A Anulação ou Invalidação dos atos administrativos

1. Introdução[1]

É a declaração de invalidade de um ato administrativo ilegítimo ou ilegal, feita pela própria Administração ou pelo Poder Judiciário.

Baseia-se, portanto, em razões de ilegitimidade ou ilegalidade.

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Desde que a Administração reconheça que praticou um ato contrário ao direito vigente, cumpre-lhe anulá-lo o quanto antes, para restabelecer a legalidade administrativa.

Como a desconformidade com a lei atinge o ato em sua própria origem, a anulação produz efeitos retroativos à data em que foi emitido (efeitos ex tunc, ou seja, a partir do momento de sua edição).[2]

A anulação pode ser feita tanto pelo Poder Judiciário, como pela Administração Pública[3], com base no seu poder de autotutela sobre os próprios atos, de acordo com entendimento já consagrado pelo Supremo Tribunal Federal por meio das Súmulas transcritas a seguir:

Súmula 346: “A Administração Pública pode anular seus próprios atos”.

Súmula 473: “A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos, ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”.

Para ser feita pelo Poder Judiciário, a anulação depende de provocação do interessado – tendo em vista que a atuação do Poder Judiciário, diferentemente do que ocorre com a atuação administrativa, pauta-se pelo Princípio da Demandainiciativa da parte -, que pode utilizar-se quer das ações ordinárias, quer dos remédios constitucionais de controle da administração (mandado de segurança, ação popular etc.).

O conceito de ilegalidade ou ilegitimidade, para fins de anulação do ato administrativo, não se restringe somente à violação frontal da lei.

Pois abrange não só a clara e direta infringência do texto legal, como também o abuso, por excesso ou desvio de poder, ou por negação aos princípios gerais do direito.

O ato nulo não vincula as partes, mas pode produzir efeitos válidos em relação a terceiros de boa-fé.

Somente os efeitos, que atingem terceiros, é que devem ser respeitados pela administração.

Torna-se mais fácil entendermos os motivos pelos quais os atos administrativos viciados devem ser anulados quando percebemos que tais vícios sempre atingirão um dos requisitos de validade dos ditos atos.  Como sabemos, esses requisitos são a competência ou sujeito, a finalidade, a forma, o motivo ou causa e o objeto ou conteúdo.

Portanto, violado um desses requisitos, impõe-se a decretação da nulidade do ato.[4]

Mas quando saber quando foi violado um desses requisitos?

Nesse particular, socorre-nos a Lei da Ação Popular (Lei 4.717 de 29/06/65), que em seu artigo segundo, ao tratar dos atos lesivos ao patrimônio público, enumera as hipóteses em que ficam caracterizados os vícios que podem atingir os atos administrativos, verbis:

“Art. 2º (…)”.

a)incompetência

a)Vício de forma

b)Ilegalidade do objeto

c) Inexistência dos motivos

d)Desvio de finalidade

Parágrafo único.  Para a conceituação dos casos de nulidade observar-se-ão as seguintes normas:

a) a incompetência fica caracterizada quando o ato não se incluir nas atribuições legais do agente que o praticou;[5]

b) o vício de forma consiste na omissão ou na observância incompleta ou irregular de formalidades indispensáveis à existência ou seriedade do ato[6];

c) a ilegalidade do objeto ocorre quando o resultado do ato importa em violação de lei, regulamento ou outro ato normativo[7];

d) a inexistência dos motivos se verifica quando a matéria de fato ou direito, em que se fundamentou o ato, é materialmente inexistente ou juridicamente inadequada ao resultado obtido;

e) o desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência[8].

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2. A controvérsia doutrinária a cerca da Invalidação dos Atos Administrativos

O tratamento da questão relativa à invalidação (anulação) dos atos administrativos baseia-se, normalmente, nos clássicos ensinamentos de Hely L. Meirellles e corresponde a corrente tradicional sobre o tema, razão pela qual a mantivemos aqui, inicialmente.

Todavia, modernamente, muito se discute sobre esse posicionamento, razão pela qual, se faz necessário um maior aprofundamento sobre o tema da nulidade dos atos administrativos, quer pelas mudanças nos paradigmas informadores do Direito Administrativo, decorrentes mesmo da evolução dessa cadeira jurídica, quer pela própria necessidade de adequar-se os postulados básicos do direito público à nova realidade constitucional e legal atual.

3. A Teoria das Nulidades

A questão das nulidades no Direito é um dos temas mais tortuosos enfrentados pelos juristas e doutrinadores.

Se mesmo no Direito Civil[9] ainda provoca polêmicas, de pode imaginar seus efeitos no Direito Administrativo. Bem oportuna é a lição de Seabra Fagundes, lembrado por Carvalho Filho, que asseverou “a deficiência e a falta de sistematização dos textos de Direito Administrativo embaraçam a construção da teoria das nulidades dos atos da Administração Pública”.

As nulidades no direito comum tradicionalmente obedecem a um sistema dicotômico, no qual, dependendo da intensidade do vício que atinja o ato jurídico, dependendo do tipo de interesse violado – o interesse público, ou o interesse privado-, maculado pelo vício, a lei o fulmina com a pecha da nulidade ou da anulabilidade, ambas figurando no novo Código Civil, art. 166 e 171, respectivamente (Art. 145 e 147 do Código de 1916).

Como salienta Celso Antônio Bandeira de Mello, “a ordem normativa pode repelir com intensidade variável atos praticados em desobediência às disposições jurídicas, estabelecendo destarte uma gradação no repúdio a eles”.

No Direito Civil, são duas as diferenças básicas entre a nulidade e a anulabilidade[10]. A primeira é que a nulidade não admite a convalidação, ao passo que na anulabilidade ela é possível. A segunda é que a nulidade pode ser decretada pelo juiz ex officio (sem provocação da parte interessada), ou ainda mediante provocação pela parte ou pelo Ministério Público; enquanto que no caso da anulabilidade, esta só pode ser apreciada mediante provocação da(s) parte(s) interessada(s).

A possibilidade de adaptar-se a teoria das nulidades civilistas ao Direito Administrativo provocou enorme cisão na doutrina, a ponto de dividi-la em dois pólos antagônicos: os monistas e os dualistas.

Para os monistas, é inaplicável ao Direito Administrativo a dicotomia das nulidades do Direito Civil. Para estes autores, o ato administrativo será nulo ou válido (esta posição e defendida principalmente por Hely L. Meirelles[11], Diógenes Gasparini, Sérgio Ferraz etc).

Já para os dualistas, os atos administrativos podem ser nulos ou anuláveis, de acordo com a maior ou menor gravidade do vício.

Para estes, é possível que o Direito Administrativo admita a existência da dicotomia entre nulidade e anulabilidade, inclusive, neste último caso, com o efeito da convalidação de atos defeituosos (posição defendida principalmente por Celso A. Bandeira de Mello, Cretella Júnior, Lucia Valle Figueiredo e Silvia Di Pietro)[12].

A diferença predominante entre nulidade e anulabilidade em Direito Administrativo, baseia-se, quase que exclusivamente, na possibilidade de convalidação. Logo, no ato absolutamente nulo, impossível é a sua convalidação, enquanto que nos atos anuláveis é possível que os mesmos sejam saneados pela Administração.

Esta é a posição defendida por Celso A. B. de Mello, para quem, “nulos são os atos que não podem ser convalidados, entrando nessa categoria: os atos que a lei assim o declare; os atos em que é materialmente impossível a convalidação, pois se o mesmo conteúdo fosse novamente produzido, seria reproduzida a invalidade anterior (é o que ocorre com os vícios relativos ao objeto, à finalidade, ao motivo, à causa); seriam anuláveis os que a lei assim declare; os que podem ser praticados sem vício (é o caso dos praticados por sujeito incompetente, com vício de vontade, com defeito de formalidade)”.

Di Pietro completa o raciocínio lembrando que as hipóteses de nulidade e anulabilidade do direito civil é que não podem ser inteiramente transpostas para o direito administrativo, face às peculiaridades desta cadeira publicista. A necessidade de manifestação do interessado, exigida na anulabilidade civil, carece de aplicação no campo administrativista, em virtude da autotutela administrativa; já a possibilidade ou não da convalidação é possível ser transposta, residindo, ai mesmo, a diferença entre a nulidade e a anulabilidade.

Com o advento da lei federal nº 9.784/99 foi positivada a teoria dualista, já que a referida lei admite expressamente a possibilidade de convalidação dos atos administrativos que apresentarem defeitos sanáveis, pelo que se faz imperioso, hodiernamente, a aceitação de atos administrativos anuláveis[13].

Por último, uma outra questão controvertida, é a de saber se há prazo para a Administração anular seus atos.

O art. 54 da lei nº 9.784/99 prescreve que “o direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai[14] em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé”.

Logo, é de se afirmar que a despeito de todas as inúmeras controvérsias doutrinárias, a lei acima referida, estabelece o prazo qüinqüenal para a administração anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários, ressalvada a má-fé. Findo tal prazo, o ato não mais poderá ser anulado, ocorrendo, via de conseqüência, a convalidação tácita.[15]

Ressalte-se, todavia, que o prazo qüinqüenal acima mencionado só pode referir-se, por ilação lógico-jurídica, e interpretação sistemática da legislação vigente, aos atos anuláveis, e não aos nulos. Os atos nulos, portadores de vícios insanáveis, ou expressamente declarados nulos por disposição expressa de lei podem ser invalidados a qualquer tempo.

É que não se pode admitir que a nulidade visceral, deletéria do interesse público e violadora de expressa determinação legal, tenha a sua declaração de nulidade sujeita a prazo.

É correto que se sujeite a prazo a ação anulatória, mas não a ação de declaração de nulidade. Não é por outra razão que o art. 54, acima transcrito menciona que o prazo qüinqüenal é de natureza decadencial. Sabe-se que os prazos de natureza decadencial ligam-se intimamente ao exercício dos chamados direitos potestativos. Ora, o direito da administração de anular atos administrativos que produzam efeitos favoráveis aos destinatários é típico exemplo de direito potestativo, os quais devem ter prazo fixado para o seu exercício, para que não se sujeite aquele a quem o ato beneficie a eterna possibilidade de intervenção em sua esfera jurídica pela simples manifestação de vontade da administração.

Por outro lado, o princípio da segurança jurídica impede a perpetuação de controvérsias e privilegia a sedimentação das relações jurídicas. Por tal razão, mesmo antes do advento da lei nº 9.784/99 já se defendia, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, a existência de um prazo razoável para se proceder à anulação dos atos administrativos de que decorressem efeitos favoráveis para os administrados, ficando, caso a caso, sujeito ao prudente arbítrio do julgador ou do aplicador do direito a fixação de um prazo tido como razoável. O mérito inegável da lei nº 9.784/99 foi uniformizar esse prazo, estabelecendo-o como regra imperativa e uniforme para a administração federal. Ressalte-se que o reconhecimento da existência do sub-princípio da segurança jurídica como princípio constitucional é o que torna possível a existência do próprio art. 54 da lei nº 9.784/99, pois caso contrário, seria ele mesmo violador do princípio da legalidade.

Logo, tratando-se de ato anulável, deve a administração anulá-lo ou convalidá-lo expressamente dentro do prazo decadencial de cinco anos, sob pena de depois de exaurido este prazo, o ato tornar-se convalidado tacitamente, e, portanto, intocável, por decaído o direito de decretar-lhe a anulação.

Já no que se refere à declaração de nulidade, não se pode aceitar que haja prazo para fazê-lo. O que se pode considerar é que os atos administrativos viciados que não se encontrem sob o manto do art. 54, caput, da Lei Federal n. 9.784/99, possam ser administrativamente invalidados a qualquer tempo[16], desde que os terceiros de boa-fé prejudicados tenham seus possíveis prejuízos ressarcidos, e, especialmente, que a má-fé do beneficiário seja comprovada[17].

Como se poderia entender que a nomeação de servidor público para cargo efetivo sem o atendimento a exigência de prévia aprovação em concurso público esteja sujeita a prazo, diante de sua visceral nulidade e da expressa determinação contida no parágrafo segundo da Constituição que expressamente o declara nulo? O que se pode aceitar é a convalidação dos atos praticados por tal servidor que atinjam terceiros de boa-fé, como antes já foi dito, mas jamais que a nomeação em si tornou-se inatacável pela decadência. O mesmo ocorreria com a expressa determinação de nulidade dos atos mencionados no art. 21 da lei complementar nº 1001/00.

Há que se distinguir, portanto, a anulação, sujeita ao prazo decadencial de cinco anos, previsto no art. 54 da lei nº 9.784/99, da declaração de nulidade, que pode ser feita a qualquer tempo, justamente por se tratar de mera declaração, que como tal, não se sujeita a prazo.[18][19]

Por outro lado, fica patente pela análise integral do art. 54, que o mesmo visou estabilizar, principalmente, os atos que produzam efeitos patrimoniais, numa preocupação legítima e justificável, de poupar os administrados dos terríveis efeitos decorrentes da devolução de quantias, ou da supressão de vantagens pecuniárias já incorporadas ao seu patrimônio, em flagrante violação a cláusula da estabilidade financeira.[20][21]

Ressalte-se que para se proceder à invalidação de ato administrativo que afete esfera jurídica de terceiros, deve a administração instaurar o devido processo administrativo, para que se garanta os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório.

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3. Conclusão

Por tudo que se expôs anteriormente, conclui-se que atualmente, em virtude da necessidade de conciliar-se a legalidade e a segurança jurídica, ambos princípios com assento constitucional, necessário se faz a aceitação da dualidade – nulidade e anulabilidade, também no Direito Público.

Conclui-se também, que apenas a anulação, que pressupõe ato eivado de nulidade relativa, está sujeita ao prazo decadencial de cinco anos previsto na Lei nº 9.784/99, desde que presente a boa-fé. A declaração de nulidade, reconhecimento jurídico que se faz a cerca da existência de nulidade visceral e absoluta, não se sujeita a prazo, em face de própria natureza da atividade meramente declaratória, devendo a autoridade administrativa ou judiciária, caso a caso, verificar se conferirá efeitos ex tunc ou ex nunc ao conteúdo desconstitutivo de tal declaração, tendo em vista razões de segurança jurídica, analogicamente ao que se faz no Supremo Tribunal Federal quando da declaração de inconstitucionalidade de lei, em sede de controle concentrado, autorizado que está, expressamente, pela lei especial que trata do rito desses processos objetivos.

 

Notas:
[1] Não se deve esquecer que devido à presunção de legalidade que opera em favor dos atos administrativos, mesmo o ato viciado pode ser executado, sendo, pois, exigível, até que sua invalidade seja declarada, e o mesmo retirado do mundo jurídico, por decisão administrativa ou judicial. O ato nulo é eficaz enquanto não se proclama a nulidade, daí advindo os inúmeros problemas que esta anomalia jurídica causa no ordenamento e no mundo dos fatos, exigindo cada vez mais, criativas e inovadoras soluções para se preservar a lisura e coerência do ordenamento, e, ao mesmo tempo, preservar a segurança jurídica.
[2] É complexa a questão da produção e do desfazimento dos efeitos de atos declaradamente nulos.A solene e costumeira declaração de que a nulidade opera efeitos retroativos – ex tunc, deve ser entendida em termos. É que em homenagem aos princípios da segurança jurídica e da boa-fé pode se fazer necessário a manutenção de alguns dos efeitos decorrentes de ato originariamente nulos, mediante espécie de convalidação tácita. É o que ocorre, por exemplo, com os atos praticados por agente público com vício de nulidade em sua investidura, cujos atos praticados que atingiram administrados de boa-fé devem ser mantidos.
Mesmo no Direito Civil, Washington de Barros Monteiro, mitigando, embora, o conceito clássico de que o nulo jamais produz efeito, assevera que a teoria das nulidades já começou a se complicar desde o nascedouro, no mesmo Direito Romano que a perfilhou, onde foi pouco a pouco suavizada pela atividade pretoriana. Também kelsen, refuta a idéia de que ato nulo não produz efeitos.
[3] Di Pietro, na obra já citada anteriormente, pg.227, lembra que vem se firmando o entendimento de que para a invalidação de ato administrativo que afete interesse de terceiros, necessário se faz a observância do contraditório, devido ao art. 5º, LV da CRFB, o que obrigaria a administração a instaurar processo administrativo e citar o interessado para manifestar-se. Cita a autora legislação paulista na qual está regra está positivada. De toda a sorte, no âmbito da legislação federal, a lei nº 9.784/90, exige, no art. 50, que a decisão que revogue ou anule ato administrativo tenha que ser obrigatoriamente motivada.
[4] Não é pacífico na doutrina o entendimento a cerca da vinculação ou discricionariedade da anulação. Di Pietro entende ser, de regra, obrigatória a invalidação. Apenas em casos excepcionais, quando o prejuízo decorrente da invalidação for maior que a manutenção da situação já configurada é que a Administração poderá deixar de fazê-lo. Este entendimento reflete muito bem o aparente dualismo que ora pode se instalar entre o Princípio da Legalidade e o Princípio da Supremacia do Interesse Público. Na verdade, a administração deve anular ou então, convalidar o ato administrativo, para a manutenção dos seus efeitos relativamente a terceiros. O que não se toleraria seria a manutenção indefinida de uma situação de ilegalidade.
[5] Di Pietro – pg.228-229- leciona que a competência sempre está definida em lei, por conseguinte, será ilegal o ato praticado por agente que não seja detentor das atribuições previstas em lei, como também o será quando o agente exorbita de suas atribuições legais. Prossegue a autora apontando que os principais vícios relativos à competência são a usurpação de função, o excesso de poder e a função de fato. A usurpação de função pública – crime previsto no art. 328 do Código Penal- ocorre quando o ato foi praticado por quem se quer tinha algum tipo de investidura em cargo público. O excesso de poder ocorre quando o agente, competente em tese para a prática do ato, excede os limites de sua competência, ou exaspera no uso de meios materiais para a execução do ato.Tal manifestação, juntamente com o chamado desvio de poder ou desvio de finalidade, constituem, no entendimento da referida autora, hipóteses de abuso de autoridade – uma das infrações previstas na lei nº 4.898/65.o exercício de função de fato seria aquele decorrente de agente irregularmente investido em cargo ou função pública, vale dizer, aquele que embora com investidura, apresenta vício na mesma.Com relação aos atos praticados por usurpador de função pública, os mesmos seriam inexistentes. Os praticados por agente de fato, seriam válidos(convalidados) quando houver uma aparência de legalidade e atingirem terceiros de boa-fé; ou nulos, quando manifesta e patente a incompetência. Lembra ainda a autora paulista as hipóteses de suspeição e impedimento, previstas no art. 18 e 20 da Lei nº 9.784/99, que acarretariam casos de incapacidade do agente. Entende a autora, que tais hipóteses, diferentemente do que ocorre no processo penal, são, aqui, casos de anulabilidade e não de nulidade.
[6] Quando a lei expressamente exigir determinada formalidade procedimental, ou determinar que determinado objetivo(finalidade) só possa ser alcançada por ato próprio ou específico, o desatendimento a tais exigências implicará em vício formal.Nestes casos, diz-se, como no Direito Civil, que a forma é essencial – requisito indispensável a validade do ato.
[7] Di Pietro acrescenta que além de lícito (não importar em violação de lei) o objeto deve ser possível (possibilidade jurídica e material), moralmente aceito e determinado.
[8] O desvio de finalidade ocorrerá tanto quando o agente praticar ato com fim que não atenda ao interesse público (finalidade em sentido amplo), como ocorre quando através de procedimento aparentemente legal e legítimo, se busca privilegiar e atender interesses de grupo ou pessoa determinada, como também ocorrerá quando o agente praticar o ato visando finalidade diversa daquela prevista especificamente para o ato, como ocorre quando se remove servidor com fito punitivo.No último caso, é mais fácil comprovar-se o desvio de finalidade, já no segundo, torna-se mais difícil, pois o ato se reveste de uma aparente legitimidade, e o desvio de finalidade encontra-se oculto. Di Pietro, citando Cretella Junior, aponta alguns indícios que podem levar a descoberta do vício: motivação insuficiente; motivação contraditória; irracionalidade do procedimento acompanhada pela edição do ato; a camuflagem dos fatos; a inadequação entre os motivos e os efeitos e o excesso de motivação.
[9] Observa-se também as mesmas dificuldades no Direito do Trabalho, quanto aos efeitos dos contratos de trabalho declarados nulos, e no direito processual civil, recebendo o tema, aqui e acolá tratamentos diferenciados, graças à influência, maior ou menor dos princípios gerais informadores de cada uma dessas disciplinas jurídicas.
[10] Alguns autores denominam as imperfeições dos atos jurídicos simplesmente de nulidade absoluta e nulidade relativa, correspondendo, respectivamente à nulidade e à anulabilidade, aqui mencionadas. Em outras classificações mais elaboradas, usadas principalmente no direito processual, se segue classificação um pouco diversa, onde se distingue: a) a nulidade absoluta: onde há violação à norma de ordem pública; b) nulidade relativa: onde o defeito do negócio jurídico macula norma imperativa, mas de ordem privada; c) anulabilidade: onde se viola norma meramente dispositiva, também de ordem privada.
[11] É clássica a posição de Lopes Meirelles, ao não admitir atos administrativos meramente anuláveis “pela impossibilidade de preponderar o interesse privado sobre os atos ilegais, ainda que assim o desejem as partes, porque a isto se opõe a exigência da legalidade administrativa”.
[12] Seabra Fagundes, citado por Di Pietro, entende ser possível aplicar-se a teoria das nulidades do direito civil ao direito administrativo: tais atos seriam nulos ou absolutamente inválidos quando violarem regras fundamentais atinentes à manifestação da vontade, ao motivo, à finalidade ou à forma, havidas de obediência indispensável pela sua natureza, pelo interesse público que as inspira ou por menção expressa da lei. Seriam anuláveis os que infringem regras atinentes aos cinco elementos do ato administrativo, mas em face de razões concretamente consideradas, se tem como mais bem atendido o interesse público pela sua parcial validez”.
[13] Referimo-nos ao art. 55 da Lei nº 9.974/99. De fato, se a norma legal admite a existência de atos administrativos com defeitos sanáveis, possibilitando, para os mesmos, a convalidação, é porque fez distinção entre vício sanável – que gera anulabilidade, e vícios insanáveis – que geram as nulidades. Logo, diante de um vício sanável, dispõe a administração da faculdade de saná-lo, convalidando-o, ou de desfazê-lo, por anulação. Todavia, diante do ato nulo, impõe-se apenas o dever de declarar-lhe a nulidade, visto serem impassíveis de convalidação, mesmo que tácita.
[14] “Quanto ao aspecto doutrinário, os institutos da decadência e da prescrição distinguem-se, precipuamente, em razão dos direitos sobre os quais exercem seus efeitos extintivos. Alguns direitos são exercidos por iniciativa de apenas uma das partes, o titular do direito, que impõe e exige a submissão do obrigado aos seus efeitos legais. A atuação unilateral do titular do direito consubstancia o ato jurídico e seus efeitos. Sobre esses direitos, de cunho potestativo, incidem, em regra, os prazos extintivos de natureza decadencial. Por sua vez, a prescrição está afeta àqueles direitos para os quais o titular pode exigir de outrem a satisfação da pretensão protegida, ou seja, o obrigado tem o dever jurídico de agir ou de se abster para satisfazer o direito da parte titular do direito” – Parecer/CJ 2.434/2001 – Daniel Demonte Moreira –AJU.
[15] Aqui a ponderação entre os princípios da legalidade e da segurança jurídica já foi feita pelo legislador, competindo ao aplicador apenas verificar se os pressupostos que integram o preceito estão, ou não, concretamente verificados.
[16] É o que determina, o art.114 da lei nº 8.112/90 “A administração deverá rever seus atos, a qualquer tempo, quando eivados de vícios de ilegalidade”.
[17] O Tribunal de Contas da União perfila o entendimento que a decadência administrativa não se aplica aos processos de controle externo, como se observa no arresto do   GRUPO II – CLASSE V – 2ª Câmara, “…o segundo, porque essa decadência administrativa não se aplica aos processos de controle externo, conforme já decidido por este Tribunal (Decisão nº 1.020/2000 – Plenário) e pelo Supremo Tribunal Federal que, em recente deliberação de 04/08/2004, reafirmou, por unanimidade, a inaplicabilidade do Instituto em tela em caso idêntico ao ora examinado”.
O Egrégio STJ, em voto de Ministro Felix Fischer apresenta entendimento diverso, como se constata no arresto RESP 571981: “Assinalo que a lei não faz distinção entre nulidade e anulabilidade, ao tratar da possibilidade de invalidação dos atos eivados de ilegalidade, e ao estabelecer os limites para o exercício deste direito. Trate-se de ato nulo ou anulável, a regra do art. 54 da Lei 9.784/99 é aplicável. Registro, por fim, que o caso dos autos não se assemelha às hipóteses de inexistência, absolutamente insanáveis, como bem apreendido pelo agente ministerial, em seu parecer. O caso é de nulidade, após a vigência da Lei 8.168/91 e, como já examinado, comporta solução pela aplicação do art. 54 da Lei 9.784/99.”
[18] O art. 1º da Lei de Ação Popular faz a diferenciação aqui menciona ao estabelecer “Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios, de entidades autárquicas, de sociedades de economia mista…”
[19] No mesmo sentido, voto do Des. Federal João Batista Pinto Silveira, do TRF/RS, na Apelação Civil nº 2003.04.011399-0/RS : “Apenas quanto aos atos nulos − não na acepção que dá a esse qualificativo a doutrina do Direito Privado, mas na conceituação que lhe empresta o Direito Administrativo dos países europeus mais avançados e o Direito Administrativo da União Européia e que de algum modo, também já encontramos incipientemente esboçada na Lei da Ação Popular − apenas quanto aos atos nulos não haveria falar em decadência ou em prescrição, uma vez que incumbe ao juiz decretar−lhes de ofício a invalidade. Note−se, porém, que nulos apenas serão aqueles atos administrativos, inconstitucionais ou ilegais, marcados por vícios ou deficiências gravíssimas, desde logo reconhecíveis pelo homem comum, e que agridem em grau superlativo a ordem jurídica, tal como transparece nos exemplos da licença de funcionamento de uma casa de prostituição infantil ou da aposentadoria, como servidor público, de quem nunca foi servidor público. Não é a hierarquia da norma ferida que, por si só, implica a nulidade. como mostra o acórdão do STF no MS 22357/DF, que aplicou o princípio da segurança jurídica para manter atos administrativos contrários à Constituição. A grande maioria dos atos administrativos, inconstitucionais ou ilegais, não é, pois, composta por atos administrativos nulos, mas sim por atos administrativos simplesmente anuláveis, estando o direito a pleitear−lhe a anulação sujeito, portanto, à decadência”.
[20] A jurisprudência trabalhista desde muito reconhece a possibilidade de declaração de nulidade de contrato de trabalho, a qualquer tempo, aceitando a manutenção de alguns de seus efeitos financeiros.
[21] O que se defende aqui também é a possibilidade de declaração de nulidade com efeitos ex nunc. Não de diga que tal solução se configura anômala, pois o mesmo é feito pelo STF quando da declaração de inconstitucionalidade, que nada mais é do que um caso específico de nulidade. “ Os princípios da boa-fé e da segurança jurídica autorizam a adoção do efeito ex nunc para a decisão que decreta a inconstitucionalidade. Ademais, os prejuízos que adviriam para a Administração seriam maiores que eventuais vantagens do desfazimento dos atos administrativos.” (RE 442.683, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 24/03/06). No mesmo sentido: RE 466.546, DJ 17/03/06.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Almir de Oliveria Morgado

 

Professor Titular de Direito Administrativo da FABEC/RJ, Professor Visitante dos Cursos de Pós-Graduação em Direito da UGF/RJ, UVA/RJ e UESA/RJ e Coordenador do Curso de Pós-Graduação em Direito Público da UNEC/MG.

 


 

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