Análise da emenda constitucional Nº 75/2013: a imunidade tributária dos fonogramas e videofonogramas musicais

Resumo: O presente artigo buscou abordar sobre a Emenda Constitucional nº 75/2013, que acrescentou a alínea “e” ao inciso VI do art. 150 da Constituição Federal, instituindo a imunidade tributária sobre os fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros, bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham. Como objetivo geral, o presente artigo pretendeu analisar os aspectos concernentes a essa recente hipótese de imunidade tributária, considerando a abordagem, ainda de forma tímida, por parte da doutrina. Para tanto, foram trazidas breves noções sobre imunidade tributária, especialmente o conceito, a base normativa e algumas de suas hipóteses, como também apreciados a abrangência terminológica, os limites da Emenda Constitucional e seus reflexos tributários.

Palavras-chave: Emenda Constitucional. Imunidade Tributária. Fonogramas. Videofonogramas.

Abstract: This article touched on the Constitutional Amendment nº 75/2013, which added the letter "e" to item VI of article 150 of the Constitution, instituting the tax immunity of phonograms and musical videograms produced in Brazil containing musical or literomusicais works by Brazilian authors and/or works in general played by Brazilian artists, as well as material supports or digital files containing them. As a general objective, this article intends to analyze the aspects related to this recent hypothesis of tax immunity, considering the approach, still in a timid way, by the doctrine. Therefore, brief notions were brought on tax immunity, especially the concept, the normative base and some of their assumptions, and they were also appreciated the terminological scope, the limits of the Constitutional Amendment and its tributaries reflexes.

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Keywords: Constitutional Amendment. Tax Immunity. Phonograms. Videograms.

Sumário: Introdução. 1. Breves noções sobre imunidade tributária. 2. A imunidade tributária instituída pela Emenda Constitucional nº 75/2013. 2.1. Abrangência terminológica e limites da Emenda Constitucional nº 75/2013. 2.2. Impostos afastados pela imunidade tributária dos fonogramas e videofonogramas musicais. Considerações finais.

Introdução

O Sistema Tributário Nacional, ao ser insculpido pelo legislador constituinte, procedeu à partilha da competência tributária entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, na medida em que outorgou a cada uma dessas pessoas políticas o poder de instituir tributos, exigíveis à vista da ocorrência de determinadas situações preestabelecidas. Ao mesmo tempo, vedou o exercício da competência tributária em relação a certos fatos, atos, bens, serviços, pessoas e situações, visando preservar certos valores políticos, sociais, educacionais, etc. (DUARTE, 2013, p. 253).

Significa dizer, com isso, que a Constituição Federal excluiu certas pessoas, bens ou serviços do alcance do poder de tributar, no intuito de preservar o regime político adotado, a saúde da economia, o respeito aos direitos fundamentais e aos valores espirituais. A partir desse conjunto de pessoas, bens ou serviços, protegidos da tributação pela norma constitucional, tem-se a noção de “imunidade”.

Dentre as imunidades tributárias uma chama atenção: a imunidade dos fonogramas e dos videofonogramas musicais, vulgarmente conhecida como “imunidade musical”, trazida à Carta Magna através da Emenda Constitucional nº 75, de 15 de outubro de 2013.

A imunidade conferida aos fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros, bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, salvo na etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser, prevista no art. 150, inciso VI, alínea e, da Constituição Federal, é o foco sobre o qual se debruça o presente artigo, pois, tendo sido concedida recentemente, ainda pairam dúvidas quanto a sua aplicação e abrangência terminológica. Justamente em razão da abordagem ainda tímida por parte da doutrina e da consequente escassez de trabalhos acadêmicos e científicos sobre o tema, o presente artigo pretendeu analisar os aspectos concernentes a essa recente hipótese de imunidade tributária.

Sendo assim, num primeiro momento serão tratadas as questões relativas à imunidade tributária, notadamente o conceito, a base normativa e suas diversas hipóteses. Mais a frente, dar-se-á prosseguimento ao estudo da imunidade tributária, mormente a imunidade tributária dos fonogramas e dos videofonogramas musicais, prevista no art. 150, inciso VI, alínea e, da Constituição Federal, perpassando pelo teor da Emenda Constitucional nº 75/2013, responsável pela inserção do mencionado instituto no texto constitucional. Por fim, apreciar-se-ão a abrangência terminológica e os limites da EC nº 75/2013, bem como seus reflexos tributários.

1 Breves noções sobre imunidade tributária

A imunidade tributária é tradicionalmente estudada como uma limitação da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios ao poder de tributar, segundo os termos da própria Constituição Federal, já que esta inseriu a temática na Seção II, relativa às “Limitações ao Poder de Tributar”, do capítulo do “Sistema Tributário Nacional”, juntamente com os princípios constitucionais tributários.

Entretanto, a natureza jurídica e o conceito de imunidade tributária sofrem divergências no campo doutrinário, fazendo coexistirem posicionamentos diversos. Dentre eles estão os que entendem a imunidade como hipótese de não incidência constitucionalmente qualificada, os que acreditam ser uma limitação ao poder de tributar e os que a veem como supressão do poder tributário.

Para Borges (1980, p. 181), a imunidade tributária deve ser tida como hipótese de não incidência constitucionalmente qualificada, nesses termos:

“Regra imunizante configura, desta sorte, hipótese de não incidência constitucionalmente qualificada. Quando se destaca no ordenamento jurídico um setor normativo autônomo – as regras tributárias – a análise constata a existência de duas modalidades distintas pelas quais se manifesta o fenômeno denominado não-incidência: I) a não-incidência genérica ou pura e simples, e II) a não-incidência juridicamente qualificada ou especial; não-incidência por determinação constitucional, de lei ordinária ou complementar. A imunidade tributária inclui-se, pois, nesta segunda alternativa. A não-incidência pura e simples ocorre quando inexistentes os pressupostos de fato idôneos para desencadear a incidência, automática e infalível, de norma sobre a sua hipótese de incidência realizada concretamente (fato gerador). A não-incidência por imunidade constitucional decorre da exclusão de competência impositiva do poder tributário.”

Baleeiro (1992, p. 84), por sua vez, define as imunidades como sendo “vedações absolutas ao poder de tributar certas pessoas (subjetivas) ou certos bens (objetivas) e, às vezes, uns e outras”.

Discordando desse ponto de vista, Amaro (2013, p. 176) ensina que a imunidade tributária é a qualidade da situação que não pode ser atingida pelo tributo, em razão de norma constitucional que a deixou fora do campo sobre que é autorizada a instituição do tributo. Para ele, não se trata de uma amputação ou supressão do poder de tributar, pela razão de que, nas situações imunes, não existe (nem preexiste) poder de tributar.

Esse posicionamento assenta-se com as lições amplamente difundidas de Carvalho (2007, p. 195), que considera a imunidade tributária como a classe finita e determinável de normas jurídicas, contidas na Constituição Federal, que estabelecem expressamente a incompetência das pessoas políticas de direito constitucional interno para a expedição de regras instituidoras de tributos que alcancem situações específicas e suficientemente caracterizadas.

Destaque-se que esse entendimento é contrário à ideia de ser a imunidade uma limitação à competência tributária, posto que, quando estabelecida pela Constituição Federal, impede, desde logo, a competência dos entes dotados de possibilidade legiferante de editarem normas incidentes sobre determinadas situações.

“Ora, o que limita a competência vem em sentido contrário a ela, buscando amputá-la ou suprimi-la, enquanto a norma que firma a hipótese de imunidade colabora no desenho constitucional da faixa de competência adjudicada às entidades tributantes. Dirige-se ao legislador ordinário para formar, juntamente com outros mandamentos constitucionais, o feixe de atribuições entregue às pessoas investidas de poder político. (CARVALHO, 2007, p. 183)”

A imunidade tributária, pode-se dizer, é técnica legislativa por meio da qual o legislador constituinte exclui do campo tributável determinadas situações sobre as quais não quer a incidência de gravame fiscal (AMARO, 2013, p. 176).

O fundamento que permeia as imunidades é a preservação de valores reputados relevantes pela própria Constituição, que sobrelevam a eventual capacidade econômica revelada na situação. A importância da liberdade religiosa, do acesso à informação, da liberdade de expressão, do federalismo, por exemplo, justificam a não tributabilidade das pessoas ou das situações imunes.

Nesse diapasão, Duarte (2013, p. 253) afirma que as imunidades conferem direito público subjetivo às pessoas delas beneficiárias em não serem tributadas.

A Constituição Federal, no seu art. 150, inciso VI, discrimina algumas hipóteses de imunidades tributárias: a imunidade recíproca, que obsta a possibilidade de tributação do patrimônio, renda e serviços de cada pessoa política (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) pelas demais, tendo em vista o federalismo (alínea a); a imunidade dos templos, que impede que a tributação recaia sobre seu patrimônio, renda ou serviços, desde que relacionados às suas finalidades essenciais (alínea b); a imunidade dos partidos políticos, das fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, em relação ao seu patrimônio, renda ou serviços (alínea c); a imunidade dos livros, jornais, periódicos e do papel destinado a sua impressão (alínea d); e a imunidade dos fonogramas e dos videofonogramas musicais (alínea e).

Importante observar que a imunidade das entidades referidas na alínea c do inciso VI, do art. 150, da Constituição Federal, compreende somente o patrimônio, a renda e os serviços relacionados com suas finalidades essenciais, conforme prevê o § 4º do mesmo dispositivo. Ademais, o Código Tributário Nacional dispõe, em seus arts. 9º e 14, que tal imunidade é subordinada à observância dos requisitos neles contidos.

Cabe, para fins deste artigo, o estudo mais detalhado da imunidade tributária constante da alínea e do mencionado dispositivo, ou seja, a imunidade conferida aos fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros, bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, que será alvo de abordagem no tópico que segue.

2 A imunidade tributária instituída pela Emenda Constitucional nº 75/2013

Antes da entrada da Emenda Constitucional nº 75 no ordenamento jurídico brasileiro, no dia 15 de outubro de 2013, o inciso VI do art. 150, da Constituição Federal, era composto de quatro alíneas que açambarcavam quatro situações protegidas com regra imunizante. Com a edição da Emenda Constitucional nº 75/2013, o rol do inciso VI foi ampliado, passando a incluir, na alínea e, uma nova hipótese de imunidade no nosso atual sistema tributário nacional. O dispositivo agora possui a seguinte redação:

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“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:(…)

VI – instituir impostos sobre:

a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;

b) templos de qualquer culto;

c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;

d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.

e) fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, salvo na etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser.”

A “PEC da Música”, como era conhecida a Proposta de Emenda que deu origem à Emenda Constitucional nº 75/2013, foi, na realidade, um Projeto de Emenda Constitucional de 2007, de autoria do deputado Otávio Leite (PSDB/RJ), que foi aprovado pela Câmara dos Deputados, no dia 13 de dezembro de 2011, e pelo Senado Federal, no dia 24 de setembro de 2013. Foi transformado na Emenda Constitucional nº 75/2013, publicada no Diário Oficial da União do dia 16 de outubro do mesmo ano.

Segundo a justificação da Proposta, a iniciativa teve como finalidades: a) combate à contrafação (popularmente conhecida como pirataria); b) o revigoramento do mercado fonográfico brasileiro; e c) a difusão da cultura musical a todas as classes sociais do Brasil, em especial as menos privilegiadas.

Nesse documento, o deputado Otávio Leite consignou que o objetivo da PEC era estabelecer imunidade tributária para a produção musical brasileira, bem como a comercialização de seus suportes físicos e digitais, tendo como única restrição que as músicas sejam compostas ou gravadas por autores ou artistas brasileiros. Essa medida contribuiria para reverter o atual quadro de favorecimento da indústria da pirataria, valorizando os produtos legalmente produzidos e comercializados no País.

Ainda na justificação da PEC, o deputado colacionou números apresentados pela Associação Protetora dos Direitos Intelectuais Fonográficos, que mostraram que o Brasil, outrora detentor da 6ª (sexta) posição no ranking mundial de produtores fonográficos, hoje tem seu mercado reduzido ao 12º (décimo segundo) lugar neste mesmo universo, estando em 1º (primeiro) lugar no que diz respeito às perdas decorrentes da pirataria no segmento musical.

O deputado Otávio Leite argumentou, por fim, que o mercado nacional foi dominado por produtos ilegais e postos empregatícios informais, que provocaram uma imensa distância financeira entre o produto legal e o falsificado. A imunidade, nesse contexto, acabaria com o alto preço dos impostos que recaem sobre o produto original, retirando de cena esse fator que efetivamente torna desleal a concorrência entre ambos. De fato, a altíssima carga tributária que incidia sobre o produto original o tornava muito mais caro em relação ao produto pirata.

Por tais motivos, acreditou o parlamentar que a referida PEC, ao desonerar de impostos praticamente todas as fases do processo de produção de música composta e/ou gravada por artistas brasileiros e comercializada em seus diversos suportes, atenuaria a barreira econômica que pesava sobre o produto original, popularizando ainda mais o seu acesso às classes menos favorecidas do país. Na busca pela difusão e consolidação da cultura nacional, a PEC, apoiada fartamente pelos artistas brasileiros, ganhou força e transformou-se na Emenda Constitucional nº 75/2013.

A referida emenda constitucional, desse modo, estendeu o fenômeno da imunidade tributária por sobre os CDs e DVDs de músicas compostas e/ou gravadas por autores brasileiros e, ainda, outros suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, de modo a facilitar o acesso à cultura por todos, especialmente por aqueles que não têm condições financeiras.

2.1. Abrangência terminológica e limites da Emenda Constitucional nº 75/2013

A redação da nova alínea do inciso VI do art. 150, da Constituição Federal, contém informações bastante técnicas sobre a abrangência e, ao mesmo tempo, os limites da imunidade tributária, o que faz gerar diversas dúvidas por quem faz apenas uma leitura literal da norma. Necessário se faz, portanto, esmiuçar o conteúdo desta, para que seja compreendida em todos os seus aspectos.

Aduz a norma constitucional que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre:

a)    Fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil (…);

De acordo com o art. 5º, inciso IX, da Lei nº 9.610/1998 (Lei de Direitos Autorais), fonograma é “toda fixação de sons de uma execução ou interpretação ou de outros sons, ou de uma representação de sons que não seja uma fixação incluída em uma obra audiovisual”. Em termos mais simples, é a obra gravada. Cada faixa do CD ou DVD, por exemplo, compreende um fonograma distinto. A mesma obra cantada por um cantor diferente também é tratada como um fonograma distinto.

O videofonograma, por sua vez, é o registro simultâneo de som e imagem contido em mídias, como fitas de videocassete, digital video disc (DVD), blu-ray disc etc. Ora, se a norma imuniza o fonograma, que contém somente sons, com razão imuniza também o videofonograma, que contém sons e imagens, conferindo, por via de consequência, maior proteção contra as práticas criminosas de pirataria.

Atente-se para o fato de que os fonogramas e os videofonogramas devem ser produzidos no Brasil para que sejam alcançados pela imunidade tributária em comento.

b)    Contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros (…);

Segundo Costa Netto (1985, p. 41), obra musical é a síntese da melodia (emissão de um número indeterminado de sons sucessivos), da harmonia (emissão simultânea de vários sons – acordes) e do ritmo (sensação determinada por diferentes sons consecutivos ou diversas repetições periódicas de um mesmo som, marcando o andamento da melodia).

Ao afirmar que a originalidade da obra musical está na melodia, o autor explica:

“Assim, inegável que, dos três elementos constitutivos da obra musical, a melodia é a essencial. É essa, justamente, a característica mais peculiar em relação ao processo de criação da obra musical em relação às demais obras intelectuais: mais acentuadamente na criação melódica incide a sensibilidade, a inspiração, e não a reflexão ou comparação. Assim, não estaria afeta à melodia à inteligência e sim à sensibilidade. (COSTA NETTO, 1985, p. 41)”

Além dos três elementos fundamentais já vistos da obra musical, podem vir a integrá-la, também, o título e a letra.

No que cerne ao título, o art. 10, da Lei 9.610/1998, dispõe que “a proteção à obra intelectual abrange o seu título, se original e inconfundível com o de obra do mesmo gênero, divulgada anteriormente por outro autor”.

Com efeito, a obra formada apenas pela melodia, harmonia e ritmo pode ser definida como música ou obra musical. Quando a obra contém, além destes três elementos, o título e a letra, é possível defini-la como obra literomusical. Quando a obra é transformada e fixada em um suporte, fala-se em fonograma.

Mais uma vez a norma ressalta o elemento pátrio, ao citar que as obras musicais ou literomusicais contidas nos fonogramas ou videofonogramas devem ser de autores brasileiros, para que a imunidade tributária possa sobre elas fazer efeito.

c)    E/ou contendo obras em geral interpretadas por artistas brasileiros (…);

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O legislador derivado, explicitamente, previu que a imunidade tributária incide sobre os fonogramas e os videofonogramas musicais produzidos em nosso país, que contenham obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros.

Ao fazer esta distinção, a norma abre brecha para o surgimento de várias questões sobre o tema, como, por exemplo, a diferenciação entre os produtos musicais de artistas nacionais e estrangeiros.

Poderia, por ventura, incidir impostos sobre uma música de autoria de um brasileiro produzida no Brasil por um artista estrangeiro? Estariam imunizadas as músicas produzidas no Brasil por uma banda formada por integrantes brasileiros e estrangeiros, conjuntamente? Todas essas perquirições dependem de futura regulamentação pelo legislador infraconstitucional.

Por ora, convém ressaltar que uma regra imunizante não pode ser interpretada tão somente sob a ótica literal, mas sim de forma sistemática e teleológica, ou seja, consentânea com os princípios constitucionais envolvidos e o contexto a que se refere.

No caso sub examine, a norma que prevê a imunidade tributária dos fonogramas e dos videofonogramas musicais deve ser interpretada de maneira ampla, tendo em vista sua finalidade de disseminar e proteger a cultura nacional.

A propósito, a Constituição Federal, em seu o art. 23, inciso V, prevê que é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência.

Nesse contexto, a Associação Brasileira de Música Independente (ABMI) publicou um Comunicado sobre a Emenda Constitucional nº 75/2013, para seus associados, no intuito de esclarecer dúvidas e procedimentos a serem utilizados após a promulgação da Emenda. Em suas notas explicou que tanto a obra musical ou literomusical brasileira quanto o intérprete brasileiro, junta ou separadamente, são protegidos da tributação pela regra imunizante.

De acordo com a ABMI, pode-se depreender da análise da norma que as condições para incidência da imunidade são: obra musical ou literomusical brasileira e/ou intérprete brasileiro. Vale só a obra, vale só o intérprete. Noutro dizer, se o artista estrangeiro interpretar obras de produção brasileira estará abrangido pelo manto imunizante. Do mesmo modo, se o artista brasileiro interpretar obras estrangeiras, também estará protegido da tributação.

d)    Bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham (…);

A imunidade tributária instituída pela Emenda Constitucional nº 75/2013 também incide sobre as mídias físicas que dão vida às músicas, aos filmes e aos videoclipes, chamadas de suportes materiais. Esses suportes nada mais são que os meios pelos quais os fonogramas e os videofonogramas se materializam, a exemplo dos CDs, DVDs e blu-ray.

No entanto, nem sempre os fonogramas e os videofonogramas são fixados em um suporte material. É o que acontece com os arquivos digitais, que permitem visualizar, reproduzir e difundir, através de uma rede informática ou pela Internet, quaisquer dados, no caso, os fonogramas e os videofonogramas musicais. Logo, são imunizadas as músicas baixadas pela Internet, os aplicativos de música para celular e tablet, etc.

e)    Salvo na replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser.

O alcance da imunidade é limitado pela ressalva constante na parte final do preceito, por força da qual a incidência de impostos é admitida na etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser. Por replicação de mídias entende-se o processo industrial de multiplicação da matriz de CD ou DVD em cópias idênticas. Destaque-se, ainda, o fato de que os dispositivos de armazenamento por meio óptico são os mais utilizados para o armazenamento de informações multimídia, sendo amplamente aplicados no armazenamento de filmes, música, etc.

Essa exceção não constava no texto original da PEC da Música, tendo sido inserida por ocasião do substitutivo apresentado pelo Deputado José Otávio Germano, relator da Comissão Especial, durante a tramitação da proposta.

Considerando o dever de apoiar e incentivar a valorização e a difusão das manifestações culturais de nosso país, o relator da Comissão Especial, em seu voto, concluiu que a nova redação aperfeiçoa o texto original da PEC, ao resguardar a produção industrial de CDs e DVDs na Zona Franca de Manaus, com a manutenção da exclusividade do benefício fiscal na etapa de replicação.

O texto original da PEC da Música trazia a imunidade tributária sobre os fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros, bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, sem qualquer ressalva no sentido de resguardar a produção industrial da Zona Franca de Manaus (ZFM).

Os representantes da Zona Franca de Manaus temiam que a instituição dessa imunidade para todo o território nacional levasse à evasão de indústrias de seu território. Isso porque a ZFM conta com um conjunto de incentivos fiscais e extrafiscais, ofertados especialmente na tentativa de atrair e fixar investimentos em sua área de abrangência, mediante ação conjunta entre o Governo Federal (arts. 40 e 92, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias) e o Governo do Estado do Amazonas (Lei Estadual nº 2.826/2003).

Impende ressaltar que essa ação conjunta se efetiva, de um lado, pelo Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, em seu art. 40, que estabelece a manutenção das características de área livre de comércio, de exportação e importação, e de incentivos fiscais, conferidas à Zona Franca de Manaus, pelo prazo de 25 anos a contar da promulgação da Constituição Federal, acrescidos de mais 10 anos pelo art. 92 do mesmo Ato, e de outro lado, pelo Governo do Estado do Amazonas, através da Lei Estadual nº 2.826/2003, que regulamenta a Política Estadual de Incentivos Fiscais e Extrafiscais, nela compreendida a Zona Franca de Manaus.

A inclusão da parte final do preceito fez com que a exclusividade do benefício fiscal na etapa de replicação industrial, concedido aos produtores da Zona Franca de Manaus, continuasse salvaguardada. Dessa forma, limitou-se o âmbito da proposta original e aprovou-se a PEC da Música, com insignificante votação contrária da bancada política da ZFM.

Apesar disto, o Governador do Estado do Amazonas propôs a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.058, com pedido de medida cautelar, perante o Supremo Tribunal Federal, em face da Emenda Constitucional nº 75/2013, sustentando que esta viola os arts. 5º, XXXVI, 60, § 4º, e 151, I, da Constituição Federal, e os arts. 40 e 92 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, ao esvaziar, de forma drástica, o modelo de incentivo regional da Zona Franca de Manaus.

O Estado do Amazonas, em suma, pugna pela declaração de inconstitucionalidade da Emenda Constitucional nº 75/2013 ou, subsidiariamente, a atribuição de interpretação conforme a alínea e do inciso VI do art. 150, da Constituição Federal, para (a) limitar a imunidade tributária à Zona Franca de Manaus durante o prazo de vigência do art. 40 do ADCT de 1988 e (b) reduzir a interpretação da locução “suportes materiais” às mídias ópticas de leitura a laser. A ADI nº 5.058-DF, proposta em 18 de outubro de 2013, ainda encontra-se em trâmite na Corte Suprema.

2.2. Impostos afastados pela imunidade tributária dos fonogramas e videofonogramas musicais

De posse da melhor compreensão a ser retirada da regra do art. 150, inciso VI, alínea e, da Constituição Federal, resta saber, em termos práticos, quais tributos devem ser afastados pela imunidade e quais tributos continuam a incidir normalmente sobre os fonogramas e os videofonogramas musicais.

A princípio, faz-se mister salientar que as imunidades tributárias previstas no art. 150, inciso VI, da Constituição Federal, somente são aplicáveis aos impostos, não alcançando as taxas nem outra espécie de tributos, segundo assentou a própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, em sede do julgamento do Recurso Extraordinário nº 424.227/SC e de tantos outros que o sucederam.

O mesmo não ocorre com outras hipóteses de imunidades previstas pela Carta Magna, já que podem afastar outras espécies de tributos, além dos impostos. Como exemplo, têm-se o art. 151, inciso I, conhecido como princípio da uniformidade geográfica, que contempla a imunidade do tributo como gênero, e o art. 195, § 7º, que se refere à imunidade de contribuições para a seguridade social.

Com efeito, a imunidade dos fonogramas e dos videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros, bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, afasta a incidência dos impostos já criados, especialmente o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o Imposto de Renda (IR) e o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), e de qualquer outro imposto que venha a ser criado e que possa onerar o comércio da música gravada, seja por que meio for. Assim, continua viável a cobrança de todos os demais tributos, como IPVA, IPTU, COFINS, PIS/PASEP, etc.

Necessário observar que a música brasileira passa pelos processos de criação e produção até a distribuição e venda aos consumidores finais, seja em suportes físicos, como os CDs, DVDs, blu-rays, etc., seja em formatos digitais, por telefonia móvel ou por internet.

Para o conhecimento dos reflexos tributários que a Emenda Constitucional nº 75/2013 proporcionou aos contribuintes, impõe-se a análise da incidência dos impostos sobre o processo da música brasileira, em todas as suas fases, aqui tomados como parâmetros os suportes materiais ou físicos.

Pois bem. A fase de produção dos CDs, DVDs e blu-rays estaria sujeita, naturalmente, à incidência do IR e do ISS, uma vez que o item 13.02 da Lista Anexa à Lei Complementar nº 116/2003 prevê como serviço passível de cobrança de ISS a “fonografia ou gravação de sons, inclusive trucagem, dublagem, mixagem e congêneres”. A partir da Emenda Constitucional nº 75/2013, quem executa essas atividades de produção não está mais obrigado ao recolhimento dos referidos impostos.

Produzidos os CDs, DVDs e blu-rays, passa-se à fase de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser, ou seja, a multiplicação da matriz em cópias idênticas. Aqui, incidirão normalmente o ICMS e o IPI, por força da ressalva contida na parte final da regra imunizante ora estudada, observados os benefícios fiscais concedidos à Zona Franca de Manaus.

A terceira e última fase consiste na distribuição e venda dos CDs, DVDs e blu-rays, sobre a qual incidiria o ICMS e o IR gerado com a venda desses produtos. Contudo, a Emenda Constitucional nº 75/2013 faz com que seja afastada a incidência de tais impostos nessa fase.

Importa salientar, por fim, que a operação de circulação desses suportes materiais está sujeita à sistemática da substituição tributária, regime pelo qual a responsabilidade pelo ICMS é atribuída a outro contribuinte, no caso o fabricante. No entanto, isso não faz com que o mencionado imposto passe a ser devido. Pelo contrário, o ICMS, devido na fase posterior (venda) e retido na fonte na fase anterior (fábrica), também é afastado pela imunidade.

Considerações finais

Após o detalhamento do tema proposto no presente artigo, foi visto que a Emenda Constitucional nº 75/2013 acrescentou a alínea “e” ao inciso VI do art. 150 da Constituição Federal, instituindo a imunidade tributária sobre os fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros, bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham.

A fase de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser, no entanto, continua sofrendo normalmente os efeitos da tributação, por força da ressalva contida na parte final do mencionado dispositivo constitucional. Essa exceção se fundamenta na política de incentivos fiscais, a níveis federal e estadual, de que goza a Zona Franca de Manaus.

Observa-se que a EC nº 75/2013, ainda que tardiamente, estendeu o fenômeno da imunidade tributária por sobre os CDs e DVDs de músicas compostas e/ou gravadas por autores brasileiros e, ainda, outros suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, de modo a facilitar o acesso à cultura por todos, especialmente por aqueles que não têm condições financeiras. Ao fazer isso, pretendeu difundir e consolidar a cultura nacional.

Semelhante propósito já havia sido almejado pela Constituição Federal quando da instituição da imunidade tributária sobre livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão. O legislador constituinte reforçou o incentivo à educação, à cultura e à ciência e efetivou a livre manifestação de pensamento (art. 5º, IV, da CF/88), a livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação (art. 5º, IX, da CF/88) e o acesso à informação (art. 5º, XIV, da CF/88).

A Emenda Constitucional nº 75/2013 nada mais fez do que equiparar, em termos tributários, a produção musical brasileira aos outros produtos culturais, como livros e revistas.

A imunidade tributária na produção de música no Brasil é de extrema importância neste momento de recursos escassos, de baixo consumo e, principalmente, de combate à pirataria física e digital, que impera nos tempos hodiernos, prejudicando os pequenos produtores e artistas brasileiros.

Na prática, a imunidade instituída pela EC nº 75/2013 proporciona aumento nominal de remuneração para autores e artistas brasileiros, tendo em vista que não são mais descontados os impostos da base de cálculo dos direitos autorais e artísticos sobre vendas de música. Para os consumidores, o preço final do produto (CDs, DVDs, blu-rays, etc.) se torna mais convidativo, fazendo-os optar pelo produto original ao invés do falsificado. Para os produtores fonográficos, a medida acarreta maior crescimento dos investimentos em música brasileira, principalmente no lançamento de novos artistas.

Por tudo exposto, conclui-se que a imunidade tributária dos fonogramas e dos videofonogramas musicais gera benefícios para autores e artistas brasileiros, produtores fonográficos e para todos aqueles que trabalham no mercado musical, como também para os consumidores finais. Além disso, do ponto de vista macro, a referida imunidade corrobora com a disseminação e a proteção da cultura nacional.

 

Referências:
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______. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 424.227/SC. Rel. Min. Carlos Velloso. Segunda Turma. Julgado em 24/08/2004. DJ 10/09/2004. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=368448>. Acesso em: 15 jul. 2016.
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COSTA NETTO, José Carlos. Os direitos de autor e os que lhes são conexos na obra musical. Dissertação (Mestrado em Direito Civil). Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. 1985.
DUARTE, Francisco Leite. Direito Tributário Aplicado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.

Informações Sobre o Autor

Rayssa Vieira Henriques Marinho

Advogada. Graduada em Direito pela Universidade Federal da Paraíba. Pós-graduada em Direito Tributário e Processo Tributário pela Escola Superior de Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Paraíba


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