Sumário: 1 – Introdução; 2 – Hipoteca; 3 – Direitos reais e direitos pessoais; 4 – Recurso Especial nº 314.122 – PA; 5 – Recurso Especial nº 415.667 – SP; 6 – Divergência de votos no Recurso Especial 578.981 – GO sobre a validade da hipoteca; 7 – Conclusões; 8 – Bibliografia.
1 – Introdução
O presente trabalho tem o escopo de analisar a validade da hipoteca firmada entre o agente financeiro e a construtora ou incorporadora, firmando esta um contrato de compra e venda das unidades habitacionais com os adquirentes finais.
Nesse sentido, a questão que se coloca é a seguinte: a hipoteca que surge decorrente da garantia da instituição financeira em benefício da incorporadora ou da construtora, liberando recursos para o empreendimento imobiliário, tem validade diante do terceiro adquirente de boa-fé que pagou em dia o seu bem e finalizou a quitação?
Para responder essa questão, o método de abordagem do tema proposto consiste na eleição de dois acórdãos julgados pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça divergindo sobre o entendimento da matéria a ser tratada, e um acórdão na qual houve a divergência entre os votos dos ministros.
Nesta senda, os excertos jurisprudenciais escolhidos foram o Recurso Especial nº 314.122 – PA, da relatoria do Ministro Ari Pargendler, julgado em 27 de junho de 2002 e, em divergência o Recurso Especial nº 415.667 – SP, da relatoria do Ministro Aldir Passarinho Junior, julgado em 20 de fevereiro de 2003.
Portanto, o enfoque do trabalho será dado a fim de esclarecer a divergência do tribunal superior, entretanto, antes disso, será necessário verificar os fundamentos da hipoteca, bem como os direitos reais e pessoais. Finalizando, a análise da divergência de votos de um acórdão do Superior Tribunal de Justiça tratando da eficácia da hipoteca.
2 – Hipoteca
Instituto criado para servir de garantia ao financiador de um crédito, na qual o imóvel fica vinculado ao credor através de um direito que segue o bem alienado, é a figura mais importante de todo o conjunto dos chamados direitos reais de garantia.[1]
A hipoteca confere ao credor um direito de seqüela,[2] permanecendo a garantia, ainda que alienado o bem,[3] assim, o adquirente do imóvel, deverá liquidar a dívida que onera o bem extinguindo o gravame. Por ser uma garantia indivisível, persiste enquanto não extinta a obrigação.[4]
Possui, assim, o credor hipotecário, o direito de executar o terceiro adquirente do imóvel hipotecado, sendo este bem objeto de sua garantia, independente de não mais pertencer ao primitivo titular que contraiu a hipoteca.
Em relação à hipoteca e sua eficácia processual, Humberto Theodoro Júnior[5] adota que a instituição da garantia real, como a hipoteca, opera-se na verdade, no campo da atividade negocial das partes, pertence ao direito substancial, sendo sua atuação e eficácia manifestadas apenas dentro do mundo do processo.
Segundo Tupinambá Nascimento:
“[…] a hipoteca é um direito que se realiza em favor de um credor sobre coisa normalmente imóvel, pertencente ao devedor, se consubstanciado tal direito no poder do credor de sujeitar a coisa, de forma coativa, ao pagamento preferência da dívida garantida, e se caracterizando o direito do credor como direito real, oponível contra todos.”[6]
O artigo 3.108 do Código Civil Argentino define hipoteca da seguinte forma: “La hipoteca es el derecho real constituído em seguridad de um crédito em dinero, sobre los bienos inmuebles, que continúan em poder del deudor”.
Edmundo Gatti e Jorge H. Alterini adotam o seguinte entendimento: “La hipoteca es, pues, un derecho real accesorio de un crédito, en función de garantia, sin desplazamiento de la cosa inmueble sobre la que recae, que continúa en poder del dueño.[7]
Assim, a hipoteca cria um direito real de garantia sobre a coisa, conferindo ao credor hipotecário a um direito de perseguir o bem, onde quer que ele se encontre, isto é, o imóvel continua vinculado ao pagamento da dívida, de modo que o comprador poderá perder o direito à propriedade do bem adquirido, mesmo agindo de boa-fé, caso o valor não seja pago.
3 – Direito real e direito pessoal
Os direitos reais traduzem relação jurídica entre uma coisa, ou um conjunto de coisas, e um ou mais sujeitos, pessoas naturais ou jurídicas, já o direito pessoal une dois ou mais sujeitos.[8]
Sobre as relações dos direitos reais e direitos pessoais Edmundo Gatti e Jorge H. Alterini sustentam:
“Entre los derechos personales y reales, aparte de la semejanza y las diferencias enunciadas, se aprecian algunas relaciones o vinculaciones, de las cuales expondremos las más relevantes. Muchas veces el derecho personal se convierte en el camino para llegar al derecho real, por ejemplo, el contrato de compra y venta que genera derechos personales (obligaciones de entregar la cosa vendida y de pagar su precio), es la mismo tiempo uno de los requisitos necesarios para el nacimiento del derecho real (título suficiente). Cuando el deudor de la obligación de entrega, cumple su prestación (tradición de la cosa), queda satisfecho el otro requisito impuesto por la ley para la constitución del derecho real (modo suficiente). En ciertos derechos reales, como los de garantía, el derecho personal es camino obligado para alcanzar el derecho real, pues el Código Civil no los admite con otra fuente que la convencional. Determinada categoría de derechos reales cumple una función accesoria de derechos personales; aludimos a los derechos reales de garantía (hipoteca, prenda y anticresis.)”[9]
O direito real é um direito absoluto[10], cuja finalidade é dar publicidade a terceiros, ou seja, eficácia erga omnes[11] decorrente do registro público do bem, conforme o art. 1.227 do Código Civil de 2002: “Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por ato entre vivos, só se adquirem com o respectivo registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (art. 1.245 a 1.247).”
Sendo assim, a condição para que o compromisso de compra e venda adquira conteúdo de direito real é que ocorra o registro constituindo a publicidade[12] do ato. Não sendo registrado, adquire meramente direito de caráter pessoal, não possuindo portando eficácia perante terceiros.
Dessa forma, os direitos pessoais são relativos, isto é, são oponíveis apenas a pessoa obrigada, a quem cabe uma prestação de execução voluntária ou coativamente. Ao credor surge o direito de exigir coativamente, ou seja, em juízo, caso o devedor não cumpra espontaneamente uma obrigação[13].
4 – Recurso Especial nº 314.122 – PA
O acórdão do Recurso Especial nº 314.122 – PA na qual foi o relator o Ministro Ari Pargendler recebeu a seguinte ementa:
“CIVIL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. HIPOTECA ANTERIOR. Se, à data da promessa de compra e venda, o imóvel já estava gravado por hipoteca, a ela estão sujeitos os promitentes compradores, porque se trata de direito real oponível erga omnes; o cumprimento da obrigação de escriturar a compra e venda do imóvel sem quaisquer onerações deve ser exigida de quem a assumiu, o promitente vendedor. Recurso especial conhecido, mas não provido.”
O relator inicia seu voto destacando que os autores adquiriram um imóvel da construtora, pagando parceladamente até sua quitação, e que o Cartório de Imóveis recusou-se a lavrar a escritura do bem, em virtude de uma hipoteca registrada em favor da Caixa Econômica Federal.
O juiz de primeiro grau sentenciou a favor dos autores, decretando a nulidade da hipoteca, a decisão foi reformada no Tribunal a quo sob o seguinte fundamento:
“[…] O imóvel adquirido pelos apelados havia sido hipoteca antes da venda do apartamento e a CEF não participou do negócio de nenhuma forma pois o pagamento foi feito integralmente junto à Construtora. […] A apelante, por sua vez, possui um título extrajudicial líquido, certo e exigível. Título este vencido e não pago, representado por um contrato de mútuo com hipoteca, lavrado em Escritura Pública no competente Cartório de Ofício de Imóveis, o direito existente é erga omnes. Não pode o judiciário impedi-lo.”(grifo nosso)
Acompanhando a decisão do Tribunal a quo, o Ministro Ari Pargendler conclui sua decisão validando a hipoteca sob o seguinte argumento:
“[…] o terreno sobre o qual o prédio fora edificado já estava hipotecado. No respectivo contrato, constou cláusula autorizando a construtora a contrair empréstimo para ultimar a obra, mediante hipoteca da unidade residencial. […] A promitente vendedora não se valeu da referido cláusula, porque na data do ajuste, o imóvel já estava gravado por hipoteca, e os promitentes compradores tinham meios de se prevenir das onerações daí decorrentes. Bastava-lhes consultar o Registro de Imóveis, para convencerem-se de que faltava segurança jurídica ao negócio. Pagando integralmente o preço, sem exigir nenhuma garantia da promitente vendedora, quanto à obrigação de liberar o apartamento da hipoteca, não podem exigir da Caixa Econômica Federal, terceiro de boa-fé, o respectivo cumprimento. Voto, por isso, no sentido de conhecer do recurso especial, pela divergência, negando-lhe provimento.”
Adotando esse posicionamento, a hipoteca outorgada, em data anterior à celebração da promessa de compra e venda, e registrada no contrato de mútuo com garantia na matrícula do imóvel, os compradores desse imóvel poderiam saber antecipadamente, mediante simples certidão no Cartório de Registro de Imóveis que o bem estava alienado.
Dessa forma, quem adquire um imóvel gravado com uma hipoteca, deve estar preparado para, eventualmente, responder por crédito assegurado por uma garantia imobiliária, havendo assim, um expresso consentimento desse risco.
Com efeito, verifica-se a eficácia da garantia hipotecária, vez que a hipoteca é direito real e obviamente tem mais força do que o direito pessoal. Cabe demonstrar que os tribunais já decidiram dessa forma em algumas oportunidades.[14]
Portanto, diante do acórdão em questão, acordaram os Ministros da Terceira Turma[15] do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer o recurso especial, mas lhe negar provimento em desfavor ao particular, demonstrando, dessa forma, a validade da hipoteca.
5 – Recurso Especial nº 415.667 – SP
O Recurso Especial nº 415.667 – SP[16] foi proposto pelo Banco do Estado de São Paulo S/A – BANESPA e, a outra parte como recorrido o Sr. Giuseppe Lucchesi, no qual constou a seguinte ementa:
“CIVIL. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. HIPOTECA INCIDENTE SOBRE UNIDADES AUTONOMAS. PAGAMENTO INTEGRAL DO DÉBITO PELO PROMITENTE COMPRADOR. CONSTRUTORA QUE NÃO HONROU SEUS COMPROMISSOS PERANTE O BANCO FINANCIADOR DO EMPREENDIMENTO. EXECUÇÃO. PENHORA.
I. O adquirente de unidade habitacional pelo S.F.H. somente é responsável pelo pagamento integral da dívida relativa ao imóvel que adquiriu, não podendo sofrer constrição patrimonial em razão do inadimplemento da empresa construtora perante o banco financiador do empreendimento, posto que, após celebrada a promessa de compra e venda, a garantia passa a incidir sobre os direitos decorrentes do respectivo contrato individualizado, nos termos do art. 22 da Lei n. 4.864/65. II. Precedentes do STJ. III. Recurso especial não conhecido.”
O relator, Ministro Aldir Passarinho Junior, inicia seu voto alegando que a matéria já foi bastante debatida no âmbito do Superior Tribunal de Justiça. Cita como exemplo uma série de decisões pretéritas[17] que destacam a não incidência da garantia hipotecária diante do terceiro adquirente da unidade imobiliária.
Ressalta o ministro, que embora os adquirentes cientificados da existência de uma hipoteca, no contrato de promessa de compra e venda, sobre a cessão do crédito, a sua relação jurídica se fez com a construtora.
Concluindo em seu voto, que a responsabilidade de zelo pelo empréstimo concedido à construtora cabia ao agente financiador, assim: “Não o fez, todavia, daí a sua omissão, negligência, não pode nem deve ser suportada por quem não lhe causa.” Entendendo em não conhecer o recurso.
Fica bastante claro, que o promitente comprador tinha conhecimento que a unidade habitacional que estava adquirindo possuía um garantia real.
O incorporador ou construtor, promove a elaboração das peças de natureza jurídica, técnica, econômica e financeira relativas à implementação do negócio relacionadas no art. 32 da Lei nº 4.591/64, que dispõe sobre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias[18].
Importante ressaltar, que para poder negociar as unidades autônomas a incorporadora precisa apresentar os seguintes documentos: certidão de matricula do imóvel, a vintenária[19] e a de ônus reais, os quadros de áreas das futuras unidades imobiliárias autônomas, o orçamento, o custo unitário imputável às diversas unidades, declarações de idoneidade financeira passadas por instituições financeiras, etc.
Reunidos esses documentos, eles compõem o Memorial de Incorporação sendo levado para o Registro de Imóveis, efetuando o registro da incorporação. O registro, juntamente com o arquivamento do memorial, constitui ato básico do negócio de incorporação imobiliária, é ato preliminar, requisito legal, fundamental para o exercício da atividade de incorporador.[20]
Ora, pode ser que o imóvel a ser negociado esteja hipotecado junto a um agente financeiro, importante ressaltar que a incorporadora, já no curso da edificação ou antes de iniciada construção pode adquirir recursos para o empreendimento.
Assim, na compra do imóvel, ele continuará hipotecado, mesmo que o promitente comprador pague totalmente seu débito com a incorporadora, sendo extinta a garantia hipotecária até que seja totalmente pago o financiamento contraído pelo incorporador junto ao banco financiador, que é o titular da hipoteca.[21]
6 – Divergências de votos no Recurso Especial 578.981 – GO sobre a validade da hipoteca
Em decisão recente, os Ministros da Terceira Turma do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, por maioria, sob a relatoria da Ministra Nancy Andrighi(voto vencido), conheceram em parte do recurso especial e, nessa parte, deram-lhe provimento[22].
A eminente Ministra Nancy Andrighi, inicia seu voto no acórdão, em relação à ineficácia da hipoteca, manifestou-se da seguinte forma:
“Este Superior Tribunal de Justiça vem relativizando a eficácia da hipoteca, por entender que algumas demandas trazem delineamentos que modificam a interpretação literal da lei. Ressalte-se que essa tendência de forma alguma representa decisão contra a lei, ao contrário, representa julgamento em conformidade com as finalidades sociais do ordenamento jurídico, representa interpretação sistemática da norma, significa aplicar o direito à espécie. Os precedentes deste Superior Tribunal de Justiça distinguem duas situações: a hipoteca que é constituída em data anterior à celebração do compromisso de compra e venda e a hipoteca constituída em data posterior. Na segunda hipótese, é pacífico o entendimento que declara a nulidade da garantia real. Entretanto, na primeira hipótese, outros aspectos devem ser considerados. Se os recursos ofertados pelo agente financeiro à construtora foram oriundos do SFH, a hipoteca não tem eficácia perante o terceiro adquirente da unidade imobiliária […]”.(grifo nosso)
Por fim, a ministra conclui seu posicionamento em relação à hipoteca do terceiro adquirente de boa-fé em relação ao bem gravado:
“[…] nosso ordenamento jurídico protege o terceiro de boa-fé e tal proteção deve subsistir mesmo quando se discute a eficácia do direito real de garantia. Diferente do que entendeu o recorrente, não se está privilegiando um direito pessoal representado pelo compromisso de compra e venda em detrimento de um direito real (hipoteca). Na verdade, o posicionamento adotado é no sentido de privilegiar a boa-fé do terceiro adquirente. Ademais, defende-se apenas a ineficácia da hipoteca perante o terceiro adquirente de boa-fé e não seu cancelamento. A hipoteca em favor da recorrente, CEF, subsiste, todavia, não surte efeitos perante o terceiro adquirente que não tinha conhecimento do gravame quando celebrou compromisso de compra e venda e acreditou nos termos do contrato, respondendo o devedor do empréstimo com outros bens de seu patrimônio. Acrescente-se que não é do perfil do comprador brasileiro adotar a prática de dirigir-se ao Cartório de Registro de Imobiliário, principalmente quando há cláusula expressa de inexistência de ônus. Ausente a cláusula poderia trazer alguma dúvida, contudo a sua presença impõe a aplicação do princípio da boa-fé e lisura no ato de contratar, desaparecendo o temor do risco na transação.”(grifo nosso)
Diante do voto da ministra, o questionamento a ser feito seria: qual a validade da hipoteca? Pois, dessa maneira, é um mero direito pessoal, isto é, não é possível um direito de garantia sem natureza real, basta o adquirente alegar boa-fé, sem tomar os cuidados necessários, e sua unidade não estará sujeita a qualquer execução hipotecária.
O que sua decisão fez foi afirmar que a hipoteca de bens imóveis não é eficaz contra os promitentes compradores, ou seja, afirmou no julgado que o direito real que existe sobre o imóvel não é erga omnes, mas sim direito pessoal contra a construtora.
Entretanto, a boa-fé não pode ter o alcance que propõe seu voto, é inadmissível recompensar o promissário comprador dada a alegação que “não é do perfil do comprador brasileiro“ da não ciência do risco, em detrimento do credor hipotecário, que nada teve com a avença, apenas busca o seu direito de reaver seu crédito devidamente quitado[23].
Em divergência com o voto vencido, segue o voto vencedor do Ministro Castro Filho:
“Parece-me que, no caso, a hipoteca é um instituto que deve continuar merecendo o devido prestigio. Houve a hipoteca, trata-se uma relação negocial entre empresas e, ainda que envolvesse um particular não me alteraria a conclusão. […] Cabia, então, ao comprador, não apenas se acomodar, como fez, mas verificar a situação do imóvel. Havendo já uma hipoteca, e tendo em vista o seu efeito de seqüela, de acompanhar o imóvel em mãos de quem quer que esteja, não poderia se contentar em fazer o negócio.”(grifo nosso)
Na linha de raciocínio do ministro, o adquirente só não toma conhecimento da hipoteca sendo relapso, negligente. Assim, age, no mínimo com culpa, por isso deve arcar com a responsabilidade decorrente da sua falta de cuidado no momento de fazer o negócio.
No mesmo sentido, segundo Bruno Mattos e Silva:
“Não se trata de proteção àquele que é ingênuo (boa-fé subjetiva), mas de proteger aquele que mesmo tomando todas as cautelas devidas (boa-fé objetiva), não descobriu que o negócio era juridicamente inviável: este sim é o comprador de boa-fé! O Direito, assim não protege o incauto, que deve sofrer as conseqüências de sua desídia. Em outras palavras, a existência ou não de boa-fé será constatada pela resposta à seguinte indagação: tinha condições o comprador de, tomando todas as cautelas possíveis, saber da inviabilidade jurídica da compra? Se negativa a resposta, a boa-fé é presumida e, portanto, deve ser prestigiada.” [24]
7 – Conclusões
Diante dos acórdãos mencionados, importante frisar a súmula 308 do Superior Tribunal de Justiça, publicada em 25 de abril de 2005, trazendo a seguinte orientação jurisprudencial: “A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não eficácia perante os adquirentes do imóvel”.
Ora, o entendimento sumulado pelo tribunal superior, responde a pergunta efetuada na introdução, a hipoteca, garantia imobiliária através do qual o devedor hipotecante dá em garantia de uma determinada dívida um bem imóvel em favor do credor hipotecário, não tem validade em favor do promitente comprador do imóvel.
Com efeito, o crescimento do risco do agente financeiro na concessão de crédito em favor do incorporador, é evidente, pois o direito real de garantia que envolve a hipoteca torna-se inócuo, em benefício dos adquirentes das unidades imobiliárias independente se a promessa de compra e venda se efetuou anteriormente ou posteriormente ao registro de imóveis para conhecimento público.
Portanto, mais questões podem ser levantadas, qual a validade da hipoteca diante do sistema atual? O promissário comprador não deve conhecer o sistema, ou ignorar a existência dele, alegando boa-fé ? A instituição financeira assume, dessa forma, todos os riscos da inadimplência do incorporador/construtor ? Ainstituição financeira deve acompanhar a venda do imóvel para garantir seu crédito, agindo assim, então qual o objetivo do direito real de garantia ?[25]
Diante disso, o Superior Tribunal de Justiça em solução favorável aos adquirentes de imóvel, atribuindo essa decisão, julgou ignorando toda sistemática jurídica que rege a incorporação imobiliária, negando vigência dos dispositivos legais que disciplinam a hipoteca como um direito real de garantia.
Informações Sobre o Autor
Valdenir Cardoso Aragão
Advogado, Especialista em Direito Empresarial e Mestrando em Processo Civil, ambos pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.