Descrição: A gestão de resíduos sólidos se apresenta como relevante tema ambiental para especialistas de diversas áreas, cuja discussão visa criar um manejo ambientalmente adequado dos resíduos sólidos. A conciliação entre o crescimento sustentável e a gestão de tais resíduos, carece de bom senso e eficácia. Não se pode ignorar que o crescimento vertiginoso do Brasil gere um volume maior de resíduos, mas isso não pode justificar medidas drásticas e pouco razoáveis que venham a engessar o crescimento da indústria nacional. O crescimento sustentável de um país consiste em políticas públicas de preservação e contenção de danos ao meio ambiente em conjunto com a sociedade e a iniciativa privada. O contrapeso ambiental não pode emperrar a indústria brasileira. A grande problemática a ser enfrentada neste breve artigo é a destinação de pneumáticos e a possibilidade de se ter um desenvolvimento econômico sustentável, sem degradar o meio ambiente, sob a ótica da pneus usados.
1. Introdução
A gestão de resíduos sólidos se apresenta como relevante tema ambiental para especialistas de diversas áreas, cuja discussão visa criar um manejo ambientalmente adequado dos resíduos sólidos. A conciliação entre o crescimento sustentável e a gestão de tais resíduos, carece de bom senso e eficácia. Não se pode ignorar que o crescimento vertiginoso do Brasil gere um volume maior de resíduos, mas isso não pode justificar medidas drásticas e pouco razoáveis que venham a engessar o crescimento da indústria nacional. O crescimento sustentável de um país consiste em políticas públicas de preservação e contenção de danos ao meio ambiente em conjunto com a sociedade e a iniciativa privada. O contrapeso ambiental não pode emperrar a indústria brasileira.
Na Constituição Federal Brasileira de 1988, as questões ambientais são consideradas como patrimônio nacional e das futuras gerações. Prevê obrigações, principalmente com relação aos resíduos sólidos que são produzidos em grandes quantidades diárias e determina que a manutenção da qualidade ambiental seja de competência conjunta do Governo Federal, dos Estados e dos Municípios.
Mesmo com a criação de medidas e procedimentos que visam reduzir o uso indiscriminado de produtos e de ações que venham a prejudicar o meio ambiente, a dificuldade de disposição do lixo urbano continua sendo um dos mais graves problemas ambientais, principalmente no Brasil.
A grande problemática a ser enfrentada neste breve artigo é a destinação de pneumáticos e a possibilidade de se ter um desenvolvimento econômico sustentável, sem degradar o meio ambiente, sob a ótica da importação de pneus usados.
Há muito se discute o radicalismo de autoridades administrativas e judiciais ao se posicionarem contra a importação de pneus usados, mesmo que destinados à reciclagem por indústrias de reforma no País. Essa discussão se dá não apenas pela comprovada deficiência de oferta desse insumo — o pneu usado é a matéria-prima do pneu remoldado — como também pelo preconceito e pela falsa propaganda de que se trata de lixo do primeiro mundo.
Apesar dos vários estudos realizados sobre a reciclagem de pneus usados, as questões que envolvem sua destinação e os prejuízos que a sua má destinação pode causar à natureza e as pessoas, ainda não são amplamente divulgadas à população.
Considerando o quadro descrito, este artigo tem como principal objetivo discutir a temática da destinação de pneus usados no Brasil e verificar o grau de conscientização com relação às alternativas sustentáveis para seu reaproveitamento, bem como uma forma amigável de se possibilitar um desenvolvimento econômico para as empresas brasileiras, sem degradar o meio ambiente.
Por fim, tem por escopo demonstrar que a imposição do Brasil em restringir a importação de pneus usados, fere o direito do consumidor, do empresário, da livre concorrência e do trabalhador, pois se de um lado diz-se que a abertura deste mercado seria tornar o Brasil num depósito de lixo, também é certo que a restrição, gerará atraso tecnológico ao país, impedindo seu crescimento.
2. A Problemática enfrentada entre OMC e Brasil
A discussão entre a Comunidade Européia e o Brasil em âmbito do comércio internacional residiu sobre a imposição, pelo Brasil, de medidas que afetaram adversamente às exportações de pneus remanufaturados da Comunidade Européia para o mercado brasileiro.
Em suma, a Comunidade Européia alegou que o Brasil:
• Impôs proibição à importação de pneus remanufaturados, notadamente em virtude da Portaria 14, de 17 de novembro de 2004 da Secretaria de Negócios Externos, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comercio Internacional (SECEX) que proibiu a emissão de licenças de importação para pneus remanufaturados;
• A adoção de um conjunto de medidas proibindo a importação de pneus usados, as quais são utilizadas, às vezes, contra a importação de pneus remanufaturados: Portaria DECEX nº. 8, de 13/5/91; Portaria DECEX nº. 18, de 19/7/92; Portaria IBAMA nº. 138-N, de 22/12/92; Portaria do Ministério da Indústria, Comércio e Turismo nº. 370, de 28/11/94; Portaria Interministerial do Ministério da Indústria, Comércio e Turismo e do Ministério da Economia nº. 3, de 12/9/95; Resolução CONAMA nº. 23 de 12/12/96; e Resolução CONAMA nº. 235, de 7/1/98;
• A imposição, em virtude do Decreto Presidencial nº. 3919, de 14/9/01, de uma multa de R$ 400,00 por unidade de importação assim como comercialização, transporte, armazenamento em depósitos ou em galpões de pneus importados remanufaturados;
• A manutenção de medidas ao nível de estados brasileiros, os quais proíbem a venda de pneus remanufaturados importados. Por exemplo, a Lei Estadual nº. 12.114, de 5/7/04, do Rio Grande do Sul que proíbe a comercialização de pneus usados, os quais são considerados inter alia pneus remanufaturados que têm sido manufaturado fora do Brasil por meio de carcaças de pneus usados e importados para o Brasil;
• A exceção à importação de pneus remanufaturados importados por meio de outros países do MERCOSUL, conforme Portaria SECEX nº. 14, de 17/11/04, e da penalidade financeira anteriormente mencionada em virtude do Decreto Presidencial nº. 4592, de 11/2/03, em resposta ao ordenamento do painel estabelecido no Mercosul a pedido do Uruguai.
Neste sentido, a Comunidade Européia requisitou ao Painel da OMC que auferisse os seguintes aspectos:
• Brasil agiu inconsistentemente com o Art. XI:1, do GATT 1994 instituindo e mantendo a proibição e restrição diversa de um dever, de um imposto ou outra carga na importação de um produto no território de outro membro, tornando efetivo por meio de licenças de importação e outras medidas;
• Brasil agiu inconsistentemente com o Artigo XI:1 e/ou o Artigo III:4 do GATT 1994 instituindo e mantendo a proibição e restrição diversa de um dever, de um imposto ou outra carga na importação de um produto no território de outro membro, tornando efetivo por meio da imposição de multa na importação de pneus remanufaturados num total de R$ 400,00 por unidade;
• Brasil agiu inconsistentemente com o Artigo III: 4 e/ou Artigo XI:1 do GATT 1994 impondo multa de R$ 400,00 por unidade de pneu remanufaturado importado que era comercializado (vendido), transportado, armazenado ou mantido em depósito ou galpões. Desse modo, o Brasil falhou no tratamento do acordo, para a importação de produtos do território da Comunidade Européia para o Brasil, de forma a tornar menos favorável que o acordado para outros produtos em relação a leis, regulamentos e requerimentos afetando a sua venda interna, oferta para venda, compra, transporte, distribuição ou uso.
• Brasil agiu inconsistentemente com o Artigo I:1 do GATT 1994 por eliminar a proibição da importação e penalidades financeiras acima descritas para a importação de pneus remanufaturados provenientes de outros países do Mercosul, enquanto mantêm estas medidas para as importações provenientes da Comunidade Européia. Desse modo, o Brasil falhou em garantir uma vantagem com relação a regras e formalidades em conexão com a importação, e também em relação às matérias consultadas no parágrafo 4 do Artigo III, para produtos originados em outros países e os mesmos produtos originados no território da Comunidade Européia;
• Ao serem aplicadas as proibições anteriormente descritas, o Brasil agiu inconsistentemente com o Artigo XIII:1;
• Do GATT 1994, porque aplicou uma proibição e restrição na importação de produto de outro país membro, embora a importação do mesmo produto por meio de terceiros países exportadores não seja semelhantemente proibida ou restringida.
Ante o pedido formulado pela Comunidade Européia, o Brasil, por seu turno, requisitou ao painel para que este desconsiderasse todas as reclamações interpostas pela Comunidade Européia, sob a seguinte argumentação:
• A proibição da importação de pneus remanufaturados (contidos na Portaria SECEX 14/2004) é justificável pelo Artigo XX(b);
• Do GATT, porque é uma medida necessária para proteger a vida e a saúde do homem, dos animais e das plantas;
• As multas aplicadas conforme o Decreto 3919, de 14/9/2001 são justificáveis pelo Artigo XX(b) e (d);
• Do GATT, porque são necessárias à proteção da vida e saúde do homem e dos animais e do meio ambiente, e para assegurar a conformidade com a proibição da importação, a qual por si não é inconsistente com o GATT.
• A limitada exceção para os países do Mercosul pelo Brasil, em relação à proibição (efetivada pela Portaria SECEX nº. 14, de 17/11/2004) está autorizada pelo Artigo XXIV, porque ela foi adotada em conformidade com as obrigações do Brasil no Mercosul – costumes que são consistentes com o Artigo XXIV.
• A limitada exceção para os países do Mercosul em relação à proibição também é justificada pelo Artigo XX(d), porque é necessária para assegurar a conformidade das obrigações do Brasil no Mercosul, a qual por si não é inconsistente com o GATT;
• A medida estadual do Rio Grande do Sul (Lei Estadual nº. 12.114, de 5/7/2004) é justificada pelo Artigo XX(b) do GATT 1994, porque ela é uma medida necessária para proteger a vida e a saúde do homem, dos animais e das plantas;
Ao se utilizar, em sua defesa, do Artigo XX(b) do GATT de 1994, o Brasil alegou que a proteção à vida e à saúde humana, animal e das plantas estava relacionada a alguns aspectos, vez que o acúmulo de pneus abandonados jogados na natureza (valas, lixões, ao céu aberto) eram nocivos à saúde, pois eram focos de dengue, malária e febre amarela.
Ainda, foi alegado que o destino dado aos pneus, por meio da queima em fornos de cimento, exalavam gases que provocavam doenças, tais como o câncer.
Por fim, alegaram que a possibilidade de incêndio nos pneus jogados na natureza é capaz de prejudicar a fauna e a flora locais.
Note-se que a base de raciocínio brasileira encontra-se focada na tentativa de controle e redução de pneus abandonados jogados na natureza ou acumulados em lixões, face sua capacidade de armazenamento de água e proliferação de doenças, bem como pela possibilidade de combustão e geração de danos à saúde humana, fauna e flora.
Ora, não há como se buscar a adequação de medidas no comércio internacional se os fatores componentes da situação fática não são utilizados em conjunto, e sim separadamente. Torna-se evidente que o mal pode atingir cada pneu abandonado, mas o que importa não é a situação desgarrada do contexto geral.
O contexto geral não reflete os fatos apresentados pelos órgãos ambientais, pois omitem que a indústria de reforma de pneus ao importarem a carcaça de pneu como insumo, reciclam os pneus existentes em solo nacional, vez que, a fiscalização da Resolução do CONAMA 258/99 é rigorosa junto às reformadoras e as empresas de reciclagem de pneus existentes no Brasil possuem alta tecnologia e funcionam com autorização dos órgãos ambientais.
O fator principal está relacionado com a inexistência da quantidade de pneus inservíveis anunciada pelos órgãos ambientais, pois dados técnicos demonstram não existirem em nosso país a quantidade de pneus inservíveis dispostos no meio ambiente como alega o IBAMA, o qual vem distorcendo os fatos em detrimento da indústria de remoldagem do país e conseqüentemente favorecendo as multinacionais. Veja que, o gerente de Planejamento e Controladoria da Unidade do Xisto da Petrobrás em São Mateus do Sul alega que ” a capacidade é de 400 toneladas de pneus/dia, no entanto utiliza-se apenas 48 toneladas por dia”; o Obudsman do DER/SP informa que não tem conhecimento de que ocorram nas estradas abandono de pneus inservíveis; a Coordenadoria de Operações – CO do DER-SP também corroborou esta informação quando indagada, bem como as concessionárias RODONORTE, RODOVIA DAS CATARATAS S/S, da ECOVIA, Concessionária ROTA 116 S/A, AUTOVIA S/A e do DER de Pernambuco, todas no mesmo sentido;
Pelo que, a vedação genérica à importação de bens de consumo usados vem se justificando em decorrência de razões de índole comercial e de interesse da Fazenda Nacional.
No entanto, a vedação evidentemente tratava de questões envolvendo bens de consumo usados ante a possibilidade de se gerar atraso tecnológico e ao desenvolvimento sócio-econômico de nosso país, bem como causar um efeito adverso em toda a nossa estrutura de emprego, vez que a importação, em larga escala, de bens de consumo usados geraria concorrência com a produção nacional. Esta concorrência seria extremamente daninha, dado que a carga tributária existente em nosso país impediria a competição de preços e certamente os bens usados importados passariam a apresentar maior vendas ante os produzidos nacionalmente.
Muito embora este raciocínio adotado pela Fazenda Nacional esteja perfeitamente elaborado e seja lógico, não se pode elastecer o seu entendimento para barrar a importação de produtos usados que sirvam de matéria-prima para a produção nacional, nem impedir que esta indústria se desenvolva econômica e tecnologicamente.
Ademais, o desenvolvimento tecnológico pelo qual as indústrias de remoldagem ou de reciclagem de pneus devem se submeter para prestar um serviço de qualidade é extremamente seletivo e impede que aventureiros se lancem no mercado.
Neste sentido o respaldo da defesa do meio ambiente realmente é uma das esferas de seletividade para o desenvolvimento das atividades relacionadas ao manuseio de pneus, conforme explicitamente determina o art. 170, inciso VI da Constituição Federal:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim a assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação.
A nossa Carta Magna não pretendeu impedir o desenvolvimento e a geração de trabalho com o termo “tratamento diferenciado”. Ela buscou a aplicação de regras e princípios destinados a equilibrar a atividade econômica com a proteção e preservação ambiental, ou seja, evidenciou uma mudança generalizada de maior preocupação com o meio ambiente associada à necessidade de desenvolvimento.
A necessidade de desenvolvimento do Brasil encontra baliza no baixo índice de desenvolvimento humano junto às Nações Unidas, ou seja, equacionar o desenvolvimento com a não agressão ao meio ambiente é fundamental para a melhoria na qualidade de vida da população brasileira e estrangeira.
Tanto é assim que um dos resultados da ECO-92 (Rio-92) foi a elaboração de 27 (vinte e sete) princípios, conhecidos como Declaração do Rio, os quais orientam as ações do Governo para procedimentos recomendáveis na proteção dos recursos naturais e da busca do desenvolvimento sustentável.
É o desenvolvimento sustentável, aliás, que engendra o tratamento diferenciado propugnado em nossa Lei Maior.
Neste diapasão, empresas como Petrobrás, Votorantim, recicladoras de pneus, Concessionárias de Rodovias ao redor do país e as indústrias de remoldagem de pneus atendem todas as determinações legais de preservação do meio ambiente e a proteção à saúde.
A suposta existência de 100 milhões de pneus abandonados pelo Brasil é falaciosa, vez que não se encontram nos locais indicados pelo representante do governo brasileiro quando da contestação na OMC (Organização Mundial do Comércio). Segundo o governo brasileiro[1]: Durante muito tempo, esses pneus eram simplesmente acumulados em pilhas gigantescas ou inseridos em aterros.
Ocorre que inexistem pilhas gigantescas de pneus a céu aberto em nosso país, bem como a inserção de pneus em aterros foi proibida, como reconhece o próprio governo brasileiro quando da contestação na OMC (Organização Mundial do Comércio). Segundo o governo brasileiro[2]: A Resolução CONAMA 258/1999 estabeleceu… A Resolução não especifica quais métodos de destinação final são considerados ambientalmente apropriados, mas identifica os métodos que são proibidos (i.e., a disposição de resíduos de pneus em aterros, no mar, rios, lagos ou riachos, terrenos baldios ou alagadiços, e a queima a céu aberto).
E ainda, reconhece que os pneus encontram-se abandonados ao longo das estradas brasileiras, senão vejamos o posicionamento do governo brasileiro na OMC (Organização Mundial do Comércio): Resíduos de pneus apresentam-se aos governos como um problema crescentemente grave de saúde pública. Tal problema é particularmente sensível para países de climas tropicais, como o Brasil. Abandonados ao lado das estradas ou empilhados em grandes entulhos, os resíduos de pneus funcionam como perfeitos criadouros para mosquitos transmissores de dengue, febre amarela e malária.
Ocorre que não existem referidos entulhos. Seria muito mais simples para a indústria nacional remover os pneus destes locais, a ter que passar por todo o processo de importação, movendo o judiciário, enfim, todo o aparato preparado para trazer uma matéria-prima que “supostamente” existe no Brasil e que se encontra abandonada pelas estradas e em grandes entulhos. Este material abandonado deve ser classificado, então, como uma res nulius, pois se abandonado, sem um possuidor ou proprietário, não há dono, o que demonstraria o total interesse pela indústria nacional em captar referidos pneus graciosamente a fim de alimentar seu processo produtivo.
Vale destacar que a preocupação brasileira para com a saúde humana, animal e vegetal é louvável e exemplar para o resto do mundo, no entanto, não se pode vislumbrar qual a relação de causalidade entre a proibição imposta e a melhora na qualidade de vida, ou ainda, no estímulo à produção local, muito menos poderíamos classificar os pneus usados, utilizados como matéria-prima, como sendo resíduos.
A Convenção de Basiléia, apontada inicialmente pelo requerente, define claramente o conceito de Resíduos como sendo:
ARTIGO 2
Definições
Para os fins da presente Convenção:
1 – Por ‘Resíduos’ se entendem as substâncias ou objetos, a cujo depósito se procede, se propõe proceder-se, ou se está obrigado a proceder-se em virtude do disposto na legislação nacional;
Demonstra-se que o conceito de resíduo não aponta para a utilização de um objeto como sendo a matéria-prima.
Além disso, nas razões da Convenção encontra-se uma determinação precisa sobre a responsabilidade do gerador pelo tratamento final dos resíduos.
Observando que os Estados devem assegurar que o gerador cumpra suas tarefas no que se refere ao transporte e depósito de resíduos perigosos e outros resíduos numa maneira coerente com a proteção do meio ambiente, independentemente do local de depósito.
O que demonstra estarem os países membros signatários da Convenção de Basiléia obrigados a receberem, quando instados, ao produto por eles exportado. Evidentemente se os pneus fossem considerados como resíduos perigosos, o que não é o caso.
Notadamente a mesma Convenção estipula um prazo para que os países se manifestem a respeito de quais objetos considerados como resíduos perigosos. Este prazo está explicitado no art. 3º, in verbis:
ARTIGO 3
Definições Nacionais de Resíduos Perigosos
1 – Cada Parte deverá, dentro de um prazo de seis meses a contar da data em que se tornar uma Parte da presente Convenção, informar a Secretaria da Convenção a respeito dos resíduos, excluídos aqueles relacionados nos Anexos I e II, considerados ou definidos como perigosos em sua legislação nacional e a respeito de quaisquer requisitos relacionados com os procedimentos adotados para o movimento transfronteiriço desses resíduos.
Ocorre que a proibição imposta pelo Brasil com a Resolução nº 23, data de 12/12/1996, num prazo superior a 4 (quatro) anos quando da adesão brasileira à Convenção de Basiléia, é, portanto, irregular.
Ademais a resolução CONAMA no 258, de 26 de agosto de 1999, que introduziu no país o princípio da responsabilidade do produtor e do importador pela destinação final ambientalmente adequada de pneus, na qual os produtores e importadores ficaram obrigados a coletar e dar destinação ambientalmente adequada a uma quantidade crescente de pneus inservíveis proporcional ao volume de pneus fabricados ou importados introduzidos no mercado doméstico, trouxe a melhor forma de combater o suposto lixo de pneus abandonados pelas estradas, aterros ou amontoados, os quais tiveram como origem a própria indústria nacional de pneumáticos.
Ora, em prol da razoabilidade e da própria sensatez, a realidade do mercado de pneus no Brasil foi modificada com o barateamento dos preços e uma concorrência no segmento somente após a oferta dos pneus remanufaturados. Ademais, o consumo de pneus no Brasil é regulado pelo tamanho de sua frota e não pela quantidade de pneus produzidos ou importados, pelo que, em decorrência da Resolução CONAMA 258/99, há a tendência de redução do passivo de pneus supostamente abandonados independentemente da produção local ou da importação dos mesmos.
Assim é que não se pode afirmar que a proibição da importação de pneus usados para servirem de matéria-prima da indústria nacional de remoldagem como sendo o único meio possível para se proteger o meio ambiente e a saúde humana.
3. Das Decisões Judiciais que autorizam a importação de pneu usado como matéria prima
As empresas tem requerido a tutela jurisdicional do Estado, visando a importação da matéria prima necessária a realização de sua atividade industrial, valendo-se do princípio da legalidade, vez que não há Lei formal que proíba a importação de pneus usados, da Nota Técnica 83/2001 do o InMetro , a qual reconhece a necessidade da importação de pneus usados como matéria prima para indústria de remoldagem de pneus, e que as Licenças de Importação são deferidas em dois campos de anuência pelo DECEX e pelo IBAMA, a qual só defere se devidamente comprovada pela importadora que cumpriu a Resolução CONAMA 258 reciclando os pneus inservíveis em território nacional em quantidade superior a que pretende importar, o Poder Judiciário ao analisar tais ponderações e documentos comprobatórios, quando entendem razoáveis tais argumentos deferem a importação em comento.
O próprio laudo pericial elaborado por peritos da Receita Federal, engenheiro ELCINO DEL PENHO JUNIOR e engenheiro RONALDO FERREIRA BOECKER , reconhece a necessidade de importação dos pneus usados como matéria prima para indústria de reforma de pneus, confira:
4.8-Fornecer outras informações que julgar pertinentes.
Ao final das analises dos lotes inspecionados evidencia-se uma informação importante: pneus usados que servirão como matéria prima para reforma encontram-se em melhores condições quando são provenientes da Europa ocidental e da América do Norte, se comparados com os disponíveis no Brasil e em outros países do terceiro mundo. Isso se deve às más condições a que foram submetidos nestes países durante sua vida útil: sobrecargas nos transportes, manutenção de rodovias, variações de pisos (excesso de buracos, lama, pedras, cascalho, desníveis nas pistas e outras formas de irregularidades das mais variadas) falta de consciência do usuário (gasta-se o pneus até chegar nas lonas) e deficiências de fiscalização das condições dos veículos, fatores que normalmente inviabilizam a carcaça para reforma.
Da análise da norma ABNT NBR NM 225:2000 item 3.1.1 um dos critérios de desclassificação de pneu para reforma é o fato de já ter sido reformado, donde conclui-se que um pneu de automóvel ou seus derivados e rebocados só pode sofrer uma reforma.
As decisões judiciais, contudo, não desautorizam as autoridades ambientais ou qualquer outra de fiscalizar a empresa no que tange ao aproveitamento dos pneus como matéria prima para indústria de reforma de pneus efetivamente, se não o fazem não é por culpa do Judiciário, das empresas ou de seus advogados.
Ao contrário do que o IBAMA preconiza, a importação de pneus não coloca em risco a proteção à preceito fundamental constitucional, mas tão somente estimula o crescimento e a livre concorrência, além de serem uma das poucas atividades em nosso país que prima pelo desenvolvimento sustentável.
Afirma-se que as indústrias nacionais de remoldagem de pneus primam pelo desenvolvimento sustentável vez que obedecem ao regramento imposto pelo CONAMA (Resolução 258/99), o que determina que a partir do ano de 2005 para cada 3 (três) pneus importados 4 (quatro) pneus inservíveis existentes no Brasil deveriam ter uma destinação ambientalmente adequada, sendo que a mesma proporção deve ser aplicada quanto ao peso do pneu usado. Assim é que se chega a uma taxa de 1,33 para cada pneu importado ou para cada tonelada importada.
Neste caso a Resolução trata diferentemente a produção nacional da importação de pneus, pois a taxa nacional é de 1,25 (para cada 4 pneus novos, 5 devem ter uma destinação ambientalmente adequada).
Somente com esta determinação já se pode vislumbrar o resultado quanto ao aspecto de redução do passivo deixado pela indústria nacional de pneus novos, vez que para cada 1 (uma) tonelada de pneus importados, 1,33 (uma vírgula trinta e três) toneladas devem ser destinadas de forma ambientalmente adequada.
Além de retirar os pneus inservíveis deixados pela indústria nacional de pneus novos, as empresas de remoldagem ainda devem manter sua matéria-prima de forma a não comprometer sua qualidade e durabilidade, ou seja, os pneus usados importados são armazenados em locais que impedem o acúmulo de água e que minimizam a possibilidade de queima. Assim é que se pode afirmar que ao se importar 1 (uma) tonelada de pneus, as empresas de remoldagem realmente estão primando pela preservação do meio ambiente e pelo desenvolvimento sustentável, pois elas fizeram com que 1,33 (um vírgula trinta e três) toneladas de pneus abandonados no país deixassem de existir e ainda, deram uma destinação ambientalmente adequada.
Atentas ao equilíbrio na proteção ao meio ambiente, bem como à situação econômico-social do Brasil, os Juízes e Desembargadores, ao julgarem favoravelmente pela liberação à importação de pneus usados com o propósito de servirem de matéria-prima para a indústria nacional, fizeram com que se aplicasse a determinação constitucional da livre iniciativa, da liberdade do comércio, da isonomia ao trabalho, mas antes de tudo e principalmente consideraram o principio da legalidade, vez que não há no Brasil Lei formal que proíba a importação de pneus usados.
Ademais, o IBAMA alega que as decisões judiciais geram conseqüências nefastas ao meio ambiente, o que não é verdade, vez que antes mesmo de proceder à importação, as empresas nacionais de remodalgem de pneus necessitam comprovar que deram destino ambientalmente adequado ao montante de pneus inservíveis existentes no Brasil (conforme a taxa de 1,33), para aí sim poderem ter sua matéria-prima ingressada no país.
Este mesmo expediente de importação e necessidade de comprovação é exigido quando a empresa brasileira importa via Mercosul, só que adicionado um gravame no caso em pauta. Nestes casos, o Brasil adquire pneus do Mercosul, sendo que os pneus não são, necessariamente, originários do Mercosul, podendo existir pneus de outros locais, tais como Comunidade Européia, Estados Unidos, enfim, os países do Mercosul seriam basicamente atravessadores, e os mesmos pneus que seriam importados pelo Brasil diretamente do fornecedor, passam pelos países do Mercosul.
As decisões concedidas versam claramente por estes aspectos, senão vejamos:a decisão proferida nos autos 2003.02.01.018228-4 do TRF da 2ª Região, inclusive apresentado pelo IBAMA:
Deve, também, ser ressaltada a incoerência que se vislumbra no fato de o Brasil permitir a importação de pneus usados para insumo e uso de recapamento do Mercosul e ão admitir tal procedimento quando os pneus são procedentes de outros países.
Todos estes aspectos foram objeto de discussão perante a Organização Mundial do Comércio, a qual, inclusive reconhece que o tratamento diferenciado adotado pelo Brasil é considerado como barreira não tarifária para a importação de pneus reformados no exterior. Neste diapasão, o que a OMC entende é que sob a alegaçao de proteção ao meio ambiente e à saúde, o Brasil deveria ter adotado uma posição eqüânime sobre o tema. Ademais, perante o juízo arbitral do Mercosul, o Brasil sequer propugnou questões relacionadas ao meio ambiente para buscar a não importação de pneus usados dos parceiros na América do Sul, mas tão somente questões de índole comercial. Senão vejamos o posicionamento da própria OMC[3]:
Dizendo isso, nós observamos, como o Painel, que, antes do estabelecimento do Tribunal Arbitral do Mersocul, o Brasil poderia ter pensado em justificar a disputa da barreira de importação nos termos da saúde humana, animal e vegetal sob o Artigo 50(d) do Tratado de Montevidéo. O Brasil, no entanto, decidiu não fazer isso. Não é apropriado para nós imaginarmos o porquê da decisão do Brasil em não invocar o Artigo 50(d), o qual serve de função similar a que o Artigo XX(b) do GATT 1994.
(traduzido)
Fato que causa espanto, vez que a pretensão à barreira de entrada de pneus usados é questão que se revela como sendo de preceito fundamental.
A decisão da OMC foi assim proferida quanto ao aspecto da importação de pneus usados via Mercosul:
… entendeu entretanto, que a exceção do Mercosul tem resultado em uma barreira tarifária sendo aplicada de maneira que constitui discriminação arbitrária e injustificável, contra o significado do caput do artigo XX[4];
(traduzido)
O artigo citado refere-se ao GATT e assim está redigido:
ARTIGO XX
EXCEÇÕES GERAIS
Desde que essas medidas não sejam aplicadas de forma a constituir quer um meio de discriminação arbitrária, ou injustificada, entre os países onde existem as mesmas condições, quer uma restrição disfarçada ao comércio internacional, disposição alguma do presente capítulo será interpretada como impedindo a adoção ou aplicação, por qualquer Parte Contratante, das medidas:
O texto acima demonstra que o Brasil, não pode utilizar-se de barreiras não tarifárias injustificadas a fim de impedir a entrada dos pneus usados como matéria-prima, pois o mercado está aberto para quem quiser exportar para a Comunidade Européia, isto é, caso a empresa brasileira importe os pneus usados e realize o processo de remoldagem, a empresa pode posteriormente exportar para a Comunidade Européia, pois não há restrições para este tipo de comércio.
Conclui-se que o julgamento da OMC está em sintonia com as liminares exaradas, não sendo, em momento algum, contrárias ou gerando conseqüências nefastas ao meio ambiente e à saúde pública.
Ainda assim o IBAMA vem alegando grave lesão ao preceito fundamental representado pelo direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, no entanto olvida-se que a própria Resolução CONAMA 258/99, fiscalizada pelo IBAMA é quem regula a matéria relacionada a pneus (em sentido amplo). É esta resolução quem determina a destinação ambientalmente adequada, inclusive determina quais os locais proibidos para descarte de pneus inservíveis, é ela quem determina o modus operandi da fiscalização e aplicação de multa.
Pouco importa se os pneus são produzidos no Brasil ou vem do exterior para servirem de matéria-prima para a indústria nacional, o que o Brasil pretende e o que os cidadãos brasileiros querem é que toda a atividade empresarial seja pautada pela ética e focada no desenvolvimento sustentável.
Impedir a importação de pneus usados para servirem de matéria-prima, sendo que a importação é realizada via Mercosul, é medida discriminatória e injustificável, principalmente pelo fato no qual o próprio IBAMA reconhece que no ano de 2005 foram importados aproximadamente 12 milhões de pneus usados, no entanto ele não mencionou o benefício decorrente desta importação, qual seja, o emprego de trabalhadores brasileiros e a retirada do meio ambiente de aproximadamente 15.960.000 (quinze milhões, novecentos e sessenta mil pneus), isto é, aproximadamente 4 milhões de pneus a mais do que foi importado, além de que os 12 milhões de pneus importados estão adequadamente armazenados. Pode-se, dizer com segurança, que foram retirados do meio ambiente, somente no ano de 2006, pelo menos 16 milhões de pneus inservívei
Caso realmente o IBAMA pretendesse defender a indústria nacional, deveria impedir a importação de pneus reformados provenientes do exterior, o que, ainda assim, estaria contrariando as normas do GATT.
O próprio governo brasileiro já provou não ser medida indispensável para a proteção da saúde pública e para a preservação do meio ambiente a vedação, pois há liberdade para a importação via Mercosul e neste sentido, independentemente da quantidade de pneus importados, o motivo central, o objetivo perquerido é o mesmo.
As alegações para que a vedação deva prosseguir residem em fatores ultrapassados, em conhecimentos estagnados, enfim no que realmente não se deve fazer com os pneus.
Hoje em dia há, sim, métodos eficazes para se eliminar os resíduos dos pneus, sendo os mais comuns: a desvulcanização, a queima em fornos, a utilização como tinta para impressora, utilização como recifes de corais visando o aumento da produção pesqueira, a utilização em composto do asfalto, tapetes de borracha, solas de sapato, enfim uma infinidade de métodos e destinações.
Assim é que o IBAMA não pode atrelar uma idéia ultrapassada para impedir o desenvolvimento nacional, a livre concorrência, a liberdade de comércio e a geração de empregos.
As alegações do IBAMA de que o meio mais comum de se destinar os pneus é a incineração está correto, no entanto, a conclusão a que chega é completamente desvirtuada da realidade e antagônica às licenças emitidas pelo próprio IBAMA.
A exemplo deste aspecto, a cimenteira localizada na cidade de Rio Branco do Sul, pertencente ao grupo Votorantim, utiliza pneus como fonte de energia em seus fornos, vez que o pneu contém a energia de 9,4 litros de petróleo, ou seja, com a combustão regulada por meio de filtros, a empresa economiza gás, carvão e petróleo. Além disso, a empresa mantém, ao lado das chaminés, um jardim com diversas plantas e animais que funciona como termômetro para medir os impactos das emissões; isto porque há limites de emissões, regulados em lei, sendo inclusive fiscalizado pelo IBAMA, para o fim de garantir a qualidade do processo adotado pela empresa. Este exemplo foi, inclusive noticiado na rede paranaense de televisão em 20 de novembro de 2007, demonstrando que uma empresa sendo fiscalizada, implementando os procedimentos corretos e obtendo a licença de funcionamento pelo próprio IBAMA, pode realiar a destinação ambientalmente adequada do pneu inservível.
A empresa Petrobrás localizada em São Mateus do Sul, no estado do Paraná, é outro exemplo de como se destinar de forma ambientalmente adequada os pneus inservíveis. Na própria página da internet a empresa assim se manifesta:[5]
Enquanto no mundo inteiro o pneu é considerado um grave problema ambiental, principalmente pela demora para se decompor – pelo menos 600 anos – no estado do Paraná, a Unidade de Negócio da Industrialização do Xisto, da Petrobras, está reciclando o produto. A Unidade do Xisto recebe os pneus inservíveis de empresas fabricantes e importadoras do Paraná, Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
Desde que a tecnologia foi implantada, em maio de 2001, a Unidade de Negócio da Industrialização do Xisto, da Petrobras, já reciclou mais de 9 milhões de pneus. No co-processamento de pneu e xisto, são obtidos gases, óleo combustível e enxofre utilizado na agricultura e indústrias farmacêuticas e de vulcanização. Cada pneu retortado fornece 52% de óleo, 2,4% de água, 3,6% de gás e 42% de resíduo que, misturado ao xisto já beneficiado, serve de insumo para termelétricas ou pode retornar ao solo sem comprometer o meio ambiente. O arame dos pneus é levado para reciclagem nas indústrias siderúrgicas. Essa é mais uma das formas que a empresa encontrou para contribuir com a melhoria da qualidade da vida urbana.
Ocorre que a quantidade de pneus utilizados pela empresa para realizar o processo é muito inferior ao que ela está apta a consumir, senão vejamos a declaração do diretor de Abastecimento da empresa, Paulo Roberto Costa em 3/5/2005[6]:
Segundo Costa, a unidade de São Mateus do Sul transformou-se num importante laboratório da empresa, em escala natural, para as áreas de refino e petroquímico. Na unidade, funciona também uma usina de reciclagem de pneus com capacidade para 400 toneladas por dia. “Infelizmente está processando somente 48 toneladas por dia, porque falta matéria prima em função de restrições na legislação”.
Pelo que, além de dominar a tecnologia para dar a destinação ambientalmente adequada, a empresa não consegue obter quantidade suficiente do produto para suprir a capacidade plena da fábrica, relembrando que a empresa recebe material de Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
Há também a empresa Midas Elastômeros, que desenvolve um procedimento de desvulcanização da borracha com tecnologia própria, demonstrando, novamente, que o IBAMA omitiu a real situação das empresas brasileiras quanto ao aspecto de reciclagem de pneus. No próprio site[7] da empresa Midas pode-se verificar a descrição do processo:
Focada num nicho de mercado pouco explorado no país e comprometida com a solução de uma grave questão que afeta a saúde pública, a Midas Elastômeros é a única empresa do Brasil com tecnologia (própria e nacional) capaz de reciclar pneus com 100% de aproveitamento e transformá-los em borracha regenerada (desvulcanizada), ajudando a resolver o grave problema ecológico provocado pelos milhões de carcaças de pneumáticos usados que afetam o meio ambiente. …
Na reciclagem, o aço é separado do pneu e a borracha é reprocessada, possibilitando a fabricação de novos artefatos. O leque de produtos é imenso, e a aposta atual da Midas é o Master de Borracha MIDASBOR, produzido totalmente de borracha regenerada, destinado a indústrias de artefatos de borracha. O regenerado Midas é um dos componentes da formulação de um determinado composto elastomérico, com o qual é possível a produção de uma gama imensurável de artefatos, como tapetes para automóveis, solados para calçados, correias transportadoras, pneumáticos específicos, entre outros.
Enfim, a alegação de que os métodos são muito custosos economicamente e de não assegurarem a incolumidade do meio ambiente e da saúde não são verdadeiros, pois há empresas com tecnologia, licenciadas junto ao IBAMA e capazes de reciclar os pneus existentes no país, basta, portanto, que a atividade de conscientização e de fiscalização sejam realizadas de forma adequada.
O governo brasileiro ainda permanece discutindo a existência de pneus em aterros, o que também não é verdade, pois a exemplo dos aterros sanitários de Curitiba (Caximba) e de Santos, os pneus que aportam nestas localidades são prontamente retirados por uma empresa especializada, a qual encaminha os pneus aos seus recicladores, além de que a disposição de pneus em aterros sanitários é considerada ilegal pela própria Resolução CONAMA 258/99.
Além da inexistência de pneus em aterros, tão pouco é verídica a acertiva do IBAMA quanto ao acúmulo dos pneus ao ar livre. As empresas de remoldagem de pneus necessitam dos pneus inservíveis para cumprir as metas determinadas pela Resolução CONAMA 258/99, assim como a indúsria nacional de pneus novos, pelo que a notícia da existência de qualquer quantidade de pneus ao ar livre, como sendo res nulius seriam rapidamente coletados por algum interessado.
Outra falácia, são os pneus abandonados pelas estradas brasileiras. Ocorre que as rodovias pedagiadas possuem procedimentos próprios para que nenhum resíduo seja banda de rodagem, restos de pneus e de qualquer outro produto permaneçam na pista de rodagem. Tanto é assim que as rodovias pedagiadas do Paraná, Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Minas Gerais, reconhecem não existirem pneus ou restos de pneus abandonados ao longo dos trechos das concessionárias.
Obviamente nem todas as rodovias do país são pedagiadas ou estão sob os cuidados de uma concessionária, no entanto há impostos pagos pelos brasileiros e estrangeiros que devem ser utilizados na manutenção das estradas, sejam estaduais ou federais, não podendo o Poder Público se esquivar de sua responsabilidade pela fiscalização e manutenção das estradas que ainda não foram entregues aos particulares.
A defesa brasileira junto à OMC sempre se pautou pela dificuldade em se dar a destinação ambientalmente adequada e que o Brasil gera uma quantidade significativa de pneus inservíveis por ano, na ordem de 40 milhões de pneus. Muito embora o volume seja expressivo, deve-se ressaltar que, se foram produzidos 40 milhões de pneus inservíveis, quer dizer que outros 40 milhões devem ter sido comercializados, sejam pneus novos ou reformados, e que então entre 50 a 53,2 milhões de pneus tiveram sua destinação ambientalmente adequada, em conformidade com a Resolução CONAMA 258/99. Caso este volume de pneus não tenha sido destinado adequadamente conforme determinado pela norma, o IBAMA, com o poder fiscalizatório e punitivo deveria ter autuado as empresas.
Assim é que a conjugação dos fatores, tais como a capacidade para dar a destinação ambientalmente adequada por parte das empresas nacionais e a exigência determinada pela norma (Resolução CONAMA 258/99), não se pode aceitar que a única medida para defender o meio ambiente e a saúde pública seja por meio da proibição das importações, pois se dentro do passivo de 40 milhões de pneus gerados no Brasil não se incluem os importados, quer dizer que o passivo é gerado pela própria indústria nacional de pneus novos e que eles não dão a destinação ambientalmente adequada do que manda a Resolução. Ademais, ao importar as carcaças de pneus, a indústria nacional é obrigada a comprovar a destinação ambientalmente adequada antes mesmo de ter a liberação de importação da mercadoria.
Ocorre que o IBAMA afirma que segundo os dados do Ministério do Meio Ambiente, existem no Brasil 100 milhões de pneus abandonados, e que a cada ano são gerados mais 40 milhões de pneus, e que somente em 2005 foram importados 12 milhões de pneus usados para servirem de matéria-prima para a indústria nacional de remoldagem. Analisando os números, podemos montar a seguinte tabela:
Quantidade de pneus | Taxa | Destinação |
40.000.000 | 1,25 | 50.000.000 |
12.000.000 | 1,33 | 15.960.000 |
52.000.000 | 65.960.000 |
Este simples cálculo demonstra que se foram gerados 40 milhões de pneus, quer dizer que outros 40 milhões de pneus foram produzidos em nosso país, logo a taxa de aplicação conservadora, conforme determinação da Resolução CONAMA 258/99 é de 1,25. Há ainda o dado de que foram importados somente em 2005 uma quantidade de 12 milhões de pneus usados para servirem de matéria-prima para a indústria nacional de remoldados, sendo assim, utiliza-se a taxa de 1,33.
Assim é que segundo os dados mais conservadores, foram gerados no mercado 52 milhões de pneus para uso (novos e reformados) com armazenamento adequado, sendo que foram removidos de circulação aproximadamente 66 milhões de pneus inservíveis.
Novamente tomando como base os dados fornecidos pelo próprio IBAMA, verificamos que:
Passivo histórico | Pneus inservíveis anual | TOTAL |
100.000.000 | 40.000.000 | 140.000.000 |
Pelo que podemos chegar à quantidade de pneus inservíveis supostamente abandonados no ano de 2005 como sendo de 140 milhões. Ocorre que não se deve olvidar da determinação da Resolução CONAMA 258/99 para concluir a real situação de pneus. Sendo assim, chega-se aos seguintes valores:
Total de pneus inservíveis | Destinação | TOTAL |
140.000.000 | 65.960.000 | 74.040.000 |
De onde se verifica que o número de pneus inservíveis supostamente abandonados decresce a cada ano, vez que a Resolução CONAMA 258/99 determinou a destinação ambientalmente adequada. Esta Resolução é um marco histórico e voltado especificamente para o desenvolvimento sustentável.
Assim é que não se concebe a idéia de que os pneus usados para servirem de matéria-prima, são tão nefastos quanto o IBAMA quer fazer crer. O que se necessita é de uma fiscalização rígida e comprometida com o desenvolvimento sustentável, uma fiscalização presente, com recursos, equipamentos e pessoal capacitado.
Ocorre que a outra vertente de defesa do IBAMA se pauta pela reutilizacão dos pneus usados nacionais. Muito embora os pneus novos produzidos no Brasil tenham boa qualidade e poderiam ser utilizados como matéria-prima para a atividade de remoldagem, o certo é que o brasileiro, devido à baixa renda e ao elevado custo dos pneus novos, faz uso dos pneus até que praticamente apareça o metal. Não se vislumbra a possibilidade de recuperação dos pneus usados nacionais para servirem de matéria-prima, pois são pneus inservíveis.
Quando as empresas brasileiras de remoldagem importam pneus usados para servirem como matéria-prima, eles se utilizam de critérios de qualidade dos pneus estrangeiros, vez que no país de origem os pneus usados são classificados conforme a possibilidade de reforma. Ademais, não há interesse da empresa importadora em que os pneus usados importados sejam inservíveis, pois neste caso ele estaria assumindo um prejuízo para o seu próprio negócio, mesmo assim o pneu inservível não estaria mais abandonado no meio ambiente, mas sim armazenado nas empresas importadoras.
Por mais que o ciclo de vida dos pneus seja de uma reutilização, ainda assim a importação de pneus usados para servirem como matéria-prima é viável e ambientalmente recomendado, pois a reciclagem de pneus usados nacionais não obriga a uma destinação ambientalmente adequada de uma porcentagem de pneus inservíveis, ao passo que para a importação poderíamos dizer que seria uma espécie de requisito de admissibilidade.
A conclusão apresentada pelo IBAMA não se pauta pela realidade do mercado e tão pouco decorreu de visitas e de pesquisas, pois afirmar que os pneus usados importados aumentam de pronto o número de pneus que colocam em risco o meio ambiente e a saúde é completamente leviano. Ao analisar qualquer importação, o importador segregará, se houver, os pneus inservíveis dentro de seu estabelecimento e não irá abandoná-los ao longo de aterros, rodovias, rios ou lagos, pois estes pneus inservíveis serão úteis para uma nova importação que se fizer necessária.
Assim é que por mais que o IBAMA pretenda desprezar os benefícios trazidos pela importação, não há como relacionar que afetem negativamente o meio ambiente, pois na realidade os que ocorre é a diminuição do passivo histórico de pneus inservíveis.
Ocorre que o IBAMA singelamente quer relacionar apenas o incremento de pneus com a importação, sem que para isso demonstre a contra-partida exigível para Resolução CONAMA 258/99. Caso não fosse exigida a contra-prestação por parte dos importadores, aí sim existiria o risco descrito pelo IBAMA quanto ao impacto ambiental e à saúde, pois ninguém estaria obrigado a destinar ambientalmente de forma adequada os pneus, o que não egendraria a preocupação em criar procedimentos nacionais de reutiização e de desenvolvimento de novas técnicas de co-processamento dos resíduos de pneus.
Ademais, a acertiva do IBAMA no qual a importação de pneus atende a interesses privados, novamente o IBAMA não analisa a questão sobre o enfoque superiro, ou seja, a iniciativa privada necessita obter lucro para assumir o risco de produzir no Brasil, vez que as altas taxas de impostos e as duras regras trabalhistas praticamente inviabilizam os negócios. Notadamente o IBAMA ofereceu auxílio na forma de fomento às atividades de pesquisa e de desenvolvimento de novas técnicas de reaproveitamento do pneu.
Não se pode esperar muito, vez que preocupação brasileira é a de simplesmente barrar a importação de matéria-prima para a atividade que emprega milhares de brasileiros. É preferível demitir os brasileiros e montar as empresas nos países do Mercosul, pois aí poderão ser exportados ao Brasil a mesma matéria que ora se pretende rejeitar.
De fato, a busca pela vedação à importação e o descaso para a realidade não devem sobrepujar a visão econômico-social e o desenvolvimento sustentável que ora se demonstra.
Assim é que não se pode considerar a proibição da importação de pneus usados para servirem de matéria-prima como sendo a única medida eficaz de proteger o meio ambiente e a saúde pública.
Neste diapasão, em decorrência da existência de meios eficazes e economicamente viáveis capazes de dar a destinação ambientalmente adequada, a medida adotada pelo IBAMA não se pauta pela razoabilidade, afetando sobremaneira sua legalidade e constitucionalidade.
A defesa do meio ambiente está consubstanciada pelo artigo 170, inciso VI, da Constituição Federal, onde se prevê o tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação.
A nossa Carta Magna não pretendeu restringir a livre iniciativa e a liberdade de comércio com o termo “tratamento diferenciado”. Ela buscou a aplicação de regras e princípios destinados a equilibrar a atividade econômica com a proteção e preservação ambiental, ou seja, evidenciou uma mudança generalizada de maior preocupação com o meio ambiente associado à necessidade de desenvolvimento, resultando no que se conhece por desenvolvimento sustentável.
A interpretação unilateral e subjetiva que o IBAMA fez do dispositivo da Constituição Federal não merece prosperar, pois o tratamento diferenciado a que se refere a Carta Magna está relacionada com medidas de proteção ambiental tais como a Resolução CONAMA 258/99, a que dá tratamento diferenciado para a produção de pneus novos no país, dá tratamento diferenciado para a importação de pneus novos, dá tratamento diferenciado para a importação de pneus usados reformados, e dá tratamento diferenciado para a importação de pneus usados para servirem de matéria-prima.
Certamente a atividade econômica desenvolvida por qualquer das empresas nacionais, sejam para a produção de pneus novos, como para a remoldagem de pneus, todas elas devem seguir a mesma determinação constitucional, qual seja, a preservação do meio ambiente e da saúde pública. Tanto é assim que todas estas empresas buscam cumprir a determinação da Resolução CONAMA 258/99, e o IBAMA realiza a fiscalização deste cumprimento.
Pelo que não há razoabilidade na medida proposta pelo IBAMA, vez que a proibição da importação da matéria-prima para a indústria nacional afetará diretamente as empresas, as quais fecharão suas unidades, demitirão seus funcionários, poderão se instalar em outros países do Mercosul, poderão exportar o mesmo produto para o Brasil, e terá reflexo nas indústrias que se beneficiam com os pneus inservíveis no Brasil, tais como a cimenteira Rio Branco, a produção de xisto, a criação de novos recifes artificiais para aumento de pesca, e o próprio interesse pela pesquisa de destinação cada vez mais abrangente dos resíduos do pneu.
Vale ressaltar que o co-processamento do pneu de forma ambientalmente adequada é matéria de extremo interesse, vez que se pode incuir como crédito de carbono.
Rapidamente, o crédito de carbono é uma medida utilizada internacionalmente para a economia que se faz ao não se emitir 1 (uma) tonelada de gases geradores do efeito estufa. Os créditos que forem comprovados nacional e internacionalmente podem ser comercializados na bolsa de valores. Além deste aspecto, os países signatários do Protocolo de Quioto e considerados como desenvolvidos devem reduzir sua emissão de gases causadores do efeito estufa em 5,2% do percentual do que era emitido em 1990 até o período compreendido entre os anos de 2008 a 2012.
Ademais, os países obrigados a reduzir a emissão e que não consigam fazê-lo, podem adquirir na bolsa ou de outra forma (negociação com governos, subsidiar a pesquisa e o desenvolvimento de novas técnicas, investir em novos projetos que economizem a emissão de gases) os créditos de carbono respectivos à sua quota de redução.
Este é um novo nicho de mercado que o Brasil poderia ser pioneiro, pois apresenta projetos consistentes na destinação ambientalmente adequada dos pneus, bem como tem tecnologia nacional para desvulcanização do pneu, e ainda, seus processos de filtragem de cimenteiras e de enriquecimento do xisto são exemplos a serem seguidos por toda a humanidade.
Pelo que a afirmação do IBAMA de que existem 100 milhões de pneus no país, e que eles estão aguardando serem empregados como matéria-prima pela indústria da reforma de pneus é completamente equivocada. Isto porque o próprio IBAMA reconheceu que somente 30% deste montante seria capaz de ser utilizado como matéria-prima, e que assim, somente 30 milhões estariam aptos a sofrer o processo de reforma.
Analisando a previsão brasileira, se em 2005 foram importados 12 milhões de pneus, isso quer dizer que em menos de 3 anos a quantidade de pneus abandonados não mais seria suficiente para alimentar a indústria nacional, ou seja, a proibição, ainda que fossem utilizados os pneus abandonados, determinaria o fechamento das indústrias de remoldagem ao longo prazo.
Neste diapasão é notória a ofensa ao regime constitucional da livre iniciativa e da liberdade de comércio.
Para que se visualize a ofensa ao princípio da isonomia, inicialmente é necessário conhecer o fundamento pelo qual o governo brasileiro tem se manifestado para tentar proibir a importação de pneus usados para servirem de matéria-prima para a indústria nacional de remoldagem.
O fundamento adotado tanto em sede de argüição de descumprimento de preceito fundamental, como na defesa apresentada pelo governo brasileiro junto à OMC foi a da proteção ao meio ambiente e da saúde pública face ao risco de serem causados danos irreparáveis causados por doenças e mazelas da disposição ambientalmente inadequada dos pneus abandonados.
Ocorre que o governo brasileiro, adota uma posição de defesa do meio ambiente somente quando o aspecto relacionado à importação de pneus é determinada pelo resto do mundo, pois para o Mercosul não há referida vedação. Isto significa dizer que o pneu importado do mercosul é menos poluente ou menos perigoso que o importado de qualquer outra parte do mundo.
Em que pesem os argumentos do IBAMA a respeito do laudo arbitral do Mercosul, o certo é que o Brasil jamais alegou a defesa do meio ambiente e da saúde pública para impedir a importação de pneus usados do Mercosul.
Assim é que a decisão da própria OMC reconhece que houve sim discriminação por parte do governo brasileiro ao se pretender barrar a importação de pneus usados da Comunidade Européia e não barrar os mesmos pneus provenientes do Mercosul.
… entendeu entretanto, que a exceção do Mercosul tem resultado em uma barreira tarifária sendo aplicada de maneira que constitui discriminação arbitrária e injustificável, contra o significado do caput do artigo XX[8];
(traduzido)
Todos estes aspectos foram objeto de discussão perante a Organização Mundial do Comércio, a qual, inclusive reconhece que o tratamento diferenciado adotado pelo Brasil é considerado como barreira não tarifária para a importação de pneus reformados no exterior. Neste diapasão, o que a OMC entende é que sob a alegação de proteção ao meio ambiente e à saúde, o Brasil deveria ter adotado uma posição eqüânime sobre o tema. Ademais, perante o juízo arbitral do Mercosul, o Brasil sequer propugnou questões relacionadas ao meio ambiente para buscar a não importação de pneus usados dos parceiros na América do Sul, mas tão somente questões de índole comercial. Senão vejamos o posicionamento da própria OMC[9]:
Dizendo isso, nós observamos, como o Painel, que, antes do estabelecimento do Tribunal Arbitral do Mersocul, o Brasil poderia ter pensado em justificar a disputa da barreira de importação nos termos da saúde humana, animal e vegetal sob o Artigo 50(d) do Tratado de Montevidéo. O Brasil, no entanto, decidiu não fazer isso. Não é apropriado para nós imaginarmos o porquê da decisão do Brasil em não invocar o Artigo 50(d), o qual serve de função similar a que o Artigo XX(b) do GATT 1994.
(traduzido)
Fato que causa espanto, vez que a pretensão à barreira de entrada de pneus usados é questão que se revela como sendo de preceito fundamental.
É certo que o direito ao meio ambiente é um direito metaindividual, o qual deve ser perquerido por todos e principalmente pelo Estado. Mas esta busca pelo bem comum deve ser aplicada de forma a permitir que todos possam competir de forma igual, seja na área do trabalho como também na concorrência e livre iniciativa.
Ora, o governo brasileiro, por meio da Resolução CONAMA 258/99 fez prever uma determinação para que fossem destinados ambientalmente de forma adequada os pneus inservíveis tanto para a indústria nacional quanto para os pneus importados, isto sim é a prova do tratamento isonômico, e ainda melhor, determinou que para os pneus importados a taxa de destinação deveria ser maior que a aplicada à indústria nacional. Novamente a Resolução demonstra o seu caráter de tratamento isonômico e também de tratamento diferenciado como determina a Constituição Federal.
Pelo que, em acertada decisão, equiparando-se às decisões judiciais proferidas no Brasil, a OMC não concordou com o argumento brasileiro de que a decisão de importar do Mercosul era uma obrigação à parte, que não deveria ser considerada como mercado geral, mas sim, regional. A OMC entendeu que se o Brasil necessita proteger o meio ambiente e a saúde pública, então a liberdade de importação para qualquer país ou bloco é contra a alegação inicialmente proposta pelo Brasil, independentemente do volume de pneus importados.
Assim é que se entende que a medida adotada pelo governo brasileiro ofende ao princípio da isonomia.
4. Da não ocorrência de grave lesão à ordem pública
Não há lesão à ordem pública, seja ela jurídica ou administrativa, vez que não há concurso de prejuízo à estruturação política ambiental nacional e muito menos prejuízo ao comércio exterior brasileiro quando se trata da importação de pneus usados destinados à matéria-prima da indústria nacional. O que há neste caso é a simples observância dos preceitos constitucionais da liberdade de comércio e da livre concorrência.
Quanto ao aspecto do comércio exterior, a proibição imposta pelo Brasil é, ela sim, prejudicial aos negócios brasileiros no exterior, vez que demonstram a inexistência da segurança jurídica nas relações comerciais internacionais nas quais o Brasil seja parte.
Isto é notório quando se fala na barreira não tarifária imposta pelo Brasil, a qual é veementemente rechaçada pela Comunidade Européia, pois o produto comercializado tanto pode servir de matéria-prima como de fonte de energia para as empresas brasileiras, como também pode ser exportado para a própria Comunidade Européia sob a forma de pneus reformados.
Infelizmente o IBAMA ainda não imaginou a importante tarefa que o Brasil tem na seara de pneus. O Brasil é celeiro de grandes idéias, ações e projetos nesta área, possuindo procedimentos próprios a fim de destinar de forma ambientalmente adequada os pneus inservíveis em nosso país.
Inicialmente o IBAMA manifestou que os procedimentos de reciclagem relacionados a pneus sempre eram inseguros ou economicamente inviáveis.
Em que pese a ultrapassada ponderação, há prova suficiente nas empresas citadas anteriormente (Petrobrás, Cimenteira Rio Branco do grupo Votorantim, Midas Elastômeros) dentre tantas outras espalhadas em nossa imensidão que demonstram ser o procedimento plenamente adequado, economicamente viável, seguro sob o ponto de vista da saúde pública, e ainda, em muitos casos, com a solução desenvolvida em nosso próprio país.
Isto não só demonstra a seriedade na qual todas as empresas relacionadas ao processamento do pneu usado possuem como também a sua evolução e a capacitação, comprovando uma vez mais que o artigo 170, inciso VI, da Constituição Federal é observado.
Ademais, o artigo 225, da Constituição Federal, que insere o conceito de desenvolvimento sustentável, também é observado quando se busca aplicar uma taxa de 1,33 para a destinação ambientalmente adequada quando da importação de pneus usados (matéria-prima). Mas não é somente esta a prova do respeito à ordem pública, como também o desenvolvimento de projetos baseados no uso de pneus para o aumento da produtividade pesqueira; a utilização de pneus como fontes de energia, os quais economizam aproximadamente 9 litros de petróleo para cada pneus incinerado nas cimenteiras; são também projetos de destinação ambientalmente adequada dos pneus que geram créditos de carbono, um espécie de moeda para os países desenvolvidos que necessitam cumprir as metas do Protocolo de Quioto.
Infelizmente o IBAMA pretende fazer crer que a situação é mais dramática do que se vê na realidade.
A importação de pneus usados vem motivando uma batalha judicial nos últimos anos. Em 2006, a Presidência da República, por meio da Advocacia Geral da União (AGU), ingressou com um questionamento no Supremo Tribunal Federal (STF) – a ADPF n° 101 – Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, que foi protocolada no Supremo Tribunal Federal no dia 24.09.06 – contra decisões em todo o país que autorizaram a importação de pneus usados.
No Paraná, o governo estadual já ingressou com uma ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade – no Supremo Tribunal Federal (STF) defendendo a importação de pneus usados, pois, segundo o governador Roberto Requião, as carcaças de pneus importados servem de matéria-prima para a indústria de remoldados.
Na tentativa de impedir tais importações, a Presidência da República e a Advocacia Geral da União, conforme já mencionado, entraram com ação no Supremo Tribunal Federal alegando que a legislação brasileira já proíbe este tipo de importação. Agora, os principais pontos da decisão da OMC serão encaminhados pelo governo federal ao Supremo.
Segundo a AGU, desde 1991 diversas portarias e decretos foram editados para proibir essa importação, mas uma série de decisões judiciais vem autorizando a entrada dos pneus usados no país. A questão continua em análise, sem previsão de conclusão, no tribunal.
O governo aguarda esta decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a “argüição de descumprimento de preceito fundamental”, em que o Executivo pediu a rejeição definitiva das liminares em tribunais locais que permitem a importação de pneus usados, para remodelagem no país. O Supremo, em dezembro, rejeitou algumas dessas liminares e há no Planalto a expectativa de que a demora em decidir sobre a argüição do Executivo se deve ao interesse em conhecer o resultado final da decisão da OMC. Sendo que em 27 de junho de 2008, ocorreu a audiência pública sobre o tema junto ao STF, na qual foram ouvidos vários especialistas.
No Congresso, é forte o lobby da bancada do Paraná em favor da importação dos usados, matéria-prima da principal remodeladora no país, instalada no Estado.
Com a proibição da importação de pneus usados para uso exclusivo como matéria-prima nas indústrias de pneus remoldados, na mesma hora haverá uma debandada geral das fábricas brasileiras para o Paraguai e de lá haverá exportação para o Brasil.
Conclusão esta baseada nas excelentes condições oferecidas pelo país vizinho, a começar pela isenção de tributos na importação de matérias-primas e sem o equivalente ao “custo Brasil”.
Segundo os representantes da indústria de pneus remoldados, o setor passa por uma crise em razão desse impasse jurídico.[10]
Para os empresários desse setor, a indústria de remoldados é a única que consegue enfrentar a concorrência chinesa, pois tem condições de oferecer pneus de qualidade a baixo custo.
Atualmente, mais de 1,6 mil empresas do setor trabalham com 40% de ociosidade por falta de matéria-prima e, é oportuno destacar ainda, que os pneus reformados custam em média entre 30% a 40% a menos e todos têm o selo de qualidade do Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro). Sendo assim, é difícil enxergar quais os prejuízos causados ao Brasil, senão ao bolso das grandes multinacionais.
5. Da inexistência de dano ao meio ambiente
Pelo anteriormente descrito, em conjunto com as determinações legais apresentadas, mais precisamente à Resolução CONAMA nº. 258/99, não há nexo de causalidade entre a importação de pneus usados ou até mesmo remanufaturados e o acúmulo ou acréscimo de pneus abandonados/inservíveis na natureza.
Ocorre que a indústria de recapagem necessita importar carcaça para desenvolver sua atividade conforme atesta o INMETRO órgão do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior – MDIC Nota Técnica nº. 83/2000.
Para corroborar tal entendimento é oportuno salientar que as indústrias realizam o processo de recapagem em pneumáticos e que este processo utiliza a carcaça (aço e lona) de um pneu usado, retirando toda a camada de borracha usada e aplicando um novo composto de borracha, passando por testes de qualidade e rodagem, conforme já atestou o TECPAR- Instituto Tecnologia do Paraná em Relatório de nº. 52740.
Por outro lado, o consumidor final, que necessita investir para comprar pneus e manter sua atividade de transportes, tem vantagem, pois adquire um pneu 40% mais barato do que um novo e com a mesma qualidade de um pneu novo e a mesma garantia dada pelos fabricantes, qual seja 40.000Km[11].
À guia de esclarecimento, segundo estudo apresentado pela Associação Brasileira dos Recauchutadores e Reformadores e Remoldadores, tem-se que:
“De maneira comprovada podemos afirmar que cerca de dois terços dos pneus usados no transporte rodoviário são reformados. Esse fato também nos trouxe à consciência de que proporcionamos ao país mais de R$600 milhões de reais de economia anual, somente no ítem petróleo para fabricação de pneus. Sabemos também que sem o setor de recapagem de pneus, o país teria que dispor de aproximadamente US$ 3 bilhões para suprir a lacuna que seria gerada pela inexistência do setor de recapagem. De quebra, somos ainda responsáveis pelo emprego direto de 25 mil brasileiros e estamos distribuídos em todo o território nacional com cerca de 1.257 empresas.”
E, exatamente, por favorecer o consumidor com um produto com a mesma qualidade e preço muito mais acessível é que as concorrentes multinacionais que fabricam pneus no Brasil querem acabar com este importante segmento da indústria nacional, fazendo lobby junto ao Poder Executivo, para que este passe a emitir atos infralegais que venham por aniquilar as recapadoras do Brasil.
O pneu reformado é encarado como um problema e não uma solução o que realmente ele é, porque tem capacidade de adiar destino final das carcaças, alivia o meio ambiente e contribui para a redução dos custos do transporte. O setor é responsável pela economia de mais de 6 bilhões de reais por ano e mais de 40 litros de petróleo por pneu, caso o transporte rodoviário tivesse que adquirir somente pneus novos.
As empresas reformadoras adotam a segurança como eixo fundamental de seus negócios, haja vista a importância que o requisito apresenta para seus usuários e para a população em geral.
O procedimento de análise e verificação das carcaças é tão sério que as empresas utilizam-se de técnicas especiais para verificação da matéria-prima. Estas verificações vão desde utilização de ultra-som, equipamentos que detectam microfissuras, processo de xerografia, além de técnicas específicas desenvolvidas internamente.
Face à necessidade de dar segurança e garantia ao consumidor final é que a indústria de recapagem vem importando a estrutura (carcaça) a qual é de melhor qualidade, pois no Brasil como não há Lei que controle o uso dos pneus e as estradas não propiciam uma conservação adequada, os brasileiros acabam por utilizar o pneu até a lona, comprometendo a estrutura metálica do pneu, tornando a recapagem impossível.
Nesse passo, somando à determinação da Resolução CONAMA nº. 258/99, comprovado está que a atividade de recapagem de pneus não causa danos ao meio ambiente e que as indústrias reciclam uma quantidade extremamente superior ao que necessitam importar, limpando as cidades, favorecendo o consumidor final de pneus, gerando empregos e fortalecendo a indústria nacional, e quiçá amanhã, ter-se-á um pneu genuinamente brasileiro, para que possamos sair da subserviência das multinacionais, que crescem cada vez mais em detrimento da indústria nacional.
Em suma, as empresas existentes no país possuem forte compromisso ambiental, haja vista a preocupação no reaproveitamento/reciclagem dos pneus abandonados (inservíveis).
O cerne do problema nos parece estar situado na questão do entendimento correto do conceito do dano ambiental no sentido do art. 14, § 1º, da lei 6.938/81.
Viana Bandeira destaca, com efeito, que na indagação sobre o conteúdo do conceito “dano ambiental”, teríamos de considerar que o mesmo, por um lado, apresenta-se como um fenômeno físico-material, por outro lado pode integrar um fato jurídico qualificado por uma norma e sua inobservância e que somente pode cogitar-se um dano se a conduta for considerada injurídica no respectivo ordenamento legal; assim a antijuridicidade decorre da violação de um interesse juridicamente protegido[12].
O CONAMA e os demais órgãos da administração pública se valem da Associação de Normas Técnicas – ABNT, para informações técnicas, inclusive a toxidade e periculosidade de um resíduo, e esta entidade editou a NBR10004, a qual denomina os resíduos tóxicos e os perigosos, e lá não se encontra nesta classe os pneus usados ou carcaças, os quais são conceituados por “resíduos inertes”, e como a própria palavra diz não oferecem perigo ou toxidade.
Salienta-se que, conforme conceitua a própria Resolução CONAMA 258, pneu inservível é aquele que não se presta mais ao processo de reforma, visivelmente, não é o caso dos pneus usados importados, os quais traduzem matéria prima de primeira qualidade utilizada na indústria de recapagem, atividade esta regulamentada pelo INMETRO na Portaria 13/2004 e a Nota Técnica 83/2000 reconhece a necessidade da importação de carcaças para o desenvolvimento da atividade em comento.
6. Da necessidade de estudo de impacto ambiental
Vem a seguir os argumentos daqueles que defendem que para a preservação do meio ambiente, deve haver proibição da importação de pneumaticos usados:
“[…] a OMC concluiu “que o Brasil demonstrou que resíduos de pneus proporcionam campo fértil para a proliferação de mosquitos e, conseqüentemente, contribuem para a transmissão de dengue, febre amarela e malária”. Diante disso, o órgão observa que a importação dos pneus representa riscos à saúde e à vida humana e também acatou a argumentação brasileira que diz respeito ao risco de incêndios e problemas de saúde relacionados.
De acordo com o Ministério do Meio Ambiente, “a fumaça, as cinzas e o óleo pirolítico gerados com a queima de resíduos de pneus (de fácil combustão) também representam riscos para o homem e o meio ambiente. Como o tempo de degradação do pneu é indeterminado, ele é considerado não biodegradável. Em sua composição, há metais pesados altamente tóxicos e substâncias cancerígenas, como chumbo, cromo, cádmio e arsênio”.
A OMC entende que os pneus reformados não são exatamente os responsáveis por gerar os riscos à saúde de seres vivos. No entanto, os “pneus reformados tornam-se resíduos mais rapidamente do que novos e, dessa forma, aumentam o número de carcaças”, descreve o relatório. A OMC afirma que os pneus reformados têm vida útil menor do que os novos, logo, a restrição comercial serviria para reduzir a quantidade de carcaças no Brasil.”[13]
E assim perguntamos, onde se sustenta o IBAMA para afirmar:
“[…] o que o IBAMA, veementemente repudia, até porque nossa intenção ao defender a proibição de importação de pneus usados está técnica, científica e politicamente calcada na proteção ambiental […]”
O requisito técnico exigido para que se tenha certeza da existência de qua atividade em si gera risco ou tem potencial poluidor ao meio ambiente é o EIA –Estudo de Impacto Ambiental, pelo que qualquer outra conjecturação antes deste estudo finalizado são meras ilações.
O Estudo de Impacto Ambiental é um dos instrumentos de avaliação de impacto ambiental. No Brasil foi instituído dentro da política nacional do meio ambiente – PNMA , através da resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente – CONAMA N.º 001/86, de 23 de janeiro de 1986.
O que se exige, no mínimo, para colocar credibilidade em tais argumentos é a realização de estudos prévios de impacto ambiental (EPIA), a apresentação do respectivo Estudo (EIA), o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), os projetos de atividades utilizadoras de recursos ambientais consideradas de significativo potencial de degradação ou poluição e as medidas mitigadoras.
O objetivo de se estudar os impactos ambientais é, principalmente, o de avaliar as conseqüências de algumas ações, para que possa haver a prevenção da qualidade de determinado ambiente que poderá sofrer a execução de certos projetos ou ações, ou logo após a implementação dos mesmos. Serve para, que de uma forma mais precisa, se tenha um posicionamento relevante a respeito de determinado caso, para que não sobrevenha prejuízo econômico para as empresas, tampouco ambiental para a sociedade.
O EIA – Estudo de Impacto Ambiental – propõe que quatro pontos básicos sejam primeiramente entendidos, para que depois se faça um estudo e uma avaliação mais específica. São eles:
01) Desenvolver uma compreensão daquilo que está sendo proposto, o que será feito e o tipo de material usado;
02) Compreensão total do ambiente afetado. Que ambiente (biogeofísico e/ou sócio-econômico) será modificado pela ação;
03) Prever possíveis impactos no ambiente e quantificar as mudanças, projetando a proposta para o futuro;
04) Divulgar os resultados do estudo para que possam ser utilizados no processo de tomada de decisão;
É imprescindível que o EIA seja feito por vários profissionais, de diferentes áreas, trabalhando em conjunto. Esta visão multidisciplinar é rica, para que o estudo seja feito de forma completa e de maneira competente, de modo a sanar todas as dúvidas e problemas.
Ora, em algum momento foi realizado um estudo de impacto ambiental para que se chegasse à um posicionamento concreto e condizente com a realidade no que diz respeito aos pneumáticos usados que são importados?
Mais uma vez, não!
7. Da importação de pneus de países do Mercosul
O governo brasileiro restringiu, em setembro de 2007, a importação de pneus procedentes de seus parceiros no Mercosul para atender a uma sanção imposta pela OMC (Organização Mundial do Comércio) em uma disputa com a UE (União Européia).
A partir de agora, o Brasil importará anualmente apenas 250 mil unidades de pneus usados ou recauchutados para automóveis: 130 mil do Uruguai e 120 mil do Paraguai.
A resolução publicada no Diário Oficial da União estabelece ainda que a compra de pneus usados para ônibus e caminhões fica limitada a duas mil unidades por ano, com mil do Uruguai e outros mil do Paraguai. A resolução proíbe totalmente as importações desses produtos para motocicletas e veículos de três rodas.
As cotas foram estabelecidas com base nas médias dos valores importados nos últimos três anos. E, como não há registro de importações da Argentina, não há necessidade de estipular um limite para esse país.
Em junho de 2007, um painel de especialistas da OMC determinou que o Brasil deveria limitar suas importações de pneus usados ou recauchutados entre os países do Mercosul após examinar um processo no qual a UE se queixava de um veto brasileiro a seus pneus.
Embora a OMC tenha aceitado em parte os argumentos brasileiros para proibir a importação de pneus usados do continente europeu, determinou que o Brasil também não pode importá-los de nenhum outro país fora do Mercosul.
O Brasil vetou pneus usados procedentes da União Européia, com o argumento de que o material é um resíduo que põe em risco o meio ambiente e que serve como criadouro de insetos que ameaçam a saúde humana, como o mosquito da dengue.
A UE abriu processo contra essa proibição por considerar que a restrição era uma barreira não tarifária que tinha como objetivo garantir o mercado para pneus usados recauchutados no Brasil.
As importações feitas do Mercosul foram permitidas, embora limitadas, já que, segundo o Brasil argumentou na OMC, essa exceção foi determinada por uma decisão de um tribunal do Mercosul e o volume de pneus importados da região não era significativo.
Segundo a Câmara de Comércio Exterior do Brasil, as importações feitas do Mercosul também foram limitadas devido aos “impactos negativos” desses produtos sobre o meio ambiente e a saúde pública. Outra justificativa para a medida foi a “negociação em andamento no âmbito do Mercosul para a adoção de uma política comum de Gestão Ambiental de Resíduos Especiais”.
8. Da epidemia de dengue no país
Para alguns, a importação de pneus usados é problema de saúde ambiental, pois torna-se uma ameaça à disseminação da dengue, tendo em vista que nem todos os pneus que chegam ao Brasil podem ser reformados. Com isso, estes pneus acabarão sendo depositados em lixões e no meio ambiente. Em regra, um dos principais argumentos contra a importação de pneus usados seria que os pneus usados viram criadouros para mosquitos transmissores da dengue e febre amarela[14].
Obviamente há risco de proliferação de doenças tropicais como a dengue, malária e febre amarela em qualquer local que tenha água parada, e não somente em pneus abandonados. Ocorre que considerar que a existência ou o crescimento de pneus abandonados seja causado pela importação de pneus usados ou de pneus remanufaturados, é desvirtuar o foco do problema brasileiro, qual seja, a conscientização da população sobre a importância de dispor dos pneus sem uso em locais adequados, ou até mesmo em postos de coleta.
No entanto, o que o governo brasileiro preferiu fazer, ao invés de garantir a real aplicação da Resolução CONAMA nº. 258/99, foi criar as proibições à importação de pneus remanufaturados e também dos pneus usados, visando preservar a saúde da população brasileira.
Pois bem, é oportuno registrar o levantamento realizado pela Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde (SVS/MS) que registrou em 2008, 120.570 casos notificados de dengue, sendo 647 casos confirmados de Febre Hemorrágica da Dengue (FHD) e 48 óbitos por FHD, conforme abaixo se verifica[15]:
Ainda, comparando os casos notificados de dengue em 2008 com o mesmo período de 2007 verifica-se uma pequena redução no número de casos, no entanto, houve aumento no número de casos nos estados do Amazonas (992%), Rondônia (484%), Sergipe (617%), Bahia (241%), Rio Grande do Norte (275%), Rio de Janeiro (211%) e Pará (147%), conforme tabela a seguir:
Convém ressaltar, ainda, que foi proibida definitivamente a importação de pneus usados, em busca do bem ao meio ambiente e a saúde da população, evitando assim uma epidemia de dengue.
Desta forma, houve a paralisação de coleta dos pneus inservíveis encontrados na natureza, por parte das empresas de remoldagem, que tiveram suas atividades suspensas em decorrência da proibição de importação de pneus.
Por conseqüência, as estatísticas, no que se refere à dengue e outras doenças, no mínimo, deveria cair drasticamente, levando-se em conta as falácias dos “defensores” do meio ambiente. Mas pelo contrário teve um aumento jamais visto na história.
Diante desta realidade, comprova-se que a proibição da importação de pneus usados, não influenciou em nada na redução dos índices de dengue. Muito pelo contrário, pois nas três regiões mais populosas do país houve considerável aumento das estatísticas (norte, nordeste e sudeste), comprovando mais uma vez que os argumentos utilizados para a proibição da importação de pneus não passam de mera falácia.
9. Da aplicação de restrições e sanções na importação de pneus usados
Conforme já salientado, pelo argumento de proteger o meio ambiente é que foram instituídos decretos e portarias que passaram a proibir as importações de pneus usados, que são matéria-prima imprescindível à vida das empresas de pneus recapados, recauchutados e remoldados.
As carcaças de pneus importadas chegam aos Portos brasileiros e são apreendidas. Ainda, as empresas são autuadas, multadas e impedidas de dar continuidade no desempenho de suas atividades, com fundamento em “normas” que supostamente deveriam regulamentar e suplementar a Lei Ambiental. Entretanto, não é o que ocorre na prática.
Com a proibição da importação de pneus, há prejuízo manifesto ao desenvolvimento das empresas brasileiras que se atêm a remoldar pneus usados, com o escopo precípuo de beneficiar o consumidor em primeiro lugar, bem como o meio ambiente.
As autuações realizadas pelo IBAMA, em regra, baseiam-se nos arts. 70 e 72 da Lei nº. 9.605/98, no art. 47-A do Decreto 3.179/99 e nas Resoluções do CONAMA sob nº. 23/96 e 235/98.
Diante deste carnaval normativo, cabe demonstrar, de maneira breve, que os atos praticados pelo IBAMA, estão em desacordo com o que prevê a Carta Magna.
10. Da atipicidade da conduta
Inicialmente, é de suma importância fazermos breves considerações.
O direito ambiental tem como um de seus fundamentos a adequação ao direito penal constitucional.
Ao contrário das Constituições pretéritas, nossa Carta Magna estabelece os fundamentos do direito penal no âmbito dos direitos e deveres individuais e coletivos da pessoa humana, conforme explica o art. 5º CF.
O direito penal não configura mais uma realidade adstrita ao Estado e sim mecanismos destinados à realização dos valores mais importantes de nossa sociedade, a sociedade do século XXI.
As sanções penais ambientais deverão, portanto, apontar alternativas em face do direito positivo em vigor, ou seja, um direito positivo que ampliou as tradicionais e superadas concepções até então orientadas por um Código Penal elaborado sob a égide de um sistema constitucional que em momento algum se estruturou no Estado Democrático de Direito.
Por outro lado, a lei 9.605/98, utilizou-se da competência constitucional da União para elaborar uma norma geral sobre as infrações administrativas. A matéria está contida no Cap. VI, em sete artigos (art. 70 à art. 76).
A União tem competência para estabelecer normas gerais em matéria de meio ambiente (art. 2, VI da CF) e proteção ao patrimônio histórico cultural, artístico e paisagístico (art. 24, VII da CF), conforme o art. 24, §1º da Constituição, que diz “no âmbito da legislação concorrente a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais”.
A lei 9.605/98, na parte da infração administrativa, pode ser suplementada pelos Estados e Municípios (art. 24, §2º CF). Entretanto, o uso da competência suplementar deve conduzir a modificações que não alterem a finalidade da norma geral federal.
E, ainda, na parte em que a Lei 9.605/98 tratou-se de Direito Penal não há possibilidade de suplementação, pois no campo do Direito Penal a competência da União é privativa (art. 22, I CF).
Neste diapasão, o que se quer demonstrar é que não há expressamente nada previsto no art. 70 ou 72 da Lei 9.605/98 no que diz respeito a importação de pneus usados, somente normas e regras gerais de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente. Sendo assim, uma vez querendo se proibir a prática de atividades que ofereçam risco ao meio ambiente é necessária uma norma jurídica condizente para tanto. Todavia, desde que não altere a finalidade da norma geral.
Olhos postos no art. 47-A, do decreto 3.179/99, que surgiu com o escopo de “suplementar” a Lei 9.605/98 – especificamente na parte que trata de importação de pneumáticos usados -, verifica-se que a finalidade geral da norma não foi observada, pois não se partiu de um parâmetro seguro e inequívoco para afirmar que o desempenho de tal atividade – importação de pneus usados – ofereça riscos, traga prejuízos ou tampouco que cause danos ao meio ambiente.
Ademais, na parte em que trata-se da esfera de direito penal sequer há a possibilidade de suplementação por outra norma, que não instituída pela União.
Sendo assim, diante deste cenário, verifica-se que a previsão e aplicação de multa por meio de um Decreto não têm cabimento, tendo em vista que não condiz com a ordem jurídica atual. Ora, a previsão e aplicação de multa foi através de um Decreto que, quando em vigência, contraria as finalidades da norma geral federal (Lei 9.605/98).
Cabe considerar que para uma conduta ser típica ela deve ser no mínimo descrita em lei, com os seus caracteres objetivos, subjetivos, descritivos e valorativos. Portanto, tipo vem a ser a descrição abstrata de um fato real que a lei proíbe.
Todavia, antes da descrição típica, o comportamento pode até configurar-se em um ilícito civil ou administrativo, mas nunca em um ilícito penal, por força da exigência da anterioridade da lei que institui o crime ao fato que se quer punir, o que constitui, inexoravelmente, uma real limitação ao poder estatal de interferir na esfera das liberdades individuais. Assim entende Damásio Evangelista de Jesus, para quem “… não há antijuridicidade penal sem tipicidade. Não há falar-se em ilicitude penal sem que o fato esteja previsto como infração pela lei, pois é esta que cria a norma de proibição”[16].
Por seu turno a tipicidade, segundo Luiz Regis Prado, vem a ser “a subsunção ou adequação do fato ao modelo previsto no tipo penal”[17].
Nesse diapasão, ao lado da função de garantia, o tipo legal assume verdadeira função seletiva, decidindo sobre o que seja crime e o que não seja. Nesta hipótese, “… tem-se o juízo de atipicidade que, este sim, é definitivo, prescindindo de qualquer outra valoração na órbita penal”[18].
Não se está a afirmar que um fato atípico não possa vir a ser tipificado, mas sim que, enquanto não o for, o comportamento, que pode ser até tido como indesejado, não será lançado à categoria de antagônico às normas de direito penal, não se havendo falar, portanto, em tutela penal.
Assim, para concluir, infere-se que o juízo de atipicidade é um juízo definitivo de licitude penal, porque,
“o tipo não serve apenas para identificar as condutas criminosas, mas se presta igualmente para descriminar os fatos atípicos; todavia, ao fazê-lo, não exclui a possível ilicitude desses mesmos fatos que podem configurar algum ilícito não-penal “[19]
Após essas breves considerações, colocamos sob análise os artigos 70 e 72 da Lei 9.605/98 – que prevê os ilícitos administrativos ambientais -, os quais servem de base para as autuações do IBAMA.
Contudo, antes deve ser salientado que no especifico plano da ilicitude, bem como da tipicidade, o ilícito penal deve se colocar ao lado do ilícito administrativo. Sob esta ótica, cabe a análise dos mencionados dispositivos:
“Art. 70. Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.
§ 1º São autoridades competentes para lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo os funcionários de órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA, designados para as atividades de fiscalização, bem como os agentes das Capitanias dos Portos, do Ministério da Marinha.
§ 2º Qualquer pessoa, constatando infração ambiental, poderá dirigir representação às autoridades relacionadas no parágrafo anterior, para efeito do exercício do seu poder de polícia.
§ 3º A autoridade ambiental que tiver conhecimento de infração ambiental é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante processo administrativo próprio, sob pena de co-responsabilidade.
§ 4º As infrações ambientais são apuradas em processo administrativo próprio, assegurado o direito de ampla defesa e o contraditório, observadas as disposições desta Lei.”
E,
“Art. 72. As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções, observado o disposto no art. 6º:I – advertência; II – multa simples; III – multa diária; IV – apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração; V – destruição ou inutilização do produto; VI – suspensão de venda e fabricação do produto; VII – embargo de obra ou atividade; VIII – demolição de obra; IX – suspensão parcial ou total de atividades; X – (VETADO) XI – restritiva de direitos.
§ 1º Se o infrator cometer, simultaneamente, duas ou mais infrações, ser-lhe-ão aplicadas, cumulativamente, as sanções a elas cominadas.
§ 2º A advertência será aplicada pela inobservância das disposições desta Lei e da legislação em vigor, ou de preceitos regulamentares, sem prejuízo das demais sanções previstas neste artigo.
§ 3º A multa simples será aplicada sempre que o agente, por negligência ou dolo: I – advertido por irregularidades que tenham sido praticadas, deixar de saná-las, no prazo assinalado por órgão competente do SISNAMA ou pela Capitania dos Portos, do Ministério da Marinha; II – opuser embaraço à fiscalização dos órgãos do SISNAMA ou da Capitania dos Portos, do Ministério da Marinha.
§ 4° A multa simples pode ser convertida em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente.
§ 5º A multa diária será aplicada sempre que o cometimento da infração se prolongar no tempo.
§ 6º A apreensão e destruição referidas nos incisos IV e V do caput obedecerão ao disposto no art. 25 desta Lei.
§ 7º As sanções indicadas nos incisos VI a IX do caput serão aplicadas quando o produto, a obra, a atividade ou o estabelecimento não estiverem obedecendo às prescrições legais ou regulamentares.
§ 8º As sanções restritivas de direito são:I – suspensão de registro, licença ou autorização; II – cancelamento de registro, licença ou autorização;III – perda ou restrição de incentivos e benefícios fiscais; IV – perda ou suspensão da participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito; V – proibição de contratar com a Administração Pública, pelo período de até três anos.”
Analisando-os, verifica-se que, em primeiro lugar, a descrição dos mencionados artigos é genérica, prevendo apenas normas gerais. Necessitando, por sua vez, de normas jurídicas que suplementem tal lei, entretanto, obedecendo as regras gerais e suas finalidades. Em segundo lugar, em nenhum momento houve referência à conduta de “importar pneus usados” como infrações penais ou administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. E, por fim, há um Decreto que proíbe a importação de pneus usados, sob o argumento de “suplementar” a Lei 9.605/98, baseado em fundamentos retóricos de preservação do meio ambiente, sem o mínimo de respaldo para comprovar tal realidade, alterando por completo a finalidade geral da norma.
Portanto, não há o enquadramento da atividade desempenhada pelas empresas de recauchutagem de pneus a qualquer infração administrativa ou penal, prevista na Lei 9.605/98, pois toda e qualquer autuação realizada com fundamento nestes dispositivos devem ter suas condutas integralmente descritas e adequadas ao tipo elencado. Quando essa adequação não ocorre, podemos dizer que trata-se de uma conduta atípica pelo não enquadramento sequer no tipo objetivo do delito.
O preenchimento do tipo tem diversas funções, dentre elas a de garantir segurança àqueles que se submetem à regulamentação, pois possibilita a este saber se a conduta desempenhada trata-se ou não de delito ou infração.
Neste espeque, o juízo de tipicidade é sim um juízo condicionado da própria tipicidade penal, que engloba não só a legal quanto a material. E, como visto, faz-se condicionado também na análise da ilicitude penal, devendo haver a confrontação do ato praticado com as excludentes de ilicitude.
Ainda segundo Regis Prado, com lastro no principio da reserva legal, o tipo possui uma série de funções, quais sejam: a) seletista (indicam os comportamentos que são protegidos pela norma penal, que interessam ao Direito); b) de garantia e determinação (diz respeito ao cumprimento do principio da legalidade dos delitos e das penas, formal e materialmente, inclusive quanto ao requisito da taxatividade); c) fundamento da ilicitude (ora, uma conduta atípica é licita); d) função indiciária da ilicitude e) criação do mandamento proibitivo (deve ter matéria proibida e determinada); f) delimitação do “iter criminis” (assinala o inicio e fim do processo executivo do crime)[20].
Diante deste cenário, analisando o conjunto de dispositivos mencionados acima, que foram esculpidos pela Lei 9.605/98, verifica-se que estes não ofereceram garantia, determinação, ou sequer a delimitação do iter criminis. Sendo assim, como que poderia haver autuação por parte do IBAMA baseados em dispositivos legais que não se adequam ao que prevê a Constituição Federal, tampouco ao ordenamento jurídico brasileiro?
Por óbvio que não tem cabimento uma realidade dessas.
Sendo assim, quando uma norma não desempenha as funções acima elencadas estamos diante de uma conduta atípica, ou seja, a prática é plenamente permitida pelo ordenamento jurídico.
11. Do Princípio da Legalidade
Por outro giro, a única norma jurídica que descreve claramente a proibição para a importação de pneus está prevista no art. 47-A do Decreto 3.179/99. Veja-se:
“Art. 47-A. Importar pneu usado ou reformado: (Incluído pelo Decreto nº. 3.919, de 2001)
Multa de R$ 400,00 (quatrocentos reais), por unidade.”
Sob o argumento de “preservar o meio ambiente”, o Decreto 3.179/99 surgiu para impor temíveis multas, e também proibir a importação de pneus usados.
Ora, cabe fazermos uma reflexão a respeito da aberração jurídica da qual estamos diante, como se cuidará em demonstrar.
Eis que surge a importância do princípio da legalidade, prescrito no art. 5º, II da Constituição Federal Brasileira: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
Partindo desta premissa surge um dos marcos mais avançados do Estado Democrático de Direito, pois tudo que não for expressamente proibido por lei é permitido fazer ou deixar de fazer. Sendo assim, o indivíduo se orienta segundo a lei e tudo o que ela não proibir é aceito.
É dessa maneira que o princípio da legalidade ou reserva legal deixa de ser apenas um direito individual, tendo em vista que não tutela, especificamente, um bem da vida, mais uma garantia constitucional, visto que oferece ao particular a prerrogativa de repelir as injunções que lhe sejam impostas por outra via que não seja a lei.
Convém ressaltar, ainda, que o princípio da legalidade não se restringe somente ao âmbito do Direito Penal, mas à um caráter de todo o Direito, possuindo apenas “no campo penal – em face dos valores fundamentais da pessoa humana postos em disputa pela sanção criminal – o ápice de sua projeção doutrinária, histórica e o cume da relevância dos seus efeitos concretos”[21].
O princípio da legalidade se concretizou como elemento imprescindível ao Estado Democrático de Direito, visto que consiste no principal obstáculo à intervenção do Estado na esfera da liberdade do indivíduo.
Plácido e Silva, em sua obra “Vocabulário Jurídico”, define o termo “lei”:
“[…] é a regra jurídica escrita, instituída pelo legislador, no cumprimento de um mandato que lhe é outorgado pelo povo. Considerando-a neste aspecto é que GAIUS a definiu: Lex est quod populus jubet et constituit (…aquilo que o povo ordena e constitui.).”[22]
Já os decretos, por sua vez,
“são atos administrativos da competência exclusiva dos chefes do Executivo, destinados a prover situações gerais ou individuais, abstratamente previstas, de modo expresso, explícito ou implícito, pela legislação… Como ato administrativo, o decreto está sempre em situação inferior à da lei, e, por isso mesmo, não a pode contrariar.” [23]
E, na lição de Miguel Reale,
“[…] não são leis os regulamentos ou decretos, porque estes não podem ultrapassar os limites postos pela norma legal que especificam ou a cuja execução se destinam. Tudo o que nas normas regulamentares ou executivas esteja em conflito com o disposto na lei não tem validade, e é susceptível de impugnação por quem se sinta lesado. A ilegalidade de um regulamento importa, em última análise, num problema de inconstitucionalidade, pois é a Constituição que distribui as esferas e a extensão do poder de legislar, conferindo a cada categoria de ato normativo a força obrigatória que lhe é própria.”[24]
Sob a ótica deste postulado, somente a lei anterior ao fato poderá tornar aquele simples fato, num fato criminoso, e somente a lei poderá estabelecer a sanção conseqüente ao cometimento do ato. Inexistente a lei definindo o fato e cominando pena, não haverá que se falar em delito, nem sanção. Assim, a lei é a fonte única do Direito Penal incriminador. Punir alguém por um fato praticado que não tenha sido previsto em lei (no sentido formal) como crime é exercer de forma arbitrária o poder, é abalar o corolário da segurança jurídica que tanto assegura e defende o nosso Estado Democrático de Direito.
O ente estatal é o único detentor do jus puniendi, mas não poderá atuar de forma absoluta e arbitrária, tendo em vista que a legalidade surge como um entrave a este poder, determinando em que situações será legítima a ação repressiva.
Essa garantia proporciona ao indivíduo uma esfera de defesa de sua liberdade. Sendo assim, as condutas passíveis de reprovação, que sujeitem o individuo à restrições e penalidades ou outras medidas de cunho repressivo, devem estar necessariamente previstas na legislação vigente à época do fato e que o conteúdo tenha sido objeto de conhecimento de todos.
Neste espeque, conclui-se que o princípio da legalidade é um dos principais eixos de manutenção da segurança jurídica em um Estado, considerando que por meio dele o indivíduo conhece o que se é permitido e o que se é proibido podendo, dessa maneira, escolher a forma como agir, de uma maneira consciente a respeito da antijuridicidade da conduta desempenhada.
Em outras palavras, é um dos instrumentos legais de controle da atuação do Estado quando do estabelecimento de normas incriminadoras, bem como na fixação e execução das penas, tanto é assim que Luiz Luisi aponta que:
“o postulado da reserva legal é um patrimônio comum da legislação penal dos povos civilizados, estando, inclusive, presente nos textos legais internacionais mais importantes do nosso tempo”[25]
Ainda, José Frederico Marques expõe duas dimensões ao princípio da legalidade, político e jurídico, os quais são:
“garantia constitucional dos direitos do homem, e no segundo, fixa o conteúdo das normas incriminadoras, não permitindo que o ilícito penal seja estabelecido genericamente sem definição prévia da conduta punível e determinação da sanctio juris aplicável.”[26]
E, por fim, Luiz Regis Prado conceitua o princípio:
“A sua dicção legal tem sentido amplo: não há crime (infração penal) nem pena ou medida de segurança (sanção penal) sem prévia lei (stricto sensu). Isso vale dizer: a criação dos tipos incriminadores e de suas respectivas conseqüências jurídicas está submetida à lei formal anterior (garantia formal). Compreende, ainda, a garantia substancial ou material que implica uma verdadeira predeterminação normativa (lex scripta lex praevia et lex certa).”[27]
Deste modo, essa garantia deve ser observada na totalidade dos Estados democráticos e liberais e “com marcante presença até mesmo nas legislações de outros Estados de menor vocação democrática”[28].
O principio da Legalidade vem a ser um limitador formal no exercício abstrato do Direito, uma vez que a criação de leis penais é matéria atribuída, por delegação constitucional, a União (artigo 22, I, CF).
Assim, por exclusão temos que é vedado aos demais entes federados a elaboração de tipos penais incriminadores.
Por oportuno, cabe trazer à tona a subdivisão do principio da Reserva Legal, realizada por Nilo Batista. São duas vertentes com o fim de destrinchar o tema de dispositivos constitucionais relativos à reserva legal.[29]
De um lado, surge a reserva legal absoluta, pela qual, a lei penal sempre deverá advir do debate democrático parlamentar, cujos procedimentos legislativos seriam garantidores da liberdade individual e da segurança pública, cumprindo a lei a construção da figura típica, criando crimes e impondo penas, refletindo a vontade do povo. É o que prevê o parágrafo único do art. 1º da Carta Magna:
“Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”
Por outro lado, tem-se negado a autonomia do poder legislativo na delimitação de matérias de cunho penal, donde se admitem outras fontes normativas capazes de traçarem diretivas, por exemplo, normas penais em branco.
Ademais, não é todo corpo normativo que pode se prestar de molde a encerrar um comportamento penalmente reprovável, mas tão somente a lei elaborada com o perfeito respeito ao devido processo legislativo, atendendo de forma correta todo o trâmite constitucional para a confecção de um texto legal.
A razão fundamental do Direito Penal ser reservado a matéria de lei reside justamente no ponto que a lei emana do Poder Legislativo, o qual é integrado pelos representantes do povo e refletem a ideologia e valores essenciais em dado instante histórico.
Dessa sorte, há de ser excluída as outras formas legais, conquanto advém da vontade do Poder Executivo, a qual pode não coincidir com a da sociedade, a saber, leis delegadas, medidas provisórias, decreto, regulamentos, portarias, afora os atos administrativos infralegais.
Neste foco, Luiz Regis Prado expõe:
“O fundamento de garantia da reserva de lei, como princípio de legitimação democrática, deve informar e presidir a atividade de produção normativa penal, por força da particular relevância dos bens em jogo.
O motivo que justifica a escolha do Legislativo como o único detentor do poder normativo em sede penal reside em sua legitimação democrática.” [30]
Neste sentido, cabe analisar o ensinamento do renomado jurista Rodrigo Sanches Rios:
“A vigência do princípio da legalidade, no entanto, vem sofrendo hoje uma insatisfatória realização. Tal assertiva é justificada pela tendência de política criminal em utilizar-se o legislador de exacerbados elementos normativos na descrição típica, bem como da utilização dos assim denominados tipos abertos e leis penais em branco.(…)
Pois bem: na elaboração de figuras típicas delitivas no âmbito dos bens jurídicos coletivos ou supra-individuais hoje penalmente tutelados (a exemplo do meio ambiente, do sistema financeiro nacional e da ordem econômico-tributária) o legislador tende a utilizar tipos penais nos quais há uma remissão expressa a conteúdos extra-penais.”[31]
A importância em oferecer segurança social e tutela penal aos interesses difusos passa, em primeira ordem, pela seletividade do bem jurídico com estribo sócio-constitucional, para posteriormente se realizar uma seqüência de tipos penais que oferte o mínimo de regramento aos fatos, contudo, sem desvirtuar da necessidade de se ter uma lei penal apreensível aos seus destinatários.
No enfoque do direito ambiental não se tem tratamento diferente. No dizer de Moraes, a lei é,
“[…] fonte de obrigação do Direito Ambiental. Sua interpretação, por carregar norma limitativa e proibitiva, possui interpretação restritiva e, como visto nesse tópico, qualquer ato, realizado pela Administração na área ambiental, deve ter objeto específico e dentro do limite da lei, ou seja, mesmo sendo bem jurídico coletivo, de interesse ao bem comum, os excessos e as exigências de proteção ao meio ambiente, acima dos limites legais, devem ser reduzidos até o limite da legislação, para que não causem lesão e outros direitos, também com proteção constitucional. Repisando: há diferença entre a obrigação legal e a opção política, bem como meios específicos de implementar cada uma. A primeira, com objeto, sujeito e interpretação, limitados pelo princípio da estrita legalidade.”[32]
Infelizmente, a realidade que presenciamos é totalmente diversa. Ora vejamos, as autuações realizadas pelo IBAMA em desfavor das empresas de recauchutagem de pneumáticos, verifica-se que são fulcradas em portarias do CONAMA e no Decreto 3179/99, ou seja, sem o mínimo de base legal.
Ocorre que, conforme incansavelmente demonstrado, não tem cabimento a aplicação de sanções e restrições que não por meio de lei, visto que há vedação expressa pela Carta Magna. Ou seja, o desrespeito a mero decreto que, a despeito de regulamentar uma lei, acaba por inovar o mundo jurídico, não é ilegal.
A partir do momento em que não há lei proibindo a importação de pneumáticos, a conduta realizada pelas empresas de remoldagem é atípica, conforme já demonstrado.
Daí, a necessidade e importância de elaborar um injusto inteligível que ofereça equilíbrio na certeza dos preceitos, com segurança na relação Estado-Sociedade e a tutela eficaz aos interesses difusos, dentro de parâmetros objetivos, fundados por normas generalistas e não incertas e imprecisas. Na sua falta a conduta é plenamente permitida.
Nessa realidade, Juarez Tavares, entende que o ordenamento deverá criar injustos cuja finalidade seja,
“[…] evitar que possa o direito penal transformar-se em instrumento arbitrário, orientado pela conduta de vida ou pelo ânimo. Considerando que a função primeira do direito penal é a de delimitar as áreas do justo e do injusto, mediante um procedimento ao mesmo tempo substancial e informativo, a exata descrição dos elementos que compõem a conduta criminosa serve, primeiramente, ao propósito de sua materialização, quer dizer, sua condição espaço-temporal; depois, como instrumento de comunicação entre o Estado e os cidadãos, pelo qual se assinalam as zonas do proibido e do permitido; por fim, de regulação sistemática.”[33]
Sob esta realidade, enquanto não há uma lei que regulamente ou proíba especificamente a importação de pneumáticos não se pode permitir a aplicação de imposições e sanções mediante decretos e portarias, a fim de impossibilitar o desempenho regular das atividades empresariais, sob pena de lesão aos princípios basilares do ordenamento constitucional brasileiro.
12. Conclusão
Aos órgãos da administração pública, sejam eles ambientais ou de comércio exterior, é conferido um plexo de poderes para a persecução dos objetivos a que destinam, em benefício do interesse comum. Por sua vez, estes poderes embora discricionários encontram sua linha limítrofe na Constituição Federal, já que os atos administrativos que não atendam aos princípios basilares do Estado Democrático de Direito, por ilegais, desarrazoados, desproporcionais ou sem motivação adequada, configuram abuso de poder, sendo passíveis de correção pelo Poder Judiciário, o qual poderá declará-los nulos.
A Constituição Federal como garantidora do Estado Democrático de Direito, não pode ser aviltada sob qualquer pretexto. O intervencionismo do Estado na atividade econômica tem confrontado os mais comezinhos princípios constitucionais, criando óbices e restringido direitos sem Lei formal para tanto, como sói acontecer com a questão da proibição dos pneus usados editando normais infra visando efetivar metas políticas, em detrimento da livre iniciativa em desconsideração ao fim social da empresa.
A economia do processo favorece os pneus mais caros, como os de transporte (caminhão, ônibus, avião), pois nestes segmentos os custos são melhor monitorados. Com esta operação, o pneu mantém basicamente as mesmas características técnicas e de comportamento do pneu original, a custos muito inferiores. Relativamente ao pneu novo, poupamos cerca de 75%, quer a nível de matéria prima como a nível energético, o que se traduz simultaneamente numa poupança econômica e ambiental. O uso de pneus recauchutados, apesar de causar divergências, ainda representa uma alternativa mais em conta para o consumidor. No entanto, para que sua utilização seja segura, duas condições tornam-se imprescindíveis: que o produto cumpra as especificações do fabricante; e que o seu processo de confecção tenha um bom padrão de qualidade.
Informações Sobre o Autor
Liana Maria Taborda Lima
Advogada especialista em Direito Aduaneiro