Resumo: O direito é um mecanismo de transformação social. Para que seus preceitos não se tornem letra morta, porém, mister que eles além de transformarem a realidade, acompanhem-na de acordo com a evolução natural da sociedade. Vivemos num mundo globalizado, fenômeno fortemente influenciado pelo advento e propagação da internet. A internet permitiu ao homem uma espécie de quebra de barreiras do tempo e do espaço, fator que constituiu grande atrativo no mundo das contratações mercantis. Através da rede mundial de computadores, tornou-se possível o comércio on-line, modalidade de negócio jurídico revestido de características bastante peculiares, as quais, entretanto, não o afastaram do modelo tradicional de contratação no que diz respeito aos seus requisitos de validade e autenticidade.
Palavras-Chave: internet, comércio eletrônico, validade dos contratos on-line, autenticidade dos documentos virtuais.
Abstract: The right is a mechanism of social transformation. To be alive, the precepts need not only change the nature but also follow it according to the natural evolution of society. We live in a globalized world, phenomenon strongly influenced by the advent and internet spreading. The internet allowed to man a kind ok breaking time and space barrier, element which established great attractive in the world of commercial contracts. Through the world computer net the on-line trade became possible, sort of judicial business covered with a great deal of special characterists which, therefore, won’t dismiss it from the traditional contract model in what is related to the request of validity and authenticity.
Keywords: internet, eletronic trade, validity of the on-line contracts, authenticity if virtual documents.
Sumário: 1. Introdução; 2. Contratos – Considerações Gerais; 3. Requisitos de existência, validade e eficácia dos contratos; 4. Validade dos contratos eletrônicos; 5. Autenticidade dos contratos eletrônicos; 6. Considerações Finais; 7. Referências bibliográficas.
1. Introdução
O desenvolvimento de um programa militar norte-americano, denominado ARPANET, permitiu a invenção da internet, no ano de 1969. A partir de então, esta descoberta foi sendo aperfeiçoada e difundida por todo o mundo.
A Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) assim define internet: “nome genérico que designa o conjunto de redes, os meios de transmissão e comutação, roteadores, equipamentos e protocolos necessários à comunicação entre computadores, bem como o ‘software’ e os dados contidos nestes computadores”[1].
O uso da internet como veículo de comunicação é uma realidade, a qual tem exercido influência determinante no comportamento social. Toda essa revolução, inevitavelmente, tem refletido seus efeitos no âmbito do direito.
São novas formas de relações jurídicas que se formam, com características bastante peculiares. O uso da internet permite a quebra de fronteiras, a comunicação em “tempo real”, e, principalmente, um menor custo em contratações.
Por esta razão, as pessoas vislumbraram um meio atrativo para se estabelecer uma nova forma de contratação, por alguns denominada comércio eletrônico, mas também conhecida como e-commerce, comércio on-line, e-business, e-services, entre outros.
Referida prática vem cada vez mais conquistando espaço no mundo das contratações, o que tem permitido enormes avanços, assim como uma inegável comodidade aos consumidores de todo o mundo.
Todavia, não só efeitos positivos tal prática vem repercutindo, o que tem levado muitos juristas a estudarem o assunto. Dentre as inúmeras questões que vêm à discussão, nos propomos a analisar aqui a validade e autenticidade dos contratos celebrados via Internet.
Antes de adentrarmos neste estudo, porém, entendemos indispensável uma sucinta abordagem acerca da concepção dos contratos, notadamente relacionada aos seus requisitos indispensáveis, que serão aplicados em sua íntegra aos contratos virtuais.
2. Contratos – Considerações Gerais
Não pode ser fixada, ao longo de toda a história, uma data específica para o surgimento do contrato. Podemos dizer, apenas, que sua sistematização jurídica tornou-se mais clara a partir do direito romano, com o grande jurisconsulto Gaio. De fato, é demasiado perigoso pretender-se estabelecer o surgimento de um fenômeno jurídico, como é o nosso caso. Certo é que todas as sociedades com alguma produção jurídica contribuíram para o aperfeiçoamento deste instituto, que hoje já possui uma conotação bastante diferenciada daquela adotada no início do século XX.
O contrato é um verdadeiro instrumento de circulação de riquezas. É através deste instrumento, que o homem encontrou um meio de transferir sua propriedade, quer material ou imaterial. Concluímos, portanto, que é por intermédio do contrato que o indivíduo exerce seu poder de disposição, decorrente de seu direito de propriedade.
A essência do contrato se revela conforme a época em que o mesmo se forma. A evolução social modela as finalidades da contratação. Conseqüentemente, as formas do contrato foram invariavelmente atingidas ao longo de todos os seus séculos de existência.
Neste sentido, Arnold Wald pondera: “poucos institutos sobreviveram por tanto tempo e se desenvolveram sob formas tão diversas quanto o contrato, que se adaptou a sociedades com estruturas e escala de valores tão distintas quanto às que existiam na Antiguidade, na Idade Média, no mundo capitalista e no próprio regime comunista”[2].
O direito, durante muito tempo, foi fortemente marcado por uma tendência individualista, reflexo inegável do movimento iluminista francês, onde a vontade racional do homem se firmou como centro de todo o universo, resultando numa supervalorização da força normativa do contrato, com a consagração da pacta sunt servanda[3].
Contudo, em meados do século XX, a sociedade foi se apercebendo que o consagrado individualismo acabaria por gerar sérios desequilíbrios sociais, o que foi contornado apenas através do dirigismo contratual.
Operou-se então uma mudança radical na concepção de contrato até então adotada, passando o princípio da dignidade da pessoa humana a constituir uma limitação a livre concorrência e liberdade de mercado. Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho afirmam ter o contrato passado por um processo de solidarização social[4].
No Brasil, tal processo se intensificou com a constituição de 1988, que limitou o direito de propriedade à observância de sua função social. Em sendo o contrato um meio de transmissão de propriedade, conforme noticiamos acima, necessariamente tal mandamento repercutiu diretamente em sua esfera.
Hoje, portanto, podemos adotar o seguinte conceito para este instrumento: “um negócio jurídico bilateral, por meio do qual as partes, visando a atingir determinados interesses patrimoniais, convergem as suas vontades, criando um dever jurídico principal (de dar, fazer ou não fazer), e, bem assim, deveres jurídicos anexos, decorrentes da boa-fé objetiva e do superior princípio da função social”[5].
Enxergamos no contrato, por conseguinte, um meio através do qual se criam vínculos obrigacionais, correspondentes à livre vontade das partes envolvidas, os quais terão força de lei entre elas.
Clóvis Beviláqua ensina que: “pode-se considerar o contrato como um conciliador dos interesses colidentes, como um pacificador dos egoísmos em luta. É certamente esta a primeira e mais elevada função social do contrato. E, para avaliar-se de sua importância, basta dizer que debaixo deste ponto de vista, o contrato corresponde ao direito, substitui a lei no campo restrito do negócio por ele regulado”[6].
Do transcrito conceito, podemos extrair várias reflexões. Em primeiro lugar, cumpre esclarecer que estamos diante de uma espécie de negócio jurídico, e, como tal, deve o contrato obedecer uma série de requisitos, sobre os quais nos ateremos a seguir.
Não obstante, tem-se que o contrato, além de meio de transmissão de propriedade, é instrumento de realização pessoal e social, concepção decorrente dos princípios hoje norteadores do sistema jurídico.
A par disso, não podemos deixar de mencionar o vínculo que passa a existir entre as partes, mas que também não mais é absoluto em razão de sua função social e boa-fé objetiva.
Hoje a idéia de contrato é indissociável da idéia de função social e boa-fé, isto porque o direito é um instrumento para realização da vida em sociedade. Logo, é paradoxal admitir-se como juridicamente lícitos contratos que instrumentalizam e asseguram interesses eminentemente individualistas.
3. Requisitos de existência, validade e eficácia dos contratos
Consoante assinalamos acima, em sendo o contrato uma espécie de negócio jurídico, deve ele atender alguns requisitos, que atingem tanto o plano da existência, como da validade e eficácia.
Por uma questão de didática, trataremos separadamente cada um deles, analisando primeiramente aqueles atinentes ao plano da existência. Neste plano, vislumbramos como necessária a coexistência de quatro requisitos, quais sejam: a manifestação de vontade, um agente, um objeto e uma forma.
Como não poderia deixar de ser, a vontade humana é a primeira a ser analisada. E isto por uma razão bastante simples: sem o querer humano, não há negócio jurídico. Esclareça-se, por oportuno, que não se pode confundir vontade com intenção, ao menos neste momento. No plano da existência, para que haja negócio jurídico é preciso que haja pura e simplesmente manifestação de vontade.
Inafastavelmente, se é preciso existir manifestação de vontade, necessário que haja um agente que a declare – segundo requisito do plano da existência.
O conteúdo da declaração, por sua vez, consistirá no objeto do contrato. É preciso, pois, que além da declaração de vontade, exista um agente e um objeto. O objeto será a prestação de dar, fazer ou não fazer, materializada através do contrato.
E, por fim, todos os elementos antes mencionados necessitam de uma forma para se exteriorizar. Percebam que não estamos ainda tratando de adequação a algo, mas simplesmente da existência de um veículo que exteriorize uma relação entabulada.
Por conseguinte, coexistindo estes quatro elementos, podemos afirmar que o negócio jurídico efetivamente existe no mundo real. Se ele está apto a gerar seus efeitos no mundo real, tal questão se insere em outro campo de discussão, do qual agora nos ocuparemos.
Os pressupostos de validade são considerados por alguns como sendo os próprios requisitos de existência adjetivados.
Realmente, para que o contrato exista, basta que haja uma declaração de vontade. Mas para que ele seja válido, é preciso que esta vontade seja manifestada de forma livre, vale dizer, sem vício algum de consentimento[7], e calcada na boa-fé.
Da mesma forma, nas basta que exista um agente, este precisa ser um indivíduo dotado de capacidade civil. Não há validade o negócio jurídico celebrado por absolutamente [8] ou relativamente [9] incapaz. Afora a capacidade, deve ainda o sujeito possuir legitimidade para contratar. Em outras palavras, nem sempre uma pessoa absolutamente capaz poderá celebrar qualquer negócio, considerando que em alguns casos a lei prevê necessidade de autorização especial. Podemos tomar como exemplo o caso dos tutores e curadores, que em hipótese alguma poderão adquirir (firmar um contrato de compra e venda) os bens de seus tutelados e curatelados. Trata-se do que Clóvis Beviláqua denominou “capacidade especial”.
O objeto, ao seu turno, para que enseje uma negociação válida, precisa ser lícito, possível e determinado ou determinável.
A questão da licitude não importa em grandes indagações. Basta que o objeto da contratação seja admitido pela nossa legislação. Assim, não é válida, por exemplo, uma compra e venda de entorpecentes.
Já no tocante ao requisito possibilidade, temos que ele se subdivide em possibilidade fática e jurídica. Para compreendermos o alcance de cada uma delas, bastam simples exemplos, senão vejamos: a possibilidade fática impede a compra e venda de um terreno na lua. O jogo de azar não autorizado por lei, ao seu turno, é um objeto juridicamente impossível.
Com relação à determinação do objeto, temos que este requisito igualmente não enseja maiores discussões. Acaso o objeto não seja determinado de plano, deve ele ao menos ser determinável para que o contrato seja válido.
Por fim, quanto a forma, a regra geral é a liberdade[10], ou seja, a contratação pode ser manifestada por escrito, verbalmente, através de mímica, etc. Todavia, há casos em que o texto legal dispõe expressamente o formato a ser adotado em determinadas espécies de negócio jurídico, como, por exemplo, a compra e venda de imóvel cujo valor ultrapasse 30 salários mínimos vigentes[11].
Para finalizarmos, resta-nos tratarmos do plano da eficácia. Três são os elementos a serem observados. O primeiro deles é o termo, que se traduz num evento futuro e certo, o qual determinará o início ou término da produção dos efeitos do contrato. Em segundo lugar, temos a condição, consistente num evento futuro e incerto, que uma vez verificado, poderá dar início a produção dos efeitos (condição suspensiva), ou por termo a eles (condição resolutiva). Por fim, temos o modo ou encargo, que é a determinação de um ônus imposto ao beneficiário de negócios jurídicos gratuitos.
Feitas estas considerações, podemos passar ao nosso objeto de análise propriamente dito.
4. Validade dos contratos eletrônicos
Conforme noticiamos acima, a propagação da internet, como veículo de comunicação, fez nascer um novo meio de contratação: o comércio eletrônico. Agora, a transmissão da propriedade, quer de bens de consumo, ou serviços, se dá através de um simples clique no mouse. Vale dizer, aquela tradicional figura do contrato também se modernizou, ganhando a conotação on-line. Mas isto tem gerado muita polêmica e a opinião dos juristas se divide.
Será que nosso sistema jurídico dispõe de normas hábeis para regulamentar a contratação virtual? Alguns acreditam que não, entendendo que a nossa legislação está defasada, tendo, por conseguinte, o legislador do Código Civil de 2002 “pecado” ao deixar de tratar da matéria. Há quem defenda, entretanto, que ao deixar de dispensar um tratamento especial aos contratos eletrônicos, talvez o legislador entendeu que as regras atinentes à formação e conclusão das relações contratuais são suficientes para tutelá-los[12].
Neste ínterim, os contratos eletrônicos se popularizam, e surgiram novos questionamentos, tais como: Quais as garantias que podem ser oferecidas aos contratantes virtuais? Existe um meio seguro de formalizar um negócio on-line?
Consoante já apontamos acima, nossa lei civil prevê, no plano da validade, a coexistência de quatro requisitos para a válida celebração de um negócio jurídico, que são: manifestação da vontade livre e de boa-fé, agente capaz e legítimo, objeto lícito, possível, determinado ou determinável, forma prescrita ou não defesa em lei.
Estes requisitos estendem-se aos contratos via internet, uma vez que não deixam de ser uma espécie de negócio jurídico, embora escapem daquela figura tradicionalmente conhecida.
Assim, para que seja válido o contrato, primeiramente deve-se atentar quanto a figura do contratante, a fim de assegurar-se de que se trata de uma pessoa com capacidade de direito e de fato. Desta forma, contrato celebrado por pessoa relativamente ou absolutamente incapaz não é válido, salvo se, em relação à primeira deficiência, isto for suprido[13].
Ocorre que na prática, em se tratando de contratos eletrônicos, a aferição deste requisito de validade não é tão simples, o que lhe confere especial atenção. Todos sabem que muitos contratos são formalizados por absolutamente incapazes, como, por exemplo, crianças que compram jogos para computador[14], equipamentos eletrônicos, CD’s, DVD’s, etc.
Mas, o que fazer ante a estas circunstâncias, em que, não raras vezes, referidos negócios não tem a anuência dos responsáveis, os quais, quando tomam ciência da situação, tudo já está completamente fora de seu controle?
Neste momento, é importante consignar que grande parte das contratações on line configuram relações de consumo, aplicando-se, destarte, os preceitos da lei consumeirista[15].
Por conseguinte, poder-se-ia dizer que o exercício do direito de arrependimento[16], resolveria nosso impasse. Observem, entretanto, que tal alternativa efetivamente poderia solucionar o problema de fato, mas não o problema jurídico.
Estaríamos então diante de uma relativização dos requisitos de validade dos negócios jurídicos? Seriam estes requisitos aplicáveis apenas para determinadas transações? Talvez aquelas que envolvam valores economicamente expressivos? Mas qual seria o patamar para a fixação destes valores? Definitivamente não é esta a solução mais adequada.
Será que poderíamos dizer, então, que o dever de assegurar uma contratação plenamente válida, nos termos do artigo 104 do Código Civil[17], é exclusivamente do fornecedor de produtos ou serviços?
Se assim o for, uma vez não dispondo o fornecedor de meios eficazes para se certificar da pessoa com quem está contratando, arcaria ele com toda e qualquer conseqüência de uma contratação inválida.
Considerando que grande parte das contratações via internet configuram contrato de consumo, como ponderamos alhures, mister que façamos algumas ponderações.
Como bem se sabe, o CDC somente foi promulgado no ano de 1990, o que não significa dizer que neste antes de sua entrada em vigor seus consumidores estavam desprotegidos. Em qualquer forma de contratação, os direitos e deveres dos contratantes regiam-se de acordo com o Código Civil. O que ocorre, é que esta legislação mostrou-se insuficiente ante a marcante evolução econômica e social pós-revolução industrial. Sob a ótica do Código Civil de 1916, fornecedores e consumidores eram tratados igualmente. Esta concepção paritária nas contratações revelou-se inadequada, uma vez que era visível o desequilíbrio existente entre estas classes.
Por conta disso, nosso legislador constituinte entendeu indispensável a criação de mecanismos capazes de reduzir o desequilíbrio desta relação[18], erigindo a proteção do consumidor como garantia constitucional e princípio da ordem econômica.
A promulgação da lei 8.078/90 foi então uma resposta ao abismo à época existente entre as poderosas redes de fornecedores e os milhares de consumidores.
O Código de Defesa do Consumidor veio imbuído de princípios voltados à proteção da parte mais fraca da relação, buscando a efetivação da justiça social e o resgate da dignidade da pessoa humana.
O artigo 4 ° deste codex[19] estabelece a chamada Política Nacional das Relações de Consumo como meio de efetivar seus objetivos. É de toda esta principiologia que extraímos o fundamento para imputar ao fornecedor de bens ou serviços a responsabilidade por uma contratação plenamente válida.
A partir do momento que o fornecedor se lança no mercado de consumo, responde pelos riscos de sua atividade. Logo, uma vez celebrada a contratação, deverá o fornecedor se certificar de que a dita negociação esteja em estreita consonância com os preceitos legais[20]. Igualmente ocorrerá com os contratos eletrônicos, onde o fornecedor será responsável pelo contrato que celebra, devendo se amparar dos mecanismos necessários[21] para assegurar a contratação celebrada.
Ainda em resposta ao questionamento atinente à responsabilidade por uma contratação formalizada por incapazes, poder-se-ia cogitar outra solução. Há quem entenda que nestes casos se faz presente o dever de vigiar, imputável aos responsáveis legais dos contratantes. Em outras palavras, trata-se da culpa in vigilando.
Segundo este posicionamento, tendo os pais proporcionado aos filhos, por exemplo, o acesso a computadores conectados à internet, bem como disponibilizando cartões de crédito aos mesmos, uma vez efetuada uma transação comercial eletrônica, responderão os primeiros pelas conseqüências advindas da contratação. Isto porque os pais têm o dever legal de velar pelos atos de seus filhos.
Com o devido respeito àqueles que compartilham deste posicionamento, ousamos discordar e defender a idéia de que o dever de zelar por uma contratação válida é dos fornecedores. Entendemos que, segundo os preceitos estatuídos na legislação consumeirista, dispondo o mundo tecnológico de meios hábeis a assegurar a veracidade das informações prestadas durante uma contratação on-line, deve o fornecedor que se beneficia deste veículo de venda tomar as cautelas necessárias para uma negociação válida e segura, sob pena de responsabilização.
Prosseguindo no estudo dos requisitos legais de validade dos negócios jurídicos celebrados eletronicamente, o segundo a ser destacado é o objeto contratado. Também este elemento pode acarretar sérios problemas. Uma contratação virtual, por exemplo, facilita imensamente a comercialização de produtos falsos, defeituosos, viciados, etc. Isto porque o consumidor comumente avalia o produto a ser adquirido através de simples fotografias e descrições emitidas exclusivamente pelo fornecedor. Aliado a isto, deve-se somar a falta de certeza quanto à pessoa do fornecedor.
Apenas a título de ilustração, imaginem a seguinte situação: O consumidor celebra a contratação, paga o preço, e quando recebe o produto, descobre que este é falso. Em busca do fornecedor para pedir a restituição de seu dinheiro, descobre que as informações contidas a respeito de sua qualificação e endereço no site eram falsas. O que fazer?
Referida situação é mais comum do que imaginamos. De acordo com o ordenamento jurídico vigente, sua resolução é bastante simples. Em todos os casos citados, vale dizer, tratando-se de produtos falsos, viciados ou até mesmos ilícitos, a responsabilidade sempre será do fornecedor. Assim, se o objeto contratado não correspondeu àquele ofertado, tem o consumidor direito de ser ressarcido. E frise-se, este pedido de ressarcimento não precisa sequer obedecer ao prazo de reflexão previsto no CDC, uma vez que a contratação decorreu de dolo e má-fé do fornecedor, impedindo por esta razão a formação de uma vontade livre do consumidor.
No que tange a falsidade dos dados do fornecedor e dificuldade de sua localização para reclamação, entendemos que esta barreira é de ordem tecnológica. Diante dos recursos tecnológicos que já dispomos, isso pode ser superado[22].
Logo, para que seja o negócio jurídico celebrado válido, demanda que tenha por objeto algo lícito, possível, determinado ou determinável. Necessita, por conseguinte, ser possível física e juridicamente. Requer, também, que seja certo, ou, no mínimo, determinável, devendo as partes especificar gênero, espécie, quantidade e qualidade particularizantes.
O terceiro pressuposto, porém não menos importante, é o relativo à forma. Nossa lei substantiva civil, consoante já alinhavamos, prevê como regra a liberdade de forma. Presta-se a forma, segundo assinala Silvio Rodrigues, a facilitar a prova, garantir a autenticidade do ato e dificultar o vício de vontade por dolo ou coação.
Nas palavras de Maria Helena Diniz: “não é mister que o agente faça uma declaração formal, por meio da palavra escrita ou falada, pois é suficiente que se possa traduzir o seu querer por uma atitude inequívoca, evidente e certa, de modo expresso, quando os contraentes se utilizam de qualquer veículo para exteriorizar sua vontade, seja verbalmente, usando palavra falada, seja por mímica, exprimindo-se por um gesto tradutor de seu querer, como por exemplo, em leilão, quando o licitante, com um sinal, revela seu intuito de oferecer ao leiloeiro maior lance”[23].
Temos, portanto, que nada obsta a realização de um contrato por meio eletrônico. O que merece especial cautela, porém, é quanto a sua utilização como meio de prova. Isso, entretanto, entendemos que seja um problema tecnológico, e não jurídico, uma vez que é objeto dos especialistas desenvolverem meios capazes de assegurar o armazenamento do contrato celebrado entre as partes, a fim de que este possa, se necessário for, ser utilizado como meio de prova.
Um último requisito a se pensar é o consentimento. Trata-se de um elemento de suma importância, pois que é ele que cria a relação jurídica e vincula às partes sobre determinado objeto.
Neste sentido, observa Flúvio Cardinelle Oliveira Garcia: “naturalmente, o consentimento das partes contratantes deve ser dado isento de qualquer vício de vontade (erro, dolo, coação, simulação e fraude) sobre as cláusulas que regem o contrato, sua existência e natureza. Assim sendo, as vontades declaradas devem ser livres e sérias, claramente voltadas para a formação do vínculo contratual”[24].
Por outro lado, há circunstâncias que devem ser ponderadas. Bem se sabe que uma compra e venda pela internet, por exemplo, não raras vezes se dá através de um simples download, ou então, um mero clique no link “aceito”. É um ato muito singelo e instantâneo, que, dada a sua simplicidade, nem sempre corresponde a verdadeira intenção do comprador contratante. Sobre esta questão, manifesta-se Cláudia Lima Marques: “entrando no mundo virtual dos sites (imagens), o caminho é repleto de imagens (e linguagens), e um simples tocar no teclado significa aceitação, um simples continuar um caminho virtual de imagens, de sons e de mínimas palavras significa uma declaração de vontade tácita, um simples continuar no site, em silêncio, abrindo wraps sem protestar ou cortar a conexão, pode significar um determinado tipo de contratação ou declaração negativa ou positiva”[25].
Eis, portanto, uma linha deveras tênue, entre o verdadeiro consentimento, e o consentimento ignorante. Embora pareça bastante claro este requisito, na prática sua aplicação muito delicada.
Retomando o posicionamento já externado no início deste tópico, reiteramos nosso entendimento de que a legislação posta é perfeitamente aplicável e suficiente para a disciplina e garantia das contratações on-line. Resta-nos, no entanto, bem interpretá-la e observá-la em sua íntegra na prática.
5. Autenticidade dos contratos eletrônicos
Primeiramente insta esclarecer que a discussão da temática ora proposta depende substancialmente de estudos e desenvolvimentos técnicos na área da informática.
Pois bem, a ampla propagação do conhecimento e domínio dos artifícios tecnológicos da atualidade relacionados à internet proporcionou avanços notáveis na sociedade. Seus reflexos podem ser sentidos na difusão do conhecimento e das diferentes culturas de todo o globo, na facilitação da vida doméstica e laboral, nas relações interpessoais, etc.
Mas não só em efeitos positivos dita propagação resultou. Ao lado daqueles que fazem um uso “sadio” deste veículo de comunicação, existem alguns que o utilizam para lesar interesses alheios.
Incontáveis informações são lançadas diuturnamente na rede mundial de computadores. Na medida em que estas informações são disseminadas, tal transmissão pode ser interceptada a qualquer momento e modificada antes da chegada em seu destino. Em se tratando de comércio eletrônico, isso constitui um fator gravíssimo. Para que seja viável a comercialização de produtos e serviços via internet, a autenticidade e integridade das informações nela constante é requisito essencial. Como é possível, portanto, garantir esta autenticidade e integridade do documento eletrônico?[26]
Lorijean G. Oie, citado por Adriane Piechnik Barros, pondera que: “a viabilidade do comércio eletrônico tanto em termos do aspecto legal como do aspecto negocial dependerá do preenchimento de determinados requisitos legais assim classificados por LORIJEAN G. OEI: a) autenticidade; b) integridade; c) não repudiação; d) assinatura; e) confidência”[27].
Francisco Reyes Villamizar assevera que: “regulamentar a autenticidade permite as partes determinar a fonte de uma comunicação eletrônica, bem como a identidade das mesmas numa transação comercial, fornecendo certeza legal aos contratantes. É também importante provar a originalidade de um documento”[28].
Estas questões de autenticidade e integridade de documentos eletrônicos, não dizem respeito apenas à confiabilidade transmitida entre as partes contratantes, mas afetam diretamente a questão de sua força probante. Em outras palavras, seria possível um documento eletronicamente gerado ser utilizado como meio de prova em juízo? Seria ele efetivamente um “documento”?
Chiovenda conceituou “documento” como “toda representação material destinada a reproduzir determinada manifestação do pensamento, como uma voz fixada duradouramente”[29].
Ocorre, todavia, que dito conceito muito evoluiu, não sendo razoável persistir-se na idéia de que apenas o documento de forma escrita possa ser considerado como tal.
Assim sendo, nada obsta que o documento eletrônico, o qual é composto e identificado por uma seqüência encadeada de bits, produzida por meio de um programa de computador, seja aceito efetivamente como documento, capaz de representar fatos, e ter valor probante.
Não há dúvidas que o principal óbice para a aceitação do documento eletrônico como meio de prova lícito e válido é a questão de sua integridade e autenticidade. Por esta razão, especialistas têm engendrado incansáveis esforços no setor tecnológico, uma vez que é somente através dele que obteremos as garantias que necessitamos.
Dentre os recursos tecnológicos até agora desenvolvidos, cabe-nos tecer algumas considerações sobre a criptografia assimétrica, a assinatura digital, e o certificado digital.
A criptografia assimétrica ou de chave pública, segundo os ensinamentos de Fabiano Menke, “consiste num método que utiliza duas chaves, uma a ser aplicada pelo remetente e outra pelo receptor da mensagem, e é sobre essa tecnologia que se funda a criação da chamada assinatura digital”[30].(destaquei)
Desta feita, o sistema da criptologia garante a integridade da mensagem, uma vez que a torna incompreensível pelo uso de cifras ou códigos. A leitura de uma mensagem criptografada dependerá, portanto, de um código adequado para a sua decodificação.
Guilherme Magalhães Martins[31] pondera que muito embora a criptologia vise minimizar a intromissão de hackers, a maior objeção que se coloca se refere ao seu possível uso pelo crime organizado, como no caso da divulgação de mensagens envolvendo terrorismo ou pedofilia, por exemplo, protegidas por dito processo de codificação.
O grau de desenvolvimento atingido com estas técnicas hoje garante com elevadíssimo grau de segurança a integridade e autenticidade de documentos virtuais. Aqueles que se recusam a conferir credibilidade e valor probante a ditos documentos, portanto, certamente estão alheios a realidade de avanços já conquistados. Consoante assinala Flúvio Cardinelle Oliveira Garcia: “no que tange à confiabilidade da própria tecnologia criptografia assimétrica, ou, em outras palavras, da geração de assinaturas eletrônicas, podemos dizer que, atualmente, não há mecanismos técnicos eficientemente capazes de burlar a segurança da metodologia de chave pública. Em suma, ainda não existe tecnologia avançada o suficiente para se obter, clandestinamente, a chave privada ou pública a partir do documento eletrônico”[32].
O projeto de lei n º 1483 disciplina, dentre outras coisas, os requisitos indispensáveis para efetivação dos contratos realizados via internet, e define, no seu art. 4º:
“Art. 4 º – As declarações constantes de documento eletrônico presumem-se verdadeiras em relação ao signatário, nos termos do Código Civil, desde que a assinatura digital:
I – seja única e exclusiva do documento assinado;
II – seja passível de verificação pública;
III – seja gerada com chave privada cuja titularidade esteja certificada por autoridade certificadora credenciada e seja mantida sob o exclusivo controle do signatário;
IV – esteja ligada ao documento eletrônico de tal modo que se o conteúdo deste se alterar, a assinatura digital estará invalidade;
V – não tenha sido gerada posteriormente à expiração, revogação ou suspensão das chaves.”
O terceiro recurso citado diz respeito aos certificados digitais. Cuida-se de uma espécie de passaporte que identifica e autentica o proprietário. O certificado digital, que é emitido por uma Autoridade Certificadora[33] confiável, tem credibilidade legal.
Eis, portanto, alguns mecanismos já criados que nos permitem conferir maior segurança às contratações virtuais. Todavia o caminho a ser percorrido ainda é bastante longo, e vem sendo galgado dia-a-dia.
Consoante apontamos no início deste tópico, entendemos que a questão da autenticidade dos documentos eletrônicos diz respeito muito mais à área da informática do que à jurídica propriamente dita. Todavia, fazemos aqui uma ressalva: compete aos nossos legisladores regulamentar alguns conceitos, uma vez que o direito deve acompanhar a evolução tecnológica, e conferir maior confiabilidade jurídica aos novos mecanismos introduzidos pela ciência.
No âmbito internacional, já existe legislação sobre a temática. Trata-se de Lei Uniforme da Comissão de Direito do Comércio Internacional da Organização das Nações Unidas (Uncitral), a qual estabelece uma diretriz para o comércio eletrônico. Referida lei é aplicável a todos os tipos de mensagens de dados que possam gerar-se, arquivar-se, ou transmitir-se, devendo ser aplicada nas relações de comércio eletrônico dos Estados. Ressalte-se que esta lei não exclui a aplicação de outras leis internas que a venham complementar, como é o caso da lei consumeirista, uma vez que aquela não possui regulamentação específica sobre o consumidor. Não obstante, saliente-se que se trata de uma lei que objetiva orientar os legisladores nacionais para unificar as regras da atividade eletrônica.
Na Comunidade Européia, temos a Diretiva n º 1999/93 que pretende harmonizar a legislação pertinente de seus países membros. Existem também alguns comunicados e algumas resoluções e recomendações.
Já na América Latina, em termos de MERCOSUL, não há uma lei sequer disciplinando a matéria até o presente momento, existindo tão somente algumas regulamentações isoladas em cada país.
No plano nacional, ousamos afirmar que o Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer, juridicamente falando. Nossa legislação sobre o assunto é escassa. Temos um grande número de projetos de lei tramitando, todavia, em consulta recente, percebemos que todos se encontram paralisados[34].
De concreto, temos a medida provisória 2200-2, de 24 de agosto de 2001, a qual instituiu a infra-estrutura das Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil, transformou o Instituto Nacional de Tecnologia da Informação em autarquia, e deu outras providências.
Afora isso, podemos citar ainda os decretos n º 3.505, de 13 de junho de 2000, e o de n º 3.996, de 31 de outubro de 2001. O primeiro institui a política de segurança da informação nos órgãos e entidades da Administração Pública Federal, e o segundo dispõe sobre a prestação de serviços de certificação digital no âmbito da Administração Pública Federal.
6. Considerações finais
Hoje as contratações virtuais fazem parte da vida de milhares de pessoas, ainda que sobre elas pairem muitas dúvidas e inquietações sobre o assunto.
Após analisados os requisitos legais dos contratos, vimos que a esta nova forma de contratação aplicam-se em sua integralidade os preceitos do macrossistema Código Civil, bem como do microssistema Código de Defesa do Consumidor, em se tratando, obviamente, de relações de consumo.
Agora, no que tange a necessidade de elaboração de regras específicas para disciplina dos negócios virtuais, entendemos, em parte, dispensável. Não vislumbramos razão para estabelecer-se, por exemplo, novos requisitos na contratação, pois, como dissemos acima, aceitamos como aplicáveis aqueles já disciplinados na lei substantiva civil.
Todavia, no tocante a autenticidade e integralidade dos documentos virtuais, embora tenhamos ressalvado ser uma questão muito mais afeta ao campo da informática, entendemos indispensável à elaboração de normas que disciplinem conceitos, métodos, certificados, etc. Neste aspecto, a atuação do legislador é de suma importância, pois, como asseveramos acima, além da segurança que é proporcionada aos contratantes virtuais, o acautelamento da integralidade e autenticidade dos documentos virtuais está diretamente ligado ao seu valor probante em juízo.
Em que pese a existência de inúmeros projetos de lei em trâmite nas casas do Congresso Nacional, lamentavelmente, ao que parece, todos estão estagnados. É evidente a necessidade de apreciação e regulamentação da matéria, sob pena da evolução tecnológica esbarrar no direito, fato que já se começou a sentir.
Informações Sobre o Autor
Andressa Rizental Pacenko
Advogada, graduada pela Universidade Estadual de Ponta Grossa, professora na graduação do curso de direito das Faculdades Campo Real, mestranda pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná.