixe de ser aplicada.

[7] Como prática corriqueira, para que um produto seja liberado para a entrega, deve-se pagar o imposto, ocorre pois, que para fins de cálculos do tributo, é usado: o valor do despacho aduaneiro, somado ao valor do bem que é somado ao frete (DESPACHO ADUANEIRO + VALOR DO BEM + FRETE); porém o STJ, já se pronunciou no sentido de que, o despacho aduaneiro, não deve ser usado como taxa,  vez que isso violaria o Código de Defesa do Consumido, em seu art. 30, e desta forma deve-se ter no despacho uma visão consumidora, ao invés de tributária, bem como é uma clara afronta à legalidade tributária, pois para que haja a cobrança de tributo necessita-se de lei estabelecendo de forma explicita a sua função. Desta forma, temos que a base de cálculo para a alíquota também está equivocada, pois além do valor máximo da exportação ser inferior ao legal, usa-se valores extras para que seja dificultado a concessão da isenção, (conforme a decisão STJ, REsp 1522580, RELATOR : MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES).

[8] Assessora econômica da Missão do Brasil em Genebra.

[9] Advogado, Pós-graduado em Direito Penal Econômico Internacional, pelo Instituto de Direito Penal Econômico e Europeu da Universidade de Coimbra, Portugal, e cursando MBA em Economia e Direito do Sistema Internacional, pela Universidade de São Paulo – USP

[10] Mas não chegou a assinar o acordo.

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