A reserva de mercado dos criminosos acerca da Lei Estadual n.º 4.185/03 do RJ que aumentou o ICMS sobre as armas em 200%

O Poder Público quando
intervém na economia ou em determinado setor da deve considerar quais as causas
de sua intervenção, bem como suas conseqüências, não estando o governo
constitucionalmente autorizado a intervir na vida social se a sua intervenção é
por puro por capricho, o que classicamente se chama de desvio de
finalidade.  De qualquer forma,
imperativos da Constituição impõem o dever de, quando intervir, que seja, ao
menos, com responsabilidade.

A questão
segurança pública é, deveras, a das mais importantes tarefas acometidas ao
Estado, e do ponto de vista social, um dos campos de atuação do Poder Público
que mais necessita de cuidado e da atenção do Estado-membro, em razão de um
conjunto de problemas metajurídicos ou não,
imputáveis a todos as esferas de governo.

E como
forma de (des)atuar em prol
da segurança pública o governo do Estado do RJ, recentemente promulgou a lei
n.º 4.185/03 de 18 de agosto de 2003, que aumenta o ICMS sobre as armas em 200%
sob o argumento de que a promulgação da lei diminuirá as estatísticas
criminais.  Sem dúvida a sociedade assim
espera.

Está com um problema jurídico e precisa de uma solução rápida? Clique aqui e fale agora mesmo conosco pelo WhatsApp!

Nossa observação, é saber se o argumento dado para o aumento do imposto de
circulação de mercadorias e serviços sobre a venda de armas de fogo convence a
Constituição, porque a interpretação constitucional moderna deve considerar os
meios utilizados pelo Poder Público para o atendimento dos fins para os quais a
norma foi criada.

Ora, que
quis o legislador estadual?  Certamente,
desejou diminuir a estatística criminal (pelo menos dos crimes que se utilizam
armas de fogo), dificultando o acesso das pessoas às armas de modo lícito.  Ora, fazendo-se um pequeno contraste entre
meio e fim da norma qualquer pessoa visualiza a dificuldade de atendimento do
fim propalado, por motivos tão óbvios, mas que nos expomos a dizê-los.

Primeiro:
o criminoso contumaz não compra armas em uma loja legalizada.  Ele não pensa na arma como um produto de
prateleira como aqueles que se encontram em
supermercados; ele consegue sua arma no mercado ilegal, onde nem sequer há o
pagamento de impostos (sejam eles estaduais ou federais).  Pode soar como um chiste mais a função desta
norma no mercado negro, na melhor das hipóteses, será para o vendedor de armas
ilegais utilizar o “preço de mercado” como parâmetro
para seu produto, de forma que a arma ficaria, também, mais cara no mercado
ilegal!

Mas, quem
serão, então, os consumidores de armas de legais, senão os bandidos?  Na sua maioria são pessoas de bem, pessoas
preocupadas com a segurança de sua família, que compram armas por deficiência
do próprio Poder Público no seu dever de segurança pública e bem-estar
social.  São as mesmas
pessoas que compram apartamentos em condomínios fechados, com grades, muros,
câmeras, segurança particular, e outros tantos aparatos tecnológicos,
que lhes permite um mínimo de tranqüilidade.
Estas pessoas realmente irão continuar comprando as armas
independentemente de seu preço (considere aí o ICMS de 200%), seja porque o
imposto não lhes será impeditivo, seja porque acreditam que a arma comprada
lhes trará segurança.

Existem
também alguns consumidores — acredito que seja uma minoria — que compram armas
de fogo para matar alguém.  É o marido
traído, o ofendido em sua honra etc.  Esses, em sua maioria o Estado jamais
vai controlar, porque se ele não comprar a arma no mercado lícito, ele compra
no mercado ilegal, porque ele não está mais interessado se vai gastar pouco ou
muito, e sequer se preocupa com a sanção penal do ilícito: a pena privativa de
liberdade.  E se o preço da arma lhes for
impraticável existem outros meios para matar o seu desafeto, tal como se fazia
antes dessa odiosa invenção.

Resta
saber se bandidos compram armas no mercado lícito?  Sem dúvida que sim.  Mas, acredito que seja um número ínfimo,
porque é mais fácil, mais barato, mais rápido, menos burocrático etc., comprar
no mercado ilegal de armas.

Sob o
prisma da causa e do fim da norma, resta claro que ninguém deixará de comprar
uma arma de fogo, seja ela de procedência lícita ou ilícita. Isso na
Constituição tem o nome de (ir)razoabilidade ou (des)proporcionalidade, pelo que, afirmamos para esta nota,
que as leis são excelentes meio de controle da sociedade, mas elas devem
considerar a realidade como ela “realmente” é – desculpem me o exagero.

Quisera
nós termos disposição explícita na Constituição tal
como do “Bill of Rights” da
Constituição Americana a impedir os absurdos políticos de governos
passageiros.  Diz a segunda emenda (1791)
da Constituição Americana: “Sendo necessária a
segurança de um Estado livre, uma milícia bem organizada, não poderá ser
impedido o direito do povo de possuir e portar armas.”

De nada adianta uma lei aumentar o
imposto para impedir o crime, porque ele vai continuar ocorrendo mantida essa
realidade econômica, os níveis de desemprego, a desigualdade social etc.  O que realmente nós
precisamos é de Justiça Social.

Certamente a lei vai impedir
uma morte ou outra no trânsito, daquele cara que foi ver quanto custava uma
arma ou levou um tanto para comprar mas não tinha o
suficiente e nesse ínterim teve o carro batido, tendo, ao invés de usar a arma
que deixou de comprar, usado os punhos para se vingar, mas lembremos, o Poder
Público jamais vai conseguir impedir todos os crimes; só quando impedir as
crianças de nascerem.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Flavio Eugênio Seixas Pinto

 

Advogado da PETROBRAS no Rio de Janeiro; Pós-graduado em Direito do Estado

 


 

Está com um problema jurídico e precisa de uma solução rápida? Clique aqui e fale agora mesmo conosco pelo WhatsApp!
logo Âmbito Jurídico