A contaminação do processo crime pelas influências extraprocessuais e morosidade da prestação jurisdicional

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Resumo: Este trabalho tem por objetivo analisar a instrução processual à luz da demora na prestação jurisdicional. Considerando que a oitiva das testemunhas é o principal meio de prova, discute-se a qualidade desde meio probatório considerando a sua falibilidade, em virtude de fatores externos e internos, como a influência da mídia, experiências vividas, concepções pessoais e o anseio pela justiça, que podem influenciar a correta construção da memória. Por fim, será averiguado o princípio da eficiência em contrapeso ao direito da rápida prestação jurisdicional, assim como a possibilidade da harmonização destes dois institutos. [1]

Palavras-chave: Instrução processual. Construção da Memória. Influência da Mídia. Celeridade e eficiência Processual.

Abstract: The purpose of this work is to analyze the procedural instruction in light of the delay in the jurisdictional rendering. Considering that the testimony of witnesses is the main means of proof, quality is discussed from a probative point of view, considering its fallibility, due to external and internal factors such as the influence of the media, lived experiences, personal conceptions and the yearning for justice , Which can influence the correct construction of memory. Finally, the principle of efficiency in counterbalance to the right to prompt judicial review will be examined, as will the possibility of harmonizing these two institutes.

Keywords: Procedural Instruction. Construction of Memory. Influence of the Media. Celerity and procedural efficiency.

Sumário: 1. A função do estado na solução de conflitos. 2. A memória e suas deformidades. 3. A influência da mídia no processo cognitivo e instrução processual. 4. A demora na prestação jurisdicional e o direito de ser julgado num prazo razoável. 5. A aplicabilidade do princípio da eficiência no processo penal.

1 Introdução

Sabidamente, o processo é entendido como a provocação do Estado por meio das partes, com o intuito de solucionar determinada lide, organizado por meio de uma sequência lógica de atos que levam – ou deveriam levar – ao provimento final, perfectibilizado, assim a função estatal. No processo penal, especificamente, há a incidência de alguns princípios que norteiam este veio jurídico, como a presunção da inocência, o contraditório e a ampla defesa,  configurando-se como o direito e resposta e a igualdade de ataque e defesa, assim como o livre convencimento motivado, que concede ao magistrado a liberdade de decisão, desde que devidamente fundamentada em elementos probatórios colhidos nos próprios autos. Tais provas, cujo objetivo é confirmar as teses proferidas no processo, demonstrando a veracidade de fatos relevantes ou desbaratinando a versão trazida pela parte oposta, devem ser colhidas sob o crivo do contraditório e da mais ampla defesa, sob pena de se tornarem ilegítimas.

Contudo, assim como a própria sociedade, o direito é influenciado pelo transcurso tempo, mais especificamente pela demora na prestação jurisdicional, o que pode corromper a correta e eficiente coleta de prova e, até mesmo, influenciar as partes do processo. Isto porque – e principalmente no processo penal – o substrato probatório e notadamente composto pela prova testemunhal, que pode facilmente ser induzida por fatores externos, como a mídia, por exemplo, que proporciona um verdadeiro circo dos horrores. Outrossim, além dos fatores externos, a própria memória humana pode comprometer o transcurso do processo, seja por mero esquecimento, ou por distorções causadas no seu processo de formação e resgate, como o fenômeno das falsas memórias, onde, diferentemente da mentira, o agente acredita piamente na veracidade de um fato específico, embora ele nunca tenha acontecido.

Preocupando-se com a duração do processo, somado ao clamor da sociedade por uma solução estatal, resultante do medo generalizado, proporcionado pelo narcotráfico, crime organizado, lavagem de capitais, bem como pelos crimes contra o patrimônio, como furtos, roubos, latrocínios, além do elevado índice de homicídios, que criam uma sensação de pandemia e impunidade, o Estado buscou soluções emergências para frear tais situações, como a Lei n. 8.072/1990 (Crimes Hediondos) e n. 11.340/2006 (Maria da Penha), mas que, contudo, se mostraram ineficientes, pois transmitiam apenas uma falsa sensação de segurança, desnudando a ineficiência estatal. Neste cenário, emerge o princípio da eficiência processual, disposto em que a norma (o dever ser) deve se aproximar do fato (o ser), ou seja, o resultado previsto em lei deve ser alcançado, considerando todos os fatores endo e exoprocessuais.

O ponto nevrálgico, então, é encontrar a harmonia entre a celeridade de sua tramitação do processo, sem deixar de lado a aplicação princípio da eficiência, considerando os fatores que influenciam os sujeitos processuais, sejam testemunhas ou o próprio conselho de sentença, assim como as demais garantias constitucionais, entregando, por fim, o provimento jurisdicional que a sociedade espera.

Entretanto, para uma melhor elucidação e compreensão, tais elementos serão analisados separadamente.

2 A FUNÇÃO DO ESTADO NA SOLUÇÃO DE CONFLITOS

Em épocas de ausência estatal, a sociedade se comportava de maneira primitiva, aonde vigorava a lei do mais forte. Contudo, no curso da história, o Estado assume para si a função de solucionar os conflitos, o que é chamado de jurisdição, a própria substituição da vontade dos litigantes. Esta incumbência é exercida por regras claras e objetivas, por meio de uma sequência lógica de atos, com o objetivo de pôr um fim no embate (CITRA, 2010).

A problemática do conflito de interesses está presente desde o momento em que o homem passou a viver em sociedade, surgindo a necessidade de se estabelecer uma forma organizada de controle (CAPEZ, 2007), pois seria inadmissível, na vida em comunidade, o império da autotutela e solução das lides por meio da força. Para tanto, e por meio da sedição de parcela da liberdade individual, o Estado toma a aspiração das partes litigantes como sendo sua e, em contrapartida, entrega a prestação jurisdicional, garantindo que o objetivo material e a manutenção da paz sejam alcançados (CITRA, 2010).

Esta função do Estado é chamada de jurisdição, que é desempenhada por uma sequência organizadas de atos que levam ao provimento jurisdicional (processo) que, por sua vez, abarca diversos procedimentos específicos, sendo este a espécie e aquele o gênero (PACELLI, 2012) que, por fim, obedecem a certos preceitos fundamentais, servindo como estrutura e caráter dos sistemas procedimentais (CITRA, 2010).

Sem alongar o tema, existem dois princípios específicos que merecem destaque, em virtude se servirem como pilares ao processo criminal, objeto de estudo em questão. São eles a presunção de inocência e o contraditório e ampla defesa. O primeiro, previsto constitucionalmente, determina que será preciso o trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória para atribuir culpa à alguém, impondo duas regras específicas a serem observadas pelo Poder Público, a uma, tratar o réu sem que este sofra repreensões ou privação de liberdade indevidamente, a duas, estabelecer o ônus probandi ao órgão acusador (Pacelli, 2012). O segundo descortina-se em tese e antítese, proporcionando a paridade de armas para ambos. Trata-se de um método de confrontação das teses levantadas, em uma estrutura dialética de produção da prova (LOPES JR., 2010).

Com isso, baseando-se no conjunto probatório, o juiz, de forma imparcial e motivada, entrega o provimento jurisdicional. Entretanto, como se verá adiante, a instrução processual pode sofrer influências externas, seja de natureza cultural ou política (Di Gesu, 2010), considerando que a prova testemunhal é o principal meio de se compor a instrução criminal. A primeira delas, é a própria memória humana.

3 A MEMÓRIA E SUAS DEFORMIDADES

A memória, que diferencia o ser humano das demais espécies, garante a consciência da própria existência, assim como das coisas que o rodeiam (SEGER, 2016) É conceituada como aquisição, recordação, lembrança ou recuperação, que consiste em evocar informações (FLORES, 2016), cujo processo se inicia na infância, entre os dezoito meses de vida pois, no momento do nascimento, o bebê já possui um senso mínimo de autoconsciência (OLIVA, 2016).

3.1 A formação do processo cognitivo.

O seu processo de formação pode ser dividido em três etapas, a aquisição, retenção e recordação. No primeiro estágio, a memória se limita ao tempo de observação, condições de luminosidade, atenção os detalhes, presença de violência, fatores estressantes e as próprias características da pessoa, como expectativas, aspirações e convívio social (GIACOMOLLI, 2016). Nesta primeira captação dos fatos, as memórias armazenadas podem ser moduladas pelas emoções, nível de consciência ou estado de ânimos. Por isso, aprender ou relembrar algo se torna mais fácil quando se está em estado de alerta ou bom ânimo (FLORES, 2016). Igualmente, situações desagradáveis e de tensão dificultam o processo de percepção e memorização (SEGER, 2016). Com isso, em condições extremas de estresse possibilitariam a formação de memórias intrusas (QUEVEDO, 2016).

Ademais, além dos fatores emocionais, as percepções pessoais e experiências vividas por cada indivíduo influenciam na obtenção das informações. Com isso, não há que se falar em uma única representação situacional dos fatos, tampouco em verdade absoluta (SEGER, 2016).

Uma vez superada a percepção inicial dos fatos ocorridos, passa-se à etapa da retenção, onde a informação obtida é menos complexa e exata, pois relaciona-se com o transcurso do tempo entre a observação do episódio, recordação posterior, bem como as informações obtidas após o acontecimento. Nesta fase, a memória é exposta a uma série de agentes externos, requerendo tempo para a sua consolidação, acreditando-se que a memória, neste momento, também pode ser modificada (GIACOMOLLI, 2015).

Derradeiramente, no processo de recordação, as informações armazenadas na memória são recuperadas, o que pode ocorrer de maneira satisfatória ou precária, caso haja uma aquisição defeituosa ou, ainda, defeito no próprio processo de lembrança (GIACOMOLLI, 2015). Destas aquisições defeituosas, extrai-se o esquecimento, havendo uma interceptação no processo cognitivo, caracterizado não pela economia necessária exercida pelo excesso de informação, mas sim por consequência de interesses incompatíveis conflitantes. Desta forma, a captação dos fatos ocorre de uma forma seletiva, abandonando-se parte dos estímulos que a mente não considere como prioridade (REMOR, 2016).

3.2 O resgate defeituoso da memória

Além do esquecimento, com o passar do tempo, a memória pode, além de descartar o trivial, incorporar fatos que não aconteceram. Tal fenômeno foi observado por Merleau-Ponty, que indagou como os olhos observam e o corpo sente os acontecimentos do mundo exterior, tendo concluído que o observador não percebe o ocorrido como personagem alheio, antes, está dentro dele. Desta forma o muito não estaria diante, mas ao redor de quem observa (FLORES, 2016).

Neste ínterim, encontra-se o fenômeno das falsas memórias, consistente na inserção de uma informação falsa em meio a uma experiência legitimamente vivida, aonde o sujeito é convencido de ter vivenciado uma experiência não-verdadeira (FLORES, 2016).

Pode-se dizer, outrossim, que a mente humana não apenas resgata informações de um episódio anteriormente armazenado, mas pode acrescentar fatos novos (DI GESU, 2010), concluindo-se que as recordações podem ser altamente manipuladas a partir de informações inverídicas a respeito de acontecimentos nunca vivenciados, ou modificações do que, de fato, aconteceu (GIACOMOLLI, 2016).

Este fenômeno se agrava, principalmente, em situações de ansiedade ou estresse, sendo que os indivíduos que presenciam ou foram vítimas situações fora do cotidiano, como o cometimento de crimes, destacando-se agressões físicas, assaltos ou violência sexual, ficam bastante confusos, pelo seu estado psíquico e físico, interferindo no processo de codificação, armazenamento e codificação (FLORES, 2016).

Não obstante, as situações em que o indivíduo necessita se recordar de fatos importantes – em especial na instrução criminal, assim como pelo sugestionamento e expectativa a que se submete – podem servir como catalizadores à formação das falsas memórias (FLORES, 2016), principalmente quando tais situações recebem destaque na mídia.

4 A INFLUÊNCIA DA MÍDIA NO PROCESSO COGNITIVO E INSTRUÇÃO PROCESSUAL

O ambiente proporcionado pelos veículos de comunicação que na maioria das vezes proporcionam um verdadeiro show de horrores, provocando sentimento de revolta e impunidade na sociedade, ao relatar o cometimento de um crime, distorcem a realidade dos fatos e podem comprometer o processo cognitivo, resultando num julgamento parcial e passional. Isto porque a memória não é capaz de desvincular a razão, emoção e experiências já vividas (SEGER, 2016).

Ademais, as notícias veiculadas após o delito, devido a sua carga de sensacionalismo, acabam familiarizando a população com os principais atos processuais, como investigações policiais, decisões proferidas, prisões cautelares, entre outros, induzindo o espectador a seguir determinada versão dos fatos, sem que este conheça efetivamente a realidade carreada ao processo, gerando um intenso grau de contaminação na formação da memória (GIACOMOLLI, 2016).  Diante disso, percebe-se que, além de muitas vezes violar a vida privada, a mídia tem o poder de influenciar sobremaneira os seus espectadores, distorcendo fatos e apresentando notícias parciais (DILLMANN, 2016).

Outrossim, no âmbito jurídico, a contaminação gerada pelos veículos de comunicação pode ocorrer de modo indireto, por meio do chamado marketing do terror e da formação da opinião pública preestabelecida sobre os agentes delituais do crime supostamente cometido. Neste cenário, tanto os jornais, quanto os canais de televisão trazem apenas uma notícia, criando hipóteses, fazendo reconstruções prematuras, incluindo elementos alheios à verdade, como imagens e circunstâncias fora do contexto mostrado. Com isso, a imprensa manipula a notícia como deseja, cometendo, muitas vezes, grandes atrocidades, uma vez que condenam o suposto delinquente antes mesmo da prolação da sentença (DILLMANN, 2016).

E, como já visto, se a memória é influenciada pelas emoções, experiências vividas e concepções íntimas, podendo ocorrer distorções no seu processo de formação, tanto mais se for bombardeada pelas informações trazidas pela imprensa marrom, que expõem suspeitos a todo tipo de humilhação, “condenando antecipadamente os seres humanos, num verdadeiro linchamento, em total afronta aos princípios constitucionais da presunção da inocência, do devido processo legal” (DILMANN, 2016, p. 02-03), assim como do contraditório e da ampla defesa.

Este cenário ainda é agravado quando se considera o tempo necessário à conclusão da fase instrutória do processo criminal que, dependendo da complexidade do caso, pode demorar anos, comprometendo significativamente as recordações das testemunhas fatuais.

5 A DEMORA NA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL E O DIREITO DE SER JULGADO NUM PRAZO RAZOÁVEL

Antes da Teoria da Relatividade, proposta por Einstein, existiam apenas três dimensões espaciais, a altura, largura e comprimento, pois se acreditava que o tempo era estático e imóvel. Contudo, quando se descobriu que o tempo se move no espaço, uma nova dimensão foi acrescentada, qual seja, a dimensão social, na qual o relógio é tido como uma construção humana, partindo-se de uma medida previamente adotada (LOPES JR., 2004).

No âmbito jurídico, o direito material é considerado estático, enquanto que o processual é dinâmico, possuindo velocidade e condições variantes. O grande dilema é adaptar o tempo material ao processual, estando atento às modificações e evoluções da sociedade, que exigem uma solução jurisdicional cada vez mais célere (DI GESU 2010).

Dentre as tentativas de adaptação cronológica, emerge a criação do direito de receber a solução da lide num prazo razoável, por meio da Emenda Constitucional n. 45/2004, que alterou o artigo 5ª, inciso LXXVII da atual Constituição Federal. Esta alteração constitucional preocupou-se tanto com as dilações indevidas, quanto à rapidez exagerada do julgamento, ou seja, o processo não deve atropelar as garantias constitucionais, como o contraditório e a ampla defesa, nem se prolongar indevidamente no tempo (DI GESU, 2010).

Concomitantemente, também se verificou que a dinamicidade do tempo social influencia diretamente na produção da prova, pois, “na medida em que os vestígios materiais e a própria memória em torno do crime” (LOPES JR., 2004, p. 104) desaparecem, a recordação dos fatos se torna menos eficaz. Em outras palavras, quanto mais o tempo passa, tanto mais o agente crê no acontecimento de determinado fato, ainda que seja inverídico (DI GESU, 2010).

Entretanto, a inserção do princípio da razoável duração do processo apenas determinou as diretrizes basilares, sem estipular objetivamente o prazo para o término da instrução processual, utilizando de critérios subjetivos, como a complexidade do fato, a gravidade em abstrato do crime, ou o clamor público, inexistindo uma definição precisa à fixação de um prazo razoável (LOPES JR., 2004).

A solução mais adequada, para alguns doutrinadores, seria o abandono do conceito newtoniano de tempo, reconduzindo o processo por meio do tempo subjetivo, onde caberia aos tribunais a valoração da demora na instrução processual, com o objetivo de evitar o excesso do tempo rígido, assim como acelerar a fase instrutória, abreviando a duração do processo, diminuindo o tempo burocrático e evitando a contaminação da memória, seja pela concepção falsa do ocorrido, ou pela influência massiva da imprensa marrom (LOPES JR., 2004).

Por outro lado, como já visto, o processo deve obedecer ao tempo necessário à sua solução, respeitando as garantias processuais mínimas, assim como a demora para a correta produção da prova, observando-se, assim, o princípio da eficiência.

6 A APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NO PROCESSO PENAL

O conceito de eficiência está ligado ao binômio “produção” e “economia”, diz respeito à aplicação da norma (dever ser) ao caso concreto (ser), fazendo prevalecer os interesses normativos no mundo dos fatos (BARROSO, 2009). No que tange o devido processo legal, significa dizer que os resultados previstos em lei foram alcançados. Neste sentido, poder-se-ia dizer que a celeridade processual seria a correta aplicação do princípio em tela (CUNHA, 2006).

Com a vigência da Emenda Constitucional n. 19/1998, o princípio da eficiência tomou corpo no texto constitucional, com o fim de explicitar a observância de tal instituto, pois, anteriormente, era visto de forma implícita. No âmbito do Poder Judiciário, é imposta a obrigação de tê-lo por diretriz na aplicação dos recursos necessários à entrega da prestação jurisdicional. Ao aplica-lo de forma correta, a responsabilidade desta parcela do poder é elevada, gerando confiança em toda a sociedade, pois, se de outra forma fosse, este órgão não seria visto como o Estado-Juiz pacificado, mas sim como um órgão descompromissado com o povo (AFONSO, 2016).

Na prática, o poder público, tendo a eficiência como base de sua estrutura, possui a responsabilidade e o compromisso de desenvolver políticas públicas, com o intuito de garantir que o direito à uma jurisdição aparelhada e ajustada seja recepcionado. À título de exemplo, tem-se a própria evolução tecnológica, como as videoconferências, citações e intimações eletrônicas, além do próprio processo virtual que, aliado aos recursos humanos capacitados, garantem a rápida prestação jurisdicional (AFONSO, 2016).

Contudo, a eficiência vai além da celeridade ou a utilização de tecnologia de ponta. Antes, deve-se considerar todos os fatores humanos e procedimentais que envolvem o processo (DELL’ANTONIO, 2016), pois o clamor da sociedade pela pacificação, somada à influência maciça da imprensa marrom, que na maioria das vezes promove verdadeiros shows de horrores, instalando a cultura do pânico, leva o Estado-Juiz à avidez por uma prestação jurisdicional mais célere, sustentando a falsa promessa de segurança, atropelando, por muitas vezes, garantias constitucionais conquistadas por um alto custo (Souza, 2016).

Diante disso, discute-se se a efetividade e a celeridade podem ser aplicadas de forma harmoniosa, observando-se os princípios do devido processo legal, contraditório e ampla defesa, bem como o da presunção da inocência (REIS, 2016), sem prolongar-se demasiadamente no tempo, que, como visto, pode comprometer a correta evocação da memória e, por sua vez, a produção da prova.

Dentre as soluções mais acertadas, optou-se por aplicar o princípio da celeridade processual aos espaços mortos do procedimento, como o grande lapso temporal entre as audiências instrutórias, combatendo a demora excessiva dos atos jurisdicionais, com o intuito de se obter um pronunciamento do Judiciário em um prazo razoável, sem deixar de lado a observância da eficiência nos demais atos (ROSA, 2016).

Por fim, a aplicabilidade cega da celeridade processual, em detrimento das garantias processuais, legitimaria o mito da urgencialidade na aplicação dos conteúdos normativos, criando uma verdadeira justiça relâmpago e salvadora do povo (SOUZA, 2016).

Derradeiramente, há de se sopesar os malefícios causados pela demora na prestação jurisdicional – como a perda ou diminuição da qualidade da prova, pois, como exposto, é prevalentemente testemunhal, sendo que  depoente é influenciado diretamente pela exposição parcial dos fatos pela mídia e, indiretamente, por suas experiências vividas, traumas obtidos na percepção dos fatos, além do anseio de que a justiça seja feita e a paz devolvida ao ceio da comunidade em que vive -, com a correta observância dos demais atos processuais, entregando a solução do litígio de forma eficiente, papel fundamental do Estado-Juiz.

7 Considerações Finais

Como visto, o Estado toma para si a função de julgar os litígios da sociedade, substituindo a vontade das partes, o que faz por meio do processo, sequência lógica de atos com o objetivo de entregar o provimento jurisdicional, devendo-se assegurar o direito de defender e atacar nas mesmas condições, assegurando-se, também, a presunção de inocência.

Contudo, e principalmente no processo penal, as provas colhidas durante a instrução criminal são essencialmente testemunhais, que podem ser extremamente influenciadas pela imprensa marrom que, muitas vezes, proporcionam um verdadeiro circo dos horrores, condenando o suspeito antes mesmo do oferecimento da denúncia. Ainda, a própria memória, cujo processo de formação foi analisado, está sujeito a falhas. Isto se dá quando o indivíduo está sob influência de fortes emoções, como euforia, estresse, medo ou inconformismo ou, ainda, pelas próprias opiniões pessoais e experiências vividas. O resultado disso é a má formação no processo cognitivo, podendo ocorrer, também, a formação das falsas memórias, onde o sujeito acredita piamente no acontecimento de tal evento.

Neste cenário, percebeu-se, também, que a própria demora na prestação jurisdicional pode comprometer a qualidade da prova testemunhal, seja pelas distorções cognitivas acima mencionadas, ou pelo próprio esquecimento. Com isso, surgiu a necessidade de se julgar o processo num prazo razoável, que foi consolidado pela Emenda Constitucional n. 45/2004, mas que, contudo, não se fixou objetivamente o prazo máximo para a entrega da prestação jurisdicional.

Entre as propostas que surgiram com o fito de solucionar a demora processual, encontram-se a realização de videoconferências – existindo intensa discussão a respeito, pois feriria os direitos do acusado assegurados pela Carta Magna, como a ampla defesa e a publicidade dos atos processuais –  e o próprio processo eletrônico, que garantem celeridade e descartam os espaços mortos em que os autos repousam em gabinete.

Mas o ponto chave é harmonizar a celeridade processual com o princípio da eficiência, pois de nada adiantaria uma rápida resposta do Estado-Juiz, se esta for eivada de vícios. Em resumo, o que deve ser combatido é a demora de atos meramente administrativos, evitando-se dilações desnecessárias.

Em arremate, e ainda sem uma resposta concreta, o Estado, detentor do poder de solucionar a lide, deve observar a influência da sociedade – e da própria mídia – na produção da prova processual, principalmente porque está baseada na oitiva de testemunhas, e sua contaminação com o transcurso do tempo, criando mecanismos para reduzir as dilações indevidas do processo, sem deixar de lado a correta e eficiente prestação jurisdicional.

 

Referências
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Nota
[1]   Artigo Científico submetido à Universidade Regional de Blumenau – FURB, como requisito parcial à obtenção do grau de Pós Graduado em Direito Aplicado.


Informações Sobre o Autor

Felipe Dias dos Santos

Especialista em Direito Aplicado e Direito Público com Metodologia do Ensino Superior e Direito Aplicado pela Universidade Regional de Blumenau – FURB Graduado em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI Graduando em Teologia pela Faculdade e Seminário Teológico Nacional Fotógrafo Palestrante e Advogado. Concluiu a Escola Superior de Magistratura de Santa Catarina ESMESC. Advogado no Umbelino Advocacia Consultoria