A desconsideração da personalidade jurídica e a responsabilidade tributária dos sócios prevista no art 135 do CTN

O tema em voga, motivo da presente explanação, a desconsideração da personalidade jurídica
vem gerando acesos debates na doutrina e jurisprudência pátrias e despertando o
interesse de copioso número de juristas.

Para entendermos os motivos de tal posicionamento
vale considerar o Direito como catalisador das necessidades do homem, uma forma
de compreender a existência do Estado e, por conseguinte a edição de leis (lato senso). Corolário, e parafraseando
MONTESQUIEU “no seu sentido mais amplo,
são relações necessárias que derivam da natureza das coisas”
, decorrentes,
por conseguinte de uma delegação do poder soberano dos cidadãos para viabilizar
a organização da sociedade.

A necessidade faz com que certos instrumentos sejam
criados pelo ordenamento jurídico com a finalidade de auxiliar nas relações
sociais. Assim ocorreu com o instituto da personalização, nada mais que uma
técnica jurídica utilizada para se atingir o desenvolvimento econômico
concedendo autonomia patrimonial, limitação ou supressão de responsabilidades
individuais, ou seja, uma espécie de “sanção premial” aos investidores que não
viam seu patrimônio se confundir com o da sociedade.

Entretanto, em reação a essa adequação, novos
problemas surgiram, alguns decorrentes do uso indevido dos próprios instrumentos
criados. Com isso, novamente vê-se surgir uma busca por equilíbrio seguida de
outro desequilíbrio, e assim sucessivamente num ciclo dialético.

No estudo in casu, a utilização de diversos expedientes artificiosos
engendrados para o fim específico de praticar atos fraudulentos em nome da
pessoa jurídica tais como confusão patrimonial, fraude, simulação, todos
visando lesar terceiros ou a própria sociedade ensejaram o nascimento na
doutrina de sua desconsideração que veio a se refletir, embora de formas
diferentes, em alguns pontos do ordenamento jurídico brasileiro.

A teoria
da desconsideração da pessoa jurídica ou disregard
of the legal entity,
oriunda do direito anglo-saxão, tem como escopo a
declaração da ineficácia da personificação, em virtude do seu uso ilegítimo, do
abuso de direito ou da fraude. Nesse enredo, não há a anulação da personalidade
jurídica em toda sua extensão, a teoria da desconsideração nada mais é do que
uma forma de manter a integridade da própria pessoa jurídica.

No ordenamento
jurídico brasileiro tal teoria está consubstanciada no art. 28 do Código de
Defesa do Consumidor[i], no art. 18
da Lei 8.884/94[ii], no art.4º
da Lei 9.605/98[iii] e por fim
no Código Civil (Lei 10.406/02) em seu art. 50[iv].
Assim, quando o detentor do comando efetivo da empresa age com abuso de poder, excesso de mandato,
infração a lei ou ao estatuto, e a terceira pessoa, jurídica ou física, sofre
prejuízos ou danos, este responde pessoalmente pelos prejuízos que causar
.

Este é, pois o alicerce mantenedor dessa teoria: a
busca de um ponto de equilíbrio no qual seja concomitante o princípio da
autonomia patrimonial e a própria existência da pessoa jurídica, logicamente
protegida do seu uso indevido por parte de seus detentores.

Na seara tributária a discussão concentra-se no
fato de ser ou não a regra do art.135 do CTN, uma hipótese de desconsideração
da pessoa jurídica.

Anotes-se que o legislador tributário inseriu o
artigo supra no Capítulo V, do código, denominado “Responsabilidade
Tributária”. Para uma maior elucidação da questão a ser tratada mister se
voltar para a conceituação dos sujeitos passivos da relação jurídica
tributaria.

Consoante dicção do art.121 do referido código, o
contribuinte é aquele que realiza a hipótese de incidência da regra matriz de
incidência tributária, por outro lado, o responsável, é um terceiro que, por
força de lei, e em razão de algum vínculo com o fato gerador é eleito como
devedor do tributo.

A responsabilidade ainda poderá ser
por transferência e por substituição. Na responsabilidade por transferência a
obrigação tributária nasce com um sujeito passivo, mas em razão de um fato
posterior descrito em lei é transferido para outrem, é o que ocorre, por
exemplo, na responsabilidade dos sucessores, assim, A e B herdam de C um imóvel,
o sujeito passivo previsto na hipótese de incidência é C, até a data da
partilha A e B figurarão o pólo passivo na hipótese de incidência porque são
responsáveis pelos tributos devidos pelo de
cujus
[v].
Houve, pois uma causa jurídica que imputou a terceiros o dever de pagar o
tributo em lugar do contribuinte inicial.

Por outro lado, a substituição
tributária ocorre quando em virtude de uma disposição expressa de lei, a
obrigação tributaria surge, desde logo, para pessoa diferente daquela que seria
normalmente o sujeito passivo direto do fato jurígeno tributado.

Sobremais, o Código Tributário em
seu art. 124, trata do instituto da solidariedade, que consoante lição de
MIZABEL DERZI[vi] não é
espécie de sujeição passiva por responsabilidade indireta, como querem alguns,
mas simples forma de garantia, a mais ampla das fidejussórias. Assim, havendo
mais de um obrigado no pólo passivo da obrigação tributaria o legislador ira
definir quem deve arcar com o ônus do tributo, se solidariamente ou
subsidiariamente.

Firmadas tais premissas, volta-se ao art. 135 do
CTN, o qual possui como hipótese de incidência a insuficiência ou não do
pagamento da obrigação principal pelo contribuinte, resultante de atos praticados pelos responsáveis, com
excesso de poderes ou infração de lei, contratos ou estatutos.

Ora, nada mais do que os argumentos trazidos ab initio, para fundamentar a
desconstituição da pessoa jurídica, prevista no art.50 do Código Civil
Brasileiro. Entretanto, tal afirmação para a doutrina pátria se mostra precipitada.

Embora em ambos os casos a pessoa jurídica através
do seu controlador é utilizada com dolo ou má-fé para fins diversos do
estabelecido no contrato social ou nas leis vigentes e a este é imputada a
responsabilidade pessoal pelos danos causados, a diferença reside, com esteio
em boa doutrina, no fato de que no caso do art. 135 do CTN há incidência da
norma tributária por substituição e no Direito Civil há a desconsideração da
pessoa jurídica para atingir os bens do sócios.

Os efeitos são equivalentes, embora as regras sejam
diferidas.

Nessa linha de pensamento, os diretores, gerentes
ou representantes respondem pelas obrigações tributárias no caso de
inadimplemento, e tal responsabilidade se dá nos termos da doutrina de
BALEEIRO, para quem “o caso não é apenas de solidariedade, mas de
responsabilidade por substituição. As pessoas indicadas no artigo 135, CTN,
passam a ser os responsáveis ao invés do contribuinte” [vii].

O entendimento posto supra, vê-se confirmado em
doutrina de JUSTEN FILHO[viii]
o qual considera a aplicação do referido artigo “uma hipótese de flexibilização
da autonomia da pessoa jurídica, mas não necessariamente da aplicação da
doutrina da desconsideração”.

Ressalte-se que para estes autores, a
desconsideração só ocorre quando a pessoa jurídica se coloca como obstáculo a
coibição da fraude ou do abuso de direito, enfim, do uso indevido da autonomia.
Isso porque, caso haja previsão expressa no ordenamento jurídico de imputação
direta de responsabilidade por certos atos ao membro ou sócios, torna-se
dispensável a desconsideração da personalidade jurídica.

Ademais, o art. 135 do CTN restringe-se a
responsabilidade por obrigações tributárias que resultem de ato realizado com
excesso de poderes, ao passo que o art. 50 do Código Civil, abrange todas as
relações resultantes do abuso, e ainda, enquanto no CTN a imputação da
responsabilidade é peremptória, no CCB é facultado ao juiz decidir pela
aplicação ou não do disregard.

Sendo assim, ensina MIZABEL DERZI[ix]
que a aplicação do art. 135 supõe: 1. a pratica do ato ilícito, dolosamente,
pelas pessoas mencionadas no dispositivo; 2. ato ilícito, como infração de lei,
contrato social ou estatuto, normas que regem as relações entre contribuinte e
terceiro-responsável, externamente à norma tributária básica ou matriz, da qual
se origina o tributo; 3. a atuação tanto da norma básica (que disciplina a
obrigação tributária e, sentido restrito), quanto da norma secundaria
(constante do art. 135 e que determina a responsabilidade do terceiro, pela
pratica do ilícito).

Reside aí o porquê de o indigitado artigo deslocar
o débito que nasce em face do contribuinte para o responsável, afinal os
créditos mencionados se referem às obrigações resultantes dos atos praticados
com excessos de poderes ou infração da lei (lei civil e/ou comercial), contrato
social ou estatuto, ou seja, o terceiro (responsável) age contra os interesses
do contribuinte que representa.

Ainda consoante magistério de FÁBIO ULHOA COELHO[x],
se a própria lei tributária permite que se coíba a fraude, responsabilizando
diretamente os membros ou sócios da pessoa jurídica, ou mesmo outras pessoas
ligadas a ela, não se cogitará da aplicação da doutrina da desconsideração.

Diante do acima exposto, urge explicitar que embora
a técnica utilizada não seja a mesma, na prática exsurgem objetivos análogos.
Nesse sentido, vale concluir o presente trabalho com a ilustre elucidação de
JHERING de que o direito deve existir para ser aplicado, e não para confundir e
impedir sua execução
.

 

Bibliografia

AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 10.
Ed. São Paulo: Saraiva 2004.

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. v.
2. 5. ed. rev. e atual. de acordo com o novo Código Civil e alterações da LSA.
São Paulo: Saraiva 2002.

______. Desconsideração da personalidade jurídica.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989.

DERZI, Mizabel Abreu Machado. Atualização:
BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense,
2003.

HOFFMANN, Daniel
Augusto. Responsabilidade tributária.
O art. 135 do Código Tributário Nacional e sua real hipótese de incidência. Jus
Navigandi
, Teresina, a. 6, n. 59, out. 2002. Disponível em:
<http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=3288>. Acesso em:
document.write(capturado());
05 jul. 2005.

JUSTEN FILHO, Marçal. Desconsideração da
personalidade societária no direito brasileiro. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1987.

LOPES, João Batista. Desconsideração da
Personalidade jurídica no novo código civil. In: Revista dos Tribunais.
v. 818. São Paulo: Revista dos Tribunais, a 92, dez./2003, p 36-46.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito
civil: parte geral. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

Notas:

[i]
Art. 28. O
juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em
detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da
lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A
desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de
insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má
administração
. § 1° (Vetado).§ 2° As sociedades integrantes dos grupos
societários e as sociedades controladas são subsidiariamente responsáveis pelas
obrigações decorrentes deste Código.§ 3° As sociedades consorciadas são
solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste Código.§ 4° As
sociedades coligadas só responderão por culpa.§ 5° Também poderá ser
desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma
forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.
(grifo nosso).

[ii] Art. 18. A
personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá
ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de
poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou
contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver
falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica
provocados por má administração
. (grifo nosso).

[iii] Art. 4º Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica
sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos
causados à qualidade do meio ambiente.

[iv] Art. 50.
Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial,
pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando
lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas
relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos
administradores ou sócios da pessoa jurídica
. (grifo nosso).

[v]
Art.131, II do CTN.

[vi] DERZI, Mizabel Abreu Machado. Atualização: BALEEIRO,
Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p.729.

[vii]
BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense,
2003, p.755.

[viii] JUSTEN FILHO, Marçal. Desconsideração da personalidade
societária no direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987.

[ix]Op. Cit.,p.757.
[x]
COELHO, Fábio Ulhoa. Desconsideração da personalidade jurídica. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1989.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Liz Costa de Santana

 

Pós-graduanda em Direito Empresarial com ênfase em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná-PUC

 


 

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