A (im)possibilidade de quitação de tributos mediante a compensação com precatórios

Resumo: O presente trabalho traz inicialmente a conceituação de execução e de Fazenda Pública, com o intuito de nortear o estudo do regime dos pagamentos efetuados pelo ente público. Após, é realizada abordagem no regime dos precatórios estabelecido na Constituição Federal, além de uma análise sobre as mudanças que recaíram sobre eles, oriundas das Emendas Constitucionais nºs 30 e 62. A intenção será demonstrar como é o nascimento das RPVs e dos precatórios, oriundos das execuções em face da Fazenda Pública, demonstrando suas diferenças principalmente no que se refere ao prazo para pagamentos. Após, uma especificação do regime dos pagamentos, tanto os realizados pelo ente público quanto ao relativo dos precatórios.

Palavras-Chave: Fazenda Pública. Precatório. Constituição Federal. Compensação. Tributos.

Abstract: The present work initially presents the conceptualization of execution and of Public Treasury, with the purpose of guiding the study of the regime of the payments made by the public entity. Afterwards, the precatórios approach established in the Federal Constitution is carried out, as well as an analysis of the changes that have taken place in them, resulting from Constitutional Amendments Nos. 30 and 62. The intention will be to demonstrate how births of RPVs and precatórios originate Of executions in the face of Public Finance, demonstrating their differences mainly regarding the term for payments. Afterwards, a specification of the payment regime, both those made by the public entity and the relative of precatórios.

Keywords: Treasury. Special judicial orders (precatórios). Federal Constitution. Compensation. Taxes.

Sumário: Introdução. 1. Execução contra a Fazenda Pública. 1.1. Procedimento. 1.2. O Regime dos pagamentos efetuados pela Fazenda Pública. 1.3. O regime dos Precatórios e requisição para pagamentos. 1.4. Classificação e Preferência dos Créditos. Conclusão. Referências.

Introdução

O presente trabalho de pesquisa visa o entendimento da execução em face da Fazenda Pública, demonstrando assim o nascimento do título chamado precatório, que nada mais é do que a promessa que o ente público faz ao particular, de pagar a indenização oriunda de condenação judicial. Após, será realizada abordagem no regime de pagamentos dos precatórios, o regime especial, as modificações trazidas pelas Emendas Constitucionais nºs 30 e nº 62 e, por fim, a análise do problema estabelecido: a possibilidade, ou não, da quitação de tributos mediante a compensação com precatórios.

Para a realização deste trabalho foram realizadas pesquisas eletrônicas, bibliográficas e leitura de acórdãos proferidos pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. No intuito de enriquecer ainda mais a pesquisa e os dados nela contidos, foram buscadas informações com profissionais que atuam nesta área, além de leitura em jornais e periódicos disponíveis na rede mundial de computadores, tentando manter sempre as informações atualizadas, uma vez que o tema proposto provoca diversas manchetes jornalísticas.

No primeiro momento a intenção será demonstrar como é o nascimento das RPVs e dos precatórios, oriundos das execuções em face da Fazenda Pública, demonstrando suas diferenças principalmente no que se refere ao prazo para pagamentos. Após, uma especificação do regime dos pagamentos, tanto os realizados pelo ente público quanto ao relativo dos precatórios.

     O presente estudo busca a resposta para a possibilidade da quitação de dívidas tributárias com a utilização de precatórios. Esta possibilidade não está facultada ao simples ―querer‖ do credor, uma vez que a lei é clara ao demonstrar que somente irá ser absorvida tal proposta quando lei específica assim a regular e permitir, nos termos do artigo 170 do Código Tributário Nacional, além dos entendimentos jurisprudenciais dos Tribunais de Justiça.

1 Execução contra a Fazenda Pública

Na Execução contra a Fazenda Pública, se faz necessária a conceituação de dois elementos. Segundo Didier Jr. (2010, p.28) ―Executar é satisfazer uma prestação devida […]‖, assim, a execução visa à satisfação de uma obrigação do executado para com o exequente, e pode ser ―[…] espontânea, quando o devedor cumpre voluntariamente a prestação, ou forçada, quando o cumprimento da prestação é obtido por meio da prática de atos executivos pelo Estado.‖.

O segundo elemento, a Fazenda Pública é o conjunto de ferramentas arrecadatórias que visam à manutenção do Estado. Dito de outra forma são os órgãos da administração pública que têm por objetivo arrecadar e fiscalizar os tributos, buscando a manutenção do aparato estatal. No ensinamento de Leonardo Carneiro Cunha (2011, p. 15) ―Fazenda Pública é a expressão que se relaciona com as finanças estatais, estando imbricada com o termo Erário, representando o aspecto financeiro do ente público.‖.

Sempre que figurar tanto no polo passivo quanto no polo ativo, um ente tão importante quanto a Fazenda Pública, se faz necessária a presença de certas prerrogativas, que visam auxiliá-lo na tramitação do processo. Tal ―auxílio‖ se faz necessário diante do excesso de demandas judiciais em que figura a Fazenda Pública, seja como autora, ou como ré.

As ações de execução visam a satisfação do credor em face do devedor e, dependendo do caso, a execução pode dar início a uma privação da propriedade dos bens do devedor. Entretanto, tal medida não se torna possível quando figura no polo passivo da execução a Fazenda Pública, uma vez que não há a possibilidade de realizar penhora e alienação em bens públicos.

Deste modo, define Franco (2002, p. 55), sobre o entendimento acerca da inalienabilidade dos bens públicos:

“Isto, porque o fato de um bem particular ser utilizado para uma finalidade pública não o torna um bem público, e porque não se pode desconsiderar a personalidade jurídica dessas empresas, de modo a responsabilizar diretamente a controladora (ente de direito público, claro), sem que estejam presentes os pressupostos para esta excepcional medida.”

Por conseguinte, inalienáveis os bens públicos; quando vencida a Fazenda Pública na execução, a mesma realizará os pagamentos de outras formas, as quais serão abordadas mais adiante.

1.1 Procedimento

Instruída por normas próprias, a Execução contra a Fazenda Pública segue os termos do art.100 da Constituição Federal (com regras definidas pelo ADCT) e os arts. 730, 731 e 741 do Código de Processo Civil. Referidos dispositivos devem ser observados, de modo que, quando figurar no polo passivo da execução a Fazenda Pública, não serão seguidas as regras tradicionais da execução.

Em uma execução que não tenha no polo passivo a Fazenda Pública, tem-se a distinção dos procedimentos no que tange aos títulos judiciais ou extrajudiciais. O art. 730 do Código de Processo Civil dita o rumo da execução contra a Fazenda Pública. Tal dispositivo assim se apresenta:

“Art. 730. Na execução por quantia certa contra a Fazenda Pública, citar-se-á a devedora para opor embargos em 10 (dez) dias; se esta não os opuser, no prazo legal, observar-se-ão as seguintes regras: I – o juiz requisitará o pagamento por intermédio do presidente do tribunal competente; II     – far-se-á o pagamento na ordem de apresentação do precatório e à conta do respectivo crédito.”

Nota-se aqui que, após citada, a Fazenda Pública pode opor embargos dentro do prazo de 10 (dez) dias e, assim, se faz necessário aguardar o julgamento da execução uma vez que tal medida suspende o andamento do feito. Caso oposta execução contra devedor diferente da Fazenda Pública, a oposição de embargos não acarretaria na suspensão do processo.

A questão da suspensão automática do processo de execução quando da interposição de embargos pela Fazenda Pública, é ressaltada por uma das mudanças trazidas pela Lei nº 11.382/2006 que introduziu o art. 739-A no Código de Processo Civil. Referido dispositivo impõe a não incidência de suspensão quando da apresentação dos embargos pelo executado, apresentando em seus extensos parágrafos o rol de momentos específicos para tanto.

Entretanto, conforme os parágrafos do art. 739- A, poderá ser suspensa a execução se o Juiz da causa acolher o requerimento dos embargantes, que deverá trazer fundamentos relevantes de que o prosseguimento da execução poderá causar dano de difícil ou grave reparação às partes, e, desde que já esteja garantida a execução por penhora, depósito ou caução de forma suficiente.

Esta decisão, que dá provimento a suspensão da execução, poderá ser revista a qualquer tempo, tanto que poderá ser modificada ou revogada mediante decisão devidamente fundamentada. Se a suspensão for específica sobre determinada parte da execução, da parte que não recaiu a suspensão, prosseguirão os atos expropriatórios.

Quando houver mais de um executado, o requerimento de suspensão realizado por uma parte, não se estende às outras, devendo cada parte, por seus próprios motivos e fundamentos, alegar a necessidade da suspensão da execução.

Importante também ressaltar, que mesmo quando concedido o efeito suspensivo à execução, os atos relativos à penhora e a das avaliações que recaírem sobre os bens, terão continuidade para fins de celeridade processual.

Ainda no âmbito procedimental da execução em face da Fazenda Pública, mais precisamente nos casos onde o credor não possuir título executivo extrajudicial, capaz de legitimar sua ―vontade‖ processual executiva, tem-se uma fase de conhecimento, voltada exclusivamente para a legitimação da existência de algo ―executável‖, algo que comprove a passividade executiva da Fazenda Pública.

Logo após, reconhecido o direito do exequente, passa-se então a uma nova fase chamada de ―etapa executiva‖. Da mesma forma, busca assim a satisfação, o 13 adimplemento concreto daquilo que foi plenamente garantido na etapa anterior, em suma, busca-se fazer a Fazenda Pública pagar aquilo que deve.

1.2 O Regime dos pagamentos efetuados pela Fazenda Pública

Ao provocarmos o Estado pela via judicial, após a procedência da demanda, quando esta implicar no pagamento, indenização ou ressarcimento em favor da parte autora, o Estado terá duas modalidades de pagamento: A Requisição de Pequeno Valor, conhecida também pela sigla RPV, ou através da emissão de precatório, dependendo unicamente do valor do crédito a ser recebido.

As RPVs serão emitidas quando o valor da causa não ultrapassar aos montantes de 60 (sessenta) salários mínimos nacionais, para a União, 40 (quarenta) salários mínimos para os Estados e 30 (trinta) salários mínimos para os Municípios, podendo a lei local estabelecer outros limites, nos temos em que dispõe o artigo 100, §4º da CF/88.

Quando o valor da condenação de ação judicial extrapolar este valor, então terá nascimento o precatório, ordem de pagamento feita pelo Judiciário ao Executivo, que, se enviada até a data de 30 (trinta) de junho de um ano, deverá incorporar o orçamento público do exercício financeiro seguinte, o que não significa e nem garante que será pago no ano seguinte.

O regime dos pagamentos dos precatórios mostra que, na realidade não há o pagamento no ano seguinte, uma vez que a ordem de pagamentos e o evidente excesso de precatórios faz com que sua legitimação demore anos para ocorrer, sendo o beneficiário do precatório um mero detentor de um título, sem poder efetivamente utilizar o poder financeiro conferido nele.

Ainda, há que ressaltar alguns dos privilégios processuais que goza a Fazenda Pública, tais como a dispensa do pagamento das custas processuais e pagamento equitativo dos honorários advocatícios de acordo com o art. 20 do CPC. Também goza de prazo diferenciado, conforme se vê no art. 188 do CPC: ―Art. 188.

Computar-se-á em quádruplo o prazo para contestar e em dobro para recorrer quando a parte vencida for a Fazenda Pública ou o Ministério Público.‖.

Nenhum pagamento será feito pela Fazenda Pública, senão pelo regime estabelecido no art.100 da Constituição Federal. Assim preconiza o caput do referido artigo:

Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.

A ordem cronológica, quer seja simplesmente a ordem decrescente do tempo da expedição do precatório, será apreciada quando dos pagamentos. Entretanto, existem casos específicos que têm preferência no pagamento, ou seja, terão prioridade no momento do pagamento, podendo se antecipar a precatórios mais antigos.

Terão preferência no pagamento dos precatórios àqueles credores que tiverem 60 (sessenta) anos ou mais na data da expedição do precatório. Quando não for este o caso, o credor que completar os 60 anos de idade após a expedição do precatório e for credor originário de precatórios alimentares, somente poderá pleitear a preferência do pagamento do crédito, apresentando requerimento de preferência decorrente de idade.

O § 1º do art. 100 da Constituição Federal, apresenta a conceituação dos débitos de natureza alimentícia:

“Art. 100. § 1º Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, provimentos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou por invalidez, fundadas em responsabilidade civil, em virtude de sentença judicial transitada em julgado, e serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, exceto sobre aqueles referidos no § 2º deste artigo.”

A ressalva que consta no § 1º do art. 100 da Constituição Federal, em indicação ao § 2º do mesmo dispositivo, se refere aos débitos de natureza alimentícia para aqueles que tenham 60 anos de idade ou mais na data da expedição do precatório, ou ainda sejam portadores de doença grave. Nestes casos terão preferência de pagamento sobre todos os demais débitos até o valor equivalente ao triplo estabelecido em lei, admitindo assim o fracionamento do pagamento, mantendo o restante a ser pago pelo critério da ordem cronológica.

No orçamento das entidades de direito público, é obrigatória a apresentação das verbas necessárias para pagamento dos precatórios, oriundos de sentenças já transitadas em julgado, devendo constar no orçamento os precatórios apresentados até o dia 1º de julho e o pagamento deverá ser feito até o final do exercício seguinte, ainda com atualização monetária referente ao período de ―espera‖.

Como mencionado, o disposto no parágrafo anterior, encontrado no texto do § 5º do art. 100 da Constituição Federal não é cumprido comumente no prazo estabelecido, haja vista o excesso de demandas em face da Fazenda Pública, gerando incontáveis expedições de precatórios e, assim, fazendo com que o ente público demore alguns anos para conseguir efetivamente quitar seus débitos para com seus credores, não cumprindo o disposto no citado parágrafo.

Importante também ressaltar que, no momento da expedição do precatório, seu valor total será abatido de eventual dívida que o credor tenha com a Fazenda Pública, inclusive parcelas que ainda não estão vencidas no momento da expedição do título, de forma que, compensados o ativo e o passivo, o resultado será o valor atribuído ao precatório.

Antes deste procedimento, o Tribunal irá solicitar à Fazenda devedora, informações sobre tais descontos (dívidas do credor) para que sejam respondidas em até 30 dias, sob pena de perda do direito de abatimento.

Referente a esta compensação feita pela Fazenda Pública, diante de eventual dívida tributária do exequente, Machado (2010, p. 282), nos ensina que:

“Não é razoável que, para compelir os que eventualmente lhe devem ao pagamento correspondente, imponha a todos os seus credores a obrigação de provar que nada devem. Entretanto, é certo que a Fazenda Pública tem o direito de compensar, ao fazer o pagamento de uma dívida, o crédito que tenha contra aquele a quem vai fazer o pagamento‖.”

Nesta hipótese, a Fazenda Pública exerce direito ao qual praticamente não permite que o contribuinte tenha também, quer seja a quitação de algum tributo mediante a compensação com valor devido por ela ao cidadão. Esta abordagem se tornará mais específica no segundo capítulo do presente trabalho.

O credor da Fazenda Pública poderá também ceder, no total ou em parte, seu crédito de precatório. Tal medida independe da anuência do devedor, devendo apenas após a cessão, ser protocolada no Tribunal, petição informativa da cessão, constando o beneficiário e a porcentagem ou valores que foram cedidos.

No que se refere à cessão de parte do precatório, esta comumente é utilizada para fins de pedidos administrativos de quitação de tributos mediante a compensação do precatório.

Tal medida se faz necessária mediante a necessidade de o valor do tributo a ser quitado ser exatamente o mesmo do valor do precatório em que o devedor é credor, assim valores equivalentes geram a proposta administrativa de quitação mediante a compensação, tema que terá maior abordagem em item específico.

No que tange à realização de acordos judiciais, também existe diferenciação procedimental quanto à presença, ou não, da Fazenda Pública no processo. Quando não há a figura do ente público, o acordo entabulado entre as partes gera maior celeridade quanto ao pagamento da dívida pelo executado, onde comumente é estabelecido prazo para que seja cumprido o acordo.

Já quando a executada é a Fazenda Pública, a realização de acordo judicial não gera nenhum tipo de ―bônus‖ quanto ao pagamento. Da mesma forma como ocorre com a ordem de pagamento estabelecida processualmente, o acordo também irá para a fila da expedição dos precatórios (ou RPVs) e terá seu procedimento realizado na mesma ordem e requisitos dos processos em que não foi entabulado acordo. Assim, realizar acordo com a Fazenda Pública não gera nenhum privilégio.

Importante também ressaltar, mesmo que de forma sintética, pois será abordado adiante, o regime especial de pagamento para a Fazenda Pública. Tal regime, estabelecido pelo artigo 97 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, permite o pagamento em regime especial como uma vinculação do título em uma conta especial do valor do estoque dos precatórios, que gera uma atualização dos valores, dividido pelo número de 15 (quinze) anos, que é o período temporal do regime especial.

A outra possibilidade estabelecida pelo regime especial é a destinação de porcentuais da receita corrente líquida, para o pagamento dos precatórios, anualmente. Dos valores auferidos com as porcentagens estabelecidas, a ideia é o pagamento de, no mínimo, metade dos precatórios que mesmo sendo em regime especial, terão sua ordem de pagamento obedecida no sistema de preferências, idade, doença, alimentares e por fim a ordem cronológica de apresentação.

1.3 O regime dos Precatórios e requisição para pagamentos.

Diante das conceituações já realizadas, tanto entendendo o procedimento da execução quanto definindo o que é a Fazenda Pública, passa-se agora a análise mais específica sobre os precatórios. Como já visto, o precatório é uma ordem de pagamento feita à Fazenda Pública devedora, referente à execução contra ela promovida.

Em busca de um conceito básico doutrinário, encontramos a definição de precatório feita por Elali (2011, p. 271), de forma objetiva:

“Precatório é uma ordem de pagar quantia certa decorrente de decisão judicial transitada em julgado contra a Fazenda Pública. O montante de precatórios se constitui em dívida consolidada do Poder Público correspondente.”

O regime dos precatórios é estabelecido pela Constituição Federal Brasileira, sendo ele o sistema de pagamento das sentenças judiciais julgadas em processos nos quais a Fazenda Pública figure no polo passivo e, reste vencida. Esse sistema de pagamento com a consequente expedição do precatório sempre se dará após o trânsito em julgado do referido dispositivo.

Como visto, os pagamentos dos precatórios devem ocorrer de forma cronológica, quer seja na ordem de sua apresentação e expedição, dos mais antigos aos mais novos. A apresentação deve ser feita até o dia 30 de junho de cada ano e o precatório deve ser pago até o final do exercício financeiro seguinte.

Quanto às garantias dos pagamentos dos precatórios, Elali (2011, p. 273), ensina da seguinte forma:

“[…] O orçamento público é o grande garantidor do pagamento dos valores envolvidos. A requisição do dinheiro (daí o nome de precatório requisitório) é feita pelo Presidente do Tribunal onde o processo transitou em julgado e o pagamento também é determinado pela mesma Corte. Se a ordem de preferência no pagamento dos precatórios foi violada, o Presidente do Tribunal, a requerimento do credor, pode determinar o sequestro da quantia necessária à satisfação do débito. (sic)”

Se de alguma forma o credor do precatório descobrir que sua preferência cronológica foi violada, tendo seu momento de pagamento sido ―pulado‖, poderá, mediante requerimento escrito protocolado junto ao Tribunal, requerer o sequestro do valor constante em seu precatório diretamente das contas do Estado.

Frise-se que, neste caso, a Fazenda Pública não pagará ao credor o valor do precatório, mas sim terá o montante da satisfação do crédito removido de suas contas, assim como ocorre, por exemplo, em ações de fornecimento de medicamentos.

A ordem de pagamento dos precatórios se dá de forma cronológica, conforme já exposto. Entretanto, existem credores que terão preferência no momento do adimplemento do precatório em virtude de requisitos que devem ser observados para tanto. Essa ordem de preferência será abordada de forma mais ampla em item específico posteriormente.

No que se refere à requisição de pagamento dos precatórios, Bueno (2010, p.437) leciona à luz do art. 730, inciso I do Código de Processo Civil:

“[…] a requisição do pagamento será feita pelo Presidente do Tribunal competente. Em se tratando de Fazenda Pública Federal, competente é o Presidente do Tribunal Regional Federal da região respectiva; em se tratando de Fazenda Pública Estadual, Municipal ou Distrital, do respectivo Tribunal de Justiça.”

Esta requisição é o Precatório, que se resume em uma ordem de pagamento requisitada ao ente público, para que pague determinada quantia a alguém. O precatório, então, tem sua origem, passando a integrar extensa fila que aguarda pagamento, pelo simples fato de existirem inúmeras demandas contra a Fazenda Pública e se os pagamentos fossem realizados conforme estabelecido, provavelmente acarretaria um rombo nas finanças públicas.

Se seguissem exatamente o que determina a lei, os precatórios deveriam ser pagos conforme o seguinte exemplo: um pagamento requisitado até a data de 1º de julho de 2014, o precatório deveria ser adimplido totalmente até a data de 31 de dezembro de 2015. Se a requisição de pagamento do exemplo acima fosse requerida somente em 2 de julho de 2014, o adimplemento se arrastaria até no mínimo no dia 31 de dezembro de 2016.

Existindo alguma situação que leve o credor a necessidade de se manifestar quanto a alguma irregularidade quer seja do momento do pagamento do precatório ou até mesmo referente aos valores que estão sendo disponibilizados, deverá se dirigir diretamente ao juiz da execução que originou o precatório.

O Presidente do Tribunal que realizou o requerimento do precatório não tem competência para tanto, mas sim apenas para realizar a atualização monetária do valor do precatório até o momento de seu pagamento, tudo conforme o texto do art.100, § 5º da Constituição Federal.

Bueno (2010, p. 438) comenta o art. 1º-E da Lei nº 9.494/1997, introduzido pela Medida Provisória nº 2.180-35/2001, dizendo ―que o Presidente do Tribunal, de ofício ou a requerimento das partes, pode rever as contas elaboradas para aferir a exatidão dos valores requisitados antes do seu pagamento ao credor.

Deste modo, não há o que se falar em requerimentos ao Presidente do Tribunal que originou o precatório senão para a atualização ou avaliação dos valores nele contidos. Quaisquer que sejam as dúvidas, diferentes deste tema, deverão ser direcionadas mediante petição e protocoladas diretamente nos autos do processo de execução que originou a contenda Contribuinte x Fazenda Pública, que gerou o precatório.

1.4 Classificação e Preferência dos Créditos

Como já mencionado anteriormente, os créditos oriundos dos precatórios têm seu pagamento realizado através da ordem cronológica de apresentação. Entretanto, existem tipos de crédito que por sua classificação terão preferência no momento do pagamento, devendo ser antecipados e passando na frente de outros precatórios, mesmo que apresentados cronologicamente antes destes.

Essa classificação, que visa a preferência, se divide em dois tipos de créditos: os de natureza alimentar e os créditos de natureza não alimentar. Os créditos de natureza não alimentar são aqueles que não visam a satisfação pessoal intrínseca à subsistência da pessoa, como, por exemplo, em ações oriundas de desapropriações e também as de natureza tributária.

De outra banda, os créditos de natureza alimentar são aqueles especificamente oriundos de ações de pensões, salários, aposentadoria ou ainda ações que pleiteiem alguma indenização por invalidez ou por morte. Referidos 21 créditos, por sua natureza primordial, terão preferência na fila dos pagamentos dos precatórios, tudo conforme o texto do artigo 100, § 1º da Constituição Federal.

A Emenda Constitucional nº 62, promulgada em dezembro do ano de 2009, acrescentou ainda mais dois tipos de classificação alimentar dos precatórios que terão preferência no pagamento. Os requerimentos enviados em nome de pessoa portadora de doença grave e também os pagamentos em favor de pessoa que tiver acima de 60 (sessenta) anos no momento da expedição dos precatórios.

As normas instituídas para estes dois tipos de créditos preferenciais, encontram-se no texto do artigo 100, paragrafo 2º da Constituição Federal que cita,

“Art.100. […] § 2º Os débitos de natureza alimentícia cujos titulares tenham 60 (sessenta) anos de idade ou mais na data de expedição do precatório, ou sejam portadores de doença grave, definidos na forma da lei, serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, até o valor equivalente ao triplo do fixado em lei para o fim do disposto no §3º deste artigo, admitindo o fracionamento para esta finalidade, sendo que o restante será pago na ordem cronológica de apresentação do precatório Presidente do Tribunal.”

Com base e à luz do dispositivo constitucional citado, perfectibilizado ficou que os portadores de doença grave e os maiores de 60 (sessenta) anos, terão preferência no pagamento dos precatórios, inclusive perante os créditos classificados como alimentares.

Tal situação, estabelecida pelo legislador, visa tratamento prioritário justo, uma vez que os credores que fazem jus aos dois tipos de preferência, realmente devem ter trato prioritário, inclusive em respeito ao Estatuto do Idoso.

Existe, ainda, porém não pacificado pela jurisprudência e doutrina, os casos em que os titulares do crédito, não tinham a idade base de 60 (sessenta) anos no momento da expedição do precatório, e a completarem após a expedição do referido título e o entendimento seria de que por chegarem a tal idade seriam merecedores da preferência do pagamento dos valores.

Nesta hipótese, a iniciativa será de apresentar requerimento diretamente ao Tribunal que realizou o pedido que originou o precatório. Referido requerimento a ser protocolado, deve ser completo com nome, numero de CPF entre outros dados, além de ser necessário anexar cópias de certidão de nascimento, cadastro de pessoas físicas e se for o caso a comprovação da doença grave. Tal requerimento encontra-se disponível no endereço eletrônico do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (www.tjrs.jus.br) na aba ―processos‖ após precatórios e por fim formulário para pedidos de preferência.

Conclusão

A execução partida do privado em face da Fazenda Pública, não segue os procedimentos normais das execuções. A partir do momento que o particular se insurge contra o Poder Público judicialmente, eventual questão vencida irá gerar a indenização mediante o surgimento das RPVs ou dos precatórios, diferenciados pelo seu montante, cada um tendo seu regime de pagamento.

No que tange ao precatório, a sua já conhecida morosidade no adimplemento é tema controverso, gerador de polêmicas e revolta de seus credores. A promulgação das Emendas Constitucionais nº 30/00 e nº 62/09 trouxe diversas mudanças no regime dos pagamentos, e, de certa forma, levando privilégios ainda maiores para a Fazenda Pública.

Neste sentido, a intenção do presente foi uma análise, passo-a-passo, verificando de forma individual cada modificação trazida pelas referidas emendas, inclusive demonstrando que ambas foram alvo de Ações Diretas de Inconstitucionalidade, evidenciando assim a natureza inconstitucional de vários itens exposto, que assim foram julgados e removidos haja vista a sua inconstitucionalidade.

De forma mais superficial, importante também o destaque para o regime especial de pagamentos presente no artigo 97 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. A criação de conta especial para adimplir parceladamente os precatórios vencidos e vincendos, juntamente com a abertura da possibilidade de pagamento em até 15 anos, trouxe à baila maiores discussões e repercussão quanto ao referido regime, uma vez que pretendeu atrasar ainda mais os pagamentos dos precatórios que já se encontravam em enorme atraso. Partindo deste entendimento é que tal regime partiu da emenda com a alcunha ― Emenda do Calote.

Diante de tamanhas dificuldades em receber os valores oriundos dos precatórios, partiu-se então para uma nova tentativa: a quitação de tributos mediante a compensação com precatórios. O que ocorreu aqui, foram que estas tentativas esbarraram na necessidade de o ente devedor legislar sobre este tema, assim, somente partindo por iniciativa dele a compensação poderia ocorrer, fato que pela sua simples natureza, é sabido, não irá ocorrer.

Por conseguinte, foi visto que apesar de o cidadão credor ser a parte mais frágil nesta relação com a Fazenda Pública e sofrer diversas penalidades indiretas com os instituídos regimes de pagamentos (alguns removidos pelas ADIns), não há o que se falar em quitação de tributos mediante a compensação com precatórios, pois não há lei específica que regule o tema de forma geral e apenas seria possível com a implementação de legislação infraconstitucional por iniciativa do próprio ente devedor.

Assim, a lei é precisa ao demonstrar de forma simples os requisitos para a habilitação do instituto da compensação, devendo ser esta a regra, não existindo melhores juízos. O perigo é que eventual criação de lei geral que permita a compensação, ao invés de promover maiores e melhores garantias ao cidadão credor de precatórios, possa abrir precedentes para a criação de uma máfia comercial de compra e venda de precatórios, agindo de forma natural em nossa sociedade.

 

Referências:
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CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 22ª ed. rev. ampl. e atual., São Paulo: Malheiros, 2006.
CUNHA, Leonardo Carneiro da. Fazenda Pública em Juízo. 1ª.ed. São Paulo: Dialética, 2003
ELALI, André. Direito Tributário – Homenagem a Hugo de Brito Machado. 1ª.ed. São Paulo: Quartier Latin, 2011.
FRANCO, Fernão Borba. Execução em face da Fazenda Pública. 1ª.ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 31ª.ed. São Paulo: PC Editorial, 2010.
MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. 1ª.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1976.
PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário. 1ª ed. Porto Alegre: Do Advogado, 2008.
PEREIRA, João Luís de Souza. Direito Tributário. 7ª ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris,2009.
SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 2ª.ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
SALES, Lília Maia de Morais. Justiça e mediação de conflitos. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.

Informações Sobre os Autores

Bianca Pivetta Nunes

Advogada. Bacharel em Direito Departamento de Ciências Sociais Aplicadas pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões Campus de Santiago. Pós-graduanda lato sensu em Direito de família e das sucessões pela Universidade Anhanguera-Uniderp

Carlos Eduardo Faccin Zanchi

Advogado. Bacharel em Direito Universidade Regional do Noroeste do Estado Do Rio Grande do Sul UNIJUÍ


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