A ilegalidade da cobrança de contribuição previdenciária sobre o aviso prévio indenizado

Resumo: Discorre sobre a natureza jurídica do aviso prévio indenizado, e a impossibilidade de contribuição para o INSS sobre o mesmo..


No dia 12 de janeiro de 2008, foi publicado no Diário Oficial da União o Decreto n.º 6.727, que revogou a alínea “f” do inciso V do § 9o do art. 214, o art. 291 e o inciso V do art. 292 do Regulamento Geral da Previdência Social – RGPS, aprovado pelo Decreto no 3.048, de 6 de maio de 1999.


Será objeto desta análise a revogação do texto do RGPS que previa: não integram o salário-de-contribuição, exclusivamente: as importâncias recebidas a título de aviso prévio indenizado.


O aviso prévio indenizado é devido quando o empregado é demitido e liberado do cumprimento deste, e, assim ao invés de trabalhar para receber o salário do mês, ele sai da empresa de imediato e recebe uma indenização pela rescisão de seu contrato de trabalho.


O RGPS que teve o artigo, objeto desta análise revogado, é o que regulamenta a Lei n.º 8.212/91, que em seu texto original também previa expressamente que o aviso prévio indenizado não constituía salário de contribuição, conforme demonstra texto a seguir transcrito:


“Art. 28. Entende-se por salário-de-contribuição:


§ 9° Não integram o salário-de-contribuição: …


e) a importância recebida a título de aviso prévio indenizado, férias indenizadas, indenização por tempo de serviço e indenização a que se refere o art. 9° da Lei n° 7.238, de 29 de outubro de 1984”; (grifos nossos)


Em 10 de dezembro de 1997, por força da Lei n.º 9.528, o texto da Lei n.º 8.212/91 supracitado foi alterado, e em seu bojo não consta mais, de forma expressa, a parcela eferente ao aviso prévio indenizado como não componente do salário de contribuição.


O conceito de salário de contribuição não se altera mediante decreto, e a Lei n.º 8.212/91 continua definindo, de forma clara, qual é a base de cálculo para incidência da contribuição para o INSS, em seu artigo 22, in verbis:


“Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de: 


I – vinte por cento sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos que lhe prestem serviços, destinadas a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços, nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa. (Redação dada pela Lei nº 9.876, de 1999).” (destaque nesta)


Assim, pelo texto da lei acima transcrito, as empresas somente estão obrigadas a recolher o INSS no percentual de 20% sobre as verbas remuneratórias, e não sobre as verbas indenizatórias.


Verbas remuneratórias são definidas como parcelas decorrentes do trabalho executado, enquanto nas indenizatórias não há uma realização de trabalho, mas sim uma recomposição do patrimônio. Cabe citar as definições de alguns autores sobre o tema para elucidar o assunto.


Amauri Mascaro Nascimento, in Manual do Salário, p. 54 e 55: … “a indenização colima recompor um bem jurídico ou um patrimônio. O salário não tem tal finalidade, mas sim, a de remunerar um serviço prestado pelo trabalhador, aumentando, assim, o seu patrimônio.”


Marcus Cláudio Acquaviva, in Dicionário Jurídico Brasileiro, p. 1175:a diferença entre salário e remuneração tem importância prática: a CLT manda que alguns pagamentos se façam na base do salário (aviso prévio, p. ex.) e outros no da remuneração (indenização e férias, p. ex.). Compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber.”


Arnaldo Süssekind, in Instituições de Direito do Trabalho, pág. 320: “salário, é a retribuição dos serviços prestados pelo empregado, por força do contrato de trabalho, sendo devido e pago diretamente pelo empregador que dele se utiliza para a realização dos fins colimados pela empresa; remuneração é a resultante da soma do salário percebido em virtude do contrato de trabalho e dos proventos auferidos de terceiros, habitualmente, pelos serviços executados por força do mesmo contrato”.


E no caso do aviso prévio indenizado, essa parcela não tem caráter remuneratório em razão do contrato de trabalho, mas sim indenizatório, porque o empregado não cumprirá o aviso prévio e terá, de forma imediata, seu contrato de trabalho rescindido. Servindo essa parcela para recompor seu patrimônio durante um mês, até que consiga obter uma nova colocação, tendo claramente o fim de indenizar o empregado.


Assim, vislumbra-se clara ilegalidade na cobrança de contribuição para o INSS em relação ao aviso prévio indenizado, pois tal procedimento viola literalmente o disposto no inciso I, do art. 22 da Lei n.º 8.212/91, tendo em vista que tal parcela não é remuneratória, mas sim indenizatória. Do ponto de vista constitucional não há uma inconstitucionalidade literal, pois com a modificação feita pela Emenda Constitucional n.º 20/98, no art. 195 da Constituição Federal, desde que previsto em lei, permite ser objeto de contribuição para seguridade social a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício, mas há inconstitucionalidade geral que consiste na contrariedade ao inciso II, do art. 5º, que determina que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, e conforme dito alhures, a legislação vigente somente permite a cobrança sobre parcela remuneratória – art. 22 da Lei n.º 8.212/91.


Portanto, a discussão sobre a legalidade do Decreto n.º 6.727/2009 poderá ser objeto de análise pelo Superior Tribunal de Justiça, e conforme acórdãos abaixo transcritos, a posição dessa Corte é que não há incidência de contribuição previdenciária sobre parcela de caráter indenizatório, como no caso do aviso prévio indenizado:


“PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. SAT. FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. AUXÍLIO-DOENÇA. QUINZE PRIMEIROS DIAS DE AFASTAMENTO. AUXÍLIO-ACIDENTE. SALÁRIO-MATERNIDADE. ADICIONAIS DE HORA-EXTRA, TRABALHO NOTURNO, INSALUBRIDADE E PERICULOSIDADE. …


As verbas de natureza salarial pagas ao empregado a título de auxílio-doença, salário-maternidade, adicionais noturno, de insalubridade, de periculosidade e horas-extras estão sujeitas à incidência de contribuição previdenciária. Já os valores pagos relativos ao auxílio-acidente, ao aviso-prévio indenizado, ao auxílio-creche, ao abono de férias e ao terço de férias indenizadas não se sujeitam à incidência da exação, tendo em conta o seu caráter indenizatório.(grifos nossos) O inciso II do artigo 22 da Lei nº 8.212/1991, na redação dada pela Lei nº 9.528/1997, fixou com precisão a hipótese de incidência (fato gerador), a base de cálculo, a alíquota e os contribuintes do Seguro de Acidentes do Trabalho – SAT, satisfazendo ao princípio da reserva legal (artigo 97 do Código Tributário Nacional). O princípio da estrita legalidade diz respeito a fato gerador, alíquota e base de cálculo, nada mais.


(REsp 973.436/SC, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/12/2007, DJ 25/02/2008 p. 290).


…A descaracterização da natureza salarial da citada verba afasta a incidência da contribuição previdenciária.” (REsp 762.491/RS, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 07/11/2005).


Cabe citar também um julgado do TRF da 3ª Região, no Processo 94.03.062229-6, publicado no DJ de 05/09/1995, que assim determinou:


“EMENTA – TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. RESCISÃO DE CONTRATO DE TRABALHO. BENEFÍCIOS DECORRENTES DA DISPENSA VOLUNTÁRIA. 13º SALÁRIO. FÉRIAS PROPORCIONAIS NÃO GOZADAS. AVISO PRÉVIO. CONCEITOS DE INDENIZAÇÃO E DE RENDA OU PROVENTOS DE QUALQUER NATUREZA. RETENÇÃO DE IMPOSTO DE RENDA NA FONTE. APELAÇÃO E REMESSA OFICIAL. PARCIALMENTE PROVIDAS. …Com relação às férias recebidas em pecúnia, bem como do aviso prévio, tenho que a natureza é indenizatória. Com efeito, o trabalhador recebe valor em dinheiro, proporcional ao período aquisitivo, em compensação, por não ter gozado as férias ou ter podido usufruir do aviso prévio. Ora no caso do recebimento em pecúnia das férias não gozadas, valor proporcionalmente ao período aquisitivo, o empregado não gozou o período de descanso, por isso o valor recebido tem cunho indenizatório, pela impossibilidade de exercer o direito de descanso. O mesmo raciocínio pode ser desenvolvido no caso de aviso prévio.” ( grifamos)


Bem como, posicionamento recente do Tribunal Superior do Trabalho:


“Note-se, por oportuno que, não obstante as distintas definições de salário-de-contribuição estabelecidas pela lei, seja qual for o conceito eleito para a incidência da contribuição previdenciárias, o fato gerador da obrigação envolverá, de alguma forma, a remuneração pelo trabalho”, afirmou, acrescentando que, no caso em questão, não foi reconhecida relação de emprego. “Assim, a contribuição incide tão-somente sobre as parcelas de natureza remuneratória, excluídas as pagas a título de indenização”, concluiu.”


“A ministra lembrou que, por esse motivo, a Lei nº 8.212/91 exclui da composição do salário-contribuição a indenização de 40% do FGTS em caso de demissão sem justa causa, a indenização por tempo de serviço anterior à Constituição de 1988, a indenização por despedida sem justa causa nos contratos por prazo determinado, a indenização por tempo de serviço do safrista, o aviso prévio indenizado e a licença-prêmio indenizada, entre outros. Peduzzi citou decisões do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que as contribuições previdenciárias incidem apenas sobre as parcelas de natureza remuneratória.” RR 89171/2003-900-04-00.2 Fonte: www.tst.jus.br


Assim, o posicionamento do Poder Executivo de que com a edição do Decreto n.º 6.727/2009 todos devem recolher o INSS sobre o aviso prévio indenizado, os empregadores no percentual de 20% sobre valor pago ao empregado e o empregado deverá recolher de 8% a 11% do salário, dependendo do valor deste, com um teto de R$ 334,29 (trezentos e trinta e quatro reais, vinte e nove centavos) está eivada de ilegalidade e acarreta clara elevação da carga tributária para a sociedade.


Ademais, a legislação tributária vigente prevê de forma expressa que o aviso prévio indenizado encontra-se isento de tributação pelo Imposto de Renda, vide inciso XX, do art. 39, do Decreto n.º 3000/1999.


CONCLUI-SE que, diante do exposto, cabe aos empregadores e empregados que estarão compelidos a pagar a contribuição para o INSS sobre o aviso prévio indenizado, conforme noticiado pelo Poder Executivo, ingressar com ações para a declaração da ilegalidade de tal cobrança, pelo Poder Judiciário.


 


Referências bibliográficas:

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Manual do Salário. São Paulo: LTr, 1985.

ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário Jurídico Brasileiro. 12ªEdição ampliada, revisada e atualizada. São Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 2004.

SÜSSEKIND, Arnaldo. Instituições de Direito do Trabalho, 14ª ed. São Paulo: LTr, 1994.

FRONZA, Douglas. Salário e remuneração – uma abordagem ipso jure. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, 35, 01/12/2006. In https://www.ambito-juridico.com.br. Acesso em 20/01/2009.

WAKI, Kleber. Legislação & Direito: O Aviso Prévio Indenizado e a Contribuição Previdenciária. O Decreto 6727/09. In: http:// amatraxviii.blogspot.com, em 19 de janeiro de 2009. 


Informações Sobre o Autor

Lirian Sousa Soares Cavalhero

Mestre em Direito pela Universidade Católica de Brasília, sócia da Ope Legis Consultoria Empresarial, e Consultora Jurídica de diversas entidades de classe e empresas


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