A evolução doutrinária do contrato

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Resumo: Traça a evolução do contrato desde direito romano, direito medieval, Código Civil Napoleônico até o Código Civil Brasileiro de 2002. Os princípios aplicáveis ao direito contratual e, a transformação em instrumento mais justo e democrático de circulação de riquezas.

Palavras-chave: Direito Civil Brasileiro. Contrato. Pacto. Princípios jurídicos. Direito comparado.

Sumário: 1. Introdução – 2. Desenvolvimento. 3. Conclusão – 4. Referências.

Introdução

Na verdade os contratos verteram-se em pactos, ou seja, perderam o formalismo ritualístico romano que era fonte da obligatio, vínculo pessoal que subordinava a própria personalidade do devedor recaindo sobre o corpo deste. Para se tornarem pactos do qual decorria o débito que só operava efeitos de ordem patrimonial.

E, esse primeiro passo podemos perceber com a Lex Poetelia Papiria que deixa o devedor livre (pois não mais seria escravizado ao seu credor quando se tornasse inadimplente) para incidir sobre o patrimônio do devedor.

Perozzi e Bonfante como romanistas esclarecem que o contrato primitivo que se materializava pelo nexum que originalmente constituía-se pelas palavras solenes[1] (contratos verbais) passa para a forma escrita e pela entrega da coisa (respectivamente contratos literais e reais) e, por fim, pelo consenso (contratos consensuais).

Com a influência germânica e do cristianismo ressalta-se a importância da palavra dada, do juramento feito libertando o contrato de seu formalismo primitivo. Assim o contrato deixa de ser ritual e formal para ser livre e informal.

Sob a influência dos bárbaros temos o Edito do Rotário e a legislação de Liutprand (lombardos) que nas palavras dos glosadores e pós-glosadores já aponta a idéia de que, atendendo-se a boa fé, o contrato é obrigatório entre as partes e vige como lei fosse.

Máxima não só da pacta sunt servanda que foi difundida por Beaumanoir e imortalizada por Pothier a quem se atribuiu a crença dominante naquela época de que a convenção é lei entre as partes.

O mundo evoluiu parra o individualismo e para o mercantilismo que consagrou a divinização do contrato. E nessa época o pragmatismo chegou a considerar o direito comercial como fator de união dos povos, como espécie de direito natural.

O auge do contrato foi avivado pelo jusnaturalismo e, para os enciclopedistas do século XVII a premissa primeira e fundamental de todos os poderes era liberdade humana. O contrato social de Rousseau fornece a característica mentalidade da época para qual a sociedade derivava de um contrato onde os indivíduos abdicavam de certos direitos naturais em troca de encontrar maior segurança na vida organizada da sociedade onde outros direitos (de deveres) lhes eram reconhecidos.

Na idéia do “contrato social” a influência do protestantismo, do liberalismo e dos fisiocratas foi capaz de endossar o lucro, os juros, a ambição com apoio da analogia das ciências naturais passando encarar o contrato como fase evolutiva necessária a todos seres humanos.

Entre os juristas a concepção de liberdade era aquela que refletia, sobretudo a liberdade econômica, política, comercial, de produção era a liberdade conceito oposto e reagente aos privilégios reais e nobilásticos e à fechada economia medieval encastelada nas corporações.

Foi o movimento consolidado pelos robustes practiciens (profissionais competentes) de índole corporativa que segundo Ripert fez com que finalmente se elaborasse o Código Napoleônico que representa monumento da classe burguesa intoxicado de alto liberalismo e individualismo.

Nessa época tudo era contrato, o casamento, a adoção, a cidadania. O contrato em vez da tradição ou da transcrição tinha amplíssimos poderes que podia até meso transferir propriedade, ao contrário do que acontecia no direito romano e do que hoje temos no direito brasileiro que permanece fiel ao seu legado romano-germânico.

O espírito individualista liberal e eminentemente contratualista do Código Napoleônico (1804) se manteve em diversas legislações que o seguiram e o imitaram. Faz parte da história do pensamento jurídico francês o romantismo individualista endossado por doutrinadores como Demolombe, Laurent, Huc, Aubry et Rau e Baudry-Lacantiere.

O século XIX foi crucial pois trouxe relevante alteração na vida econômica-financeira e política, o que veio modificar o sentido de liberdade. Surgiu a decantada crise do direito privado que tanto abalou tradicionais institutos como propriedade, contrato, responsabilidade civil e até o comércio.

Na Alemanha tramavam os pandectistas[2] (Windscheid e Dernburg) a renovação do direito romano já arando devidamente e previamente o terreno para o BGB (Código Civil alemão), para frutificar as idéias sociais difundidas em toda Europa que sofria as intempéries de novas necessidades.

A filosofia racionalista (a exceção a de Descartes e o individualismo de Rousseau) foi superada. E uma nova ordem se avulta pois é o social e, não apenas o individual que comanda a cena do fim do século XIX.

Os juristas que em 1904 comemoravam o primeiro centenário do Código Napoleônico reconheceram a necessidade de uma revisão de uma releitura completa dos conceitos encerrados e entabulados pelo código civil francês.

Desta forma, os mestres do direito público como Duguit e do direito privado como Josserrand e Saleilles exigem uma renovação do direito que teve uma dicção poética e não menos verídica de ser a “revolução dos fatos contra o direito” assim cogitada por Gaston Morin e os novos aspectos da socialização do direito que, após meio século, seriam objeto de tantos estudos de Georges Ripert, Pierre de Harven, Savatier entre outros e, até hoje continuam concentrando esforços para os juristas que se destacam e se dedicam ao direito privado nos meados do século XX.

Na verdade essa evolução revelada em forma de crise, redimensionou vários institutos-chave do direito privado, até mesmo alcançando o tradicional direito de família e das sucessões e vem merecendo vários preciosos estudos como os de Arnoldo Medeiros da Fonseca, Arnoldo Wald, San Tiago Dantas e Afonso Arinos.

Tantas foram as modificações sofridas pelo contrato que alguns autores vaticinaram que era seu fim, e que o conceito original de contrato entre nós talhado pelo Código civil de 1916 não mais existia.

A regulamentação e simplificação do contrato fizeram com que se transformasse em contrato de adesão, contrato dirigido, contrato evolutivo e contemporâneo. (vide no link: http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/16891 ).

A própria doutrina veio obrar distinção entre a liberdade de contratar e a liberdade contratual o que podemos verificar positivada nos termos do art. 421 do CC Brasileiro de 2002.

A liberdade de contratar[3] é a liberdade de firmar ou não um contrato, enquanto que a liberdade contratual é a referente a fixar as normas, cláusulas reguladoras do contrato.

O número crescente de normas de ordem pública consagrando a efetiva intervenção econômica do Estado tem sido generalizada, fato que identificamos desde a Constituição de Weimar e, que encontrou abrigo constitucional inclusive no Brasil através das Cartas de 1934, 1937, 1945, 1967 e 1969 e, finalmente, na redentora Constituição Federal Brasileira de 1988 que se refere explicitamente à ordem econômica e social.

Importante ressaltar que o princípio da dignidade da pessoa humana é erigido como um dos fundamentos da República federativa do Brasil que se constitui como Estado Democrático de Direito (art. 1º, III da CF de 1988).

Cogitam alguns doutrinadores como Georges Ripert em declínio do direito, respondendo-lhes com razão nossos notáveis juristas tupiniquins afirmando que não se trata de decadência, mas de adaptação às novas necessidades. São novos paradigmas que surgem tanto no direito privado como também no direito público e, quiçá no direito internacional.

Vicente Raó com sua lapidar obra “O direito e a vida dos direitos” esclarece que atual crise consiste apenas no reajuste, no realinhamento das normas jurídicas às condições de vida de nossa época. São novas as premissas a guiar o conhecimento jurídico.

As transformações sociais, ideológicas, econômicas e políticas e mesmo até tecnológicas exigiram do legislador uma preciosa técnica especial de adaptação das normas de maneira a evitar-se que o direito seja exercido, contrariamente à sua finalidade social, contendo-se e coibindo-se abusos e excessos.

Daí porque o rigor positivista não é mais hábil a ser praticado, originando-se uma gleba doutrinária chamada de neopositivistas que são mais flexíveis e sensíveis aos clamores sociais contemporâneos.

Nesse momento surgem conceitos amortecedores ou válvulas de escape ou de segurança que podemos evidenciar através das teorias do abuso de direito, da imprevisão, da onerosidade excessiva, e outras como a do equilíbrio entre os contratantes e a conservação dos contratos. Além das cláusulas gerais da função social do contrato e a da boa-fé objetiva.

Tais técnicas permitem manter o tradicional sistema, evitando seus inconvenientes em certas hipóteses especiais.

As grandes inovações introduzem e despontam a necessidade humana que é a força motriz da decantada revolução dos fatos contra o direito de Morim, mas já sabemos que o direito surgiu e se nutre exatamente dos fatos (ubi jus ibi societas).Daí a pertinência dogmática da tridimensionalidade que sintetiza: fato, valor e norma.

A cláusula rebus sic stantibus oriunda do trecho de uma glosa atribuída a Nerácio (Contractus qui habent tractum successivum et dependentiam de futuro rebus sic stantibus intelligentiur). Traduzindo literalmente: Os contratos que têm trato sucessivo ou dependência do futuro entendem-se condicionados pela manutenção do atual estado de coisas.

Esta cláusula é de origem canônico-medieval que vem a inspirar a teoria da imprevisão que atua como amortecedor que limita a autonomia da vontade no interesse da comutatividade dos contratos e com a finalidade de assegurar a equivalência das prestações dos contratantes, quando, por motivo imprevisto, uma delas se tornou excessivamente onerosa.

2. Desenvolvimento

Prevê o Código Civil de 2002 (nos arts 317 e 478) a possível resolução dos contratos por onerosidade excessiva nos contratos de execução continuada ou diferida. Optou o legislador pátrio por atrelar a onerosidade excessiva à teoria da imprevisão muito embora sejam essas conceitualmente distintas.

Pressupõe-se para a aplicação das teorias que o contrato seja bilateral ou sinalagmático, oneroso e comutativo. Apesar de que nos contratos aleatórios como o de seguro que possuem parte comutativa, também possam ser aplicadas. Embora muito semelhantes tais teorias não se confundem.

Surge na Idade Média a teoria da imprevisão através da cláusula rebus sic stantibus como forma de abrandar o rigor do princípio da obrigatoriedade dos contratos (pacta sunt servanda).

Sua base referencial é que o contrato é formado de acordo com determinadas condições fáticas que existem no momento de sua formação. Se houver grave, brusca e imprevisível alteração nas condições fáticas vigentes na época da celebração e, em razão destas, o contrato gerar enriquecimento injusto a um dos contratantes, poderá o outro contratante invocar a cláusula rebus sic stantibus para não cumprir o contrato firmado.

A teoria da imprevisão está vinculada aos fenômenos imprevisíveis e extraordinários que são, por exemplo, guerras ou fortes mudanças econômicas que são capazes de afetar ou mesmo romper o equilíbrio existente entre as prestações, é a quebra do sinalagma contratual.

Por outro lado, para a teoria da onerosidade excessiva basta a mudança da situação fática que torne insuportável o cumprimento contratual, não se levando em consideração se a alteração fática era previsível ou mesmo extraordinária.

A importância da cláusula medieval que os doutrinadores modernos transformaram em teoria da imprevisão veio crescer principalmente em face das grandes modificações do valor da moeda, reconhecendo-se a existência da ilusão da chamada “moeda estável” no direito contemporâneo que bem preconizou Galbraith quando identificou a “Era da Incerteza”.

A Lei Faillot em 1918 (na França) é marco histórico da cláusula rebus sic stantibus posto que modificou normas contratuais onde uma prestação se tornou excessiva penosa a um dos contratantes em virtude da guerra.

Origem de relevantes inflações monetárias foram duas grandes guerras do final do século XIX é que forçou o legislador fixar sobre o curso forçado da moeda, proibindo cláusulas onde as partes adotariam outro padrão, que não a moeda, para calcular seus débitos.

Entre nós, há a vedação de pagamento em moeda estrangeira (Dec. Lei 857/69 com as exceções permitidas em lei).

A jurisprudência alemã integrando o parágrafo 242 do BGB admitiu a teoria da imprevisão, e limitava a obrigar o devedor a cumprir a sua prestação de acordo com as normas de lealdade e confiança recíproca (Treu und Glauben) e na forma de usos admitidos no comércio.

Arnoldo Wald destaca a grande influencia dessa jurisprudência e de artigo jurídico sobre direito brasileiro, notadamente o STF. A inflação no Brasil não pode ser considerada imprevisível e nem extraordinária, pois faz parte da cultura nacional. Mesmo quando esta dormita de forma controlada e limitada (desde 1994 com a realização do Plano Real).

Desta forma, a alegação de inflação é insuficiente e impróprio pra credenciar o descumprimento contratual com base na teoria da imprevisão.

Todavia, se houver uma galopante inflação como ocorrera nos anos 80 que atingiu 80% ao mês, há crasso desequilíbrio objetivo entre as prestações pactuadas que pode ser a causa de resolução por onerosidade excessiva.

Para ser possível a aplicação da resolução prevista no art. 478 do CC deverá  o contratante provar: que o contrato nascera equilibrado, com perfeito sinalagma genético; e um fenômeno extraordinário (fora do comum) e imprevisível causou desequilíbrio entre a prestação e contraprestação. E, ainda, a extrema vantagem patrimonial que terá o outro contratante por vezes à custa da miséria do outro, caso seja a avença cumprida literalmente nos exatos termos ajustados originalmente.

Assim recomenda o Enunciado 17 da CJF que o art. 478 do CC de 2002 deve ser interpretado não somente em relação ao fato que gere o desequilíbrio mas também em relação às conseqüências que ele produz.

Não segue o CDC a mesma linha do CC de 2002, ao disciplinar a onerosidade excessiva e a noção da teoria da imprevisão, portanto, basta que nas relações de consumo haja o desequilíbrio objetivo das prestações para que possa o consumidor invocar a resolução do contrato. Não se importa também se era ou não previsível ou ordinário (art. 6º, V).

Pode o contratante então beneficiado optar por modificar o acordo com eqüidade, reequilibrando o contrato (art. 479 do CC) e, por força do princípio da conservação dos contratos, manter agora redimensionado o referido contrato.

Verdadeira construção jurisprudencial alemã que prova inequivocamente ser a jurisprudência uma verdadeira fonte de direito como já havia reconhecido Josserrand e Vicente Raó.

Por outro lado, a doutrina alemã equiparou à impossibilidade de cumprir a obrigação, a extinção dessa ou redução do seu montante, no caso de onerosidade excessiva. Essa impossibilidade subjetiva de caráter econômica, oriunda da onerosidade excessiva, é outra idéia fecunda no direito germânico contemporâneo, o que veio dominar os códigos mais recentes.

Deve-se mencionar que outras legislações já tinham francamente admitido que conforme o caso concreto, o juiz modificasse as cláusulas contratuais para evitar o abuso do direito. O conceito amortecedor de abuso de direito apesar das severas críticas de Planiol, mereceu precioso estudo de Josserrand e veio efetivamente influenciar a doutrina civilista da maioria das legislações contemporâneas ora vigentes.

Concretos exemplos observamos no direito suíço que após reconhecer amplos poderes ao magistrado que mesmo ante a ausência normativa quando poderá decidir como legislador fosse, condenando o abuso de direito. O que em minhas aulas, chamo carinhosamente de “filhote de urubu”, nasce branco, mas acaba preto. Nasce lícito, mas acaba ilícito. O Código civil greco (art. 388) e o Código Civil italiano (art. 1.467).

Em torno desse tema surgiu vasta literatura e até mesmo um novo ramo de direito, o direito monetário face da sua extrema importância e pertinência.

De qualquer forma, recomenda outro enunciado do CJF que em atenção ao princípio da conservação dos contratos, o art. 478 do CC de 2002 deverá reduzir sempre que possível, a revisão judicial dos contratos e não à resolução contratual.

Assim como o Código Civil francês, o napoleônico e nosso Código Civil de 1916 foram de cunho liberal e individualista e, surgiu uma sociedade rudimentar que ignorava a questão social. Lembremos que o Código de Beviláqua fora feito para um país de moeda dita estável, onde os contratos não deveriam sofrer maiores alterações inerentes à vontade dos contratantes.

Na bossa fisiocrata do “lassez faire, laissez-passer” o nosso código civil nasceu provecto para sua época, algo assim bem similar ao que se sucedeu com o Código Civil de 2002 que foi originado por um Projeto de 1975 e, portanto, anterior, a Constituição Federal de 1988.

Poucos dispositivos legais se preocupam com a imprevisão, vide o art. 1.059, § único do CC de 1916 que limitava a responsabilidade aos danos previsíveis, o que é, explicável dentro de um sistema que em tese tinha a responsabilidade fulcrada na culpa. Também outros dispositivos legais são os arts. 1.180 e 1.250 do CC. De 1916.

O erudito e pioneiro Arnoldo Medeiros da Fonseca estudando o problema do caso fortuito e a teoria da imprevisão abrindo novos caminhos para doutrina nacional. Naquela época nosso ordenamento jurídico não consagrava a cláusula rebus sic stantibus.

Posteriormente surgiram novas disposições legais depois de 1930 que vieram reconhecer o que já era admitido na legislação brasileira o consagrado princípio da teoria da imprevisão. Só a guisa de ilustração citamos: Dec 19.573/31 que permitiu a rescisão da locação de funcionário público ou militar, no caso de remoção ou redução dos seus vencimentos, em virtude das modificações decorrentes da Revolução de 1930; o Dec 23.501/33 que impôs a nulidade da cláusula-ouro significando intervenção do Estado e a limitação da autônoma da vontade dos contratantes. Entendeu nessa ocasião o legislador que deve intervir sempre que os contratos revelassem o interesse social.

Como bem descreve Arnoldo Wald, civilista brasileiro de primeira linha, realizou-se assim o eclatement (rompimento) dos contratos, a que se refere Savatier em sua magistral obra intitulada “metamorfoses econômicas e sociais do direito contemporâneo”.

A ruptura do esquema contratual faz com que a lei incluía no contrato cláusulas que as partes não convencionaram, ou ao contrário, as considere nulas e não escritas pelas partes.

Em referência à teoria da imprevisão temos a Lei de Luvas (dec. 24.150/34) que regulamentou a renovação locatícia dos imóveis com fins comerciais e industriais, tendo sido mantida na Lei 8.245/91 que atualmente disciplina matéria.

Tais dispositivos aceitavam implicitamente a cláusula rebus sic stantibus, também no art. 31 da lei locatícia de 1991 há clara alusão a teoria da imprevisão no que tange a locação comercial. E mesmo na locação residencial permitiu-se a revisão dos alugueres até o limite legalmente fixado (arts. 68 a 70).

O Código Civil Brasileiro de 2002 deu relevante ênfase, a justiça substancial no contrato conforme seus arts. 421 422 que estabeleceram a função social do contrato e o da boa-fé objetiva, consagrando também a teoria da imprevisão em seu art. 317.

É nítida a vocação para eticidade e sociabilidade do Código Civil de 2002 onde se reafirma a teoria da revisão como instrumento de readequação contratual. Adotando a tese já então consolidada na jurisprudência (especialmente no tocante aos contratos de empreitada) e seguindo o exemplo do Código Civil italiano.

A teoria da imprevisão considera o contrato não como negócio isolado e, sim, como pertencente a uma realidade contratual que está sujeita às incertezas inevitáveis próprias e imanentes do futuro. Esta tese possui o nobre objetivo de tutelar as partes em face da alteração gravosa da realidade que era desconhecida no momento de sua celebração.

Ressalte-se que os tribunais pátrios reconheciam o caráter excepcional da revisão do contrato com base na teoria da imprevisão a fim de evitar a criação de um clima de total insegurança jurídica.

Também no direito público se fez sentir a necessidade de se aplicar a teoria da imprevisão, a CF de 1969 se referia aos dois casos (art. 167, II e art. 102, §1º.).

Também leis especiais permitiram a aplicação da teoria da imprevisão principalmente àquelas ligadas ao BNDES e ao Sistema Financeiro de Habitação.

A doutrina das dívidas de valor não se trata da incidência da rebus sic stantibus. As dívidas de valor não importam em pagamento de certa quantia, e sim, em garantir ao credor determinado poder aquisitivo (deve-se um quid, e não um quantum). È o que ocorre comumente com os alimentos.

Quem causou dano a outrem não lhe deve quantia, mas sim a quantia representativa do valor do prejuízo experimentado (Súmulas 490 e 560 do STF).

Apesar de terem finalidades bem análogas a teoria da imprevisão e a das dívidas de valor são distintas, posto que visem reequilibrar o contrato em face das condições existentes no momento de sua execução.

A teoria que se aplica às dívidas de dinheiro exige imprevisibilidade do evento que modificou cancerigenamente as condições existentes. Já nas dívidas de valor não é plausível a aplicação da teoria da imprevisão.

Pois mesmo tendo sido previsível e mesmo de fato prevista pelas partes, mesmo assim cabe requerer o reajustamento das prestações em atenção às finalidades da dívida.

Podem a lei e a convenção transmutar a dívida de dinheiro em dívida de valor. De sorte, que a incidência da correção monetária importa em converter a dívida líquida em dívida de valor.

O STF tem reiteradamente decidido sobre a validade da correção monetária convencional (RTJ 64/386, 69/587, 65/874, 88/325 e 60/553 e 60/867).

3. Conclusão

Então resumindo, os contratos evoluíram se transformando em pactos, escapando da rigidez da pacta sunt servanda, submetendo-se a rebus sic stantibus, sendo informal e consensual, passando adotar na maioria das vezes o contrato de adesão, ganhando uma necessária leitura de função social e requerendo de seus partícipes uma atuação com boa-fé objetiva, em respeito ao equilíbrio das prestações avençadas e, ainda, sempre que possível pleiteando-se pela conservação das avenças.

Assim, o contrato continua fazendo lei entre as partes, mas com respeito à dignidade da pessoa humana e de todas as normas de ordem pública que o capacitam a ser instrumento de circulação de riquezas mas destinado a ser um instrumento mais democrático e justo do direito privado. Eis é o novo paradigma de contrato, onde para entendê-lo, interpretá-lo e quiçá julgá-lo necessita-se de recorrer ao “diálogo das fontes”.

 

Referências
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Notas:
[1] O pacto romano para se transformar em contrato dependia no direito antigo de formalidades que poderiam ser de três espécies:
a. per aes et libram , pelo bronze e pela balança, a mais antiga solenidade conhecida e da qual deriva o nexum. Tal figura muito similar com a mancipatio e coloca o devedor em situação das mais penosas, posto conforme teoria predominante, o vendedor dá-se em venda (auto-mancipação) ou em penhor (auto-empenhamento) ao credor para garantir o cumprimento de uma obrigação, que pode abranger não só o nexum, devedor, mas também sua família;
b. actum verbis, ou seja, através das palavras solenes proferidas entre credor e devedor se caracterizava a convenção, como na stipulatio.
c. actum litteris, vale dizer pela forma escrita ou literal. O credor faz uma inscrição num registro privado e, dessa maneira, igualmente, concretiza-se a convenção.
[2] Ora, o ideal dos pandectistas era resolver o direito dentro do direito, ou seja, dar ao direito respostas surgidas sob o ângulo da juridicidade. Uma das coisas que esse código reconhece é que o direito não basta a si mesmo, pois ele precisa, para atender as necessidades sociais, ter em conta os valores da ética. Rege-o um valor de eticidade fundamental, conforme se pode ver em alguns dos dispositivos que vou citar, que reputo como mandamentos-chave da nova codificação.
Por influência dos pandectistas, o código estabelece uma sinonímia entre o jurídico e o lícito. Lícito é o que é jurídico, jurídico é o que é lícito. Essa sinonímia foi estraçalhada, digamos assim, pelo maior jurista de nosso século, Hans Kelsen, o qual mostrou que era necessário ampliar o conceito de norma jurídica. Norma jurídica não é a norma sobre o lícito. Kelsen dizia, com ironia: se o lícito fosse sinônimo do jurídico, não haveria lugar para o direito penal. O ilícito também faz parte do direito, tanto assim que é considerado pelos juízes e pelos advogados, culminando numa decisão, numa sentença, numa sanção. Miguel Reale
(…) in http://www.sescsp.org.br/sesc/revistas_sesc/pb/artigo.cfm?Edicao_Id=133&breadcrumb=1&Artigo_ID=1882&IDCategoria=1946&reftype=1
[3] Consta, aliás, certa imprecisão terminológica no art. 421 do CC de 2002. A liberdade de contratar é ilimitada e eis que se refere ao direito subjetivo de celebrar contrato, e é inerente a todo ser humano, por força de ditames constitucionais. O que é contingenciada é a liberdade contratual que, em face de normas de ordem pública, será maior ou menor.
Tal liberdade está condicionada à lei e por isto determinado contrato poderá ser considerado nulo e, não produzirá efeitos desejados pelas partes. Então a função social atinge a liberdade contratual, diz respeito ao objeto e conteúdo do contrato, mas não a inalienável liberdade de contratar.
Conclui-se que muitas vezes não havia mais liberdade contratual e mesmo a liberdade de contratar sofria importantes limitações. Chega-se então a era quando se conclui que não existem direitos subjetivos absolutos e ilimitados.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Gisele Leite

 

Professora universitária, Mestre em Direito, Mestre em Filosofia, pedagoga, advogada, conselheira do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas.