Resumo: Na contemporaneidade juristas estão abordando o “princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado” de maneira mais lógico-científica, propondo relativizar a idéia absoluta de prevalência na medida que é realizado uma análise crítica aprofundando-se sobre o tema e desconstruindo a idéia clássica do famigerado princípio, demonstrando o impacto dessa nova perspectiva no ordenamento jurídico, mormento, no Direito Administrativo. A unidade dos interesses públicos e privados, que são indissociáveis, e a prevalência dos direitos e garantias individuais influenciam na concepção de relativização do interesse público e o presente estudo, de certa forma, apresenta nova forma de abordar os fundamentos da “supremacia” na resolução de conflitos desses interesses por meio do princípio da proporcionalidade e razoabilidade.
Palavras-chave: Supremacia do interesse público, prevalência, unidade dos interesses, relativização, princípio da proporcionalidade e razoabilidade.
Sumário: 1. Introdução; 2 a natureza principiológica da supremacia do interesse público: princípio normativo postulado ou axioma; 3. A não superioridade do interesse público sobre o interesse comum; 4. Implicação do princípio da proporcionalidade e razoabilidasde na relavização do princípio da supremacia público; 5. Conclusão
1. INTRODUÇÃO
O princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado sempre foi considerado a pedra de toque[1] que lança as bases do conhecimento do Direito Administrativo. Encontra-se nele toda a fundamentação das prerrogativas e da sobreposição conferida ao interesse público em detrimento do interesse privado em um eventual “choque” desses interesses.
A Administração Pública está, por lei, adstrita ao cumprimento de certas finalidades, sendo-lhe obrigatório objetivá-las para colimar interesses de outrem: o da coletividade.[2].
A doutrina clássica considera que a “supremacia” encontra supedâneo, principalmente, na função exercida pela Administração Pública[3]. Por outro lado, a doutrina moderna vem abordando o tema da supremacia de interesse público de uma forma sutilmente diferente, interpretando-o mais em conformidade com a nossa Carta Magna.
O objetivo é provocar uma reflexão mais aprofundada sobre a relativização ou desconstrução da idéia clássica do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, diante da nova concepção conferida pelos doutrinadores publicistas e, assim, demonstrar o impacto dessa nova corrente de pensamento no ordenamento jurídico, especialmente, no Direito Administrativo.
2 – A NATUREZA PRINCIPIOLÓGICA DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO: PRINCÍPIO NORMATIVO, POSTULADO OU AXIOMA
Como bem pontua Humberto Ávila o objetivo da presente análise é diminuir a equivocidade que a descrição e a eventual aplicação deste “princípio” proporciona, considerando que atividade administrativa não pode ser exercida sob o influxo deste “princípio” e também o fato de que o interesse público pode possuir significado jurídico , mas não pode ser descrito como prevalente relativamente aos interesses particulares.[4]
O uso do termo “princípio” está longe de ser uniforme. E não há qualquer problema nisso. Problemas há, sim, quando fenômenos completamente diversos são explicados mediante o emprego de denominação equivalente, de tal sorte que um só termo passa a fazer referência igual e indistintamente não só a fenômenos pertinentes a plano ou ciência distintas como também explicar fenômenos diversos descobertos em um mesmo objeto de conhecimento. É o que vem ocorrendo com os “princípios”. Eles passam a significar tudo, e, por isso mesmo, termina por não significar coisa alguma.[5]
O termo “princípio” é uma disposição genérica que serve para criar, integralizar e interpretar as leis.
Na doutrina clássica de matriz positivista Kelsiana os princípios assume um papel de informador do sistema e de preencher lacunas.
Alguns autores extraí seus fundamentos para explicar algo não com base numa sistemática lógico-constitucional mas apenas com base no empirismo social considerando seus fundamentos premissas pré-concebidas terminantemente aceitas no seio da sociedade. É isso que acontece som o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado, pois as bases de seus fundamentos é tido como um dogma jurídico; um postulado ou axioma.
E realmente partindo da idéia de como a Teoria Geral do Direito moderno analisa os princípios prima facie[6], conclui-se que os princípios jurídicos normativos resulta de uma recíproca implicação entre eles, e o princípio da supremacia nesse sentido, está mais para postulado ou axioma, pois nunca é contraposto a outro princípio, partindo de uma premissa tida como verdadeira.
Também não seria um axioma (usado, originalmente, como sinônimo de postulado), pois, este denota uma proposição cuja veracidade é aceita por todos, dado que não é nem possível nem necessário prová-lo. Por isso mesmo são os axiomas aplicáveis exclusivamente por meio da lógica, e deduzidos sem a intervenção de pontos de vista materiais. São premissas consideradas evidente e verdadeiras, pelo que esse conceito se subsume ao fato já debatido de que os fundamentos da supremacia do interesse público não decorre lógica e sistematicamente da Constituição.
Bandeira de Melo, por sua vez, afirma: Trata-se de verdadeiro axioma reconhecível no moderno Direito Público. Proclama a superioridade dos interesses da coletividade, firmando a prevalência dele sobre o do particular, como condição até mesmo, da sobrevivência e asseguramento esse último[7].
Pois bem. Postulado, no sentido kantiano, significa uma condição e possibilidade do conhecimento de determinado objeto, de sorte que ele não pode ser apreendido sem que essas condições sejam preenchidas no próprio processo de conhecimento. Os postulados variam conforme o objeto cuja compreensão condicionam. Daí dizer-se que há postulados normativos e ético-político.
O princípio da supremacia do interesse público sobre interesse privado está mais para postulado ético-político.
Quanto ao tema em questão, o mais importante é deixar evidente que o princípio da supremacia não é uma norma-princípio. Uma norma-princípio caracteriza-se estruturalmente por ser concretizável em vários graus: seu conteúdo depende das possibilidades normativas advindas dos outros princípios, que podem derrogá-lo em determinado caso concreto.
Então, só é possível o interesse público como resultado de um longo processo de produção e aplicação do direito. Não há interesse público prévio ao direito ou anterior à atividade decisória da administração pública. Uma decisão produzida por meio de procedimento satisfatório e com respeito aos direitos fundamentais e aos interesses legítimos poderá ser reputada como traduzindo o interesse público. Mas não se legitimará mediante a invocação a esse interesse público, e sim porque compatível com os direitos fundamentais[8].
No entanto, o presente trabalho pretende desconstruir essa idéia e demonstrar que não há uma “supremacia” e sim uma prevalência de um determinado interesse em um dado caso concreto.
3. A NÃO SUPERIORIDADE DO INTERESSE PÚBLICO SOBRE O INTERESSE COMUM
A Constituição da República Federativa do Brasil proclamou em seu preâmbulo a instituição de um Estado Democrático de Direito, destinado a assegurar o exercício dos direitos individuais, a liberdade, a segurança pública , o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos. Pluralista é uma sociedade em que todos os interesses são protegidos.
Vimos que, no dizer Marçal Justen Filho, “o critério da supremacia do interesse público não permite resolver de modo satisfatório os conflitos…”, isso porque no âmbito das relações jurídicas travadas na sociedade no dia-a-dia vai sempre surgir confrontos entre os interesses de toda ordem, dentre estes, o interesse público com o interesse privado, então, segundo a doutrina clássica, há de prevalecer o interesse público, ou seja, aquele que atende o maior contingente de pessoas.
Portanto, é natural que haja a tensão de interesses numa sociedade naturalmente litigiosa. Os interesses entram em conflito não porque são estanques; absolutamente separados, mas porque fazem parte de uma composição harmônica de modo que jamais eles se anulam e sim se complementam, pois são indissociáveis o interesse público do privado.
Nessa esteira, Humberto Àvila ensina que “O interesse privado e o interesse público estão de tal forma instruídos pela Constituição brasileira que não podem ser separadamente descritos na análise da atividade estatal e de seus fins. Elementos privados estão incluídos nos próprios fins do Estado (p. ex. preâmbulo e direitos fundamentais). Exagerando: o interesse privado é um ponto de vista que faz parte do conteúdo de bem comum da Constituição”. Em vez de uma relação de contradição entre os interesses privado e público há, em verdade, uma conexão estrutural[9].
A unidade de interesses também é esplanada nos ensinamentos da ilustre autora Maria Sylvia Zarnella Di Pietro, que diz que existem normas de direito privado que objetivam defender o interesse público ( como as concernentes ao Direito de Família) e existem normas de direito público que defendem também interesses dos particulares (como as normas de segurança pública, saúde, censura, disposições gerais atinentes ao poder de polícia do Estado e normas no capítulo da Constituição consagrado aos direitos fundamentais do homem.[10]
Se eles – o interesse público e o privado – são conceitualmente inseparáveis, a prevalência de um sobre outro fica prejudicada, bem como a contradição entre ambos. A verificação de que a administração deve orientar-se sob o influxo de interesses públicos não significa, nem poderia significar, que se estabeleça uma relação de prevalência entre os interesses públicos e privados. Interesse público e os interesses privados não estão principalmente em conflito, como pressupõe uma relação de prevalência[11].
É comum encontrar doutrina que discorre sobre essa matéria sem se utilizar de um raciocínio científico, lógico e coerente, ora uns autores realçam a supremacia com base no interesse público, ora dizem que deve haver um abrandamento na análise dessas questões uma vês que os interesses não se sobrepõem uns aos outros.
A concepção clássica defende que essa ideia de interesse absoluto não se sustenta perante uma interpretação à luz da Constituição, o que leva a falta de coerência e cientificidade nos seus fundamentos.
É justamente essa falta de metodologia faltante ao tema que faz com os autores não utiliza um rigor maior na sua linha de raciocínio, uma hora tratam como princípio, outra como postulado; além de ora considerar a flexibilidade da supremacia, ora realçar seu viés absoluto numa mesma obra doutrinária.
Cita-se Luiz Roberto Barroso como exemplo de coerência e exposição dos argumentos condizentes com a perspectiva atual do princípio, que diz “que no atual marco do Estado Democrático de Direito, pautado, sobretudo, pelas noções de centralidade e supremacia da Constituição, a concretização do interesse público, muitas vezes, é consumada pela satisfação de determinados interesses privados. O interesse público se realiza quando o Estado cumpre satisfatoriamente o seu papel, mesmo que em relação há um único cidadão (que evidencia a transformação pragmática que vem passando o Direito Administrativo e seus respectivos pilares)”[12].
Ao dizer que o Estado cumpre o seu papel mesmo que em relação há um único cidadão, o notável autor e Ministro do STF está seguindo a linha da relativização da supremacia do interesse público, retirando a conotação absoluta do princípio como quer e ensina alguns doutrinadores.
A solução do prestígio ao interesse público é tão perigosa para a democracia quanto todas as fórmulas semelhantes adotadas em regimes totalitários (o espírito do povo alemão ou o interesse do povo soviético). Bem por isso, todos os regimes democráticos vão mais além da fórmula da supremacia e indisponibilidade do interesse público. Esse é um pressuposto norteador das escolhas, mas há critérios de outra natureza que se impõem como parâmetro de controle das decisões administrativas”. [13]
O descabimento da invocação vazia de um interesse público distinto e separado, segundo ensinamento de Marçal Justen Filho, se dá porque “o crintério da supremacia do interesse público apresenta utilidade reduzida, uma vez que não há um interesse única a ser reputado como supremo. O critério da supremacia do interesse público não permite resolver de modo satisfatório os conflitos, nem fornecer um fundamento consistente para as decisões administrativas. Mas ainda, a determinação do interesse a prevalecer e a extensão dessa prevalência dependem sempre da avaliação do caso concreto. Trata-se de uma questão de ponderação entre princípios e regras”.
Nessa esteira Maria Sylvia Zanella Di Pietro, ao tratar de interesse público, dispõe o seguinte: “as normas de direito público, embora protejam reflexamente o interesse individual, tem o objetivo primordial de atender ao interesse público, ao bem-estar coletivo. Além disso, pode-se dizer que o direito público somente começou a se desenvolver quando, depois de superados o primado do Direito Civil (que durou muito tempo) e o individualismo que tomou conta dos vários setores da ciência, inclusive a do Direito, substituiu-se a ideia do homem com fim único do direito (próprio do individualismo) pelo princípio que hoje serve de fundamento para todo o direito público e que vincula a Administração em todas as suas decisões: o de que os interesses públicos tem supremacia sobre os individuais”.
Portanto, quanto ao papel do interesse privado nas finalidades do estado ou na realização do bem comum, é de crucial importância perceber que não é o interesse privado menos importante e que deve ser preterido em toda ocasião em que se chocar com outros interesses. Para realçar melhor essa ideia fazemos citações da doutrina de Marçal Justen Filho[14]:
“a proteção atribuída ao direito subjetivo privado prevalece ainda quando estiver em jogo um interesse oposto que se configure como ‘interesse público’. Apenas haverá limites aos direitos subjetivos privados em face do interesse público na medida em que assim estiver previsto e determinado na ordem jurídica.”
Mesmo para os casos em que o interesse público se sobrepujar sobre o privado, não significa dizer que há uma eliminação absoluta do referido direito. Marçal cita como exemplo o instituto da desapropriação que mesmo se impondo ao interesse do particular tem que obedecer a alguns requisitos legais para garantir que o bem não seja confiscado. Ademais, vale ressaltar que o a desapropriação só é válida porque prevista expressamente pelo ordenamento.
Conclui-se que, não é uma simples conveniência do Estado que eliminará um direito subjetivo privado, pois a Constituição Federal resguarda ao direito subjetivo a oponibilidade não só a lei, mas também ao ato administrativo.
O que se combate é a postura não democrática de promover o sacrifício dos interesses não estatais, sem maior preocupação, mediante a mera e simples invocação da conveniência estatal (denominada interesse público).[15]
4. IMPLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDASDE NA RELAVIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SUPREMACIA PÚBLICO.
O bem comum é a composição harmônica do bem de cada um com o de todos, não havendo razão para uma sobreposição absoluta como defendida pela doutrina clássica. O Supremo Tribunal Federal vem manifestando entendimento de que qualquer medida decisória deve obedecer ao “princípio” da proporcionalidade e razoabilidade quando estiver em questões decorrentes do direitos e garantias individuais.
Nesse diapasão é que o princípio da proporcionalidade e razoabilidade entram em cena propiciando uma análise mais ponderada dos interesses em questão e assim buscar equilíbrio o que é mais compatível com a idéia de Estado Democrático de Direito em que interesses individuais e coletivos coexistem e convivem harmoniosamente formando o bem comum.
A relativização do princípio da supremacia do interesse publico sobre o interesse privado advém justamente da consideração desse método de aplicação dos princípios o qual faz uso da ponderação o intérprete do Direito para alcançara unidade estabelecida pelo ordenamento jurídico.
Considerando o princípio da proporcionalidade um postulado, e não um princípio, e defendendo a tese de esse método é condição para a realização do Direito, Humberto Ávila[16] assim discorre:
“Outro argumento a excluir um fundamento de validade a esse princípio de supremacia é a parcial incompatibilidade com postulados normativos extraídos de normas constitucionais, sobretudo com os postulados normativos da proporcionalidade e da concordância prática, hoje aceitos pela doutrina e jurisprudência brasileiras. Sendo o Direito o meio mediante o qual são estabelecidas proporções entre bens jurídicos exteriores e divisíveis, deve ser estabelecida uma medida limitada e orientada pela máxima realização.”
Não se pode afirmar de modo generalizado e abstrato, algum tipo de supremacia absoluta produzida aprioristicamente em favor de algum titular de posição jurídica. Nem o Estado nem quaisquer sujeitos privados são titulares de posição jurídica absolutamente privilegiada em face de outrem. Todo e qualquer direito, interesse, poder, competência ou ônus são – limitados sempre pelos direitos fundamentais. Nenhuma decisão administrativa ofensiva dos direitos fundamentais pode ser reconhecida como válida.
A idéia de um interesse público como um fim em si mesmo decorre talvez, segundo Celso de Mello, do fato “de que o Direito Administrativo é um Direito concebido em favor do Poder, a fim de que ele possa vergar os administrados”. No mesmo trecho o Eminente autor continua, “conquanto profundamente equivocada e antiética à razão de existir do Direito Administrativo, esta é a suposição que de algum modo repousa na mente das pessoas”.[17]
É essa é a razão primordial que faz o Direito Administrativo ser encarado erroneamente, pois, ao surgir, foi encarado como um direito “excepcional”, que discrepava do “direito comum”, isto é, do direito privado, o qual, até então, era, com ressalva apenas do Direito Penal, o único que se conhecia. Com efeito, o Direito Administrativo tal como foi sendo elaborado, pressupunha a existência, em prol do Estado, de prerrogativas inexistentes nas relações entre os particulares, as quais, então, foram nominadas de “exorbitantes”, isto é, que exorbitavam dos direitos e faculdades que se reconheciam aos particulares em suas recíprocas relações[18].
Daí tem-se a ideia difundida que a posição de supremacia, extremamente importante, é muitas vezes metaforicamente expressada através da afirmação de que vigora a verticalidade nas relações entre Administração e particulares; ao contrário da horizontalidade, típica das relações entre estes últimos”.
Essa ideia de verticalidade é que leva a concepção distorcida quando em jogo interesses públicos e privados, levando a crer que o aquele sobressalta em importância este. Apesar de compreensível que os privilégios e prerrogativas sirvam de instrumentos para a Administração Pública bem realizar suas funções, não devemos esquecer a importância dos Direitos e Garantias Fundamentais.
Quanto a esses instrumentos, Bandeira de Mello alerta par o seguinte, que sem dúvida informam a atuação administrativa, de modo algum autorizariam a supor que a Administração Pública, escudada na supremacia do interesse público sobre o interesse privado, pode expressar tais prerrogativas com a mesma autonomia e liberdade com que os particulares exercitam seus direitos. É que a Administração exerce função: a função administrativa.[19]
“Quem exerce ‘função administrativa’ está adstrito a satisfazer interesses públicos, ou seja, interesses de outrem: a coletividade. Por isso, o uso das prerrogativas da Administração é legítimo se, quando e na medida indispensável ao atendimento dos interesses públicos; vale dizer, do povo, porquanto nos Estados Democráticos o poder emana do povo e em seu proveito terá de ser exercido”[20].
É entendimento cogente que o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado constitui um dos pilares do Direito Administrativo. As relações jurídicas desse ramo do Direito são travadas entre o particular e a Administração Pública, aquele age na defesa de seu interesse pessoal e está em nome de toda sociedade. Assim, no choque entre o interesse privado e o interesse público deve prevalecer o interesse que Administração defende.
Ocorre que esse assunto merece questionamento quanto os seus fundamentos. Seria o princípio da supremacia do interesse público sempre prevalente sobre o interesse privado tão somente por tutelar o direito da coletividade (?) e quanto o posicionamento e relevância dos direitos e garantias individuais na Constituição Federal: Afinal, nossa Carta Magna é também codenominada de Constituição Cidadã justamente pela importância dada em seu corpo textual aos direitos individuais. Então, como fica sua observância por parte da Administração Pública.
A resposta a esse questionamento está na relativização desse princípio com relação a sua visão incipiente. A sua força jurídica no ordenamento jurídico é a mesma de qualquer outro princípio, pouco importando ser eles implícitos ou explícitos, ou seja, aquele acepção abstrata de ser o interesse público absoluto é o fim em si mesma.
Sendo assim, retomando o fio a meada, a supremacia do interesse público deve conviver com os direitos fundamentais dos cidadãos não os colocando em risco, sendo o princípio da proporcionalidade e razoabilidade balizadores no qual exigem que o meio e o fim estejam em uma relação de proporção, é nesse norte que os direitos e garantias individuais devem ser rigorosamente respeitados por todos, mormente pelo administrador público, por mais que este tenha o dever precípuo de buscar a satisfação de um interesse coletivo.
“Como resultado prático, a afirmação da supremacia e indisponibilidade do interesse público propicia apenas a atribuição ao governante de uma margem indeterminada de autonomia para impor suas escolhas individuais. Ou seja, o governante acaba por escolher a solução que bem lhe apraz, justificando-a por meio da expressão supremacia do interesse público, o que é incompatível com a própria função reservada ao direito administrativo[21].
O princípio da razoabilidade e proporcionalidade entram em cena para propiciar, quando da ponderação dos interesses pelo aplicador do direito, bem como administrador público, um equilíbrio a fim que se possa chegar num Estado ideal e democrático, onde interesse individuais e coletivos coexistem, ou ainda, convivem harmoniosamente.
Sendo assim, diante dessas duas visões, a clássica e a moderna, ver-se que a ideia de supremacia não é absoluta, pois, diante de uma visão sistemática da Constituição Federal, sua aplicação deve se utilizar do método da concordância prática, ou seja, com base na ponderação baseada nos princípio da razoabilidade e proporcionalidade.
O princípio da concordância prática afirma que as normas constitucionais devem ser interpretadas em uma unidade de modo a evitar contradições entre elas.
Entre o choque de normas, então, quando houver na análise de determinado caso concreto a solução está no método em que se extrai a aplicação máxima dos princípios e a que mais se adéqua a realização dos propósitos constitucionais. Não há ipse facto uma prevalência cega e rígida do interesse público, o que é há uma ponderação de princípios e a escolha daquele que mais está em consonância com a Constituição.
O núcleo do direito administrativo não é o poder (e suas convenências), mas a realização dos direios fundamentais. Qualquer invocação genérica do interesse púnlico deve ser repudiada por ser incompatível com o E#stado Democrático de Direito.
Não se trata de defender o direito privado de forma individualista ao ponto de sustentar uma tese defensiva da supremacia do indivíduo em face da coletividade, é importante ressaltar que, como ensina Marçal Justen Filho, Reconhece-se a integridade individual, mas de todos os indivíduos. O interesse da maioria é digno de maior proteção do que o interesse de uma quantidade menor de particulares. O que não se admite é a diluição dos direitos fundamentais (mesmo de minorias) em virtude da existência de incerto e indefinido interesse público.
5 CONCLUSÃO
Conclui-se que como princípio gera, o princípio da supremacia possui não só um conteúdo indeterminável, como inconciliável com os interesses privados. Tal princípio se pudesse ser descoberto por meio de análise conjunta de vários dispositivos, teria certamente um conteúdo de sentido bem diverso de uma supremacia de interesse público sobre o particular. Essa prevalência colocada em termos absolutos por alguns administrativistas colide com a análise sincrônica do Direito, exigida pela unidade da Constituição ou do sistema jurídico.
Portanto, os interesses públicos e privados não necessariamente estão em conflito, como pressupõe uma relação de prevalência, por ser inseparável no conceito, é importante destacar, por fim que, o interesse público como finalidade de atividade estatal e supremacia do interesse público sobre o particular não denotam o mesmo significado.
Informações Sobre o Autor
Athos Oliveira Soares
Graduado em Direito pelo Centro Universitário de João Pessoa – UNIPE – Advogado militante nas áreas administrativa, civil e trabalhista; ex-Procurador Adjunto do município de Pedras de Fogo – PB