A evolução e os aspectos contemporâneos da responsabilidade civil no direito de família

Resumo: A utilização da responsabilidade civil no vínculo familiar visa prevenir e reprimir as condutas perniciosas que podem ocorrer a seara familiar, evitando assim, que a estrutura familiar seja desrespeitada, inclusive por aqueles que a compõem. Desta forma, este artigo visa demonstrar a possibilidade jurídica desse instituto no Direito de Família, pois não há que se permitir que o ambiente que deveria ser o mais seguro possível para os seus moradores se torne um espaço hostil e sem a possibilidade de se responsabilizar aqueles que quebraram a harmonia que deve ser tutelada no seio familiar.


Palavras-chave: Responsabilidade civil. Evolução da responsabilidade civil no Brasil. Direito de Família. Pressupostos da responsabilidade civil. Possibilidade jurídica.


1. INTRODUÇÃO


Sabe-se que, a vida humana é repleta de atividades que estão em constantes alterações e que dessas atividades podem resultar o dano e este, sem questionamentos, pode ocorrer entre familiares. Por conseguinte, é inexorável uma atuação estatal para coibir atitudes humanas que possam fazer mal a outrem. Ainda que este outro seja seu familiar.


 Assim sendo, a possibilidade de se responsabilizar aquele que gerou o dano a outro mesmo que seu familiar é, sem dúvidas, uma maneira de garantir a própria existência da família e, por conseguinte, a existência da sociedade, também. Isto porque o papel fundamental da responsabilidade civil é restabelecer a vítima o seu direito violado.


Nesse sentido, não resta dúvida que o desenvolver da existência humana está diretamente relacionada aos regramentos legais da responsabilidade civil. O local de trabalho, o ambiente de estudo, lazer, dentro de suas casas, enfim em todos os momentos e em todos os lugares os indivíduos são constantemente provocados por fatores que podem resultar à ocorrência de lesão passível de indenização. 


2 . RESPONSABILIDADE CIVIL E SUA EVOLUÇÃO NO DIREITO DE FAMÍLIA.


Entre todas as relações sociais, que se desenvolveram e aperfeiçoaram nesses últimos tempos, a que mais se destacou foi à relação familiar. A família, representando o núcleo social, apresenta-se, mais dinâmica, versátil, flexível e, por isso, consegue refletir mais veementemente os anseios e as mudanças da sociedade.


Segundo leciona Venosa (2007, p.10):


“O organismo familiar passa por constantes mutações e é evidente que o legislador deve estar atento as necessidades de alterações legislativas que devem ser feitas no curso deste século. Não pode também o Estado deixar de cumprir sua permanente função social de proteção á família, como sua célula manter, sob pena de o próprio Estado desaparecer cedendo lugar ao caos.”


Como se pode compreender com o ilustre autor, o Direito, mais precisamente, o direito de família é ilação imediata da evolução social. O direito de família, por sua vez, apresenta-se como um conjunto integrado de normas que regulamenta as relações jurídicas familiares, o que lhe impossibilita negar os novos contornos que afloram no seio familiar. Atentando, principalmente, na interpretação e aplicação das normas de direito de família coadunadas as essas transformações sociais.


 Desta forma, não há possibilidade de se compreender o direito de família sem se conceder a ideia de que os valores que o fundamentam e que servem de base para sua estrutura social são frutos das relações familiares. Por isso, que o direito de família é um dos ramos jurídicos que mais atendem aos anseios sociais.


 Antigamente, em tempos não tão longínquos, a discussão acerca da responsabilidade civil no âmbito do direito de família não tinha espaço. Adotava-se a perspectiva de que as relações surgidas no âmago familiar eram tão intocáveis, herméticas, que nem as normas de direito podiam atingi-las.


 Sendo assim, por muito tempo entendeu-se que as regras da responsabilidade civil nas relações jurídicas oriundas no âmbito familiar não eram cabíveis.


 Aplicava-se ao direito de família as regras próprias e tão-somente referentes a esse instituto. Por conseguinte, o cônjuge culpado, diante da violação de um dos deveres conjugais, por exemplo, iria ter como conseqüências a dissolução do casamento, a factível perda da guarda dos filhos, além disso, responderia pelos honorários correspondentes a ação em que foi vencido. Contudo, ao cônjuge culpado não era imposto nada referente ao instituto da responsabilidade civil. Assim, se este tivesse gerado um dano material ou moral ao seu cônjuge, a ele não seria imposto o dever de reparar tal dano.


 Com o decurso histórico – temporal, em função até de uma nova ordem econômica e social, as relações familiares passaram a sofrer incidência dos ditames legais. Mais precisamente das regras da responsabilidade civil.


  Logo, é inconcebível não admitirmos que diante da ação/omissão ilícita/lícita da qual surja o dano e haja o nexo causal entre eles não possa nascer o dever de consertar o mal causado só pelo fato de um ser o cônjuge do outro, ou seja, só porque a violência nasceu entre familiares não se pode deixar de exigir que o causador do dano repare o que fez.             


 Por conseguinte, a responsabilidade civil é plenamente cabível as situações oriundas nas relações familiares, bastando, para isso, que estejam presente os pressupostos indispensáveis a caracterização do referido instituto.


Nesta mesma concepção, o ilustre autor Branco (2006, p.18) ensina que:


“Erroneamente cultivou-se a idéia de que as relações jurídicas, no âmbito de família, por sua natureza marcadamente extrapatrimonial, não admitiriam a aplicação dos princípios que embasam a responsabilidade civil, cabendo aos institutos próprios desse ramo de Direito, como o dos danos causados a um de seus membros pelo comportamento antijurídico do outro.”


2.1 Definição e Função da Responsabilidade Civil


O sistema jurídico brasileiro tem como um dos escopos determinantes a delimitação das condutas humanas. Além de velar para que elas estejam sob a égide da retidão é preciso também coibir aquelas condutas que sejam prejudiciais à sociedade, ou seja, aquelas que ferem um dever jurídico. É nesse segundo propósito que a noção de responsabilidade civil se encaixa.


O instituto da responsabilidade civil parte da conjectura de que a ninguém é permitido ou admitido gerar um dano a outrem, mas se gerar deve reparar. Acrescenta-se, ainda que, o sentido etimológico de responsabilidade civil nos remete a concepção de obrigação, já que se o autor violou o bem jurídico de outro, quer seja patrimonial ou extrapatrimonial, tem o dever/obrigação de reparar o dano causado.


O ínclito autor Caio Mário Pereira (1997, p.11) a respeito da concepção de responsabilidade civil nos traz:


“A responsabilidade civil consiste na efetivação da reparabilidade abstrata do dano em relação ao sujeito passivo da relação jurídica que se forma. Reparação de sujeito passivo compõe o binômio responsabilidade civil, que então se enuncia como princípio que subordina a reparação da sua indecência na pessoa do causador do dano.


Não importa se o fundamento é a culpa, ou se é independentemente desta. Em qualquer circunstância, onde houver a subordinação de um sujeito passivo à determinação de um dever de ressarcimento, ai estará à responsabilidade civil.”


Coadunando com o conceito do grande autor supracitado, pode-se definir, consubstancialmente, que a responsabilidade civil é o dever jurídico de restabelecer a situação anterior a que se encontrava o direito de outrem que foi lesionado. Desta forma, a responsabilidade civil parte da ideia de que há um dever jurídico preexistente e uma obrigação descumprida.


Nota-se, portanto, que no direito de família a definição de responsabilidade civil está intrínseca ao objetivo de satisfazer aquele que sofreu um dano (patrimonial ou extrapatrimonial) causado por outro quando este viola os direitos fundamentais e essenciais necessários ao convívio em sociedade, dando-se relevo, também, para os casos em que ocorre a violação a personalidade.


O nobre autor Michel Silva (2009, p.41) entrelaça a responsabilidade civil ao direito de família da seguinte forma:


“Mesmo dentro do ambiente familiar, o individuo possui todas as garantias e direitos assegura pela constituição federal, pois o ordenamento não faz distinções quanto à circunstância, ao estado civil ou a situação social da pessoa. O mesmo ocorre com os direitos à intimidade e a vida privada. O fato de se estar convivendo debaixo do mesmo teto, não dá direito ao cônjuge ou companheiro (a) de violar a intimidade, a privacidade, a honra e a imagem de seu consorte, expondo-o ao ridículo ou a situações vexatórias. A impossibilidade de continuar a vida em comum não justifica a prática do ilícito. A violação de direitos do consorte, por sua vez, pode dar ensejo ao rompimento do casamento ou na união instável e, se existir dano real e efetivo, terá cabimento a reparação civil por danos materiais, morais e estéticos, podendo, a nosso ver, ocorrer à condenação autônoma e cumulativa em danos morais estéticos.”


3.  Pressupostos da Responsabilidade Civil


De imediato, cumpre ressaltar, que os requisitos caracterizadores da responsabilidade civil que serão tratados neste trabalho são efeitos da classificação majoritária adotada pela doutrina, já que, pelo fato do tema ser bastante explorado, podem-se encontrar diversas classificações sobre o tema.


Dito isto, passa-se ao estudo dos seguintes pressupostos da responsabilidade civil: a conduta humana, nexo de causalidade, dano e culpa (dolo ou culpa stricto sensu). Faltando qualquer desses elementos, o direito à indenização também será afastado.


3.1 Conduta Humana


A conduta humana, seja ela comissiva ou omissiva, é a origem do dever de reparação, pois não se configurará a responsabilidade civil sem que tenha havido a conduta de alguém.


Os doutos Gagliano e Pamplona Filho (2007, p.27), conceituam a conduta humana da seguinte forma:


“Trata-se, em outras palavras, da conduta humana, positiva ou negativa (omissão), guiada pela vontade do agente, que desemboca no dano ou prejuízo. Assim, em nosso entendimento, até por um imperativo de procedência lógica, cuida-se do primeiro elemento da responsabilidade civil a ser estudado, seguido do dano e do nexo de causalidade.”


Nota-se, desta forma, que a conduta humana, culposa ou dolosa, omissiva ou comissiva, é pressuposto essencial para a caracterização da responsabilidade civil.


 Ademais, é importante frisar que, a conduta humana deve relacionar-se com a aptidão de entendimento do agente. Ou seja, o agente ao realizar a conduta deve está em perfeitas condições de compreender o que a sua ação ou omissão poderá resultar. Por isso, que a insanidade mental e a falta de maturidade são entendidas como excludentes da responsabilidade e na seara extracontratual, eliminam a culpa.


3.2 Dano 


O segundo requisito fundamental para a caracterização da responsabilidade civil é o dano. Sem o dano, material ou moral, não há que se falar em uma ação de reparação civil, pois neste caso a ação seria carecedora de objeto.


O próprio Código Civil de 2002 ensina o quanto é importante à existência do dano para a configuração da responsabilidade civil, quando no seu artigo 944 ele preceitua que “a indenização mede-se pela extensão do dano”.


Discorrendo sobre a matéria o ilustre Cavalieri Filho (2007, p.71) aduz que:


“O dano é sem dúvida, o grande vilão da responsabilidade civil. Não havendo que se falar em indenização, nem em ressarcimento, se não houvesse o dano. Pode haver responsabilidade sem culpa, mas não pode haver responsabilidade sem dano. Na responsabilidade objetiva, qualquer que seja a modalidade de risco que lhe sirva de fundamento – risco profissional, risco proveito, risco criado etc.-, o dano constitui o seu elemento preponderante. Tanto é assim que, sem dano, não haverá o que reparar, ainda que a conduta tenha sido culposa ou até dolosa.”   


 O dano tem que ser certo, efetivo e concreto. O que quer dizer que o ordenamento jurídico brasileiro não pode admitir uma reparação de dano estruturada em um dano suposto, hipotético. Além disso, o dano só é reparável se ele expressar a redução do patrimônio material ou moral de alguém.


 O dano pode ser determinado como dano patrimonial ou extrapatrimonial. Se a agressão gerada diminuiu patrimônio financeiro de outrem, se está diante de um dano patrimonial. Mas, se a constituição do dano decorreu da desobediência a direitos ou interesses personalíssimos, se está diante de um dano moral.


 Observa-se que, por muito tempo, a teoria clássica do Direito Civil compreendeu o dano apenas no seu aspecto material, ou seja, quanto à violação a um bem patrimonial. Contudo, essa concepção de dano restrito apenas a reparação patrimonial foi alterada com a expansão das esferas de proteção dos direitos do indivíduo. Após, o desenvolvimento jurídico do nosso ordenamento, o dano moral ganhou bastante espaço no nosso ordenamento.


 Sendo assim, a existência do dano patrimonial ou extrapatrimonial consequência da conduta do agente é sine qua non sob pena de não haver configurado a responsabilidade civil. Para haver indenização há necessidade de existir esse elemento.


3.3 Nexo de Causalidade


O nexo de causalidade se resume na conexão entre a conduta humana e o dano. Havendo entre eles uma relação de causa e efeito.


 O Brasil adota a Teoria do Dano Direto e Imediato. Por esta teoria tenta-se buscar a verdadeira causa geradora do dano. Desta forma, a vítima terá que provar a conduta (ação ou omissão) do agente da qual lhe resultou o dano.


Cumpre acrescentar, as brilhantes palavras do professor Misael Filho (2007, p.175), que se aprofunda acerca o nexo causal:


“[…] é preciso sempre analisar o binômio: comportamento do agente x comportamento da vítima, de um terceiro ou de um fenômeno da natureza. Essa investigação é imprescindível para a conclusão acerca do cabimento ou não da ação de perdas e danos. Se a conclusão for negativa, ou seja, de que não foi o comportamento do réu o causador do dano, ele “deve ser liberado da demanda, saindo ileso da pretensão condenatória”.”


 Sendo assim, é precípuo que a conduta humana seja o motivo do dano e que a lesão gerada tenha sido fruto dessa conduta, sob pena de não restar presente a responsabilidade civil.


3.4 Culpa


De imediato, constata-se que, a culpa é elemento fundamental da responsabilidade civil subjetiva. Não sendo preposição geral da responsabilidade civil, pois como já se afirmou outrora, há também a responsabilidade objetiva, que afasta a culpa. Porém, como o presente trabalho é estruturado sobre as bases da responsabilidade civil subjetiva, é importante tratar sobre esse elemento.


Mais uma vez trata-se de um elemento essencial, pois sem a presença da culpabilidade do agente, a responsabilidade civil subjetiva não se caracteriza.


Na culpa está incluída a ação/omissão dolosa (que é a conduta voluntária) ou a culposa (retratando-se na negligência, imprudência e imperícia). Ressalta-se que para a vítima cabe o ônus de provar a culpa do lesante, sob pena de restar deficitária a ação de indenização.


4. CONCLUSÃO


Na seara da responsabilidade civil, o instituto família não tem um tratamento específico, já que o legislador ordinário não se preocupou em evoluir no assunto. Contudo isso não pode servir de entrave para se impossibilitar a pretensão à reparação civil por ato ilícito que tenha se desenvolvido no relacionamento familiar, quer seja entre pai e filho, irmãos ou mesmo entre consortes.


Num entendimento amplo pode-se alegar que os direitos e garantias individuais que estão previstos nos textos legais, atingem diretamente a família. Até mesmo porque qualquer membro da família é, primeiramente, um indivíduo, dotado de direitos e garantias constitucionais que lhe são inerentes, não sendo possível lhe retirar tais previsões legais pelo fato do mesmo fazer parte de uma família.


Portanto, a presença da responsabilidade civil no âmbito familiar não é só possível, mas sim, preciso, pois ajuda a prevenir e reprimir ações lesivas que venham a destruir a família.


 


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Informações Sobre o Autor

Karolyne Moraes Ribeiro

Advogada.


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