Resumo: O estudo busca apresentar algumas noções básicas a respeito da ideia de uma justiça restaurativa, assim como propor uma reflexão sobre alguns pontos controvertidos, com a finalidade de contribuir com o aperfeiçoamento do tema. Desse modo, o estudo empreende esforços para trazer uma abordagem das questões que costumam ser tratadas quando colocadas em debate esta ideia de justiça restaurativa. Para atingir o objetivo realizou-se uma pesquisa bibliográfica que permitisse apresentar argumentos de autoridade sobre as questões enfrentadas, procurando sempre enfatizar a contribuição da justiça restaurativa para a evolução das concepções de justiça.
Palavras-chaves: valores; justiça; teorias de justiça; princípios de justiça; justiça restaurativa; prática restaurativa; distinções.
Abstract: The study seeks to present some basic notions about the idea of a restorative justice, as well as to propose a reflection on some controversial points, with the purpose of contributing to the improvement of the theme. In this way, the study makes efforts to bring an approach to the issues that are usually addressed when discussing this idea of restorative justice. In order to reach the objective, a bibliographical research was carried out that allowed to present arguments of authority on the issues faced, always trying to emphasize the contribution of restorative justice to the evolution of the conceptions of justice.
Keywords: values; justice; theories of justice; principles of justice; restorative justice; restorative practice; distinctions.
Sumário: Introdução – 1. A Ideia de Justiça no Contexto Histórico: 2. Justiça: A Causa Metafísica e Racional na Formulação do Sentido: 2.1 A causa metafísica; 2.2 A causa racional: 3. A Ideia de Justiça na Perspectiva Restaurativa: Introdução; 3.1 O conceito da ideia de uma justiça restaurativa; 3.2 Justiça Restaurativa: Uma Ideia de Justiça do Tipo Racional: 4. O Reconhecimento da Justiça Restaurativa na Comunidade Internacional: 5. O Reconhecimento da Justiça Restaurativa no Brasil: 6. A Justiça Restaurativa e Seus Pontos Controvertidos: 6.1 A Redução da Ideia de Justiça a Uma Prática Alternativa De Solução de Conflito; 6.2 A Assimilação como Mediação; 6.3 Um Programa de Direitos Humanos para a Diminuição da Reincidência Criminal; 6.4 Uma possibilidade apenas para os crimes de menor potencial ofensivo; 6.5 Uma alternativa para as condenações privativas de liberdade; 6.6 Oposição à Ideia de Uma Justiça Retributiva: Conclusão: Referências Bibliográficas.
INTRODUÇÃO
A justiça restaurativa ainda é um tema controvertido no Brasil. O reduzido número de obras tratando do conceito, descrição da teoria e das diversas questões em torno do tema concorre para a dificuldade na compreensão sobre o assunto.
É provável, que na medida em que os estudos sobre o tema avançarem no Brasil, as definições sobre o tema ficarão mais claras, e a relação com as outras ideias de justiça tornarão mais evidentes, o que, sem dúvida, possibilitará a redução de distorções e a consolidação desta ideia de justiça. Descrever e explicar o que é a ideia de uma justiça restaurativa, em tese, poderá evitar desvios para a utilização dela a pretexto de discutir outras demandas, como por exemplo, o abolicionismo penal ou elementos que fundamentam a teoria geral do Direito.
Apenas para exemplificar as dificuldades enfrentadas em relação ao tema, é possível citar um fato que ocorreu durante a exposição do último painel do Fórum de Segurança Pública, no dia 27.09.2017, promovido pela Câmara Municipal da cidade de Socorro (SP).
O último painel do evento procurava debater três temas; violência doméstica, justiça restaurativa e polícia comunitária, de modo que o primeiro momento para exposição foi atribuído para a promotora de justiça Fabíola Sucasas Negrão Covas, integrante do Grupo de Atuação Especial de Enfrentamento e Violência Doméstica do Ministério Público do Estado de São Paulo.
Depois de realizar a exposição sobre as questões em torno da violência doméstica, em razão de outro compromisso, a promotora de justiça se despediu antecipadamente do evento e proferiu a seguinte afirmação: Acabei de ler que o Conselho Nacional de Justiça está incentivando a utilização da justiça restaurativa nos casos que envolvem violência doméstica e eu acho isso um absurdo. Vocês sabiam que o simples mover da sobrancelha do agressor pode resultar em infinitas emoções negativas e desespero da vítima? Eu não acho que a justiça restaurativa tenha espaço para uma questão que envolva a violência doméstica. Ela se levantou e deixou o evento, sem ouvir a perspectiva dos demais componentes do painel e permitir qualquer resposta ao conteúdo de sua afirmação, descredenciando a ideia de justiça restaurativa nas questões de violência doméstica.
Ao menos o que parece, é que a promotora de justiça cometeu o mesmo engano que muitos ao abordar o assunto: realizou um juízo de valor a partir de elementos superficiais; ou deduziu o que é justiça restaurativa a partir das práticas denominadas restaurativas, especificamente, com a prática circular.
Aqueles que já ouviram o termo justiça restaurativa, e demonstram-se curiosos sobre o tema, poderão aproveitar o estudo para conhecer um pouco mais sobre o seu conceito, surgimento e refletir sobre algumas questões controvertidas.
Nesta perspectiva, a presente reflexão sobre o tema busca produzir algumas linhas sobre esta ideia de justiça, colaborando com o estudo teórico, para que não se perca a direção e clareza sobre o que a justiça restaurativa propõe enquanto uma ideia de justiça.
1. A IDEIA DE JUSTIÇA NO CONTEXTO HISTÓRICO
Partindo da premissa de que a questão apresentada para estudo é uma ideia de justiça, logo, é pertinente que seja explorada a questão central em torno da justiça: O que é Justiça?
O estudo sobre o que é justiça, e quais são as implicações práticas de uma ideia que venha a ser defendida, proporcionam diversas perspectivas, razão pela qual não é possível determinar um sentido unívoco para o que é justiça.
A busca por uma resposta sobre o que é justiça já estimulava os pensadores pré-socráticos, de modo que existe menção ao pensamento de Anaximandro sobre o que é Diké[1]. Segundo Bittar, os gregos entendiam que Diké existia no mundo independente da vontade dos homens, dos tribunais ou leis editadas por governantes, sendo na verdade, a representação de uma força que dá movimento eterno e promove a conexão entre todas as coisas, explicando a si mesma; uma causa sui.
No mesmo período, também existiram pensadores da escola italiana abordando a ideia sobre o que é justiça. O pensamento do filósofo Pitágoras de Samos, expressava a ideia de justiça como uma finalidade a ser atingida. Para ele, a existência de um ato justo só era possível por meio da apreciação quantitativa entre o ato praticado e a punição ou ganho a ser atribuído ao indivíduo; o que, guardadas as devidas proporções, se assemelha com a concepção contemporânea do princípio da proporcionalidade.
Portanto, no contexto Histórico dos pré-socráticos a concepção da justiça já demonstrava a existência de pontos de vista diferentes, de modo que ela poderia ser relacionada com um sentido universal (cósmico) ou com uma estruturação aritmética coesa em causa e efeito.
Nos escritos de Platão, que são compreendidos como a representação do pensamento de Sócrates, em especial na obra A República, é possível interpretar que a justiça foi por ele conceituada como uma virtude. Não qualquer virtude, em igual proporção com as demais citadas por ele na obra, mas uma virtude considerada como a base, como o fundamento de todas as outras virtudes.
Ainda analisando a História, além dessas concepções de justiça que deram o início ao pensamento em torno do assunto, outras importantes ideias de justiça foram sendo formuladas no decorrer do tempo, sendo possível registrar que elas até hoje nos proporcionam grande inspiração para entender o que pode ser compreendido como justiça: tratar outrem tal como os membros da comunidade consuetudinariamente se tratam uns aos outros (percepção de comunidades primitivas); a virtude, esta que é o meio entre dois extremos (compreensão de Aristóteles); dar a cada um o que é seu, o que lhe é devido (suum cuique); não fazer ao outro o que não quer que te façam (regra de ouro); faz o bem e evita o mal, pois todos os homens devem ser bem tratados, e não maltratados (compreensão de Tomás de Aquino); age sempre de tal modo que a máxima do teu agir possa por ti ser querida como lei universal (imperativo categórico de Kant); aquele que faz o bem se deve fazer o bem, àquele que faz mal se deve fazer o mal (Vergentug ou justiça retributiva); para uma igual prestação de trabalho, um salário igual, para mercadoria igual, um preço igual ou a igual prestação de trabalho cabe igual salário, cabendo igual participação no produto do trabalho (visão formulada por Marx); a cada um segundo as suas necessidades (compreensão Cristã); a liberdade individual como valor supremo (a liberdade negativa no contrato social); todo homem ser tratado por igual (compreensão a partir da igualdade).
Chegando ao final desta exposição, é necessário admitir que não é a pretensão deste estudo levar o leitor a crer que a ideia de justiça denominada como restaurativa é o sentido absoluto de justiça, sendo esta a principal razão de ter sido apresentada uma variedade de concepções em torno do que pode ser compreendido como justiça.
Deste modo, deve sempre estar claro que o interesse na investigação ou formulação sobre o que é a justiça restaurativa não pressupõe a exclusão das concepções de justiça já existentes, bem como a importância delas no decurso da História.
É a partir desta perspectiva que se pretende abordar a ideia de uma justiça restaurativa, propondo uma análise sobre o que ela é, assim como demonstrar o que ela propõe como ideia de justiça.
2. JUSTIÇA: A CAUSA METAFÍSICA E RACIONAL NA FORMULAÇÃO DO SENTIDO
Pela necessidade de um tratamento científico, a análise do tema partiu de uma breve exposição procurando demonstrar que existem diversas concepções de justiça, que podem ser contraditórias entre si ou complementares, conforme a causa invocada por cada uma delas.
É a partir deste ponto que seguirá a análise, buscando entender as diferenças entre as causas invocadas nas concepções de justiça, quais sejam: a) causa metafísica; b) causa racional.
2.1 A causa metafísica
Na filosofia uma causa metafísica é identificada quando determinado fenômeno é explicado por meio de algo que está além do conhecimento humano. Também pode ser compreendida como uma causa que existe a partir da crença; de que existe uma instância transcendente que decide o rumo de todas as coisas existentes.
Quando o assunto sobre o que é justiça é respondido por meio de uma causa metafísica, é mais perceptível no discurso que a motivação deriva de uma instância transcendente, bem como de que o seu conteúdo é moldado pressupondo que uma escolha já foi realizada, seja pela natureza ou por uma divindade, e, que as razões da escolha não podem ser compreendidas pela razão humana.
Alguns exemplos são frequentes no estudo da filosofia, como a Teoria das ideias de Platão, que relaciona o plano aquém e além; ou obras que vão desde Antígona até aos textos bíblicos que procuram demonstrar que a justiça só pode ser concebida a partir da vontade do divino.
Um dos aspectos relevantes da explicação metafísica, sobre o que é justiça, é que ela reconhece que o comportamento justo não decorre da obediência das normas postas por atos humanos – o que não significa que ela rejeite a existência delas -, mas sim de um comportamento que agrade os desígnios da autoridade transcendente.
Deste modo, ainda que existam normas postas por atos humanos, a justiça somente se revela quando estas normas postas se demonstram em conformidade com a vontade da autoridade transcendente.
2.2 A causa racional
Por outro lado, quando a questão sobre o que é justiça é analisada a partir de uma causa racional, a principal característica que pode ser identificada é de que ela não pressupõe a necessidade de existir uma autoridade transcendente como explicação para a escolha do que é justo.
A compreensão racional sobre o que é a justiça se relaciona com elementos decorrentes da experiência e que podem ser explicados pela razão humana; ainda que ao final a concepção racional possa se assemelhar com alguma outra concepção representada por uma causa metafísica.
É o que ocorre, por exemplo, na concepção de justiça como retribuição (justiça retributiva), esta que guia o tratamento penal por meio da racionalidade exigida pelo sistema positivo, contudo, que também pode ser justificada em uma causa metafísica, descrita como a vontade divina – dentro da teologia da salvação –, que prescreve que os bons serão recompensados com coisas boas, enquanto os maus serão castigados e suportaram o sofrimento.
Na perspectiva da racionalidade, não é possível estabelecer uma concepção de justiça como absoluta, até mesmo porque, a pluralidade de ideias sobre o que pode ser justiça demonstra a relativa validade que cada uma contém. A relatividade parece estar relacionada com as teorias que pressupõem a existência de um contrato social[2] como condição determinante para vencer a necessidade de uma explicação transcendente, de modo que a ideia de justiça passa ser analisada a partir dos valores identificados na vontade geral. Contudo, ao pressupor a existência daquilo que não se pode provar, as concepções de justiça de caráter racional também acabam se sustentando, em última análise em uma crença.
Muito embora não estejam esgotadas todas as questões da elaboração racional sobre o que é justiça, é possível compreender algumas das suas características e posição na filosofia, para que deste modo, seja possível delinear quais são as concepções de justiça que podem ser incluídas na categoria racional-metodológica.
3. A IDEIA DE JUSTIÇA NA PERSPECTIVA RESTAURATIVA
Introdução
Seguindo os passos de outros autores empenhados no estudo filosófico, é sempre importante ter em mente que o estudo de determinado assunto exige uma noção preliminar, razão pela qual algumas linhas introdutórias poderão auxiliar na compreensão e no avanço sobre o tema.
No Brasil, qualquer pessoa que esteja interessada no estudo da ideia de uma justiça restaurativa encontrará a recomendação do livro Trocando as Lentes: Um novo foco sobre o crime e a justiça. Esta obra foi escrita por Howard Zehr, publicada em 1991, que motivado pelo sentimento de indignação com o sistema de justiça norte americano, e, por suas convicções pessoais, formulou algumas reflexões a partir de observações de práticas de soluções de conflitos, procurando demonstrar o que é necessário para retomar a convivência pacífica em comunidade, após ocorrer um dano que venha a perturbar o relacionamento pacífico entre os indivíduos.
A citada obra é, sem dúvida, reconhecida como marco no desenvolvimento da ideia de uma justiça restaurativa, porém, não pode ser confundida como uma obra que inventou esta ideia de justiça, uma vez que o atento exame da práticas na solução de conflito se revela que esta ideia de justiça já havia proporcionado a elaboração de um programa de reconciliação vítima-infrator, em 1974, em Kitchener, Ontario (EUA), pela comunidade Mennonite.
É provável, que a elaboração teórica que resultou na publicação do livro Trocando as Lentes tenha ocorrido em razão da necessidade de se desenvolver uma visão mais clara do que é esta ideia de justiça, uma vez que os precursores delas demonstravam relutância em relação à formulação de um conceito rígido ou universal, acreditando que desta maneira estariam salvaguardados da limitação no desenvolvimento da ideia de uma justiça restaurativa.
Apesar do esforço para trazer uma visão mais clara sobre o tema, após uma década da publicação da obra Trocando as Lentes, o autor identificou e relatou no livro Little Book of Restorative Justice, a sua preocupação com os caminhos tomados na abordagem sobre a justiça restaurativa, uma vez que o termo estava sendo diluído em diversas agendas que não se relacionavam com a finalidade da ideia de justiça por ele divulgada; questões como reduzir o que é a justiça restaurativa ao conteúdo da obra Trocando as Lentes, ou utiliza-la a pretexto de discutir a substituição do atual modelo de Estado, exclusão da ideia de justiça retributiva e, até mesmo, para defender o abolicionismo penal, começaram a se propagar e distorcer a ideia central da teoria.
Em parte, esta distorção é resultado das lacunas teóricas deixadas durante os anos, acreditando ser a melhor forma de não impedir o desenvolvimento, bem como pelo repentino crescimento da divulgação desta ideia de justiça a partir do reconhecimento europeu e das Nações Unidas como uma alternativa para solucionar conflitos no século 21.
Atualmente, os avanços no estudo sobre a ideia de uma justiça restaurativa estão possibilitando a abertura para debater questões como: conflitos escolares, familiares, religiosos, raciais, de gênero e conflitos pós-guerra com registros de genocídio[3]. Estes exemplos permitem uma breve demonstração do potencial de transformação que esta ideia de justiça carrega consigo e a possibilidade de ir além do debate que se iniciou a partir da crítica ao atual sistema de justiça penal.
Pretende-se com esta introdução, despertar a preocupação para uma reflexão sobre as questões ou provocações que possam surgir durante o estudo desta ideia de justiça, principalmente, em relação às exigências da linguagem e do contexto social, que podem fazer sobrepor inovações ou distorções que levem a teoria se perder do caminho idealizado.
3.1 O conceito da ideia de uma justiça restaurativa
Antes de discorrer sobre o conceito da ideia de uma justiça restaurativa, é importante admitir no nosso diálogo que o surgimento do termo justiça restaurativa foi escolhido por Howard Zerh[4] quando ele realizou a leitura de um artigo produzido por Albert Eglash, Beyond Restitution – Creative Restitution, publicado em 1977. O artigo foi escrito como crítica ao modelo criminal. Foi neste artigo que Zerh se deparou com a ideia de que a justiça criminal não deveria apenas punir, mas que deveria promover decisões criativas e restauradoras, surgindo, portanto, o termo justiça restaurativa para denominar a ideia de justiça que, em parte, se assemelhava a proposta apresentada por Eglash.
A partir do conhecimento deste fato, analisar o termo restaurativa e o sentido que esta ideia de justiça propõe exige muita prudência. Esta preocupação expressada é no sentido de evitar que o leitor alimente uma expectativa de um conceito a partir da etimologia da palavra, que propõe fazer com que as coisas voltem a ser como elas eram antes de determinado fenômeno.
No estudo sobre o que é a ideia de uma justiça restaurativa não faltarão definições disponíveis, cada qual tentando do seu modo particular expressar e definir o termo “restaurativa”.
Vejamos algumas delas!
Tony Marshall definiu: “A justiça restaurativa é um processo através do qual todas as partes interessadas em um crime específico se reúnem para solucionar coletivamente como lidar com o resultado do crime e suas implicações para o futuro.”.
Já John Braithwaite defendeu um conceito mais aberto: “a deliberação dos interessados determina o que a restauração significa em um contexto específico”
Bazemore e Walgrave, ao analisar o tema conceituaram a justiça restaurativa como: “(…) um modo mais aberto e satisfatório para reparar danos e solucionar conflitos e reduzir os papéis profissionais na justiça criminal, buscando menos intervenções do sistema e mais intervenções da comunidade”.
Para finalizar os exemplos, Dignan define a justiça restaurativa pela “ênfase na responsabilidade pessoal do infrator, pela característica de inclusão do processo, e pela promoção de formas não coercitivas de tomadas de decisão”.
Estes exemplos de conceitos formulados ajudam a demonstram que existe um grau de dificuldade para se estabelecer univocamente o que é esta ideia de uma justiça restaurativa, principalmente, porque uma análise mais profunda destes conceitos revela que o que está sendo enfatizado são as qualidades dos processos restaurativos[5] e não o que esta ideia de justiça propõe, assim como uma centralização desta ideia no âmbito penal, quando seu potencial já está demonstrando a possibilidade de debater outras questões que vão além da esfera criminal.
Assim, considerando esta perspectiva mais ampla – que vai além do debate em torno do sistema penal -, um conceito mais atual que pode ser apresentado a partir do ensinamento de Johonna Turner[6], de que: “Em razão da quantidade de fatos que revelam a violência estrutural e cultural no mundo, e que prejudicam nossos relacionamentos uns com os outros, quando construímos relacionamentos uns com os outros, projetando ações de paz, se interessando pelas necessidades dos outros ou concedendo um simples bom dia, estamos trabalhando contra essa violência e dentro do ideal projetado pela ideia de uma justiça restaurativa”.
A partir deste pressuposto, é possível afirmar que a ideia de uma justiça restaurativa se desenvolve a partir das reflexões filosóficas a respeito do que pode ser justiça; diante das necessidades dos indivíduos e também da necessidade de continuarmos convivendo em sociedade, portanto, relacionada com o estudo das teorias de justiça.
Diante do diálogo desenvolvido, nossa compreensão sobre o conceito de justiça restaurativa pode ser expressada como: uma ideia de que a justiça é experimentada quando agimos coletivamente; ou individualmente, pautados pelos princípios do respeito, da responsabilidade e do relacionamento.
Partindo deste conceito, paralelamente, é que se desenvolvem as práticas restaurativas, as quais podem ser conceituadas como a ordenação de procedimentos voltados para tratar de situações de conflitos e para buscar soluções que restaurem a eficácia dos princípios formadores da ideia de justiça restaurativa; procedimentos que deverão adotar como premissas a análise do dano causado, as necessidades, as obrigações e o comprometimento dos envolvidos.
Portanto, na perspectiva restaurativa que ora se expressa, o que é justo se revela nas ações que proporcionam o respeito, a responsabilidade e o relacionamento entre os indivíduos em busca de um ideal fraterno, contudo, quando algum fenômeno ocasionar o inverso – desrespeito, irresponsabilidade e desunião – será necessário um procedimento que tenha como objetivo restaurar a eficácia dos princípios formadores da ideia de justiça enquanto restaurativa, o que se denomina como prática restaurativa.
3.2 Justiça restaurativa: uma ideia de justiça do tipo racional
Anteriormente, algumas linhas foram dedicas ao esclarecimento das ideias de justiça do tipo metafísico e do tipo racional, para que fosse possível compreender as características e a posição da filosofia sobre o assunto, e, deste modo, que fosse possível compreender com qual tipo – metafísico ou racional – a ideia de uma justiça restaurativa se relaciona.
Partindo do conceito formulado, de que a justiça restaurativa é uma ideia de justiça que visa o agir, tanto individual quanto coletivo, pautado pelos princípios do respeito, da responsabilidade e do relacionamento, é possível afirmar que ela se insere na categoria de ideias do tipo racional, uma vez que os princípios formadores desta ideia não pressupõem como essencial nenhuma crença na existência de uma instância transcendente.
Apenas a título de demonstração, os princípios estabelecidos como formadores da ideia de justiça restaurativa são valores que também foram defendidos por defendidos por Bertrand Russel, agnóstico e racionalista declarado, como essenciais para uma convivência social, uma vez que são componentes que permitem aos homens conviver em união em determinada comunidade, ainda que seus mais variados desejos possam produzir conflitos.
Nesse sentido, tomar como racional uma ideia de justiça influenciada pelos princípios do respeito, da responsabilidade e do relacionamento não se demonstra fundamentalmente distante, por exemplo, da característica que possui a ideia de uma justiça social formulada por John Rawls; que tomou os princípios da liberdade igual e da diferença para então, discorrer sobre uma ideia de justiça que propõe a equidade como solução justa.
Também é possível tomar como exemplo, a teoria formulada por Adam Smith que propõe reflexões sobre a ideia de uma justiça distributiva, esta que ele defende ser possível de alcançar por meio de três princípios: do espectador imparcial, da razoabilidade e da viabilidade.
Sem prejuízo de outras teorias, que também poderiam demonstram a característica racional no desenvolvimento da ideia de justiça, é necessário admitir ao leitor que o destaque atribuído para estas duas teorias se deu em razão do conteúdo delas possibilitar uma rápida relação com a exigência da racionalidade, uma vez que ambas defendem que as estratégias das instituições e políticas públicas deverão ser decididas por meio de um critério racional, em busca da solução justa, cada uma delas propondo princípios norteadores.
De igual modo, a ideia proposta como justiça restaurativa defende que o agir deve ser de modo racional guiado pelos princípios do respeito, da responsabilidade e do relacionamento, obviamente, em busca de uma solução justa.
Sem querer se afastar do tema, mas não perdendo a oportunidade para refletir, as premissas práticas que necessitam ser observados a partir da ideia de uma justiça restaurativa – a análise do dano causado, as necessidades, as obrigações e o comprometimento dos envolvidos -, quando analisadas com maior profundidade, também não se distanciam das premissas práticas sugeridas por Adam Smith e Rawls; o primeiro propõe na aplicação prática a análise dos acontecimentos, invocando uma variedade de pontos de vista e perspectivas de solução a partir de diversas experiências compartilhadas entre as pessoas envolvidas com o acontecimento, enquanto o segundo propõe um olhar atento para as variações de necessidades e prioridades pessoais que surgem em determinado contexto.
Apenas para finalizar, os princípios que colaboram com a formulação da ideia de uma justiça restaurativa também podem ser encontrados como fundamento ou valor posto por uma instância transcendente; tal como o respeito que se assemelha ao princípio cristão do amor ao próximo. Porém, esta possibilidade não significa que para a legitimar os princípios do respeito, da responsabilidade e do relacionamento é essencial a crença em uma instância transcendente; pelo contrário, os princípios ora defendidos, podem ser facilmente compreendidos pela razão humana como necessários, simplesmente, por meio da experiência de uma vida em sociedade.
Portanto, chegado ao final da análise, é possível concluir que a ideia de uma justiça restaurativa corresponde ao tipo de formulação racional.
4. O RECONHECIMENTO DA JUSTIÇA RESTAURATIVA NA COMUNIDADE INTERNACIONAL
A Organização das Nações Unidas (ONU) reconheceu a importância da justiça restaurativa quando editou a Resolução nº 1999/26, em 28 de julho de 1999, com o objetivo de desenvolver e implementar medidas de mediação e justiça restaurativa no âmbito da Justiça Criminal.
No mesmo sentido, a ONU editou a Resolução nº 2000/14, de 27 de julho de 2000, que se preocupou coma formulação dos princípios básicos para a utilização dos programas restaurativos em matérias criminais.
Quando a ONU se reuniu em Ottawa, de 29 de outubro a 1º de novembro de 2001, foi promovido pelo Grupo de Especialistas em Justiça Restaurativa debates e trabalhos, oportunidade em que as deliberações foram registradas no relatório do Secretário-Geral, o que contribuiu para a formação de elementos teóricos e práticos entorno da ideia concebida como justiça restaurativa.
A consolidação no âmbito internacional, como uma ideia de justiça com grande potencial de solucionar conflitos ocorreu quando foi editada a Resolução da Assembleia Geral nº 56/261, no ano de 2002, dispondo sobre o Planejamento das Ações para a Implementação da Declaração de Viena sobre Crime e Justiça – Respondendo aos Desafios do Século Vinte e Um.
Nesta resolução editada, foi dedicada uma parte especial para tratar das ações que foram diretamente inspiradas na ideia de justiça restaurativa, procurando por este caminho dar cumprimento aos compromissos assumidos no parágrafo 28, da Declaração de Viena[7].
Ainda no ano de 2002, após a Assembleia Geral reconhecer a importância da justiça restaurativa, foi a vez do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, na 37ª Sessão Plenária, aprovar a Resolução nº 2002/12, de 24 de julho de 2002, reportando-se às Resoluções nº 1999/26 e 2000/14, para orientar a comunidade internacional sobre a ideia de uma justiça restaurativa e formular os princípios básicos para a realização de práticas restaurativas no âmbito criminal.
Diante deste cenário, é possível perceber que na comunidade internacional já existe o reconhecimento da importância que a ideia de uma justiça restaurativa representa na solução de conflitos, bem como o seu potencial para enfrentar questões complexas, como as previstas no art. 28 da Convenção de Viena.
5. O RECONHECIMENTO DA JUSTIÇA RESTAURATIVA NO BRASIL
A justiça restaurativa teve o seu valor reconhecido no Brasil quando o Ministério da Justiça autorizou o desenvolvimento dos primeiros projetos, estes que começaram a ser desenvolvidos no ano de 2005 por meio de programas elaborados nos Tribunais de Justiça do Distrito Federal, no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
Os três projetos pilotos nacionais foram implantados com financiamento pela Secretaria de Reforma do Judiciário, bem como pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento que monitora o cumprimento das dezessete metas do desenvolvimento sustável das nações unidas, estando os projetos pilotos incluídos na perspectiva da meta 16: Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis.
Foi a partir destes projetos que a ideia de uma justiça restaurativa começou a fazer parte da realidade no país, o que motivou a elaboração de normas para tratar das possibilidades de práticas inspiradas na ideia de uma justiça restaurativa.
Um dos efeitos do reconhecimento da ideia de justiça no Brasil ocorreu em 21 de dezembro de 2009, quando foi aprovado o Programa Nacional de Direitos Humanos – PNDH-3, Decreto nº 7.037, que fez constar entre suas disposições o tratamento das penas privativas de liberdade como última alternativa, propondo a redução da demanda por encarceramento e estimulando novas formas de tratamento dos conflitos, como as sugeridas pelo mecanismo da justiça restaurativa.
Além disto, incentiva por meio do Ministério da Justiça e Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, a realização de projetos pilotos que contemplem práticas inspiradas na ideia de uma justiça restaurativa, como forma de analisar o seu impacto e a sua aplicabilidade no sistema jurídico brasileiro.
Do mesmo modo, passou a existir impulso para o desenvolvimento de ações nacionais e elaboração de estratégias de mediação de conflitos e de justiça restaurativa nas escolas, e outras instituições formadoras e instituições de ensino superior, inclusive promovendo a capacitação de docentes para a identificação de violência e abusos contra crianças e adolescentes, com o seu encaminhamento adequado e a reconstrução das relações no âmbito escolar.
Em 13 de julho de 2012, o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução nº 154, norma que considerou a importância da justiça restaurativa no âmbito do Poder Judiciário, e, permitiu a utilização dos recursos oriundos da aplicação da pena de prestação pecuniária para projetos de prevenção e ou atendimento a situações de conflitos, crimes e violências, inclusive em fase de execução, que sejam baseados em princípios e práticas da justiça restaurativa (art. 2º, inc. V).
Por meio da iniciativa do Ministério da Justiça e Cidadania, em 28 de abril de 2016, foi editada a Portaria MJC nº 495, que instituiu a Política Nacional de Penas Alternativas Penais, abrangendo entre elas, a conciliação, mediação e técnicas de justiça restaurativa (art. 1º, inc. IV).
Na mesma sintonia que as outras instituições, com o objetivo de incentivar a autocomposição no âmbito do Ministério Público, o Conselho Nacional do Ministério Público editou a Resolução nº 118, de 1º de dezembro de 2014, reservando a Seção IV para tratar das práticas restaurativas.
Para muitos, o momento de maturidade chegou no dia 31 de maio de 2016, um marco na História do desenvolvimento da ideia de uma justiça restaurativa no Brasil, oportunidade em que foi editada a Resolução nº 225 do Conselho Nacional de Justiça, esta que dispõe sobre a Política Nacional de Justiça Restaurativa no âmbito do Poder Judiciário, estabelecendo elementos objetivos para a realização de projetos e prática restaurativa.
A ideia de justiça restaurativa também já demonstra a sua contribuição com a elaboração de decisões jurisdicionais. Aa primeira referência em um julgamento ocorreu na análise de um caso concreto envolvendo o uso de substância entorpecente.
É no voto da Relatora Diva Lucy Ibiapina, da 2ª Turma Recursal do Juizado Cível e Criminar Especial do Distrito Federal, que se verifica a utilização da ideia de justiça restaurativa como um dos fundamentos da solução da questão jurídica.
“DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO PENAL. RECLAMAÇÃO REGIMENTAL. JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS ESTADUAIS. SISTEMA PROCESSUAL ACUSATÓRIO. MINISTÉRIO PÚBLICO. DOMINIS LITIS DA AÇÃO PENAL. CRIME DE USO DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. ART. 28, LEI Nº 11.343/06. DELITO DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO. PROCEDIMENTO. ART. 79, § 2º, LEI Nº 9.099/95 E ART. 48, § 5º, LEI Nº 11.343/06. JUSTIÇA RESTAURATIVA. TRANSAÇÃO PENAL. AUDIÊNCIA PRELIMINAR. DESIGNAÇÃO INDEFERIDA. PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO TELEOLÓGICA DO PROCEDIMENTO. PRINCÍPIO DA IGUALDADE. IGUALDADE REAL OU MATERIAL. DIREITOS FUNDAMENTAIS. CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. (…) VIII – Em se tratando de crime de uso de substância entorpecente (Art. 28, caput, da Lei nº 11.343/06), os princípios consagrados pela chamada Justiça Restaurativa devem orientar a aplicação da regra consubstanciada no Artigo 76 da Lei do Juizados Especiais Criminais que, de sua vez, por força do parágrafo 5º do Artigo 48 da Lei nº 11.343/06, tem ampliado seu campo de validade, eis que não apenas sob a dinâmica da Lei dos Juizados Especiais há de ser apreciada. Sua interpretação também haverá de atender a perspectiva que considere a necessidade de equilíbrio e justiça que encontra razão de ser na realidade social de imprescindível cumprimento pelo Estado do dever de proteção da sociedade contra o mal que sobrevém do indevido uso de drogas.” (Processo nº 2008.02.1.003802-7 (419562), 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais/DF, Rel. Diva Lucy Ibiapina. unânime, DJe 06.05.2010).
No mesmo sentido é possível encontrar no voto do Relator Leandro Borges de Figueiredo, da 1ª Turma Recursal do Juizado Cível e Criminar Especial do Distrito Federal, a ideia de uma justiça restaurativa servindo como fundamento para decidir.
“JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS. RECLAMAÇÃO. LESÕES CORPORAIS LEVES. CRIME DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO. JUSTIÇA RESTAURATIVA. MINISTÉRIO PÚBLICO. TRANSAÇÃO PENAL. AUDIÊNCIA PRELIMINAR NECESSÁRIA. INEXISTÊNCIA DE ERROR IN PROCEDENDO. RECURSO NÃO CONHECIDO. 1. Ainda que por interpretação analógica, é reconhecido ao Magistrado com atuação nos Juizados Especiais Criminais o poder de transferir ao Procurador-Geral do Ministério Público a apreciação de caso em que discorde da manifestação ministerial de primeira instância representativa arquivamento dos autos. 2. No caso concreto, no entanto, não se trata de simples requerimento do representante ministerial de arquivamento do feito, mas a homologação de acordo restaurativo em que ocorreu a retratação da vítima. 3. A decisão do magistrado que designou audiência preliminar, postergando a homologação de acordo e arquivamento do processo criminal requerido pelo Ministério Público, não pode ser considerado erro in procedendo, vez que não tem qualquer carga decisória. 4. Reclamação não conhecida.” (Processo nº 2014.00.2.000272-7 (789474), 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais/DF, Rel. Leandro Borges de Figueiredo. unânime, DJe 19.05.2014).
Em um caso mais recente, a ideia de uma justiça restaurativa surgiu como fundamento para o Acórdão da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, conforme se observa no voto do Ministro Relator Reynaldo Soares.
“HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. INADEQUAÇÃO. MÉRITO. TRÁFICO DE DROGAS. ASSOCIAÇÃO. PRISÃO EM FLAGRANTE CONVERTIDA EM PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO PER RELATIONEM. NÃO JUNTADO REQUERIMENTO QUE A FUNDAMENTOU. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE DA IDONEIDADE. PRISÃO DOMICILIAR. PRESENÇA DOS REQUISITOS LEGAIS. FILHOS DA PACIENTE POSSUEM MENOS DE 12 ANOS DE IDADE. CUIDADOS MATERNOS IMPRESCINDÍVEIS. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, DA FRATERNIDADE E DA PROTEÇÃO INTEGRAL, PRIORITÁRIA E SISTÊMICA DAS CRIANÇAS. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. (…) Multicitado princípio é possível de ser concretizado também no âmbito penal, através da chamada Justiça restaurativa, do respeito aos direitos humanos e da humanização da aplicação do próprio direito penal e do correspondente processo penal. (…)” (Habeas Corpus nº 373.056/RJ (2016/0256288-1), 5ª Turma do STJ, Rel. Reynaldo Soares da Fonseca. DJe 07.04.2017).
Ainda que seja possível identificar esses passos importantes para o reconhecimento da ideia de uma justiça restaurativa, existem controvérsias sobre o assunto que necessitam ser estudadas e debatidas para o aprimoramento da ideia de justiça e das suas questões práticas. É admitindo a existência de controvérsias que nossa análise seguirá no próximo ponto, abordando algumas delas que são frequentemente objeto de discussão.
6. A JUSTIÇA RESTAURATIVA E SEUS PONTOS CONTROVERTIDOS
6.1 A redução da ideia de justiça a uma prática alternativa de solução de conflito
Em torno da ideia de uma justiça restaurativa, é possível observar a existência de uma confusão entre o que é esta ideia de justiça e o que são as práticas para solucionar conflitos inspiradas na ideia de uma justiça restaurativa; as denominadas práticas restaurativas.
Partindo deste esclarecimento, e do conceito apresentado anteriormente, a primeira controvérsia que se observa sobre o tema é a redução da ideia de uma justiça restaurativa como uma prática alternativa de solução de conflitos.
Acredita-se, que pela exposição do conceito tenha sido possível clarear que a ideia de uma justiça restaurativa seja uma questão muito ampla, relacionada com o estudo das diversas outras ideias de justiça que se ocupam da reflexão sobre o que pode ser considerado como um agir justo ou injusto; sobre qual a melhor maneira de tomar decisões – sejam elas públicas ou privadas – que concorram para um efeito que possa ser considerado justo.
É claro que a pretensão aqui não é descredenciar a importância das práticas restaurativas, contudo, é fundamental delimitar o espaço de estudo em torno da ideia de uma justiça restaurativa e das práticas denominadas restaurativas que são inspiradas naquela ideia. Apenas a título de esclarecimento para o leitor, acredita-se na relevância da prática, pois é nela que se verifica empiricamente o potencial do desenvolvimento da ideia de justiça, uma vez que uma ideia impraticável não se distancia muito de um “sonhar acordado”.
Até mesmo Howard Zehr enfrentou esta questão, na obra Little Book of Restorative Justice, revelando sua percepção sobre a existência de uma confusão entre o que é justiça restaurativa e o que são as práticas restaurativas. Segundo o autor, a confusão ocorre em razão das diversas abordagens existentes e compreendidas como restauradoras, assim como a equivocada decisão de tentar adaptar as terminologias da ideia restaurativa para contextos que não parecem adequados para o uso do vocábulo justiça, como, por exemplo, nas escolas e universidades.
Diante deste cenário, o autor defende que a maioria dos conflitos que surgem na sociedade envolve uma experiência ou percepção de injustiça, motivo pelo qual ele continua fomentando que a ideia de uma justiça restaurativa deve ser compreendida como fundada nos princípios do respeito, da responsabilidade e do relacionamento, como a finalidade de promover a experiência de justiça em cenários de injustiças, enquanto que as práticas restaurativas se revelam como procedimentos pelos os quais são utilizadas técnicas compatíveis para alcançar a solução de um conflito e eficácia dos princípios do respeito, da responsabilidade e do relacionamento.
No nosso entendimento a hipótese defendida por Zerh não deixa de ser verdadeira, porém, não se demonstra como razão suficiente para que a confusão entre ideia de justiça e prática tenha ocorrido.
Conforme analisado anteriormente, ao longo da evolução do que hoje se entende como justiça restaurativa, a construção de um conceito a respeito do assunto era vista como prejudicial para a expansão desta ideia de justiça, motivo pelo qual foram surgindo lacunas teóricas sobre o assunto, e, quando se notou a necessidade de suprir as lacunas teóricas, os conceitos elaborados acabaram enfatizando as qualidades dos processos restaurativos na solução de conflito ao invés de concentrar esforços para definir sobre o que tratava essa ideia de justiça.
Ao menos no nosso ponto de vista, as lacunas teóricas deixadas durante o desenvolvimento da ideia, bem como a ênfase nas qualidades dos processos restaurativos, quando foram formulados alguns conceitos sobre o tema, foram determinantes para que os fatos identificados por Zerh acontecessem, uma vez que a falta de delimitação sobre o que está ideia trata permite que sejam feitas assimilações com outras teorias ou adaptações para o contexto ao invés do contexto compreender a ideia que se está tentando promover.
De tudo que foi apresentado até aqui, o mais importante é que se tenha a compreensão de que a ideia de uma justiça restaurativa não pode ser reduzida a prática alternativa de solução de conflito.
6.2 A assimilação como a mesma coisa que mediação
Dentro da perspectiva de uma ideia de justiça restaurativa são admissíveis procedimentos que procuram, por exemplo, dar apoio para os indivíduos envolvidos em uma situação de dano; ou práticas restaurativas que promovam o encontro entre as partes opostas envolvidas em um conflito.
Contudo, assimilar a ideia de uma justiça restaurativa como a mesma coisa que a mediação se demonstra um equívoco igual ao da redução a uma prática alternativa de solução de conflito. E mais, não se demonstra lógica a dedução de que a possibilidade de promover o encontro entre as partes, para buscar uma solução do conflito, demonstra que ela é o mesmo que a mediação.
Na verdade, como já esclarecido ao longo do estudo, a ideia de uma justiça restaurativa não é o mesmo que a prática restaurativa, de modo que nas práticas sempre são observados os princípios formadores da ideia de justiça, estes que serão fundamentais para lidar com situações em que o encontro entre as partes pode não ser a melhor escolha para lidar com determinado fato.
Quando o desenvolvimento prático parte dos princípios do respeito, da responsabilidade e do relacionamento, o potencial da ideia de uma justiça restaurativa é ampliado para uma perspectiva em que é possível serem realizadas abordagens mesmo nas situações em que uma das partes não foi identificada, está apreendida ou não está disposta a se encontrar com a outra parte.
Na mediação, como esclarece Maria Celeste C. L dos Santos, é possível extrair desde a sua terminologia que o instituto está relacionado com a busca pela metade de alguma coisa e com a interseção de alguém por aqueles que contendem.
Para que seja realizada a mediação, é exigida a presença das partes que estão em conflito e de um terceiro vocacionado para interceder no caso e encontrar o “meio termo”; diferentemente do que propõe a ideia de uma justiça restaurativa, que aceita o desenvolvimento prático mesmo que as partes não queiram se comunicar presencialmente ou contribuir juntas para a solução do conflito.
Ademais a mediação pressupõe a existência de um mediador que exerce um poder-sobre os indivíduos, conforme destaca Celeste; uma postura ativa que permite que ele guie as partes para uma solução final do conflito.
Por outro lado, as práticas restaurativas costumam se orientar pela facilitação, o que significa que a interação do terceiro “neutro” não poderá ser no sentido de sugerir propostas para solucionar o conflito, mas sim facilitar o diálogo por meio de perguntas direcionadas às partes para que elas encontrem a melhor forma para resolver o conflito, observando/ quais são as necessidades que surgiram a partir da experiência que originou o conflito.
Neste panorama é possível observar que existe uma distinção entre a ideia de uma justiça restaurativa com a prática restaurativa e a mediação, ainda que se identifique alguns pontos em comuns.
6.3 Um programa de direitos humanos para a diminuição da reincidência criminal
Seguindo no mesmo sentido dos argumentos apresentados anteriormente, a justiça restaurativa não pode ser reduzida a um programa de direitos humanos para a diminuição da reincidência criminal.
Acredita-se que tenha ficado clara a distinção entre a ideia de justiça e a prática, motivo pelo qual se reafirma que o que está se desenvolvendo como ideia de uma justiça restaurativa vai além das implicações práticas ou do estudo sobre criminologia.
A ideia de uma justiça restaurativa propõe o exame das experiências percebidas como injustas, para então serem discutida as melhores opções para reduzir essas experiências injustas.
É claro que a partir do exame das experiências injustas e a inspiração na ideia de justiça restaurativa é possível à idealização de programas e políticas públicas que promovam a eficácia dos direitos humanos, e, consequentemente, a redução da reincidência criminal.
Contudo, volta-se a repetir, a possibilidade da perspectiva prática da ideia de justiça não representa o que ela é; do contrário, seria o mesmo que pensar que o direito penal deve ser conceituado a partir dos efeitos práticos observados, por exemplo, a infeliz realidade de estar produzindo o encarceramento massivo sem condições humanas para aqueles que lá estão aguardando o cumprimento da pensa e sua ressocialização.
A diminuição da reincidência criminal não é a finalidade que a ideia de uma justiça restaurativa propõe, de modo que parece lógica a compreensão de que a ideia de uma justiça restaurativa possibilita ações e programas que busquem fomentar o respeito, a responsabilidade e o relacionamento, e, como consequência a execução de ações e de programas políticos que combatem a reincidência criminal diminuir.
6.4 Uma possibilidade apenas para os crimes de menor potencial ofensivo
Esta é uma questão que surgiu a partir da análise dos casos que foram observadas as práticas restaurativas no âmbito do Poder Judiciário.
Entretanto, muito além do senso comum que insiste em definir ou conceituar a ideia de uma justiça restaurativa a partir das práticas e não em conjunto com os seus princípios, os estudos realizados no Zehr Institute for Restorativa Justice permitem argumentar que essa ideia de justiça, quando aplicada em casos complexos; compreendidos como mais severos; pode proporcionar um impacto muito positivo na solução do conflito e na experiência do indivíduo que procura experimentar o que se denomina como justiça.
Procurou-se no início deste trabalho demonstrar a evolução da ideia de justiça restaurativa no Brasil. Nesta oportunidade, foi afirmado que a experiência institucionalizadas foi promovida com o apoio do Ministério da Justiça, por meio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, motivo pelo qual foram escolhidos três estados (São Paulo, Rio Grande do Sul e Brasília) para desenvolver projetos pilotos com a curadoria do Poder Judiciário.
Certamente, sendo um primeiro momento no desenvolvimento desta ideia de uma justiça restaurativa no país, a iniciativa de encontrar uma “janela legal” que permitisse a inclusão das práticas restaurativas deve ser louvada, em razão do seu papel fundamental na demonstração de que a ideia de uma justiça restaurativa possui potencial para solucionar conflitos.
Nesta jornada, a lei que dispõe sobre os Juizados Especiais, bem como o Estatuto da Criança e da Juventude, possibilitaram a existência das “janelas legais” para o desenvolvimento das práticas, e, principalmente, em razão do instituto da remissão; este que possibilitou explorar na prática a possibilidade de responsabilização do indivíduo independentemente de uma decisão propondo como resposta o afastamento do convívio social e a convivência com outros que também foram afastados, por terem agido em desconformidade como a (norma)lidade exigida pela sociedade em prol da convivência justa.
Disto tudo que se expõe, o que se pretende demonstrar é que a redução feita, de que a ideia de uma justiça restaurativa é adequada apenas para os crimes de menor potencial ofensivo passa longe de representar o que realmente ela significa e de todo potencial que pode ser explorado.
Se por ocasião da implementação das primeiras práticas por meio do Poder Judiciário, ficou a percepção de que a justiça restaurativa é adequada apenas em um cenário de menor complexidade, esta percepção se deu equivocadamente em razão da incompreensão de que os projetos pilotos estavam se valendo das possibilidades legais disponíveis para introduzir esta nova ideia de justiça, motivo pelo qual a redução da ideia de uma justiça restaurativa apenas para contextos de menor complexidade é incompatível com a perspectiva que atualmente se desenvolve internacionalmente e nacionalmente.
6.5 Uma alternativa para as condenações privativas de liberdade;
Apesar de esta controvérsia estar relacionada com o tópico anterior, para melhor fixação do tema, a resposta que lá se encontra entre os argumentos aqui será retomada.
A questão surge em razão dos projetos pilotos realizarem as práticas restaurativas em um contexto em que a lei possibilitava uma “janela de entrada”; especialmente a lei dispondo sobre os Juizados Especiais e Estatuo da Criança e da Juventude.
A análise do conteúdo destas leis e da finalidade da proposta que se pretendia executar possibilitou que se vislumbrasse o potencial do instituto da remissão, para demonstrar na prática a possibilidade de responsabilização do indivíduo, independentemente de uma decisão propondo como resposta o afastamento do convívio social.
Ademais, o ambiente proporcionado pelos intensos debates a respeito dos direitos humanos e pela necessidade de repensar o modelo punitivo, surgiu a oportunidade para que a Organização das Nações Unidas patrocinasse uma série de encontros onde foram firmados tratados e convenções, como por exemplo, a Convenção de Viena, em que os Estados se comprometeram rever suas políticas de encarceramento, podendo valer-se da inspiração na ideia de uma justiça restaurativa.
É possível que, a partir do fato de que os projetos pilotos estavam se valendo do instituto da remissão, bem como da expansão do discurso para que fossem revistas às políticas de encarceramento, tenha surgido um discurso se aproveitando deste contexto e relacionando a ideia de uma justiça restaurativa como um programa ou projeto alternativo que fomenta a substituição das penas privativas de liberdade.
Neste sentido, além do mesmo equívoco cometido – reduzir a ideia de uma justiça restaurativa a um determinado contexto prático -, também se demonstra equivocada a ideia de que a justiça restaurativa é a mesma coisa que defender a desarticulação do atual sistema de justiça e combater elementos constitutivos da dogmática do Direito, como por exemplo, a aplicação de uma sanção (condenação).
Demonstra-se mais harmônico, quando analisada a ideia de uma justiça restaurativa, propor reflexões para que, mesmo nos casos que exijam penas privativas de liberdade, os princípios restaurativos sirvam de inspiração para a condução do cumprimento da pena, assegurando que tanto a sociedade quanto o indivíduo compreendam a sua responsabilidade, a necessidade de se assegurar o respeito e a necessidade de ser reconstruído o relacionamento entre o ser humano que tenha falhado e a sociedade que o recepcionará ao final do cumprimento da pena.
6.6 Oposição à ideia de uma justiça retributiva
Talvez este seja o ponto mais controvertido em torno do posicionamento que se adota neste trabalho, em relação ao que é difundido por outros autores que abordam a ideia de uma justiça restaurativa, principalmente, em relação aos defensores da obra Trocando as Lentes como a formadora da dogmática restaurativa.
Ao analisar as diversas ideias justiça desenvolvidas na História, é possível chegar à conclusão que nenhuma delas exige que a outra deixe de existir. A provável realidade em torno do assunto, parece demonstrar que existe um diálogo entre as diversas ideias de justiça e que a cada ciclo de tempo são realizadas novas reflexões que proporcionam uma releitura da compreensão sobre o que é necessário para os seres humanos conviverem socialmente de uma maneira justa.
O interesse na investigação ou formulação de uma ideia não revela a exigência da exclusão de outras ideias já existentes, a negação da sua importância na construção da História ou da importância como referencial para encontrar as respostas para determinados problemas que outras ideias não logram êxito em responder.
Em nosso ordenamento jurídico, podemos tomar como exemplo deste diálogo entre as ideias de justiça, as normas penais e de sanções administrativas que são inspiradas na ideia de uma justiça retributiva, ao mesmo tempo em que na Constituição Federal também se encontra norma determinando que seja observada a ideia de uma justiça social para organizar a ordem econômica e financeira[8].
Seguindo no mesmo raciocínio, o que argumentar senão pela inspiração na ideia de uma justiça comunista, formulada por Marx – para uma igual prestação de trabalho, um salário igual, para mercadoria igual, um preço igual ou a igual prestação de trabalho cabe igual salário, cabendo igual participação no produto do trabalho –, na elaboração das normas que regem o direito do trabalho; que estão inseridas na Constituição Federal[9].
Diante do que se propõe expor, e com todo respeito às diversas manifestações que defendem a existência de uma relação de oposição entre as ideias de justiça, o que parece ficar claro é que partir para a conclusão de que a ideia de uma justiça restaurativa está se opondo a ideia de justiça retributiva, porque esta tradicionalmente visa à culpa, perseguição, imposição, castigo, verticalidade e coerção é uma deficiência na compreensão da distinção entre o que se relaciona com o estudo da teoria de justiça e o que se relaciona com a teoria geral do Direito.
O hábito de formularem quadros para demonstração da distinção entre as duas ideias de justiça costumam por si revelar que o fundamento de crítica não recaí sobre os princípios que formam a ideia de uma justiça retributiva, mas sim sobre os elementos fundamentais da composição do Direito, tal como a coerção, castigo (sanção), verticalidade, etc. Um olhar mais atento pode perceber que o ponto fundamental desta controvérsia está relacionado com a dificuldade de distinguir o que está relacionado com o estudo da teoria de Justiça, da teoria geral do Direito e da teoria do poder.
Conclui-se, portanto, que ao invés do tema ser reduzido na comparação entre as percepções dos efeitos que o atual sistema jurídico proporciona na aplicação do direito e os pontos positivos da ideia de uma justiça restaurativa, por meio de tabelas ou colunas comparativas; ou estereotipando como uma coisa boa e outra como uma coisa ruim; se demonstra mais enriquecedor o aprofundamento do estudo considerando cada tema na sua perspectiva teórica: a ideia de uma justiça restaurativa ou retributiva relacionada com o estudo da teoria de justiça, enquanto a insatisfação com um sistema que está proporcionando destaque para a culpa, perseguição, imposição, castigo, verticalidade e coerção aparenta estar melhor relacionada com o estudo dos elementos que constituem o Direito, no caso a teoria geral do Direito, podendo ainda, acrescentar uma relação com o estudo da teoria do poder.
CONCLUSÃO
O objetivo deste trabalho é destacar alguns aspectos importantes para a compreensão da ideia de uma justiça restaurativa, assim como destacar alguns pontos controvertidos que alimentam o debate sobre o tema.
Em especial, o trabalho procurou focar em uma análise que contribua para esclarecer o surgimento e a distinção entre a ideia de uma justiça restaurativa e as práticas restaurativas, do mesmo modo que foram formuladas algumas reflexões sobre o desenvolvimento racional desta ideia de justiça, o reconhecimento internacional e nacional, bem como sobre a relação com outras ideias de justiça, para que ao final fosse possível propor uma exame em torno da relação da ideia de uma justiça restaurativa com: outras práticas alternativas de solução de conflitos; mediação, programas e ações para a diminuição da reincidência criminal, medidas aplicáveis aos crimes de menor potencial ofensivo, ideias favoráveis à substituição do atual sistema de justiça, alternativa para as condenações privativas de liberdade e oposição a concepção de justiça retributiva.
No desenvolvimento do trabalho, preocupou-se em demonstrar que existem diversas concepções formuladas na História para explicar o que é a justiça, e que, a ideia de uma justiça restaurativa se insere neste rol diversificado de ideias que procuram esclarecer o que é o justo, e de que maneira é possível auxiliar a humanidade a encontrar um caminho para manter a convivência coletiva de uma maneira justa, em que seja possível experimentar uma relação entre todos, a consciência de responsabilidade e a manutenção do respeito.
Deste modo, ao demonstrar a evolução Histórica, conceitual e os problemas atuais enfrentados em torno da ideia de uma justiça restaurativa, a intenção foi chamar a atenção do leitor para uma reflexão sobre o tema, assim como proporcionar elementos para que ele não seja influenciado por discursos superficiais que concorrem para que a ideia de uma justiça restaurativa se perca do caminho idealizado.
Chegando ao final e apesar de todo o empenho no desenvolvimento deste trabalho, é necessário admitir que a ideia de uma justiça restaurativa dependerá muito mais do que a simples reflexão e compreensão das distinções para se consolidar e atingir o máximo do seu potencial.
É necessário que se dê a devida importância aos estudos teóricos e provocações filosóficas a respeito do tema envolvendo a teoria de justiça, bem como para a sua relação com a teoria geral do Direito e com a teoria do poder, para que deste modo, não ocorra uma inadequada confusão entre os elementos de estudo de cada uma destas áreas, conforme foi possível apontar no estudo produzido, mas sim a integração entre estas teorias na busca pela formulação de uma ideia sobre o que pode representar uma convivência social justa.
Por fim, revela-se fundamental abrir o diálogo com as diversas áreas do conhecimento cientifico, com humildade e cooperação, para entender melhor quais são as implicações no campo científico e prático, o que certamente proporcionará uma melhor visão do alcance desta ideia de uma justiça restaurativa para promover inovações sociais, uma vez que o conteúdo prático aparenta propor um olhar além da solução de um conflito; um olhar com foco para as reais necessidades dos indivíduos, na construção ou manutenção de uma convivência coletiva, como forma de proporcionar a experiência de justiça a partir de fenômenos identificados como vetores do sentimento de injustiça.
Informações Sobre o Autor
Diego Dall’ Agnol Maia
Advogado. Mestrando em Filosofia do Direito. Especialista em Direito Público