1 Introdução
Partindo-se de um conceito não muito burilado, porém de grande alcance, aceitação e utilização pelos juristas, que estabelece o direito como sendo um ordenamento que visa regular a conduta humana de forma externa, bilateral e coercitiva, subsume-se que, nos dizeres de KARL ENGISH, o direito se ocupa da vida1.
Na conformidade do tridimensionalismo do direito, preconizado aqui entre nós por MIGUEL REALE, toda norma jurídica pressupõe um fato e um valor antecedentes à sua elaboração. Que fatos seriam estes então? Obviamente os fatos da vida humana, relevantes para o direito.
Tem-se, pois, que o objetivo do direito, como ordenamento, é regular a vida e a conduta de todo e qualquer indivíduo, através de um complexo de normas jurídicas gerais e abstratas, pela sua própria natureza.
Então, em decorrência das colocações acima, percebe-se que não há norma jurídica sem finalidade. Toda norma foi editada, assim, para incidir e ser aplicada, tendo em vista a valoração de fatos prévia e genericamente considerados. Sobre a incidência e aplicação das normas jurídicas tratar-se-á oportunamente.
Há que se considerar, mais uma vez, que não somente da vida e conduta das pessoas se preocupa o direito, mas também com a atividade do Estado.
Considere-se, ainda, em caráter propedêutico, que as normas jurídicas são elaborações, partindo-se de situações genéricas e abstratas, a incidirem-se a casos específicos e concretos. Por isso mesmo, do conceito de norma jurídica, pode-se extrair que a lei é geral e abstrata.
Obviamente, antes de aplicar a lei ao caso concreto que se lhe apresenta, cabe ao julgador observar a hipótese de incidência, ou seja, analisar o sentido e o alcance das expressões do direito2 contidas na norma (Hermenêutica Jurídica), e, após conhecidos e identificados tais termos e expressões, proceder à interpretação jurídica, ou seja, revelar o sentido da norma.
Muito embora não se trate do objeto deste estudo, mas pela sua íntima relação, transcrever-se-á abaixo três conceitos, o primeiro acerca da hermenêutica jurídica e outros dois acerca da interpretação jurídica, a saber:
Entende CARLOS MAXIMILIANO que a hermenêutica jurídica tem por objeto o estudo e a sistematização dos processos aplicáveis para determinar o sentido e o alcance das expressões do direito3.
Para CLÓVIS BEVILÁQUA interpretar a lei é revelar o pensamento que anima as suas palavras4, e, nos dizeres de ESPÍNOLA, interpretação é a declaração precisa do conteúdo e do verdadeiro sentido das normas jurídicas5.
O leitor já deve ter percebido, e há que ficar consignado, que este trabalho preocupa-se com a aplicação do direito feita pelo juiz de direito, não como um homem comum, mas como membro do Poder Judiciário6. Diz-se isto, eis que já se deve ter percebido, pela própria conceituação do tema – Aplicação do Direito –, que todos durante a vida aplicam o direito, até mesmo nos mais pequenos e singelos atos da vida, ou como diz MARIA HELENA DINIZ, o juiz aplica as normas gerais ao sentenciar; o legislador, ao editar leis, aplica a Constituição; o Poder Executivo, ao emitir decretos, aplica norma constitucional; o administrador ou funcionário público aplica sempre normas gerais ao ditar atos administrativos; simples particulares aplicam norma geral ao fazer seus contratos e testamentos7.
Assim é que, como dito acima, neste estudo dar-se-á ênfase à aplicação do direito feita pelo juiz de direito, ao ter de aplicar uma norma jurídica a um caso concreto, a um fato da vida, sobre o qual a mesma incidiu, o que faz por meio da subsunção desse fato à norma.
2 Aplicação do direito. Noções gerais
2.1 Conceito
Para CARLOS MAXIMILIANO, a aplicação do direito consiste no enquadrar um caso concreto em a norma jurídica adequada. Submete às prescrições da lei uma relação da vida real; procura e indica o dispositivo adaptável a um fato determinado. Por outras palavras: tem por objeto descobrir o modo e os meios de amparar juridicamente um interesse humano8.
Já para KARL ENGISH, a aplicação do direito é a determinação in concreto daquilo que é realmente devido ou permitido, o que é feito de um modo autoritário pelos órgãos aplicadores do direito, pelo direito mesmo instituídos, isto é, através dos tribunais e das autoridades administrativas, sob a forma de decisões jurisdicionais e actos de administração9.
Entende MIGUEL REALE que o termo aplicação do direito reserva-se, entretanto, à forma de aplicação feita por força da competência de que se acha investido um órgão, ou autoridade. Afirma, ainda, que a aplicação do direito é a imposição de uma diretriz como decorrência da competência legal10.
Segundo VICENTE RÁO, a aplicação das normas jurídicas consiste na técnica de adaptação dos preceitos nelas contidos e assim interpretados, às situações de fato que se lhes subordinam11.
Por sua vez, em sua obra Tratado de Direito Privado, PONTES DE MIRANDA conceitua o tema como sendo a aplicação do direito aos fatos sobre os quais a regra jurídica incidiu, traçando um paralelo ou uma distinção entre os vocábulos aplicação e incidência12. Em sua obra Comentários à Constituição de 1946, o autor chega a mencionar que a aplicação nada mais é do que a declaração de uma incidência.13
2.2 Incidência e Aplicação do Direito
Pela própria característica de generalidade e abstração da norma jurídica, tem-se a incidência como característica marcante dela decorrente, uma vez considerada esta como a atuação da norma aos casos e fatos específicos e concretos da vida. Na diretriz dos dizeres de PONTES DE MIRANDA, a eficácia da norma é mesmo incidir, e justamente sobre fatos específicos e concretos é que ela incide; e seguindo a comparação do ilustre jurista, o contato da lei com os fatos seria como o da prancha da máquina de impressão com o papel, deixando sua imagem colorida em cada folha14.
Vale, aqui, destacar que incidência independe da vontade dos indivíduos; a estes cabe respeitá-la, e assim, aplicá-la.
Assim, tem-se que a incidência começa antes da aplicação, sendo a aplicação nada mais do que a declaração de uma incidência. Então, somente depois da incidência é que se pode cogitar da aplicabilidade da lei.
2.3 A forma pela qual a norma jurídica é aplicada – a questão do silogismo e da subsunção
Quando se fala em aplicação do direito, no caso a aplicação feita pelo Estado-Juiz, surge um delicado problema, qual seja, o confronto entre uma norma geral e abstrata e um fato específico e concreto.
Ao sentenciar, cabe ao juiz de direito adequar uma ou mais normas jurídicas a um ou mais fatos particulares, observando a situação de incidência, interpretando e, posteriormente, aplicando o direito.
Diante disso é que surge a questão do silogismo e da subsunção. Para tanto, necessário transcrever, ao menos singelamente, uma conceituação de silogismo e uma de subsunção.
Para GERALDO ATALIBA, a subsunção é o fenômeno de um fato configurar rigorosamente a previsão hipotética da lei. Diz-se que um fato se subsume à hipótese legal quando corresponde completa e rigorosamente à descrição que dele faz a lei15.
Com referência ao silogismo, tem-se este como um raciocínio lógico composto de três proposições lógicas dispostas de tal maneira que a terceira, denominada conclusão, é uma decorrência necessária das duas precedentes, chamadas premissas.
Daí uma corrente formalística do direito entender ser o ato da aplicação do direito semelhante à estrutura de um silogismo, ou seja, o método seguido pelo juiz ao sentenciar nada mais é do que o processo do silogismo, onde a norma jurídica geral e abstrata seria a premissa maior, enquanto que o fato ou caso específico e concreto a premissa menor, e a decisão da sentença a conclusão.
Neste sentido, SERPA LOPES entende que o método pelo qual o juiz torna efetivo a aplicação do direito é o lógico, pelo processo do silogismo. A esse respeito são unânimes os juristas. Utilizando-se dessa operação lógica, o juiz procede à subsunção da norma jurídica exata aos fatos que lhe são presentes, conhecido previamente o sentido da primeira16.
A utilização deste esquema lógico, em si mesmo considerado, é bastante simples e prático. No entanto, deve-se considerar que mesmo dentro da lógica a fragilidade deste método dedutivo é bastante ressaltada, inclusive sendo ele de pouca aplicabilidade, ou mesmo desaconselhável, para métodos científicos e pesquisa de um modo geral.
A fragilidade ou problemática desse procedimento dedutivo de silogismo, segundo KARL ENGISH, reside justamente na correta constituição das premissas, especialmente da premissa menor, uma vez que nela se acha sobretudo a já muitas vezes mencionada subsunção17.
Significa dizer, sob pena de redundância, que a correta constituição das premissas é fundamental para uma decisão justa, e ainda, que necessariamente, ocorrendo premissa incorreta, incorreta seria a sentença.
Ocorre ainda que, muitas vezes, o mesmo fato pode acarretar a incidência de várias regras jurídicas, que devem ser aplicadas conjuntamente, o que por si já poderia levar à confusão mental do julgador, acarretando a elaboração de premissa incorreta. Neste sentido, deve-se também considerar que, não se aplicam normas jurídicas isoladas, mas sim uma regulação global.
Assim sendo, extrai-se que aplicação do direito não se reduz somente a uma questão de lógica formal, implicando uma série de atos complexos e axiológicos. Percebe-se, então, que antes de se chegar a fase de utilização do silogismo, necessita o julgador proceder a análise preliminar do fato a fim de que possa escolher a norma aplicável.
A escolha da norma jurídica aplicável por si só já demanda uma análise cuidadosa do sistema jurídico, do qual o aplicador do direito deve ter uma visão ampla, além de buscar o apoio dos princípios gerais do direito, sem se falar na questão da hermenêutica e da interpretação, já mencionadas anteriormente.
Então, segundo CARLOS MAXIMILIANO, para se aplicar o direito é preciso examinar:
a) a norma em sua essência, conteúdo e alcance; passando pela análise do sistema jurídico ao qual está inserida, e também pela hermenêutica e pela interpretação; b) o caso concreto e suas circunstâncias; c) a adaptação do preceito à hipótese em apreço18.
Para VICENTE RÁO, o juiz deve em primeiro lugar considerar a situação de fato em sua individualidade completa, segundo o seu conteúdo de espírito e pensamento, e de conformidade com o sentido que recebe no ambiente social em que se verifica, despindo-a de qualquer definição jurídica19.
Após esta análise prévia, indaga o juiz se o fato, anteriormente examinado em si, incide ou não na disciplina ou tutela do direito normativo e, incidindo, qual é, ou quais são, a(s) norma(s) que lhe diz(em) respeito, à partir do que se estará qualificando juridicamente o fato, uma vez que não mais o examina isoladamente, mas em confronto com o direito. Procedendo desta forma, como diz VICENTE RÁO, o juiz realiza, em primeiro lugar, o que denomina de diagnóstico do fato e, em segundo lugar, o diagnóstico jurídico20.
Outrossim, como acentuou FERRARA, a actividade judiciária, porém, não se reduz ao trabalho de subsunção dos factos à norma de direito21, e, conclusivamente, pode-se dizer, então, que aplicação do direito não se resume a uma questão de lógica formal. E, na trilha e nos dizeres de MIGUEL REALE, aplicação do direito é antes uma questão complexa na qual fatores lógicos, axiológicos e fáticos se correlacionam, segundo exigência de uma unidade dialética, desenvolvida ao nível da experiência, à luz dos fatos e de sua prova, e continua o jurista, donde podemos concluir que o ato de subordinação ou subsunção do fato à norma não é um ato reflexo e passivo, mas antes um ato de participação criadora do juiz, com a sua sensibilidade e tato, sua intuição e prudência, operando a norma como substrato condicionador de suas indagações teóricas e técnicas22.
3 Questão das lacunas
3.1 Conceito
A lacuna da lei é um vazio existente no ordenamento legislativo, caracterizando-se assim, a inexistência de uma norma jurídica aplicada in concreto.
Afirma KARL ENGISH que a lacuna é uma incompletude insatisfatória no seio do todo jurídico23.
Para LUIZ REGIS PRADO, a lacuna caracteriza-se quando a lei é omissa ou falha em relação a determinado caso. Em uma palavra, há uma incompleição do sistema normativo24.
3.1.1 Existência ou inexistência de lacunas. Auto-integração e heterointegração
Grande número de autores não acreditam na existência de lacunas no direito, sendo que outros já a admitem.
Sustentou ZITELMANN que o ordenamento jurídico não tem lacunas, porque existe uma norma complementar negativa que declara lícitas todas as ações condenadas expressamente pelo direito25.
Também DONATI, nega a existência de lacunas no ordenamento jurídico, face à existência de uma norma fundamental, derivada de disposições particulares, que permite tudo o que não é proibido ou limitado por norma expressa ou por princípio implícito no sistema jurídico positivo26.
De igual forma, KELSEN entende que o sistema é, em si mesmo, bastante, pois as normas que o compõem, contém em si, a possibilidade de solucionar todos os conflitos levados à apreciação dos magistrados ou órgãos jurisdicionais competentes. Neste sentido, o autor afasta a idéia de existência de lacuna do direito, fundando-se na premissa de que tudo aquilo que não está proibido, está permitido, descrevendo isso como a liberdade jurídica negativa27.
KARL BERJBOHM, BRINZ e SANTI ROMANO defenderam a tese da inexistência de lacunas no ordenamento jurídico, porque onde o referido ordenamento falta, falta o próprio direito28.
Segundo CARLOS COSSIO, o ordenamento jurídico é pleno e completo, não contendo espaços vazios de juridicidade. Ainda, segundo este jurista, o juiz é um elemento integrante do ordenamento jurídico, por ser o órgão investido pelo Estado para declarar a juridicidade – não há lacunas porque há juiz29.
Os autores retro mencionados, sustentando a tese de inexistência de lacunas, servem-se do método de auto-integração do ordenamento jurídico.
A auto-integração consiste na integração da norma feita por meio do próprio ordenamento jurídico, dentro dos limites da mesma fonte dominante, sem precisar recorrer a outros ordenamentos e com mínimo recurso a fontes diversas da dominante30.
O método de auto-integração apoia-se em nos procedimentos da analogia e dos princípios gerais do direito.
Ainda, segundo BOBBIO, em contraposição, tem-se o método da heterointegração, este que consiste no recurso a ordenamentos diversos, recorrendo a fontes diferentes daquelas dominantes.
Também em contraste ao método da auto-integração, o procedimento do costume, e, tendo ainda, como principal procedimento, o poder criativo do juiz ou o chamado Direito Judiciário.
De outro lado, os autores que negam a existência de lacunas, admitem que a lacuna é da lei (lacuna formal) e não do direito (lacuna material), já que neste sempre haverá uma solução para o caso concreto.
Afirma BRUNETTI que a lacuna existente é na lei, nos códigos, enfim, o que existe é lacuna formal, jamais material31.
Todavia, o próprio legislador não foi capaz de prever tudo, exemplo disso é o Código Civil Suíço de 1912, quando dispõe que:
nos casos não previstos, o juiz decidirá segundo o costume e, na falta deste, conforme as normas que estabeleceria que o legislador fosse, inspirado na doutrina e na jurisprudência dominante.
Note-se que o próprio legislador prevê o fato de que a lei não poderá conter disposições que regulem todas as situações in concreto.
3.1.2 Espécies de lacunas
Os autores que admitem a existência de lacunas, costumam fazer a sua classificação em lacunas formais e materiais.
BRUNETTI faz clara distinção entre ordenamento jurídico e ordenamento legislativo. Menciona que o primeiro é expressão do direito vivo, não possuindo lacunas e com a finalidade de corrigir as imperfeições do segundo. De outro lado, o ordenamento legislativo é expressão da vontade do Estado, possuindo lacunas que são supridas pelo ordenamento jurídico32.
Sustenta-se a tese de que existem tão somente lacunas formais, face à possibilidade, pela analogia, costume, eqüidade e princípios gerais de direito, regular o caso concreto não previsto expressamente, evitando assim, que o juiz se transforme em legislador.
Em menção à impossibilidade da previsão de todos os fatos concretos da vida, conclui SERPA LOPES pela existência das lacunas na legislação. Porém, não significando com isso, a existência de lacunas no Direito33.
De outro lado, no entender de KARL ENGISH, a lacuna do direito é uma imperfeição insatisfatória dentro da totalidade jurídica. Menciona ainda, que a lacuna do direito é uma deficiência do sistema jurídico34.
As lacunas do direito são deficiências do direito positivo, ou seja, as falhas de conteúdo de regulamentação jurídica para determinadas situações de fato em que é de se esperar essa regulamentação, sendo que tais falhas, postulam e admitem, a sua remoção através de uma decisão judicial que integre a norma jurídica35.
Outros autores, ainda, entendem que o direito positivo tem lacunas materiais, as quais somente podem ser preenchidas pela livre investigação científica do direito, como GÉNY, ou pela livre interpretação do direito, como ERHLICH, KANTOROWICZ e FUNK36.
Diante disso, é possível notar que existem duas correntes doutrinárias no sentido de admitir, ou não, a existência de lacunas no direito, sendo que aqueles que as admitem, subdividem-se naqueles que crêem em lacuna na lei (lacuna formal) e lacuna no direito (lacuna material).
3.1.3 Suprimento das lacunas. Métodos de integração da norma jurídica
A constatação da existência da lacuna, ocorre no momento em que o aplicador do direito vai exercer a sua atividade e, não encontra no corpo das leis, um preceito que solucione o caso concreto. Neste instante, estar-se-á constatando a existência de uma lacuna.
Assim, quando o juiz não consegue, pelos meios tradicionais de interpretação da lei, descobrir um princípio aplicável ao caso não previsto, ou então, dentre as fontes formais não possui uma ao caso a decidir, deve servir-se de outros meios para a solução do caso concreto posto à apreciação do Judiciário, pois não pode deixar de sentenciar pela inexistência de direito37.
Porém, a própria lei põe à disposição do aplicador do direito, os meios dos quais pode se utilizar para o preenchimento da lacuna existente.
Confira-se a disposição constante do artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro que quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.
Somados aos meios apontados acima como formas preenchimento das lacunas, a lei admite ainda, outra forma, qual seja, a eqüidade38.
O Código de Processo Civil Brasileiro de 1939, em seu artigo 114, dispunha que quando autorizado a decidir por eqüidade, o juiz aplicará a norma que estabeleceria se fosse legislador.
Neste mesmo sentido, dispõe o Código Civil Suíço que o juiz aplica as regras do direito e da eqüidade, quando a lei se reporta ao seu poder de apreciação ou o incumbe de pronunciar tendo em conta as circunstâncias, ou os justos motivos .
Diante do exposto, pode-se dizer que a própria lei admite a existência das lacunas, trazendo em si, os meios próprios para o preenchimento destas, quais sejam, a analogia, os costumes, os princípios gerais de direito e a eqüidade.
A doutrina dominante entende que os meios de preenchimento das lacunas são apresentados de forma hierárquica, não podendo o aplicador do direito utilizar-se de forma indiscriminada de um dos meios, mas devendo-se valer deles na ordem descrita pela lei.
4 Analogia
4.1 Considerações gerais
Tendo em vista que o aplicador do direito não pode deixar sem resposta as questões postas à sua apreciação e, não havendo uma norma jurídica que se encaixe de forma específica ao caso concreto, o juiz deve se utilizar de meios adequados para aplicar o direito.
Dentre os métodos sugeridos pelo próprio legislar, encontra-se a analogia, podendo ser utilizada para a constatação e suprimento das lacunas.
4.2 Conceito
Quando vai se tratar da analogia, encontramos uma pluralidade de conceitos. Porém, dentre esse emaranhado de conceitos de analogia, existe um ponto de consenso entre os doutrinadores, qual seja, a existência da idéia de semelhança ou similitude.
Afirma MAXIMILIANO que a analogia consiste em aplicar a uma hipótese não prevista em Lei a disposição relativa a um caso semelhante39.
Para FERRARA, analogia é harmônica igualdade, proporção e paralelo entre relações semelhantes40.
No entendimento de LUIZ REGIS PRADO, em relação ao mundo jurídico, quando faz-se menção à analogia:
costuma-se fazer referência, em geral, a um raciocínio ou procedimento argumentativo que permite transferir a solução prevista para um outro determinado caso, a outro não regulado pelo ordenamento jurídico, mas que comparte com o primeiro, certos caracteres essenciais ou a mesma suficiente razão, isto é, vinculam-se por uma matéria relevante ‘simili’ ou a pari41.
Ainda, num conceito bem simples e de fácil compreensão de analogia, temos aquele trazido por LARH, onde utiliza o raciocínio de que partindo da solução prevista em lei para certo objeto, conclui pela validade da mesma solução para outro caso semelhante não previsto42.
Para VICENTE RÁO, a analogia consiste na aplicação dos princípios extraídos da norma existente a casos outros que não expressamente contemplados43.
Por fim, MARIA HELENA DINIZ entende que a analogia consiste em aplicar a um caso não previsto de modo direto ou específico por uma norma jurídica, uma norma prevista para uma hipótese distinta, mas semelhante ao caso não contemplado, fundado na identidade do motivo da norma e não da identidade do fato44.
Portanto, note-se que o elemento comum entre os conceitos ora trazidos é a idéia de similitude ou semelhança, entre casos abstratamente previstos e aqueles não previstos em lei.
4.3 Fundamentos
De forma geral, há um consenso entre os doutrinadores no que tange ao fundamento da analogia, sendo que este reside no princípio da igualdade jurídica.
A fundamento da aplicação da analogia é o princípio da igualdade, segundo o qual, mutatis mutantis, a lei deve tratar igualmente os iguais, na exata medida de sua desigualdade.
O mencionado princípio, exige que os casos semelhantes devam ser regulados por normas semelhantes.
Com muita precisão, FERRARA menciona que o fundamento da analogia repousa sobre a idéia de que os fatos de igual natureza devem possuir igual regulamento, sendo que um fato já regulado por lei pode balizar outro, desde que haja similitude entre ambos45.
4.4 Distinções. Analogia, indução e interpretação extensiva
Não há que estabelecer a confusão entre a analogia, a indução e a interpretação extensiva.
A lógica formal clássica tem a analogia como um procedimento conclusivo imediato, ou seja, a conclusão é extraída de pelo menos duas premissas, atribuindo validade para certo caso a outro que lhe seja similar.
De outro lado, a indução consiste em generalizar um princípio determinado para todos os casos de natureza semelhante, aquilo que é válido para um deles46.
A indução não exige apenas um juízo empírico de semelhança e um juízo de valor sobre o caráter mais significativo da coincidência para efeitos jurídicos, mas também, que diante da comparação e valoração se extraia um princípio geral47.
Também, a analogia não se confunde com a interpretação extensiva, já que a primeira promove a integração da norma jurídica, e, a segunda, tem por escopo a busca do sentido da norma jurídica.
A fim de estabelecer mais clara distinção, menciona BOBBIO que diversos foram os critérios elaborados para estabelecer a distinção entre analogia e interpretação extensiva, porém, a única aceitável é aquela que visa o efeito de ambos os métodos de integração.
Traz-se, portanto, o ensinamento do brilhante mestre italiano, quando sepulta as dúvidas acerca de tal matéria, afirmando que o efeito da analogia radica na criação de uma nova norma jurídica e o efeito da interpretação extensiva vem a ser a extensão de uma norma aos casos não previstos48.
Portanto, em que pese ter sido breve a exposição trazida, é possível estabelecer a diferença entre analogia, interpretação extensiva e indução.
4.5 Espécies
Alguns autores costumam estabelecer uma divisão em analogia, classificando-a em analogia legis e analogia iuris.
De outro lado, existem autores, dentre eles CALDARA, que mencionam não existir qualquer interesse científico na distinção entre analogia de lei e analogia de direito, já que o que a lei menciona é a analogia legis49.
Porém, trata-se das distinções trazidas pela grande maioria dos doutrinadores, quais sejam, a analogia legis e a iuris.
A analogia legis caracteriza-se pela aplicação de lei a caso semelhante por ela previsto, ou seja, parte de um preceito legal e concreto, e faz a sua aplicação aos casos similares50.
De outro lado, tem-se a analogia iuris, esta que se caracteriza pela aplicação de princípios de direito nos casos de inexistência de norma jurídica aplicável51.
Para TÉRCIO SAMPAIO DE FERRAZ JÚNIOR, a analogia iuris é uma espécie de conjugação de dois métodos lógicos: a indução e a dedução. A partir de casos particulares obtém-se uma generalização da qual resultam princípios os quais se aplicam, então dedutivamente, a outros casos. É um raciocínio quase-lógico52.
A analogia do direito tem por finalidade a integração da norma jurídica com seus meios próprios, partindo do pressuposto da coerência intrínseca do sistema53.
FERRARA afirma que o recurso aos princípios gerais de direito não é mais que uma forma de analogia iuris. Porém, com a expressa manifestação, MAXIMILIANO discorda do mencionado autor, já que este acredita ser possível a aplicação dos princípios de forma direta54.
Neste sentido, PAULO DOURADO GUSMÃO manifesta o seu pensamento mencionando que seria impossível confundir a analogia aos princípios gerais de direito, já que naquela existe norma para um caso semelhante ao não previsto e, neste último, não existe nenhuma norma expressa55.
4.6 Requisitos
A analogia, para ser aplicada, requer sejam observados alguns requisitos. No que tange aos requisitos para a aplicação da analogia, a grande parte dos doutrinadores culminam num consenso.
Porém, antes disso, urge ressaltar que o pressuposto para a aplicação do direito por meio da analogia é a existência de uma lacuna na lei.
Após isso, passa-se a analisar os requisitos necessários para a aplicação da lei através da analogia. É possível enumerar os requisitos da seguinte forma: 1º) o caso deve ser absolutamente não previsto em lei; 2º ) deve existir elementos semelhantes entre o caso previsto e aquele não previsto; 3º ) esse elemento deve ser essencial e não um elemento qualquer, acidental.
Somente após observados tais requisitos é que será lícito ao aplicador da lei valer-se da analogia.
4.7 Limites
Uma grande parte da doutrina entende que existem limites para a integração da norma jurídica através da analogia. A regra é a aplicação da norma jurídica à ordem de coisas para a qual ela foi estabelecida, sendo esta a regra. A exceção é a sua aplicação de forma diversa.
Afirma MAXIMILIANO que em dois casos não é possível a aplicação da lei através da analogia: 1º ) no caso das leis de caráter criminal e; 2º ) nas de iure singulare, cujo caráter excepcional, conforme a doutrina, não pode comportar a decisão de semelhante para semelhante56.
No direito penal não se faz a aplicação da analogia, já que neste ramo de direito, o que vige, é o princípio da legalidade: não há crime ou pena sem lei penal que expressa e previamente os estabeleça57.
CASTÁN TOBENAS menciona que as normas de direito singular ou excepcional não são suscetíveis de aplicação analógica, já que, sendo ditadas para casos determinados, não se podem estender a casos diversos, nos quais deve atuar a lei geral ou a alei comum58.
4.8 Outros métodos de integração
Autores como BOBBIO, DE RUGGIERO e CAPITANI, reconhecem que a analogia é o primeiro remédio para preencher as lacunas formais do direito59.
Após a utilização da analogia e, não encontrada uma norma jurídica aplicável ao caso concreto, o aplicador do direito deve socorrer-se de outros meios para a integração da norma legal.
Passa-se, portanto, a analisar mais um destes meios de integração da norma jurídica.
5 Costume
Entre os doutrinadores existe um consenso quanto ao fato de que após a utilização da analogia para a integração da norma jurídica, tendo restado infrutífera a tentativa, passar-se-á a recorrer aos costumes como meio de integração.
5.1 Considerações gerais
Há de se mencionar que a lei não negou a força dos costumes, apenas trazendo para si, a primazia no estabelecimento da hierarquia. Um exemplo disso é a disposição contida no Código Civil Suíço de 1912, quando menciona que nos casos não previstos, o juiz decidirá segundo o costume e, na falta deste, conforme as normas que estabeleceria que o legislador fosse, inspirado na doutrina e na jurisprudência dominante.
Também, neste sentido, o Código Civil Brasileiro, estabeleceu a hierarquia dos métodos aos quais poderia recorrer o aplicador do direito, no caso da existência de lacunas da lei.
Confira-se, pois, o artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro que dispõe que quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.
Em sentido contrário, WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, entende que o costume é primordialmente fonte do direito, sendo que em caráter extremamente excepcional, pode ser utilizado como meio de integração da norma jurídica. Porém, é minoritário tal entendimento60.
O costume exerce primordialmente duas funções: 1) a de Direito Subsidiário, para completar o Direito Escrito e lhe preencher as lacunas e; 2) elemento de hermenêutica, auxiliando o aplicador do direito a interpretar a lei.
Portanto, note-se que o costume é ampla e expressamente admitido como meio de preenchimento das lacunas da lei.
5.2 Conceito
Segundo MAXIMILIANO, o costume é uma norma jurídica sobre determinada relação de fato e resultante da prática diurna e uniforme, que lhe dá força de lei. O autor menciona, ainda, que ao conjunto de tais regras não escritas chama-se Direito Consuetudinário61.
O costume é uma norma que deriva da longa prática uniforme, geral e constante repetição de dado comportamento sob a convicção de que corresponde a uma necessidade jurídica62.
Também é compreendido como a lei que o uso estabeleceu, e que se conserva sem ser escrita, por longa data63.
Diante disso, pode-se extrair que o costume deve ser uniforme, constante, público e geral, a fim de que seja possível a sua adoção como método de integração da norma jurídica.
5.3 Espécies
A doutrina divide os costumes em três espécies, quais sejam, o secundum legem, o contra legem e o praeter legem.
O secundum legem é aquele dotado de maior prestígio e universalmente aceito, aquele que está previsto na lei, possuindo eficácia obrigatória.
O contra legem é o costume que se forma em sentido contrário da lei, buscando de forma implícita revogar a lei.
Por fim, temos o praeter legem que é a modalidade de costume que substitui a lei nos casos por ela deixados em silêncio, ou seja, supre as lacunas deixadas pela lei.
Portanto, estas são as três espécies de costumes, sendo que no presente estudo o que possui maior relevância é o praeter legem, já que este de forma específica, visa o preenchimento de lacunas na lei.
5.4 Outros meios de integração da norma
Diante do caso concreto, não encontrando o juiz nenhuma norma jurídica aplicável ao caso concreto e, utilizando-se, de forma frustrada, a analogia e os costumes com o intuito de suprir as lacunas da lei, deverá o aplicador buscar outro meio de integrar a norma.
Diante disso, passemos à análise de mais um dos meios de integração da norma jurídica.
6 Princípios gerais de direito
6.1 Considerações gerais
Quando nem a norma positiva de direito legal ou costumeira, examinada conforme os processos de interpretação existentes, nem a analogia, fornecerem a regra aplicável à situação de fato, cumpre ao intérprete passar a investigar dentro da esfera dos princípios gerais de direito64.
6.2 Conceito
No entender de MIGUEL REALE, os princípios gerais de direito são enunciações normativas de cunho genérico, que condicionam e norteiam a compreensão do ordenamento jurídico, quer para a sua aplicação, quer para a elaboração de novas normas65.
Para DE PLÁCIDO E SILVA, os princípios gerais de direito revelam o conjunto de regras ou preceitos, que se fixaram para servir de norma, servindo como alicerce, à toda a espécie de ação humana66.
Afirma ainda, MIGUEL REALE, que toda a experiência jurídica, bem como a legislação que a integra, repousa sobre os princípios gerais de direito, podendo estes, serem considerados como o alicerce do ordenamento jurídico67.
Para CAMPOS BATALHA, os princípios gerais de direito confundem-se com o Direito Natural, como reflexos da lei eterna da criatura humana, antecedendo e estando à base do direito escrito, como orientação cultural ou política do ordenamento jurídico68.
Porém, tendo em vista a imprecisão da expressão princípios gerais de direito, os doutrinadores destoam em relação à sua concepção.
Alguns autores, tais como BRUNETTI, ESPÍNOLA e DEL VECCHIO, entendem que os princípios gerais de direito funcionam como formas de suprimento das lacunas, atribuindo a eles a natureza de normas de direito natural69.
Neste mesmo sentido, LACAMBRA afirma que, os princípios gerais de direito são elevados à categoria de verdadeiro direito natural. Menciona ainda que são dotados de validez universal absoluta, verdadeiros princípios de direito natural70.
Entendendo de forma diversa, outros autores, dentro os quais CARLOS COSSIO, defenderam a tese de que os princípios gerais de direito são meros “juízos estimativos de valor, preexistentes à ação legislativa”. O referido autor, menciona que, os princípios gerais de direito expressam, realmente, valores estimáveis (sociais, culturais e econômicos), que inspiram o legislador em sua atividade criadora de normas71.
CLÓVIS BEVILÁQUA e BIANCHI, consideram os princípios gerais de direito como tendo caráter universal, ditados pela ciência e pela filosofia do direito72.
Ante à pluralidade de concepções, em síntese, pode-se dizer que os princípios gerais de direito possuem natureza plúrima, traduzindo-se na conjugação das várias correntes doutrinárias.
TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JÚNIOR assevera que, ainda que os princípios gerais de direito possam ser aplicados no sentido de suprir lacunas, estes não possuem a natureza de norma, mas princípio. Ainda, segundo o mencionado autor, os princípios gerais de direito não integram o repertório do sistema, mas são parte de suas regras estruturais73.
Neste sentido, há de se mencionar que os princípios gerais de direito não são preceitos de ordem ética, política, sociológica ou técnica, mas elementos componentes do direito. São normas de valor genérico que orientam a compreensão do sistema jurídico, em sua explicação e integração, sendo que algumas são de tamanha importância que são expressamente contidas em lei74.
Diante disso, o método da investigação e aplicação dos princípios gerais de direito, serve para que se possa chegar à determinação de qual princípio é pertinente ao caso concreto, trazido à apreciação do órgão judicante. Para tal, utiliza-se de operação indutiva e o próprio legislador sugere o emprego desse método75.
Portanto, para conseguir atingir os princípios gerais de direito deve o juiz, gradativamente, subir por indução, da idéia em foco para outra mais elevada, abstraindo do que há nelas de particular, prosseguindo em generalizações crescentes e sucessivas até obter a solução76.
6.3 Outros métodos de integração da norma
Após a utilização de forma infrutífera dos meios de integração da norma jurídica para suprimir a lacuna da lei, o aplicador do direito recorrerá à Eqüidade.
Portanto, passa-se ao estudo de mais este meio de integração da norma jurídica.
7 Eqüidade
7.1 Considerações gerais
Após a utilização dos três métodos anteriormente mencionados, sobrevivendo a lacuna do direito, o órgão judicante se servirá da eqüidade para a solução do litígio.
Em pertinente observação, MAXIMILIANO afirma que:
a vida sócio-jurídica não é composta de casos gerais, senão de casos concretos e os mais diversos, de onde a simples justiça que se supõe existir na lei nem sempre ser suficiente para atender equilibradamente a essa infinita casuística. Assim, é por vezes mister o suprimento do princípio da justiça contido na lei por intermédio de um outro princípio, àquele semelhante, mas sob outros aspectos mais extensos e mais altos, o princípio da Eqüidade77.
Conforme já mencionado, a lei expressamente autoriza o legislador a decidir por eqüidade. Exemplo de tal legislação é o art. 114 do Código de Processo Civil Brasileiro de 1939 e o art. 4º do Código Civil Suíço.
Admitida a eqüidade como um dos métodos de aplicação e integração da norma jurídica, passemos a algumas de suas concepções.
7.2 Conceito
Para SANTO THOMAS, a eqüidade, que em grego é denominada epieikeia, de certa forma equivale à justiça geral, estando compreendida nela e, de certo modo, a excede porque leva o aplicador da lei a não se prender aos estreitos limites do texto legal78.
Também, bem difundida é forma utilizada por ARISTÓTELES para estabelecer a diferença entre a Justiça e a Eqüidade. Afirmava o filósofo que a Justiça corresponderia a uma régua rígida, ao passo que a Eqüidade se assemelharia a uma régua maleável, capaz de se adaptar às saliências do campo a ser medido. Sem quebrar a régua, o magistrado, ao medir a igualdade dos casos concretos vê-se na contingência de adaptar a lei a pormenores não previstos e, muitas vezes, a casos imprevisíveis pela lei, sob pena de perpetrar uma verdadeira injustiça e, assim, contradizer a própria finalidade intrínseca das normas legais79.
GARCÍA MAYNEZ, citando ARISTÓTELES menciona mais sobre a régua de Lesbos. Vejamos:
Tratándose de cosas indeterminadas, la ley debe permanecer indeterminada como ellas, igual la regla de plomo de que se sirven en la arquitectura de Lesbos; la cual se amolda y acomoda a la forma de la piedra que mide80.
Para ARISTÓTELES, a virtude de assim proceder é que corresponde o sentido da eqüidade, mencionando, por fim, que está é a justa retificação do justo, rigorosamente legal81.
No entender de GÉNY, a eqüidade tem algo de superior a toda fórmula escrita ou tradicional, é um conjunto de princípios imanentes, constituindo de algum modo a substância jurídica da humanidade, segundo a sua natureza e o seu fim, princípios imutáveis no fundo, porém cuja forma se adapta à variedade dos tempos e países82.
Assim, é reconhecido que a eqüidade invocável como auxiliar da interpretação e aplicação do direito não se revela somente pelas inspirações da consciência e da razão natural, mas também, e principalmente, pelo estudo atento, pela apreciação inteligente dos textos da lei, dos princípios da ciência jurídica e das necessidades da sociedade83.
Por fim, há de se mencionar que jamais se recorrerá à eqüidade senão para atenuar o rigor de um texto, interpretando e aplicando-o de modo compatível com o progresso e a solidariedade humana; jamais será a mesma invocada para se agir, ou decidir, contra prescrição positiva clara e prevista84.
Portanto, esses são os meios dos quais dispõe o órgão judicante na aplicação e integração da norma jurídica diante da existência de uma lacuna do direito.
8 Conclusão
Ante toda a exposição, percebe-se que a paz social é, ou deve ser, o fruto da aplicação. Tendo o Estado atraído para si o exercício da função jurisdicional, a ela compete, através de juiz, aplicar o direito a casos concretos que se lhe apresentem, com o escopo de realizar e manter a paz e harmonia social.
Como foi possível extrair da exposição acima, a aplicação do direito não se resume a um método silogístico pura e simplesmente, devendo o juiz estar em sintonia não somente com o direito, mas também com fatores axiológicos e teleológicos. Deve, antes de tudo, ter o julgador um profundo conhecimento da natureza humana.
Ademais, não é lícito ao juiz se escusar de aplicar o direito sob a alegação de inexistir norma jurídica aplicável ao caso. Ao direito de ação do titular da pretensão resistida corresponde ao dever do Estado em prestar a tutela jurisdicional adequada, favorável ou desfavorável ao postulante.
Diante disso, ainda que inexista norma jurídica aplicável ao caso concreto, o juiz deve servir-se de outros meios para manter a paz social, valendo-se, então, dos métodos de integração da norma jurídica, tais como a analogia, o costume, os princípios gerais do direito e a eqüidade.
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Notas
1. ENGISH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. 6ª ed. Lisboa: Calouste Gulbendian, 1983. p.75.
2. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 15ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995. p. 01.
3. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito, p. 01.
4. BEVILÁQUA, Clóvis. Apud MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito, p. 18.
5. ESPÍNOLA. Apud MAXIMILIANO, Hermenêutica e aplicação do direito, p. 18.
6. REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 18ª ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 291.
7. DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 374.
8. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito, p. 06.
9. ENGISH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. 6ª ed. Lisboa: Calouste Gulbendian, 1983. p. 78.
10. REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 18ª ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 291.
11. RÁO, Vicente. O Direito e a Vida dos Direitos 3ª ed. v. 2 São Paulo: Max Limonad, 1952, p. 542.
12. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado. 2ª ed. t. 1 Rio de Janeiro: Borsoi, 1954, p. 11.
13. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1946. 3ª ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1960. p.37.
14. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado. 2ª ed. t. 1 Rio de Janeiro: Borsoi, 1954, p. 11.
15. ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 1992. p. 62.
16. SERPA LOPES, Miguel Maria de. Curso de Direito Civil. 7ª ed. São Paulo: Freitas Bastos, 1989. p. 112.
17. ENGISH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. 6ª ed. Lisboa: Calouste Gulbendian, 1983. p. 85.
18. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito, p. 06-07.
19. RÁO, Vicente. O Direito e a Vida dos Direitos 3ª ed. v. 2 São Paulo: Max Limonad, 1952, p. 544.
20. RÁO, Vicente. O Direito e a Vida dos Direitos, p. 544.
21. FERRARA, Francesco. Interpretação e aplicação das leis. 3ª ed. Coimbra: Armênio Amado, 1978. p.186-187.
22. REALE, Miguel. Lições preliminares de direito, p. 298.
23. ENGISH, Karl. apud PRADO, Luiz Regis. Argumento Analógico em Matéria Penal. Revista de Ciências Jurídicas nº 01, ano 1997, publicação oficial do curso de Mestrado em Direito da Universidade Estadual de Maringá, p. 162.
24. PRADO, Luiz Regis. Argumento Analógico em Matéria Penal, p. 162.
25. ZITELMAN, Las lagunas del derecho. apud JACQUES, Paulino. Curso de Introdução à Ciência do Direito. p.121-123.
26. DONATI, Il problema della lacune dellordinamento giuridico. apud GUSMÃO, Paulo Dourado. Introdução à Ciência do Direito. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1960. p. 142-143.
27. KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 4ª ed. Coimbra: Armênio Amado, 1976. p. 338-339 .
28. apud DINIZ, Maria Helena. Lacunas no Direito, p. 29.
29. apud DINIZ, Maria Helena. Lacunas no Direito, p. 40.
30. BOBBIO, Norberto, Teoria do Ordenamento Jurídico, p. 146-148.
31. apud GUSMÃO, Paulo Dourado. Paulo Dourado. GUSMÃO, Paulo Dourado. Introdução à Ciência do Direito. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1960. p. 165.
32. BRUNETTI, Sul valore del problema delle lacune. apud GUSMÃO, Paulo Dourado. Introdução à Ciência do Direito, p. 143.
33. SERPA LOPES, Miguel Maria de. Curso de Direito Civil, p. 181.
34. ENGISH, Karl. Introdução ao Pensamento Jurídico, p. 277.
35. LARENZ, apud ENGISH, Karl. Introdução ao Pensamento Jurídico, p. 286.
36. apud GUSMÃO, Paulo Dourado. Introdução à Ciência do Direito, p. 143.
37. GUSMÃO, Paulo Dourado. Introdução à Ciência do Direito, p. 145.
38. RÁO, Vicente. O Direito e a Vida dos Direitos, p. 601.
39. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito, p. 221.
40. apud MAXIMILIANO, Carlos. Formas e Aplicação do Direito Positivo, p. 70.
41. PRADO, Luiz Regis. Argumento Analógico em Matéria Penal, p. 163.
42. apud MAXIMILIANO, Carlos. Formas e Aplicação do Direito Positivo, p. 69.
43. RÁO, Vicente. O Direito e a Vida dos Direitos, p. 602.
44. DINIZ, Maria Helena. Lacunas no Direito, p. 121.
45. FERRARA. Trattado, apud MAXIMILIANO, Carlos. Formas e Aplicação do Direito Positivo, p. 70.
46. LAHR, Manual de Filosofia. apud MAXIMILIANO, Carlos. Formas e Aplicação do Direito Positivo, p. 70.
47. FERRAZ JR., Tércio Sampaio de. Introdução ao Estudo do Direito – Técnica, Decisão, Dominação. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 302-303.
48. BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico, p. 155-156.
49. CALDARA. apud MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito, p. 223.
50. PRADO, Luiz Regis. Argumento Analógico em Matéria Penal, p. 165-166.
51. JACQUES, Paulino. Curso de Introdução à Ciência do Direito, p. 129.
52. FERRAZ JR., Tércio Sampaio de. Introdução ao Estudo do Direito – Técnica, Decisão, Dominação, p. 299.
53. RÁO, Vicente. O Direito e a Vida dos Direitos, p. 603.
54. FERRARA, apud MAXIMILIANO, Carlos. Formas e Aplicação do Direito Positivo, p. 71.
55. GUSMÃO, Paulo Dourado. Introdução à Ciência do Direito, p. 145.
56. MAXIMILIANO, Carlos. Formas e Aplicação do Direito Positivo, p. 74.
57. GUSMÃO, Paulo Dourado. Introdução à Ciência do Direito, p. 166.
58. CASTÁN TOBENAS. apud JACQUES, Paulino. Curso de Introdução à Ciência do Direito, p. 130.
59. apud GUSMÃO, Paulo Dourado. Introdução à Ciência do Direito, p. 144.
60. MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil, p. 19.
61. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito, p. 200-201.
62. DINIZ, Maria Helena. Lacunas no Direito, p. 170.
63. SILVA, De Plácido. Vocabulário Jurídico, p. 577.
64. RÁO, Vicente. O Direito e a Vida dos Direitos, p. 605-606.
65. REALE, Miguel. Lições preliminares de direito, p. 300.
66. SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico, p. 447.
67. REALE, Miguel. Lições preliminares de direito, p. 301.
68. BATALHA, Wilson de Souza Campos. Introdução ao Direito – Filosofia, História e Ciência do Direito, p. 261.
69. apud DINIZ, Maria Helena. Lacunas no Direito, p. 185-187.
70. LACAMBRA. Filosofía del Derecho. apud JACQUES, Paulino. Curso de Introdução à Ciência do Direito, p.131.
71. COSSIO, Carlos. La Teoría Egológica del Derecho y em Concepto Jurídico de Libertad. apud JACQUES, Paulino. Curso de Introdução à Ciência do Direito, p.131.
72. apud DINIZ, Maria Helena. Lacunas no direito, p. 190.
73. FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito, p. 223.
74. DINIZ, Maria Helena. Lacunas no direito, p. 198.
75. Lei de Introdução ao Código Civil, art. 4º.
76. DINIZ, Maria Helena. Lacunas no direito, p. 202.
77. MAXIMILIANO, Carlos. Formas e Aplicação do Direito Positivo, p. 73.
78. STO. THOMAZ, Summa. apud MAXIMILIANO, Carlos. Formas e Aplicação do Direito Positivo, p. 74.
79. ARISTÓTELES apud MAXIMILIANO, Carlos. Formas e Aplicação do Direito Positivo. p. 74
80. MAYNEZ, Eduardo García. Introducción al Estudio del Derecho, p. 374.
81. ARISTÓTELES apud DINIZ, Maria Helena. Lacunas no direito, p. 209.
82. GÉNY, François. Méthode d’Interprétation. apud MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito, p. 185.
83 DEMOLOMBE, Cours de Code Napoléon. apud MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito, p. 185
84. COELHO DA ROCHA, apud MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito, p. 187.
Informações Sobre o Autor
Júlio Ricardo de Paula Amaral
Advogado em Londrina/PR
Mestre em Direito pela Universidade Estadual de Londrina/PR