A historicidade do Direito do Consumidor

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Resumo: O presente artigo tem o condão de abordar a Relação Jurídica de Consumo em sua perspectiva histórica e constitucional. Apesar de o direito do consumidor ter sido um ramo introduzido nos currículos das faculdades de direito do Brasil apenas após a Constituição de 1988, a proteção do consumidor e dos hipossuficientes ocorreu no nosso país desde as Ordenações do Reino. Para compreender as tendências deste Direito Protetivo apontadas na contemporaneidade, torna-se necessário traçar um panorama histórico e ideológico da proteção do sujeito de direito, o consumidor, e da relação jurídica a qual ele participa.


Palavras-chave: direitos fundamental do consumidor; relação jurídica de consumo; histórico do direito do consumidor.


Abstract: This article has the power to address the legal relationship of consumption in its historical and constitutional perspective. Although the consumer’s right to have been a branch introduced in the curricula of law schools in Brazil only after the Constitution of 1988, consumer protection and a disadvantage occurred in our country since the Ordinances of the Kingdom. To understand the trends outlined in this protective law in contemporary times, it becomes necessary to draw a historical and ideological subject protection law, the consumer, and legal relationship to which it participates.


Keywords: fundamental rights of the consumer, legal relationship of consumption; history of consumer rights.Ouvir


Sumário: 1. Considerações iniciais; 2. A evolução da proteção do consumidor; 2.1. A evolução do direito do consumidor no mundo; 2.2. Evolução do direito do consumidor no Brasil; 3. A influência do direito comparado no sistema do código de defesa do consumidor; 4. O paternalismo jurídico; 5. O código de defesa do consumidor como norma principiológica de ordem pública e interesse social; 6. A defesa do consumidor como direito fundamental e princípio da ordem econômica; 7. Considerações finais.


1. Considerações iniciais:


A proteção do consumidor é relevante uma vez que o homem no século XXI vive em função de um novo modelo de associativismo, qual seja: a sociedade de consumo (mass consumption society ou Konsumgesellschaft), caracterizada pelo domínio do crédito e do marketing, por um número crescente de produtos e serviços.


É notório que neste contexto que o consumidor por vezes, se vê em posição de vulnerabilidade. Isso porque o fornecedor assumiu uma posição de força, ditando regras em relação ao consumidor. Diante desse contexto, o direito não pôde ficar alheio a tal fenômeno, haja vista que o mercado, por si só, não apresentou mecanismos eficientes para superar ou mitigar a vulnerabilidade do consumidor.


A necessidade de proteção ao consumidor se deu porque havia a idéia de ser o homem capaz de, com sua própria razão e vontade, regular o mercado e decidir sobre o seu destino, já que os contratos eram apenas fruto da autonomia da vontade de partes iguais. Entretanto, essa igualdade era apenas formal e como conseqüência, àqueles que detinham os meios de produção e o poder econômico cabiam as vantagens exageradas. Já para o consumidor, sobravam as desvantagens.


Daí foi necessária à criação de uma legislação de proteção do consumidor capaz de proporcionar uma proteção integral, sistemática e dinâmica, a fim de reequilibrar a relação de consumo, seja reforçando a posição deste sujeito de direito, seja proibindo ou limitando certas práticas de mercado.


Será abordada neste estudo a teoria do paternalismo jurídico, doutrina jurídica americana, que visa proteger os direitos fundamentais nas relações entre particulares, por meio de intervenções legislativas, a exemplo da ampla legislação trabalhista e de proteção ao consumidor, assegurando a livre formação da vontade dos hipossuficientes, e prevenindo a discriminação, no âmbito das relações civis. O que demonstrará claramente a influência estrangeira na legislação protetiva brasileira.


Para melhor compreender o tema passamos a estudar a evolução histórica desta proteção. Afinal, nada é mais instigante na pesquisa científica, do que verificar a existência da inovação e da mudança da quebra de paradigmas do passado e do surgimento do inusitado e do complexo presente.


2. A evolução da proteção do consumidor


2.1. A evolução do direito do consumidor no mundo


Remontar as origens históricas do Direito do Consumidor torna-se imprescindível para a exata compreensão dos contornos juscivilísticos da contemporaneidade. A ciência é eternamente desafiada por novas situações o que nos leva a quebra dos paradigmas, marcando o choque entre teorias, que cedem lugar a novas idéias. A renovação é o momento que a pós-modernidade representa. Pode-se afirmar que o direito do consumidor abalou as estruturas do direito privado liberal e daí à importância de abordar sua evolução histórica.


A origem do consumidor é atribuída aos EUA, pois foi o país que primeiro dominou o capitalismo, sofrendo a conseqüência do marketing agressivo da produção, da comercialização e do consumo em massa. Encontra-se na doutrina, que os primeiros movimentos consumeristas de que se tem notícia ocorreram no séc. XIX.


Há autores que identificam 03 fases relativas à evolução da proteção ao consumidor no mundo. Newton de Lucca assim nos ensina:


“Na primeira delas, ocorrida após a 2ª Grande Guerra, de caráter incipiente, na qual ainda não se distinguiam os interesses dos fornecedores e consumidores, havendo apenas uma preocupação com o preço, a informação e a rotulação adequada dos produtos.


Na segunda fase, já se questionava com firmeza a atitude de menoscabo que as grandes empresas e as multinacionais tinham em relação aos consumidores, sobressaindo-se, na época a figura do advogado americano Ralph Nader.


Finalmente, na terceira fase,  correspondente aos dias atuais, de mais amplo espectro filosófico – marcada por consciência ética mais clara da ecologia e da cidadania – interroga-se sobre o destino da humanidade, conduzido pelo torvelinho de uma tecnologia absolutamente triunfante e pelo consumismo exagerado, desastrado e trêfego, que põe em risco a própria morada do homem.


De maneira geral, costuma ser apontado, como marco inicial da tendencia à proteção aos consumidores no mundo, a famosa mensagem do então Presidente da República norte americana, John Fitzgerald Kennedy, em 15 de março de 1962, dirigida ao Parlamento, consagrando determinados direitos fundamentais do consumidor, quais sejam: o direito à segurança, à informação, à escolha e a ser ouvido, seguindo-se, a partir daí, um amplo movimento mundial em favor da defesa do consumidor.


Porém, nas sagradas escrituras, por exemplo, desde os tempos do Jardim do Eden, já aparece o primeiro problema a propósito do consumo de uma fruta – a maçã – que foi experimentada por Adão e Eva, contrariamente à ordem de Deus. Podem ser encontradas várias referências na Bíblia, tais como a constante do Deuteronônimo, in verbis: “Não terás em tua bolsa duas espécies de pesos, uma pedra grande e uma pequena. Tuas pedras serão um peso exato e justo, para que sejam prolongados os teus dias na terra que te dá o Senhor, teu Deus. Porque quem faz essas coisas, quem comete fraude, é abominável aos olhos do Senhor, teu Deus”. (LUCCA, 2008, p. 47-48)


Contudo, há contornos de aplicação da proteção do consumidor desde a Lei das Doze Tábuas, na qual o comprador podia exigir do vendedor uma declaração solene, definindo as qualidades essenciais da coisa vendida. Tal declaração responsabilizava o vendedor, proibindo-o de realizar publicidade enganosa, o vendedor nesta época já deveria agir com transparência (SANTOS, 1987).


Altamiro José dos Santos (1987) destaca que o Código de Hamurabi já demonstrava preocupação em proteger o consumidor contra o lucro abusivo nas relações de compra e venda. De acordo a lei 235 do Código de Hamurabi, “o construtor de barcos estava obrigado a refazê-lo em caso de defeito estrutural, dentro do prazo de até um ano (…)” (SANTOS, 1987. p. 78-79). Esta norma antiga já nos remete aos vícios redibitórios e às regras de enriquecimento sem causa.


Outro exemplo é a lei 233, na qual o arquiteto que viesse a construir uma casa cujas paredes se revelassem deficiente teria a obrigação de reconstruí-las ou consolidá-las as suas próprias expensas.


Neste sentido, extremas seriam as conseqüências de desabamentos com vítimas fatais: o empreiteiro da obra, além de ser obrigado a reparar os danos causados ao empreitado, sofria punição de morte, caso houvesse o desabamento vitimando o chefe de família. Se morresse o filho do dono da obra, haveria pena de morte para o respectivo parente do empreiteiro, e assim por diante.


Outra situação ocorria na Índia do século XII a.C., lá o sagrado Código de Massú previa multa e punição, além de ressarcimento dos danos, àqueles que adulterassem gêneros – lei 697 – ou entregassem coisa de espécie inferior àquela acertada, ou vendessem bens de igual natureza por preços diferentes – lei 698.


Lucca afirma de forma brilhante que:


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“[…] sempre houve, ao longo dos tempos, numerosas manifestações voltadas à proteção dos consumidores, desde o direito romano. Mas, tratava-se de algo isolado, fragmentado e anódino, sem nenhuma relação com a realidade do poder econômico dos agentes produtores, como efetivamente ocorreu a partir da década de 60. Tais manifestações são corriqueiramente lembradas, sim, mas meramente movidas por curiosidade histórica, e não porque possam servir de base à interpretação do fenômeno atual do consumerismo”. (LUCCA, 2008, p.48)


No Período Justiniano, a responsabilidade pelos vícios da coisa também já era atribuída ao vendedor, mesmo que desconhecesse do defeito. A boa-fé do consumidor era o fundamento utilizado nas ações redibitórias e quanti minoris em caso de ressarcimento de vícios ocultos na coisa vendida. Daí se o vendedor tivesse ciência do vício deveria devolver o que recebeu em dobro.  Prux assim leciona:


“[…] no período romano, de forma indireta, diversas leis também atingiam o consumidor, tais como: a Lei Sempcônia de 123 a.C., encarregando o Estado da distribuição de cereais abaixo do preço de mercado; a Lei Clódia do ano 58 a.C., reservando o benefício de tal distribuição aos indigentes e; a Lei Aureliana, do ano 270 da nossa era, determinando fosse feita a distribuição do pão diretamente pelo Estado. Eram leis ditadas pela intervenção do Estado no mercado ante as dificuldades de abastecimento havidas nessa época em Roma” (PRUX, 1998. p. 79).


Em 1481, a França punia com banho escaldante aquele que vendesse manteiga com pedra para aumentar o peso ou que misturasse água no leite.


Percebe-se que as punições eram severas quando o direito do consumidor, mesmo ainda não reconhecido, fosse desrespeitado.


No ano de 1773 aconteceu o episódio contra o imposto do chá, reação dos consumidores contra os produtores do chá inglês.


Mas foi somente em 1872, que editaram a Lei Sherman Anti Trust nos Estados Unidos da América, com a finalidade de reprimir as fraudes praticadas no comércio, além de proibir práticas desleais, tais como: combinação de preço e o monopólio. Todavia, esta lei não foi aplicada e, em 1914, criou-se a Federal Trade Comission, com o forte propósito de efetivar a lei antitruste e proteger realmente os interesses dos consumidores.


Assim, apesar de ter encontrado aparições de proteçao ao consumidor em legislaçoes muito antigas, pode-se afirmar que o sujeito do direito, o consumidor, foi reconhecido pelo direito não faz muito tempo.


Importa esclarecer que a proteção do consumidor fora mencionada nos estudos de sociologia do fim do sec XIX de Max Weber e Karl Marx, mas surgiu fortemente nos anos 60-70 do século XX.


As duas grandes guerras contribuíram para o surgimento da sociedade de consumo, haja vista que o desenvolvimento industrial fluía a todo vapor, necessitando de consumidores para despejar seus mais diversos produtos. Era o capitalismo que chegava para ficar, liderada pela mais nova grande potência, os Estados Unidos. Nisso, os fundamentos liberais do direito privado foram abalados com o surgimento desta sociedade de consumo.


Essa nova conjuntura influenciou sensivelmente as características contratuais. Os contratos paritários, frutos de acordos de vontade, discutidos cláusula a cláusula, tornaram-se menos freqüentes, e chegavam com toda força na sociedade massificada, os contratos por adesão, formulados pelas empresas e impostos aos consumidores, continham conteúdo padrão, não dando alternativas, se não em comungar com o que lhe foi imposto.


O modelo de produção em série, o fordismo, desenvolvido para atender a demanda crescente após a Segunda Grande Guerra foi o precursor da contratação em massa. Ou seja, quando uma empresa desenvolvia um produto e depois o reproduzia milhares de vezes, fazia o mesmo com os contratos. Não tinha sentido fazer um automóvel, reproduzi-lo vinte mil vezes, e depois fazer vinte mil contratos diferentes para os vinte mil compradores. Todavia, o conteúdo do contrato sempre trazia mais vantagens à parte que o propôs e dessa forma, estava instalada a desigualdade entre as partes contratuais.


Diante dessa realidade, o direito contratual enfrentou mudanças em seus paradigmas clássicos, que já não serviam para responder às questões resultantes da massificação da sociedade de consumo e os Estados passaram a intervir nas relações privadas, a fim de evitar as desigualdades, delineando, assim, o intervencionismo e o dirigismo estatal.


Como já dito, um marco histórico importante para o reconhecimento do consumidor como sujeito de direitos ocorreu em 1962, quando o presidente norte-americano John Kennedy, em um discurso, enumerou os direitos do consumidor e os considerou como um desafio necessário para o mercado. Pode-se afirmar que a partir daí iniciou-se uma reflexão profunda sobre o tema. O Presidente mencionou que em algum momento de nossas vidas “todos somos consumidores”. Kennedy localizou os aspectos mais importantes na questão da proteção ao consumidor, afirmando que os bens e serviços deviam ser seguros para uso e vendidos a preços justos.


Afinal, começa a surgir a preocupação com os valores fundamentais da pessoa humana, pois o homem se expõe na relação de consumo, da qual obrigatoriamente participa para satisfação de necessidades vitais, não podendo ser vítima de regras que somente otimizam o lucro daqueles detentores do meio de produção, bem como do poder econômico.


Neste contexto, no dia 05 de março de 1962, Kennedy citou quatro direitos fundamentais ao consumidor, que tiveram repercussão no mundo todo. Inclusive, a importância deste fato, fez com que o Congresso Americano definisse este dia como Dia Mundial dos Direitos Consumidor.


Na oportunidade, foram mencionados os direitos (LUCCA, 2008): 1 – DIREITO À SAÚDE E À SEGURANÇA, relacionado à comercialização de produtos perigosos à saúde e à vida; 2 – DIREITO À INFORMAÇAO, compreendido à propaganda e à necessidade de o consumidor ter informações sobre o produto para garantir uma boa compra; 3 – DIREITO À ESCOLHA, referindo-se aos monopólios e às leis antitrustes, incentivando a concorrência e a competitividade entre os fornecedores; 4 – DIREITO A SER OUVIDO, visando que o interesse dos consumidores fosse considerado no momento de elaboração das políticas governamentais.


De toda sorte, em 1973, a Comissão de Direitos Humanos da ONU, na 29ª Sessão em Genebra, reconheceu os direitos fundamentais do consumidor e consolidou a noção de que o direito do consumidor seria um direito humano de nova geração, um direito social econômico, direito de igualdade material do mais fraco, do cidadão civil nas suas relações privadas frente aos fornecedores de produtos e serviços.


Finalmente em 1985, a Assembléia Geral da ONU editou a resolução n. 39/248 de 10/04/1985 sobre a proteção ao consumidor, positivando o princípio da vulnerabilidade no plano internacional. As diretrizes constituíam um modelo abrangente, descrevendo oito áreas de atuação para os Estados, a fim de prover proteção ao consumidor. Entre elas: a) proteção dos consumidores diante dos riscos para sua saúde e segurança, b) promoção e proteção dos interesses econômicos dos consumidores, c) acesso dos consumidores à informação adequada, d) educação do consumidor, e) possibilidade de compensação em caso de danos, f) liberdade de formar grupos e outras organizações de consumidores e a oportunidade de apresentar suas visões nos processos decisórios que as afetem. Estas diretrizes forneceram importante conjunto de objetivos internacionalmente reconhecidos, destinados aos países em desenvolvimento, a fim de ajudá-los a estruturar e fortalecer suas políticas de proteção ao consumidor.


A partir daí, vários países passaram a abordar a questão da proteção do consumidor em sua jurisdição interna, adaptando ou elaborando legislação própria e, o processo de tutela do consumidor desenvolveu-se paralelamente à abertura de mercados. Como conseqüência, o estabelecimento de medidas protecionistas levou os países a produzir produtos de maior qualidade e de maior aceitação internacional, protegendo o mercado interno de produtos estrangeiros não preparados para esta competição.


2.2. Evolução do direito do consumidor no Brasil


Com relação ao Brasil, desde os tempos do Império, já se observava uma proteção discreta do consumidor e, para esboçar um breve histórico da civilística brasileira, parece-nos impossível dissociá-lo da história do Direito Português em um primeiro momento, e do Direito Europeu como um todo, em um segundo momento. Neste sentido, Giordano Bruno Soares Roberto expõe:


“Não é possível compreender o momento atual do Direito Privado brasileiro sem olhar para sua história. Para tanto, não será suficiente começar com o desembarque das caravelas portuguesas em 1500. A história é mais antiga. O Direito brasileiro é filho do Direito Português que, a seu turno, participa de um contexto mais amplo”. (ROBERTO, 2003, p. 5)


Sabe-se que o direito brasileiro se resumia ao que era posto pelas Ordenações do Reino de Portugal, durante todo o período de colonização. Em outras palavras, nossos direitos civis não passavam de simples extensão dos direitos de nossos colonizadores, cuja influência em nosso ordenamento jurídico não pode ser relegada ao desentendimento.


As Ordenações Filipinas, publicadas no ano de 1603, vigeram desde o início do século XVII até a proclamação da independência brasileira em 1822, regendo o ordenamento jurídico privado no Brasil por mais de 300 anos. Tratava-se de uma compilação jurídica marcada pelas influências do Direito Romano, Canônico e Germânico, que juntos constituíam os elementos fundantes do Direito Português e como não poderia deixar de ser, influenciaram a legislação brasileira com o seu tom patriarcalista e patrimonialista.


Uma vez proclamada à independência do Brasil, uma lei editada em outubro de 1823 determinou a manutenção das Ordenações Filipinas em nossas terras, bem como demais formas normativas emanadas dos imperadores portugueses que vigoravam até a data de 26 de abril de 1821.


No Livro V das Ordenações Filipinas já foi possível encontrar uma norma de proteção, ainda que indireta, do consumidor, vez que punia a usura com degredo para África. Também no título LVII dizia que “se alguma pessoa falsificar alguma mercadoria, assim com cera, ou outra qualquer, se a falsidade, que nisso fizer, valer hum marco de prata, morra por isso”. Percebe-se que a coação psicológica sobre o fornecedor acabava por proteger o consumidor.


Outro exemplo presente nas Ordenações Filipinas – Livro IV de proteção ao Consumidor:


“Título XIII


Do que quer desfazer a venda, por ser enganado em mais da metade do justo preço (2).


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Posto que o contrato da compra e venda de coisa móvel, ou de raiz seja de todo perfeito, e a coisa entregue ao comprador, e o preço pago ao vendedor se for achado que o vendedor foi enganado além da metade do justo preço (3), pode desfazer a venda por bem do dito engano, ainda que o engano não procedesse do comprador, mas somente se causasse da simplicidade do vendedor” (ALMEIDA, 2004, p. IX)


Pode-se comparar esta norma das Ordenações com os seguintes artigos do nosso Ordenamento jurídico atual, quais sejam: artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e artigo 104 do Código Civil de 2002 (CC/02):


“ART. 51 – São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: […]


§ 1º – Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que: […]


IIImostram-se excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e o conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.[…] (BRASIL, 2011d, p. 861, grifo nosso)


Art. 104. A validade do negócio jurídico requer: I – agente capaz;[…”] (BRASIL, 2011c, p. 170, grifo nosso)


O curioso era que as Ordenações do Reino tratavam como hipossuficientes: o menor, as mulheres e discretamente o consumidor. A mulher já se encontrava protegida no caso de fiança, contudo, tal proteção se dava pelo motivo de serem consideradas as mulheres “fracas de entendimento”, e, neste aspecto, é inegável que a legislação evoluiu ao equiparar homens e mulheres, garantindo-lhes situação política e social idêntica. Contudo, vale o exemplo sobre a preocupação do Estado com os hipossuficientes.

“Título LXI


Do benefício do Senatus consulto Velleano (1), introduziu em favor das mulheres que ficam por fiadoras de outrem.


Por Direito é ordenado (2), havendo respeito à fraqueza do entender das mulheres, que não pudessem fiar, nem obrigar-se por outra pessoa alguma, e em caso que o fizessem fossem relevadas de tal obrigação por um remédio (3) chamado em Direito Velleano; o qual foi especialmente introduzido em seu favor, por não serem danificadas obrigando-se pelos feitos alheios “(1) […](ALMEIDA, 2004, p. XI)


Somente em 1917, surgiu o primeiro Código Civil Brasileiro e as Ordenações do Reino deixaram de ser aplicadas na doutrina civilista. De autoria do jovem Clóvis Bevilácqua, o Código Civil foi fundado dentro de uma filosofia marcada pelo liberalismo político e econômico, apresentando característica nitidamente patrimonialista.


Todavia, a preocupação com as relações de consumo surgiu no Brasil a partir das décadas de 40 e 60, quando foram criadas diversas leis regulando aspectos de consumo. Dentre essas leis pode-se citar a Lei 1221/51, lei de economia popular, a Lei Delegada n.º 4/62, a Constituição de 1967, com a emenda n.º 1 de 1969 que citam a defesa do consumidor.


A partir do seu surgimento nos Estados Unidos, o direito do consumidor ainda levou algum tempo para chegar ao Brasil. Este direito tutelar, introduzido com a Constituição Federal de 1988, reconheceu um novo sujeito de direitos, o consumidor, individual e coletivo, assegurando sua proteção tanto como direito fundamental, no art. 5º, XXXII[1], como princípio da ordem econômica nacional no art. 170, V, da Constituição da República Federativa do Brasil (CF/88)[2].


Finalmente, em 1990, o Congresso Nacional conforme orientação de nossa Carta Magna, elaborou a Lei 8.078 de 11/09/1990 de proteção ao consumidor, criando o Código de Defesa do Consumidor. Por tratar-se de verdadeiro “microssistema jurídico”, já que, nele, encontram-se normas de direito penal, civil, constitucional, processuais penais, civis e administrativas, com caráter de ordem pública, e por constituir legislação extremamente avançada, o Código Brasileiro de Defesa do Consumidor influenciou as legislações dos outros países do MERCOSUL.


Contudo, ocorreram percalços na aplicação desta lei, que sofreu uma difusa desqualificação, a partir do argumento que existiam indefinições de alguns dos seus institutos, como resultado da novidade e da falta de tempo para a elaboração intelectual e a sistematização de seus enunciados.


Tudo isso se explica, pelo embaraço que a edição de uma nova lei causou no cenário nacional, ao apregoar que seria necessário atender à boa-fé objetiva, isto é, que a regulação jurídica das obrigações deveria estar fundada em princípios éticos de lealdade e probidade. Também, que os contratos bilaterais deveriam prever prestações equivalentes, atendendo o princípio da justiça contratual, bem como que as cláusulas abusivas seriam nulas.


Portanto, para muitos, eram mudanças de paradigma que impediam o lucro e à boa ordem do mercado.


Mas, apesar das dificuldades, o Código de Defesa do Consumidor se consolidou no cenário nacional, como uma lei inovadora que tratava, pela primeira vez, da efetiva desigualdade existente entre os contratantes, quando de um lado estava quem organiza à produção de bens e serviços e, de outro, quem deles necessita para a satisfação de carência pessoal.


Então, a proteção do consumidor se firmou como um direito fundamental já declarado pela ONU, positivado em nossa Constituição e reconhecido pelos países-membros do MERCOSUL.


3. A influência do direito comparado no sistema do Código de Defesa do Consumidor


Claudia Lima Marques (2009), após comparação de legislações do mundo e as suas funções nos ensina que o Código Civil Francês de 1804, Code de Napoleão, influenciou muito a legislação brasileira. Entretanto, o Código Civil de 1916 e todo ordenamento privado brasileiro também foi marcado pelas codificações espanhola, italiana, alemã, bem como da Suíça.


Além disso, como já dito, não podemos deixar de citar, que o direito civil português deixou caracteres de continuidade, patrimonialismo, formalismo e unidade no nosso sistema jurídico. Contudo, após a República, o direito brasileiro começou a sofrer influência do direito norte-americano.


Os autores alemães nos ensinam que na família romano-germânica, (França, Alemanha, Itália, Portugal Espanha, dentre outras), a proteção dos consumidores nas relações contratuais resultou de jurisprudências que concretizavam as clausulas gerais da boa-fé nas relações jurídicas massificadas do séc. XX.


No Brasil, apesar de também se inserir na família romano-germânica, a evolução foi diferente e muito mais lenta, haja vista que o código de 1916 não trazia a cláusula geral de boa-fé expressa em seu ordenamento, em que pese estar presente no código comercial de 1950, a boa-fé interpretativa, o que inibia a sua aplicação pelos juízes brasileiros.


O ministro Ruy Rosado de Aguiar (1995) justifica tal realidade, com o fundamento de que o nosso direito permaneceu formalista e positivista durante os séculos XIX e XX, e o princípio pacta sunt servanda permanecia fortemente arraigado, preso ainda ao dogma liberal da vontade, e neste contexto, os juristas brasileiros não desenvolveram, suficientemente, o princípio da boa-fé.


Cláudia Lima Marques (2009) também alega que o direito privado brasileiro caracterizou-se até os anos 70 por uma forte defesa da manutenção do individualismo e do liberalismo fundado no Código Civil de 1916, o que o fez distanciar-se da realidade de uma sociedade massificada e de grandes desigualdades entre os sujeitos de direito privado.


Reagindo a essa realidade, em 1985 se criou no Brasil o CNDC – Conselho Nacional de Defesa do Consumidor – junto ao Ministério da justiça, que reuniu um grupo de pessoas especialistas para serem os autores do Anteprojeto do Código de Defesa do Consumidor, dentre eles: Ada Pellegrini Grinover; Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamín; Daniel Roberto Fink; José Geraldo Brito Filomeno; Nelson Nery; Kazuo Watanabe; Zelmo Denari; Leonardo Roscoe Bessa.


Mas, somente em 1988, que o Brasil reconheceu o consumidor como sujeito vulnerável, protegido pelo direito e inseriu em seu texto a norma-objetivo, de obrigatoriedade da criação de uma legislação que contemplasse este novo sujeito de direito. Seguindo esse propósito, em 11 de setembro de 1990, editou-se a Lei Consumerista, sob o número 8.078/90, chamada de Código de Defesa do Consumidor.


Assim, a autora Ada Pellegrini, a partir de seus estudos, declara que a inspiração do Código de Defesa do Consumidor viera de modelos legislativos estrangeiros da Itália, Bélgica, Estados Unidos, Espanha, Alemanha e México, tendo sido a principal fonte o Código Francês. Os autores aproveitaram de sua formação internacional do direito, para construir uma lei inovadora que atendesse os interesses da sociedade contemporânea brasileira.


Por tudo que foi exposto, Cláudia Lima Marques (2008) considera o Código de Defesa do Consumidor uma obra comparatista, atualizada para atender às necessidades o século XXI e que tal lei, seria modelo na América Latina.


4. O paternalismo jurídico


Há diversas formas de se proteger os direitos fundamentais nas relações entre particulares, uma delas seria por meio de intervenções legislativas, a exemplo da ampla legislação trabalhista e de proteção ao consumidor, assegurando a livre formação da vontade dos hipossuficientes, e prevenindo a discriminação, no âmbito das relações civis. Uma das formas de se operar essas diretrizes é através do que a doutrina americana denomina de paternalismo jurídico.


Na cultura jurídica brasileira, o paternalismo jurídico é pouco estudado, Villela (1974) informa que são características da cultura jurídica brasileira o formalismo, o legalismo e o paternalismo jurídico. A doutrina jurídica americana é que tem desenvolvido a pesquisa sobre esse tema de maneira mais rica. Sampaio Júnior (2007) acredita que a pouca pesquisa envolvendo o paternalismo jurídico no Brasil não quer dizer que ela não exista aqui, mas ao fato de que essa idéia está bastante arraigada em nossa cultura, não gerando polêmica ou algum aspecto negativo – trata-se do óbvio, fato desejado ou esperado dos tribunais.


O paternalismo jurídico é uma forma de regulação estatal, pela qual são editadas regras que objetivam a satisfação do melhor interesse do indivíduo, impondo-lhe ou cerceando-lhe certas condutas.


A idéia do paternalismo jurídico tem estado associada ao modelo Social de Estado, mas com o leading case Rogers v. Higgins de 1868 (CAMERER, 2003), já se a vislumbrava. Acreditava que certas pessoas não possuíam a capacidade de tomarem decisões certas para as suas vidas, cabendo, portanto, ao Estado decidir por elas. Este leading case tratava-se dos “idiotas, das mulheres casadas e dos menores” – acreditava-se que essas pessoas não teriam o discernimento necessário para a prática de atos civis em geral.


Atualmente, o paternalismo jurídico está associado à determinada categorias de pessoas para determinadas situações. Acredita-se que em determinadas situações certas pessoas não possuem a capacidade de decidirem da melhor maneira possível, sendo necessária a edição de normas protetivas, que garantam a proteção dessas pessoas até mesmo de suas próprias decisões. Acredita-se que mesmo os mais cautelosos em determinadas situações não possuem condições de tomarem a melhor decisão cabível, devendo, portanto, lhes serem cerceado o princípio da liberdade negocial. É o que ocorre com, por exemplo, a lei do inquilinato, a lei de usura, o lei de proteção ao consumidor, a consolidação das leis do trabalho, entre outras.


Para Sampaio Júnior (2007) o maior defensor do paternalismo jurídico é Anthony Kronman. O argumento que se utiliza é o de que “a ordem jurídica contém certos elementos inalienáveis” (SAMPAIO JÚNIOR, 2007, p.4821). Por esses elementos inalienáveis seria possível a limitação da liberdade individual quando o ordenamento jurídico considere que a vontade individual seja contrária ao próprio interesse individual.


Walter Block, para Sampaio Júnior (2007), é o maior crítico do paternalismo jurídico, considerando-o uma grave violação contra a liberdade individual e a dignidade da pessoa humana. Discute esse autor quem seria o responsável para decidir quais seriam os elementos inalienáveis de uma ordem jurídica? Seria possível deixar ao arbítrio da coletividade, tolhendo a liberdade individual, a decisão pelas melhores escolhas individuais? O que esse autor informa é que o indivíduo capaz é o mais apto a tomar as melhores decisões para si mesmo.


A doutrina divide o parternalismo jurídico em três possíveis modalidades, quais sejam, o paternalismo suave – soft paternalism, o paternalismo exacerbado – hard paternalism e o paternalismo por assimetria de informações – asymmetric paternalism. Na modalidade do paternalismo suave a intervenção se opera para impedir condutas danosas quando forem involuntárias ou para decidir se essa ação foi ou não involuntária. Na modalidade exacerbada protege-se da conduta danosa, mesmo praticada voluntariamente por agente capaz e consciente. No paternalismo por assimetria de informação a proteção se daria, para algumas pessoas, em determinadas situações em que não teriam a possibilidade de conhecer bem a conduta para tomar a decisão mais adequada, em razão da insuficiência de informação.


Sampaio Júnior (2007) argumenta que o paternalismo por assimetria de informação “se caracteriza pelas seguintes modalidades interventivas: a) análise das cláusulas padrão, b) imposição do dever de informar, c) concessão de períodos de reflexão e arrependimento e d) estabelecimento de limites à escolha do agente”.


No que concerne a análise de cláusula padrão verificou-se que as pessoas tem a tendência de manter os contratos assim como eles são apresentados, mesmo que haja a opção de modificação. Assim, torna-se proeminente que haja a análise criteriosa dessas cláusulas pelo Estado. Observe, por exemplo, o que o legislador estabeleceu no CDC em relação aos contratos de adesão: “Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo. […]” (BRASIL, 2001d, p. 862 )


Em relação ao dever de informação é necessário que as empresas apresentem o maior número de informações possíveis sobre os seus produtos, mesmo que essas informações, aparentemente, sejam desnecessárias. Isso seria crucial para que aqueles que tomam decisões de maneira precipitada as façam de maneira consciente. O CDC, por exemplo, em decorrência do princípio da boa-fé objetiva, é permeado pelo dever de informação. Veja, por exemplo, o artigo 6º que estabelece os Direitos Básicos do Consumidor impondo que lhe seja fornecido “a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem.” (BRASIL, 2011d, p. 856).


Os períodos de reflexão e arrependimento são dados para aqueles casos que o legislador considerou que o agente capaz realizou determinado ato jurídico sob estado de euforia, devendo ser dado ao ele um certo período de reflexão. Como exemplo são as vendas emocionais, nestes casos do CDC, estabelece um período de arrependimento:


“Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.”[..] (BRASIL, 2011d, p. 861 )


O estabelecimento de limites à escolha do consumidor deve ser vista com muita cautela. Trata-se de um limite a autonomia privada, na qual, o consumidor não terá a possibilidade de escolha, assim, o legislador estabeleceria limites ás escolhas do consumidor para o proveito deste último. Exemplo desses limites a liberdade de escolha do consumidor seria o fato de determinadas agencias reguladoras terem que aprovarem os textos contratuais que, posteriormente, serão apresentados ao consumidor. Ou ainda, ao prever prazos pequenos para que o consumidor possa se arrepender do negócio realizado ou, até mesmo, para reclamar do defeito de determinado produto.


O Paternalismo por assimetria de informação está presente, como apresentado acima, no ordenamento jurídico brasileiro, como decorrência dos princípios da transparência e da boa-fé. Assim o fornecedor deve oportunizar todas as informações necessárias para o bom convencimento consciente do consumidor, além das outras ferramentas já discutidas. Mas assim como as outras espécies de paternalismo jurídico, seja o forte ou o suave, na perspectiva do Estado Democrático de Direito, ele ser visto com cautela. Isso porque o dever de informação não é unilateral, as pessoas têm o dever de se informarem. Assim, caso o fornecedor tenha oportunizado as informações para que o consumidor tome uma decisão consciente e mesmo assim, o consumidor informado queira se arrepender, post factum, do negócio celebrado, isso não deve ser permitido. Caso contrário não será possível estabelecer um mercado de consumo fortalecido. O que se quer dizer, é deve ser oportunizado, assim como previsto na Política Nacional do Consumo, a educação e informação ao consumidor, para que a ingerência estatal, ou seja, o paternalismo jurídico, seja menor nessas relações, garantido-se a autonomia privada, tanto para o consumidor quanto para o fornecedor. Isso, também, serve para afirmar que, em uma perspectiva de eficácia horizontal dos direitos fundamentais do consumidor, tanto o Estado – oportunizando as ferramentas da Política Nacional das Relações do Consumo – quando os privados – fornecedor e consumidor devem proteger e promover a dignidade da pessoa humana. Assim o consumidor tem o dever de se informar em uma relação de consumo, na medida de sua oportunidade, de modo a ser um agente mais autônomo; e o fornecedor tem o dever de informar de forma ampla e completa oportunizando ao consumidor meios de fazer escolhas conscientes.


5. O Código de Defesa do Consumidor como norma principiológica de ordem pública e interesse social


A origem da codificação protetiva no Brasil se deu através da efetivação do mandamento constitucional previsto no art. 48 do Ato das Disposições transitórias[3], para que o legislador ordinário estabelesse um Código de Defesa e Proteção do Consumidor, o que aconteceu em 1990, pela Lei 8.078/90.


Tal norma especial, lei ordinária, nasceu da constatação da desigualdade de posição e de direitos entre o consumidor e o fornecedor, fundamentado na proteção da dignidade humana. Trata-se de uma lei de caráter inter e multidisplinar, possuindo natureza jurídica de um verdadeiro microssistema jurídico, ou seja, ao lado de princípios que lhe são próprios, no âmbito da chamada ciência consumerista, O Código de Defesa do Consumidor, seguindo uma tendência moderna, relaciona-se com os outros ramos do direito, atualizando e dando nova roupagem a institutos jurídicos ultrapassados pela evolução da sociedade.


Assim, a legislação consumerista reveste-se de caráter multidisplinar, eis que cuida de questões voltadas aos Direitos Constitucional, Civil, Penal, Administrativo, Processual Civil, Processual Penal, mas sempre tendo como pedra de toque a vulnerabilidade do consumidor frente ao fornecedor, assim como a sua condição de destinatário final de produtos e serviços.


Cláudia Lima Marques declara que:


“[…] o direito do consumidor visa cumprir um Triplo Mandamento constitucional:


1)promover a defesa dos consumidores;


2)de observar e assegurar como princípio geral e imperativo da atividade econômica, a necessária defesa do sujeito de direitos , o consumidor;


3)de sistematizar a tutela especial infraconstitucional através de uma microcodificação”. (MARQUES, 2009, p.21)


Bruno Miragem (2007) ensina que o consumidor, sujeito de direito com status  constitucional, teria os seus direitos protegidos de forma preferencial em relação a outros direitos de matriz infraconstitucional e resume: “O direito do consumidor, enquanto direito subjetivo caracteriza-se ontologicamente como direito humano fundamental” (MIRAGEM, 2007, p. 111).


Outro ponto polêmico seria classificar o direito do consumidor, Claudia Lima Marques (2008) o considera como disciplina transversal entre o direito privado e público, que visa proteger um sujeito de direitos, o consumidor, em todas as suas relações jurídicas frente ao fornecedor. Isso porque haveria nele, normas de direito público e privado.


Importa dizer que, no Brasil hoje, a Constituição Federal de 1988 serve de centro valorativo e normativo de todo o sistema jurídico, também do direito privado, transformando o direito privado brasileiro em constitucional, limitado e consubstanciado pelos direitos fundamentais.  Quer se dizer que o Direito Privado atual deve ser interpretado conforme a Constituição e seus valores, o que nos leva a discordar da afirmação de Cláudia Lima Marques (2009) sobre a natureza transversal do direito do consumidor. 


Muitos doutrinadores entendem que, desde 1988, tem-se no Brasil um novo direito privado permeado pela função social e tripartide, composto pelo direito civil, pelo direito de empresa e pelo direito do consumidor.


Neste contexto, pode-se afirmar que as normas que compõem o direito do consumidor são de direito privado, porém não são disponíveis, haja vista que são de ordem pública e interesse social, conforme dita o art. 1º do CDC, consideradas normas cogentes, imperativas que não toleram renúncia por convenções, nem mesmo afastamento por disposição particular.


Além disso, as normas da lei consumrista são principiológicas, no sentido de veicular valores e fins a serem alcançados, ultrapassando a técnica tradicional do binômio hipótese/sanção.


Gustavo Tepedino (2004) afirma que o CDC, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o Estatuto da cidade são exemplos de diplomas jurídicos que contém normas que não prevêm relação de imputação com causas e efeitos, prevêem apenas valores a serem protegidos. Observa a ampla utilização da técnica de cláusulas gerais e de conceitos indeterminados associado a normas descritivas de valores.


O Superior Tribunal de Justiça (STJ), recentemente, frisou:


“As normas de proteção e defesa do consumidor têm índole de ordem pública e interesse social. São, portanto, indisponíveis e inafastáveis, pois resguardam valores básicos e fundamentais da ordem jurídica do Estado Social, daí a impossibilidade de o consumidor delas abrir mão”. (BRASIL, 2010)


Na verdade, o que ocorre seria uma interdisciplinariedade da função tutelar do direito do consumidor, já que o CDC reúne em seu corpo, normas de direito público (direito administrativo, penal, processual civil) e de direito privado para proteger o consumidor em suas relações de natureza privada com os fornecedores de bens e serviços.


Portanto, conclui-se que as normas de  proteção ao consumidor  são de direito privado não porque suas normas sejam todas de direito privado – ao contrário – mas, sim, porque o seu objeto de tutela é o sujeito de direito privado, o consumidor, agente privado diferenciado,  vulnerável e complexo.


6. A defesa do consumidor como Direito Fundamental e Princípio da Ordem Econômica


Difícil tarefa é compatibilizar a proteção do consumidor como direito fundamental com os princípios da ordem econômica, isso porque a defesa do consumidor tem origem constitucional nos arts. 5º, XXXII e 170 da Constituição Brasileira.


Por meio do artigo, 170, V, da CF/88, deve-se garantir a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos através da implementação de uma política de nacional de consumo.


Assim, a defesa do consumidor como princípio geral da atividade econômica está emparelhada e atua lado a lado, com outros princípios basilares do modelo político-econômico brasileiro, como o da soberania nacional, da livre concorrência, dentre outros. Como principio, tem o condão de controlar as normas que procuram afastar a tutela protetiva.


Observa-se aqui, que podem ocorrer conflitos nas situações práticas de proteção ao consumidor e a política nacional da ordem econômica. Em nossa opinião, caso aconteça colisão entre os princípios que protegem o consumidor com os princípios gerais da ordem econômica entre si, só um será aplicável no caso concreto, ou seja, a escolha de aplicabilidade não se dará em caráter axiológico, na escolha da solução mais justa. O que se busca é a solução correta. Deste modo, no caso concreto, os princípios não são conflitantes, mas eles se excepcionam.


“Ao contrário das regras, que se aplicam de maneira ou tudo ou nada – in na all-or-nothing fashion. (Dworkin, 1978, p. 24), e que, portanto comportam exceções enumeráveis previamente à sua aplicação (Dworking, 1978, p. 25), os princípios comportam exceções à sua aplicação que não podem ser enumeradas previamente à hipótese concreta de sua incidência (Dworkin, 1978, p. 25), por que qualquer outro princípio pode, abstratamente, representar uma exceção à aplicação de um princípio. […] não se trata de imaginar uma ponderação, ou seja, imaginar-se um conflito resolvido pela aplicação de outro princípio, orientada pela hieraquização dos mesmos, mas de se imaginar que os princípios são normas que se excepcionam reciprocamente nos casos concretos, vez que não podem, muitas vezes, ser contemporaneamente aplicados. É claro que um princípio só pode excepcionar a aplicação de outro quando isso for suficientemente fundamentado de um ponto de vista discursivo. Mas efetivamente os discursos de aplicação podem apresentar tal fundamentação.” (GALUPPO, 1999, p. 199)


Assim, no caso concreto é que se irá verificar a exceção de um princípio ao outro e nunca abstratamente. Além disso, o fato de em um dado caso um princípio excepcionar ou outro isso não, necessariamente, quer dizer que em toda situação isso ocorrerá. É a circunstância do caso que deve determinar a aplicação do principio, buscando garantir iguais direitos fundamentais aos afetados naquele caso.


A solução de um caso concreto difícil está na construção teórica feita neste, ou seja, pela interpretação se reconstrói a situação em conformidade com os princípios jurídicos aplicáveis e reconhecidos pela comunidade de princípios, alcançando a decisão correta, tal qual um romance em cadeia. Não há contradição de princípios, mas concorrência, não há hierarquia, eles estão no mesmo plano de aplicação. Deste modo, a segurança jurídica está na aplicação do direito como integridade, pois se garante a coerência de princípios que são criados pela comunidade personificada.


Neste sentido, pode-se afirmar que o principio geral da atividade econômica de defesa do consumidor impõe a realização de uma política pública com dupla eficácia: a positiva determina que os poderes públicos tenham o dever de desenvolver o programa constitucional, por meio de ação coordenada que estimule a ordem econômica brasileira; a negativa quer impedir que o legislador ou a Administração Pública edite normas conflitantes com o objetivo do programa constitucional de proteção do consumidor.


Já que defesa do consumidor também é um direito fundamental, oportuno se faz neste momento definir o que seriam esses direitos: Bonavides acredita que os direitos fundamentais “são os do homem que as Constituições positivaram” (BONAVIDES, 2000, p. 514-518), recebendo nível mais elevado de garantias ou segurança, pois, cada Estado, tem seus direitos fundamentais específicos. Entretanto, o autor acrescenta que os direitos fundamentais “estão vinculados aos valores de liberdade e dignidade humana, levando-nos, assim, ao significado de universalidade inerente a esses direitos como ideal da pessoa humana”. (BONAVIDES, 2000, p. 514-518)


Já Canotilho ensina que a positivação dos direitos fundamentais, considerados “naturais e inalienáveis” (CANOTILHO, 1998, p.369) do indivíduo pela Constituição como normas fundamentais constitucionais, é que vincula o direito. “Sem o reconhecimento constitucional, estes direitos seriam meramente aspirações ou ideais, seriam apenas direitos do homem na qualidade de normas de ação moralmente justificadas”. (CANOTILHO, 1998, p.369)


Claudia Lima Marques (2008) também afirma ser o direito do consumidor um direito humano de terceira geração, um direito positivo de atuação do Estado na sua projeção, que atinge a todos os cidadãos brasileiros e estrangeiros aqui residentes.


Quanto à terminologia de direitos humanos e direitos fundamentais, surge a necessidade de diferenciação: direitos humanos são sempre direitos do ser humano inerente a sua dignidade e convívio social, sem, contudo, apresentar juridicidade constitucional, enquanto os direitos fundamentais encontram-se positivados na esfera constitucional. Ingo Wolfgang SARLET, assim os define:


“Em que pese sejam ambos os termos (“direitos humanos” e “direitos fundamentais”) comumente utilizados como sinônimos, a explicação corriqueira e, diga-se de passagem, procedente para a distinção é de que o termo “direitos fundamentais” se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão “direitos humanos” guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem o ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional e que, portanto, aspiram a validade universal para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional (internacional)”. (SARLET, 2006, p.35-36)


Ainda assim, não poderá tais conceitos ser entendidos como sinônimos, pois a efetividade de cada um é diferente. Neste ponto Ingo Wolfgang SARLET é incisivo ao afirmar que:


“Além disso, importa considerar a relevante distinção quanto ao grau de efetiva aplicação e proteção das normas consagradoras dos direitos fundamentais (direito interno) e dos direitos humanos (direito internacional), sendo desnecessário aprofundar, aqui, a idéia de que os primeiros que – ao menos em regra – atingem (ou, pelo menos, estão em melhores condições para isto) o maior grau de efetivação, particularmente em face da existência de instâncias (especialmente as judiciárias) dotadas do poder de fazer respeitar e realizar estes direitos.” (SARLET, 2006, p. 40)


Desse modo, os direitos humanos seriam garantias inerentes à existência da pessoa, albergados como verdadeiros para todos os Estados e positivados nos diversos instrumentos de Direito Internacional Público, mas que por fatores instrumentais não possuem aplicação simplificada e acessível a todas as pessoas. Por outro lado, os direitos fundamentais são constituídos por regras e princípios, positivados constitucionalmente, cujo rol não está limitado aos dos direitos humanos, que visam garantir a existência digna (ainda que minimamente) da pessoa, tendo sua eficácia assegurada pelos tribunais internos.


Atualmente, a doutrina os classifica em direitos humanos fundamentais em primeira, segunda, terceira e quarta dimensões[4] cujos conteúdos ensejariam os princípios: liberdade, igualdade e fraternidade.


Direitos de primeira dimensão (LUCCA, 2008) ou de liberdade seriam os direitos e as garantias individuais e políticos clássicos, as chamadas liberdades públicas. Visam inibir a interferência indevida do Estado na vida do cidadão.


Os direitos de segunda dimensão (LUCCA, 2008) ou de igualdade referem-se aos direitos sociais, econômicos e culturais, surgidos no início do século XX. Eram os direitos de caráter social. Neste caso, a interferência do Estado era desejada para garantir a igualdade material dos indivíduos.


Já os direitos de terceira dimensão (LUCCA, 2008) ou de solidariedade ou fraternidade são os da coletividade, de titularidade coletiva ou difusa. Entre eles, encontram-se o direito à paz, ao meio ambiente equilibrado, à comunicação e à proteção do consumidor.


Bonavides (2000) cita a quarta dimensão de direitos originários do mundo globalizado: os direitos à democracia, à informação, ao pluralismo. Seriam estes direitos que possibilitariam a legítima globalização política.


Alguns autores defendem que a defesa do consumidor seria coligada à Cláusula Geral da Personalidade, ou seja, a Constituição, ao prever o respeito à dignidade humana como seu fundamento mais importante, e ainda, considerar como objetivo da República a erradicação da pobreza e a marginalização, para reduzir as desigualdades, mostram-se com a intenção de proteger os consumidores.


Neste contexto, Gustavo Tepedino assevera:


“[…] o coligamento destes preceitos com os princípios fundamentais da Constituição, que incluem entre os fundamentos da República “a dignidade da pessoa humana” (art. 1º, III), e entre os objetivos da República “erradicar a pobreza e a marginalização, e reduzir as desigualdades sociais e regionais” (art. 3º, III), demonstra a clara intenção do legislador constituinte no sentido de romper a ótica produtivista e patrimonialista que muitas vezes prevalece no exame dos interesses dos consumidores.


O constituinte, assim procedendo, não somente inseriu a tutela dos consumidores entre os direitos e garantias individuais, mas afirma que sua proteção deve ser feita do ponto de vista instrumental, ou seja, com a instrumentalização dos seus interesses patrimoniais à tutela de sua dignidade e aos valores existenciais. Trata-se, portanto, do ponto de vista normativo, de proteger a pessoa humana nas relações de consumo, não já o consumidor como categoria de per se considerada.


A proteção jurídica do consumidor, nesta perspectiva, deve ser estudada como momento particular e essencial de uma tutela mais ampla: aquela da personalidade humana; seja do ponto de vista de seus interesses individuais indisponíveis, seja do ponto de vista dos interesses coletivos e difusos.” (TEPEDINO, 1998, p. 249-250)


A propósito, o STJ (BRASIL, 2007) já reconheceu que: A intervenção do Estado na ordem econômica, fundada na livre iniciativa deve observar os princípios do direito do consumidor como seu limitador, já que este se trata de objeto de tutela constitucional especial.


CANOTILHO (2000) chama a defesa do consumidor de “princípio constitucional impositivo” que apresenta duas funções: a primeira como instrumento para assegurar a todos existência digna e a segunda, para instrumento para assegurar a conquista o objetivo particular a ser alcançado (assume a função de DIRETRIZ, para Dworkin, a “norma-objetivo”), justificando a reivindicação pela realização de políticas públicas.


Assim, como todo o Direito Privado, o sistema de amparo às relações de consumo surge em consonância com a axiologia e principiologia constitucional, visando alcançar a igualdade substancial ou material nas relações jurídicas de consumo. Esta almejada igualdade pode ocorrer através da aplicação da Tese da Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais.



Considerações finais


Percebe-se que nos vinte e um anos de vigência do Código de Defesa do Consumidor, muito se evoluiu na teoria contratual neste país e, particularmente, graças à nova visão inserida no mercado de consumo após o advento do CDC. Muitos aspectos históricos foram importantes para o surgimento da questão consumerista, principalmente o discurso de John F. Kennedy, considerado por muitos o seu marco principal.


A Constituição Brasileira inseriu a defesa do consumidor no rol dos direitos fundamentais, como um direito e garantia individual que pode ser reclamado e efetivado por este importante sujeito de direito, seja contra o Estado, seja nas relações privadas.


A temática dos direitos fundamentais tem sido, há muito, explorada pela doutrina nacional e estrangeira, dada a sua alta relevância para o cotidiano dos operadores do direito. Reconhece a doutrina que os direitos fundamentais possuem uma função autônoma por constituírem valores que a sociedade deve respeitar e concretizar.


Daí pode-se concluir que o direito fundamental do consumidor muito evoluiu desde a sua criação a ponto de merecer tratamento especial nas relações de direito privado, visando oportunizar melhores condições ao consumidor.


 


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Notas:

[1] Art. 5º, CF/88: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […]

XXXII – o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor; […](BRASIL, 2011a, p.11)

[2] Art. 170, CF/88: A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: […]

V – defesa do consumidor […]; (BRASIL, 2011a, p. 66)

[3] Art. 48, ADCT. O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor. (BRASIL, 2011b, p.90)

[4] Importa esclarecer que a terminologia “direitos de primeira, segunda e terceira gerações” é duramente criticada por diversos autores já que estes direitos se completam, expandem-se, acumulam-se não se substituem ou se sucedem.


Informações Sobre os Autores

Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas

Professora de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Estado de Minas Gerais e Faculdades Del Rey – UNIESP. Doutoranda e Mestre em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Tutora do Conselho Nacional de Justiça – CNJ. Servidora Pública Federal do TRT MG – Assistente do Desembargador Corregedor. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Gama Filho. Especialista em Educação à distância pela PUC Minas. Especialista em Direito Público – Ciências Criminais pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus. Bacharel em Administração de Empresas e Direito pela Universidade FUMEC.

Juliana Evangelista de Almeida

Doutoranda em Direito Privado pela PUC Minas. Professora de Direito Civil e Empresarial da FACHI-FUNCESI. Coordenadora de TCC da FACHI-FUNCESI. Membro do Colegiado da FACHI-FUNCESI. Membro do NDE da FACHI-FUNCESI. Professora de Direito Civil da Nova Faculdade.


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