A presente monografia possui como principais objetivos a busca do delineamento histórico do crédito imobiliário no Brasil, com vistas à análise dos pontos de conflito entre instituições financeiras e tomadores de crédito, pontos estes que necessariamente se transformam em litígios que dificultam o desenvolvimento do país. Além deste primeiro enfoque, o desenvolvimento da pesquisa pretende apontar caminhos a serem perseguidos para solucionar estes litígios, assim como para prevenir o surgimento de lides futuras.
Sumário: INTRODUÇÃO; 1.DELINEAMENTO HISTÓRICO DA EVOLUÇÃO DO CRÉDITO IMOBILIÁRIO NO BRASIL; 1.1.Sistema Financeiro de Habitação; 1.2.Modelo de financiamento habitacional; 1.3.Sistema de Financiamento Imobiliário; 2.FUNDOS DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO E PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS; 2.1.Experiência norte-americana; 2.2.Características dos fundos de investimento imobiliário; 2.3.Características das parcerias público-privadas; 3.FINANCIAMENTO HABITACIONAL EMBASADO EM CONSÓRCIOS PÚBLICOS; 3.1.Os consórcios imobiliários no Estatuto da Cidade; 3.2.A Lei de Consórcios Públicos; 3.3.Contratos de alienação fiduciária de bens imóveis; 4.INOVAÇÕES NA POLÍTICA PÚBLICA DE GERAÇÃO DE CRÉDITOS IMOBILIÁRIOS; 4.1.As parcerias público-privadas e o crédito imobiliário; 4.2.Implementação de contratos de parceria através de consórcios públicos; 4.3.Proposições de modificação no Sistema de Financiamento Imobiliário; CONCLUSÃO
INTRODUÇÃO
A falta de confiabilidade quanto à maneira pela qual o crédito imobiliário é negociado no Brasil, pressupõe a existência de uma série de problemas relacionados ao desenvolvimento de políticas públicas efetuadas em ambientes institucionais propícios ao gerenciamento do risco inerente à oferta deste tipo de crédito.
O elevado volume de demandas judiciais demonstra claramente o alto grau de falibilidade institucional existente. Fatores referentes à instabilidade econômica dos agentes contratantes e contratados repercutem de modo negativo nestas ações. Estes fatores, aliados à morosidade sistêmica quanto às decisões de mérito das questões controversas, alavancam a situação a patamares insustentáveis.
Através de breve análise sobre a evolução histórica do crédito imobiliário no país buscar-se-á a identificação dos problemas existentes no Sistema Financeiro da Habitação, para logo após perquirir acerca do modelo de financiamento habitacional implantado no país nas décadas de sessenta e setenta e as posteriores modificações ocorridas nas décadas seguintes (com suas constantes turbulências sócio-econômicas).
Com o advento do Sistema de Financiamento Imobiliário, em 1997, houve o início de uma nova fase, ainda em construção, que merece, dessarte, receber proposições de melhoria que possam indicar caminhos para a superação de problemas que às vezes se tornam recorrentes em países em desenvolvimento.
A criação dos fundos de investimento imobiliário, em 1993, trouxe ao arcabouço jurídico pátrio, de maneira inovadora, a experiência bem sucedida dos Estados Unidos (que já possuíam este tipo de fundo desde a década de sessenta).
Cumpre salientar a relevância da securitização da propriedade imobiliária, possibilitada através do lançamento deste tipo de fundo. Contudo, a parcela da população que efetivamente possui condições econômicas de inserção neste mercado, está aquém do desejado. Esta realidade poderá se tornar adequada no futuro, caso haja real interesse dos Poderes Públicos constituídos quanto ao planejamento organizacional de políticas públicas aptas a inserir a população que possui baixa renda neste contexto.
A sugestão de criação de políticas públicas específicas de oferta de crédito imobiliário acessível se encontra emoldurada pelo advento dos contratos de parceria público-privadas, a partir do final do ano de 2004. É imprescindível que se admita que, apesar de sua complexidade, existem inúmeros outros diplomas normativos a lhe oferecerem o necessário respaldo.
Neste aspecto, observar-se-ão os consórcios imobiliários previstos no Estatuto da Cidade, a partir de 2001, assim como os consórcios públicos em geral, regulamentados através da Lei de Consórcios Públicos, em 2005, ambos correlacionados aos contratos de alienação fiduciária de bens imóveis, para equilibrar os entes públicos e privados envolvidos no negócio jurídico.
Através deste trabalho, pretende-se contribuir para a melhoria nas condições de oferta do crédito imobiliário no país, como fim imediato, para ao final, contribuir para a diminuição dos níveis de desigualdade social existentes, como fim mediato.
1.DELINEAMENTO HISTÓRICO DA EVOLUÇÃO DO CRÉDITO IMOBILIÁRIO NO BRASIL
1.1.Sistema Financeiro da Habitação
O Sistema Financeiro da Habitação (SFH) é um segmento especializado do Sistema Financeiro Nacional, criado pela Lei n. 4.380/64, no contexto das reformas bancárias e de mercado de capitais efetuadas no período. De acordo com esta Lei, ocorreu a instituição da correção monetária e do Banco Nacional da Habitação (BNH), órgão central que visava orientar e disciplinar a habitação no país.
O modelo de funcionamento do Sistema Financeiro da Habitação previa um processo de evolução dinâmica no qual, inicialmente, os recursos necessários dependeriam principalmente da captação via cadernetas de poupança e recursos de depósitos compulsórios feitos pelos empregadores nas contas vinculadas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), criado pela Lei n. 5.170/66. O modelo preconizado previa desde a arrecadação de recursos, o empréstimo para a compra de imóveis, o retorno desse empréstimo e a reaplicação desse montante, operações estas atualizadas com índices monetários idênticos.
A criação deste sistema reflete o pensamento político da época, embasado no liberalismo econômico na área da propriedade imobiliária. A noção de direito de propriedade privada contida no Código Civil de 1916 transformou a propriedade em um fator de produção. Neste aspecto, as lições de Edésio Fernandes[1] merecem ser transcritas:
Isto ocorreu devido ao fato de que a idéia liberal era perfeitamente adequada para satisfazer os interesses econômicos que criaram um cenário para uma acumulação capitalista sem controle nas cidades: o conceito de propriedade privada absoluta foi fundamental para maximizar os ganhos do mercado especulativo do solo, tendo beneficiado principalmente os grandes proprietários de terra, alguns deles originalmente remanescentes das oligarquias rurais que perderam sua hegemonia econômica para outros setores do capital, ainda que mantendo um certo poder político.
Quando o Sistema Financeiro de Habitação foi idealizado, houve necessidade de oferecer subsídios às famílias de baixa renda, sem contudo recorrer a recursos do Tesouro Nacional. Criou-se então um subsídio cruzado, isto é, que cobrava taxas de juros diferenciadas e crescentes, de acordo com o valor do financiamento. Tratava-se de um sistema interno que formava uma combinação que, mesmo utilizando taxas inferiores ao custo de captação de recursos nos financiamentos menores, produzia uma taxa média capaz de remunerar os recursos e os agentes que atuavam neste sistema.
A partir de 1971, adotou-se um mecanismo de subsídio via imposto de renda, que funcionou até 1981, da seguinte maneira: havia um critério seletivo para concessão de subsídios. Os mutuários de maior renda pagavam integralmente as suas prestações. Conforme fosse decrescendo o salário, o Governo Federal assumia uma parte da prestação, por meio de redução de imposto de renda.
Concomitantemente à implantação desde mecanismo, o conceito de propriedade social exsurgiu, devido ao aumento dos conflitos pela posse da terra, ao fortalecimento dos movimentos sociais e à busca de novas oportunidades para o investimento de capital. Estes fatores foram as principais causas do rompimento com a tradição liberal apoiada pelo regime militar e que deram origem à legislação aprovada a partir de 1979.
A partir de 1983, o princípio da identidade de índices foi quebrado. Diante da queda dos níveis salariais e da inadimplência que ameaçava o sistema, o governo aplicou aumento nas prestações de 80% do reajuste do salário mínimo. Em 1984 o subsídio foi repetido. Em 1985, houve novamente um subdimencionamento do índice de reajuste das prestações dos contratos.
Em 1986, o SFH passou por uma profunda reestruturação com a edição do Decreto-Lei n. 2.291/86, que extinguiu o BNH e distribuiu suas atribuições entre o então Ministério do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente (MDU), o Conselho Monetário Nacional (CMN), o Banco Central do Brasil (Bacen) e a Caixa Econômica Federal (CEF). Ao MDU coube a competência para a formulação de propostas de política habitacional e de desenvolvimento urbano, ao CMN coube exercer as funções de órgão central do sistema, orientando, disciplinando e controlando o SFH, ao Bacen foram transferidas as atividades de fiscalização das instituições financeiras que integram o SFH e a elaboração de normas pertinentes aos depósitos de poupança e à CEF a administração do passivo, ativo, do pessoal e dos bens móveis e imóveis do BNH, bem como a gestão do FGTS.
As atribuições inicialmente transferidas para o então MDU foram posteriormente repassadas ao Ministério do Bem Estar Social, seguindo depois para o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. A partir de 1999 foram alçadas à Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano da Presidência da República (SEDU/PR). A Lei n. 10.683/03 transformou esta Secretaria em Ministério das Cidades.
Consoante supra demonstrado, os sucessivos planos econômicos objetivaram subsidiar os mutuários através da redução das prestações, transferindo para o Fundo de Compensação das Variações Salariais – FCVS (fundo destinado a quitar saldos residuais ao final do prazo contratual) todo o ônus relativo às parcelas do principal não pagas.
Com o advento do Plano Real vicejou-se a reestruturação do sistema, pois a estabilidade econômica parecia favorecer o desenvolvimento do crédito imobiliário. No entanto, tal expectativa não se confirmou, pois a inadimplência recorrente serviu para retrair novos créditos. Ao perquirir acerca dos seus motivos, Carlos Eduardo Duarte Fleury[2] aponta os seguintes fatos:
a) 1983-1987: política econômica de combate à inflação, através da redução de salários, levando o Governo a interferir nos contratos, reajustando os salários, cujos valores se situam acima de 10 salários mínimos, em índice abaixo do INPC, em um cenário de elevado índice de desemprego;
b) 1995-2000: política econômica de combate à inflação, através da alta das taxas de juros, provocando reajuste das prestações acima dos índices inflacionários, em um cenário em que os salários estavam desindexados, com o desemprego em ascensão.
Para melhor entendimento do funcionamento do SFH, cumpre destacar que este possui, desde a sua criação, como fonte de recursos principais, a poupança voluntária proveniente dos depósitos de poupança do denominado Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), constituído pelas instituições que captam essa modalidade de aplicação financeira, com diretrizes de direcionamento de recursos estabelecidas pela CMN e acompanhadas pelo Bacen, bem como a poupança compulsória proveniente dos recursos do FGTS, regidos segundo normas e diretrizes estabelecidas por um Conselho Curador, cabendo a CEF o papel de agente operador.
As normas do Conselho Monetário Nacional (Resoluções n. 1.980/93, n. 3.005/02 e n. 3.347/06) disciplinam as regras para o direcionamento dos recursos captados em depósitos de poupança pelas instituições integrantes do SPBE, estabelecendo que 65%, no mínimo, devem ser aplicados em operações de financiamentos imobiliários, sendo que 80% do montante anterior em operações de financiamento habitacional no âmbito do SFH e o restante em operações a taxas de mercado, desde que a metade, no mínimo, em operações de financiamento habitacional, bem como 20% do total de recursos obrigatoriamente disponibilizados através do Bacen e os recursos remanescentes em disponibilidades financeiras e operações de faixa livre.
Tais recursos, no entanto, não têm sido suficientes em face da crescente demanda existente e altas taxas de inadimplência. O problema é acentuado pelo elevado volume de contestações judiciais, nas quais ocorrem inúmeros questionamentos sobre vários aspectos das operações de crédito. Fleury[3] adverte, neste contexto:
Este novo cenário apresentado pós-Plano Real, que impôs aos mutuários dificuldades de saldar seus compromissos, conjugado com um judiciário que decide sob a égide da justiça social em detrimento do contrato, criou uma nova figura: a indústria das liminares. Perto de 80% dos juízes julgam de acordo com a repercussão social e apenas 20% dos magistrados julgam de acordo com o contrato e as leis próprias do Crédito Imobiliário.
1.2.Modelo de financiamento habitacional
O modelo teórico de financiamento habitacional disciplinado pela Lei n. 4.380/64 surtiria efeito se houvesse identidade de índices de atualização monetária no ativo e no passivo e reajuste de encargos pelo mesmo indexador do ativo. Na ausência destes elementos, assim como inexistência de continuidade de um ambiente econômico estável e em crescimento e insegurança jurídica contratual, não ocorreu a retro-manutenção esperada deste sistema.
No momento em que o volume de captação líquida tendesse a alcançar o limite no qual o crescimento fosse apenas marginal, a natural substituição dessas fontes de recursos pelos retornos dos financiamentos não ocorreu. Na realidade, o que houve se caracteriza como sub-reajustes das prestações. Ao tecer comentários sobre este fato, Fleury[4] preleciona:
Os efeitos dos sub-reajustes das prestações, além da redução no nível de retorno dos financiamentos, impedindo novas contratações, também criou uma grave distorção nas operações do Sistema Financeiro da Habitação, na medida em que os valores pagos pelos mutuários, na grande maioria das situações, passaram a ser inferiores à quota de juros. Com isso, boa parte dos saldos devedores passou a ter “amortizações negativas”, fazendo com que, em termos reais, as dívidas se tornassem crescentes.
Todos os fatos até então relacionados tornaram a busca por soluções viáveis imprescindível. Sob a inspiração de modelos praticados em países desenvolvidos, surge no cenário jurídico brasileiro o Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI), ao final da década de noventa.
1.3.Sistema de Financiamento Imobiliário
O Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI) foi criado por intermédio da Lei n. 9.514/97. Caracteriza-se pela desregulamentação, pois sustenta seu funcionamento sobre as estruturas dos mercados já existentes, sem a criação de novos órgãos públicos. Seus pontos de destaque estão nas novas modalidades contratuais disciplinadas e nos instrumentos de captação de recursos, pois somente o SFH não seria mais capaz de financiar toda a demanda, devido à falta de incremento da caderneta de poupança e ao crescente índice de desemprego no país.
As mais importantes inovações presentes no Sistema de Financiamento Imobiliário são elencadas por Melhim Namem Chalhub[5]:
a) a criação de um novo título de crédito, lastreado em crédito imobiliário; b) a previsão de funcionamento de companhias que tenham por finalidade específica a aquisição e a securitização de créditos imobiliários, mediante emissão e colocação de títulos denominados Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI), e c) a regulamentação da alienação fiduciária de bens imóveis.
A securitização de créditos imobiliários é a operação pela qual tais créditos são expressamente vinculados à emissão de uma série de títulos de crédito, mediante Termo de Securitização de Créditos, lavrado por uma companhia securitizadora. A este novo tipo de título de crédito dá-se o nome de Certificado de Recebíveis Imobiliários (CRI), que se constitui como título de crédito nominativo, de livre negociação, lastreado em créditos imobiliários e com promessa de pagamento em dinheiro. Com relação à alienação fiduciária regulada por esta Lei, caracteriza-se como o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel.
2.FUNDOS DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO E PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS
2.1.Experiência norte-americana
Os fundos de investimento imobiliário americanos são denominados Real Estate Investment Trust (REIT). Consoante informações oficiais da Associação Nacional de Fundos de Investimento Imobiliário dos Estados Unidos (NAREIT)[6], o Congresso Norte-Americano criou os REITs em 1960 para oferecer a oportunidade a toda a população economicamente ativa de investir em propriedades comerciais em larga escala.
Devido à retração no mercado imobiliário americano no início da década de noventa (quando ocorreu falta de liquidez, a qual gerou forte desvalorização dos imóveis), em janeiro de 1994, a Associação Nacional das Seguradoras (National Association of Insurance Commissioners – NAIC), órgão regulador das seguradoras americanas, interveio na liquidez das reservas técnicas, penalizando os investimentos diretos em imóveis e privilegiando aqueles realizados através de instrumentos securitizados.
Os REITs aumentaram em grande proporção a partir deste período e durante a última década em particular. Os fatores que alavancaram o interesse crescente dos investidores se referem ao alto desempenho deste tipo de fundo de investimento, quando comparado aos demais tipos de fundos nas últimas três décadas, principalmente no que tange a sua volatilidade. Além deste fator, os fundos imobiliários comercializam propriedades em quase todas as principais áreas metropolitanas dos Estados Unidos e em diversas localidades internacionais.
Existem aproximadamente cento e noventa fundos de investimentos imobiliários na atualidade, perfazendo um total de US$ 400 bilhões de ativos. As ações destas companhias são comercializadas nos maiores mercados de bolsa de valores, que as separa dos investimentos tradicionais em imóveis. Outros fundos imobiliários são registrados em Registros Públicos, mas não são comercializados em bolsa ou são constituídos sob a forma de sociedades limitadas. São classificados em: fundos equity, que possuem e operam imóveis que produzem dividendos; fundos mortgage, que efetuam financiamentos diretos aos proprietários de imóveis e seus operadores, ou indiretamente através da aquisição de empréstimos e securitização baseada em financiamentos; e fundos hybrid, que são companhias que possuem imóveis e efetuam empréstimos a proprietários e operadores.
Especificamente quanto ao papel deste tipo de fundo na economia norte-americana, com sua inclusão no índice das 500 companhias da Standard & Poor’s, em 2001 (trata-se do índice de desempenho do mercado de ações mais respeitado nos Estados Unidos), houve o reconhecimento de sua importância no setor imobiliário do mercado de capitais. Com o propósito de relatar o papel que possuem, tanto na economia, como em portfólios de investimentos diversificados, cumpre transcrever informação constante no guia ao investidor de REITs[7], em tradução livre:
O contínuo sucesso dos REITs é um reflexo de muitas coisas, que vão desde a geração de renda e potencial de crescimento do modelo de REIT, até os benefícios da diversificação de portfólio comprovados, por proprietários de ações de REIT; assim como pelos benefícios do gerenciamento ativo e profissional de bens imóveis e a transparência quanto à gestão contábil, que são componentes essenciais da governança corporativa do REIT.
A governança corporativa possui forte expressão quanto aos fundos imobiliários americanos. A Revista da NAREIT publicou artigo de Dean Starkman[8] sobre oito tópicos de governança de maior expressão neste mercado.
2.2.Características dos fundos de investimento imobiliário
Em face da importância que os fundos de investimento têm merecido na economia do Brasil, torna-se imprescindível estudá-los de modo acurado, para que efetivamente possam contribuir para a alavancagem do crescimento e sustentar o desenvolvimento almejado.
Os fundos de investimento imobiliário foram criados em junho de 1993, pela Lei n. 8.668 e regulamentados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), através das Instruções 205, 206 e 389. Até então, estão em funcionamento mais de sessenta fundos imobiliários no Brasil, com patrimônio total superiores a dois bilhões de reais.
No direito pátrio, este novo tipo de fundo originou o valor mobiliário que mais de aproxima da idéia de security do direito norte-americano. Com os fundos imobiliários permite-se a securitização da propriedade imobiliária, sendo que, diversamente das regras do Código Civil e da Lei de Registros Públicos, se chega a distinto fracionamento de imóveis, cujas partes ideais são representadas por valores mobiliários.
A Lei os define como condomínios fechados, resultantes da comunhão de recursos captados por meio do Sistema de Distribuição de Valores Mobiliários. Possuem as seguintes características: a) podem ser constituídos de bens e direitos imobiliários; b) são, obrigatoriamente, administrados por instituição financeira; c) não têm personalidade jurídica própria; d) pelo menos 75% do patrimônio dos fundos deve estar aplicado em bens e direitos imobiliários; e) para os casos de fundos destinados a construir imóveis, as integralizações podem ser parceladas em séries; f) são fundos fechados, ou seja, não permitem resgate das quotas.
Suas vantagens estão relacionadas à facilidade de acesso ao mercado imobiliário, aos ganhos de escala (é possível para o pequeno investidor obter condições semelhantes às oferecidas aos grandes investidores), à diversificação de aplicações, à simplificação (procedimentos referentes a certidões, escrituras, recolhimento de ITBI, entre outros, são de responsabilidade do administrador do fundo) e à possibilidade de fracionar o investimento.
Seus fatores de risco se referem ao próprio mercado financeiro e os tipos de risco que o afetam, à taxa de ocupação imobiliária (a retração do mercado imobiliário pode ocasionar redução na ocupação dos imóveis) e à liquidez reduzida.
O patrimônio de um fundo de investimento imobiliário não se confunde com o patrimônio geral do administrador, pois é um patrimônio especial, totalmente distinto e separado que abrange os direitos e obrigações relativos ao fundo, detidos pelo administrador em caráter fiduciário.
A Lei n. 8.668/93 sofreu alterações advindas da Lei n. 9.779, de 1999 em aspectos atinentes à tributação dos fundos. Restou disciplinado que os fundos deverão distribuir a seus quotistas, no mínimo, noventa e cinco por cento dos lucros auferidos, apurados segundo o regime de caixa, com base em balanço ou balancete semestral encerrado em 30 de junho e 31 de dezembro de cada ano. Quanto aos rendimentos e ganhos de capital, quando distribuídos a qualquer beneficiário, sujeitam-se à incidência do imposto de renda na fonte, à alíquota de 20%. No caso de alienação de quotas, os ganhos de capital e rendimentos auferidos também se sujeitam à mesma alíquota.
Cumpre observar que o fundo que aplicar recursos em empreendimento imobiliário que tenha como incorporador, construtor ou sócio, quotista que possua, isoladamente ou em conjunto com pessoa a ele ligada, mais de 25% das quotas do fundo, não contará com o regime diferenciado, estando sujeito à tributação aplicável às pessoas jurídicas.
2.3.Características das parcerias público-privadas
As parcerias público-privadas são a expressão mais recente do entrelaçamento de conceitos dos setores público e privado.
Sua implementação definitiva se encontra obstada por problemas pertinentes às estagnações legislativa e executiva do período atual, porém, caso tais obstáculos possam ser transpostos, este novo tipo contratual é um instrumento flexível e de adaptação adequada em setores deficitários do país, quanto à facilitação na obtenção de crédito imobiliário em todas as classes sociais, sem que ocorra a exclusão das classes economicamente menos favorecidas.
Envolvem o fornecimento de ativos e serviços em infra-estrutura pelo setor privado, que tradicionalmente foram fornecidos pelo setor público, com projetos que obtiveram excelentes resultados em países como o Chile, a Irlanda, o México e o Reino Unido.
A adequada transferência de riscos do setor público ao setor privado é uma das principais características das parcerias e é um dos meios pelos quais os objetivos almejados pela população e pelo Poder Público possam ser alcançados (serviços e obras de alta qualidade e baixo custo).
O diploma normativo que instituiu as normas gerais referentes aos contratos de parceria público-privada é a Lei n. 11.079, de 30 de dezembro de 2004. Consoante suas disposições, parceria público-privada é o contrato administrativo de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa (art. 2º). Concessão patrocinada é a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei n. 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado (art. 2º, § 1º). Concessão administrativa é o contrato de prestação de serviços de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens (art. 2º, § 2º).
Dessarte, é possível utilizar o contrato de parceria em projetos de grande amplitude social e econômica, principalmente aqueles relacionados à construção e operação de hospitais, escolas, presídios, estradas, pontes, túneis, redes de energia elétrica, redes de água e esgoto, núcleos habitacionais.
A Lei em questão possui sete capítulos, dispostos da seguinte maneira: I – Disposições preliminares; II – Dos contratos de parceria público-privada; III – Das garantias; IV – Da sociedade de propósito específico; V – Da licitação; VI – Disposições aplicáveis à União e VII – Disposições finais.
É vedada a celebração de contrato de parceria público-privada cujo valor do contrato seja inferior a vinte milhões de reais, cujo período de prestação do serviço seja inferior a cinco anos ou que tenha como objeto único o fornecimento de mão-de-obra, o fornecimento e instalação de equipamentos ou a execução de obra pública.
O art. 16 prevê a criação, somente para a União, suas autarquias e fundações públicas, de um Fundo Garantidor de Parcerias Público-Privadas no limite global de seis bilhões de reais, que terá por finalidade prestar garantia de pagamento das obrigações assumidas pelos parceiros públicos federais.
A autorização de integralização de quotas do Fundo Garantidor ocorreu com a publicação do Decreto n. 5.411, de 6 de abril de 2005, mediante ações representativas de participações acionárias da União em sociedade de economia mista disponíveis para venda. A forma de operação do Fundo Garantidor também está estruturada através da Resolução CMN n. 3.289/05, Instrução CVM n. 426/05 e Portaria MF n. 413/05.
A gestão de seus ativos ficará sob a responsabilidade da BB-DTVM (Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários do Banco do Brasil), empresa voltada à gestão de recursos de terceiros.
O art. 9º estabelece a constituição de uma sociedade de propósito específico, incumbida de implantar e gerir o objeto da parceria, antes da celebração do contrato.
Toshio Mukai[9] tece os seguintes esclarecimentos sobre esta sociedade:
Ocorreu aqui uma cópia da idéia prevista na Lei n. 8.987/1995, que obriga, no caso de consórcio, que as empresas consorciadas constituam uma nova empresa para dar execução ao contrato de concessão, tratando-se aí de uma exigência facultativa do poder concedente (art. 20).
No caso da sociedade de propósito específico, ela representa o instrumento legal da parceria público-privada, posto que deveria ser constituída tendo como sócias a empresa vencedora da licitação e o órgão ou entidade que promove a parceria mediante licitação.
A Lei abre a possibilidade para que a sociedade de propósito especifico assuma a forma de companhia aberta, com valores mobiliários admitidos a negociação no mercado. Com as devidas adaptações, em sendo viável adquirir quotas de fundos de investimento imobiliário negociadas no mercado de capitais, lançadas por sociedades de propósito específico representantes de contratos de parceria público-privada, a população estará apta a adquirir quotas com valores inferiores aos praticados pelas instituições financeiras que oferecem crédito imobiliário. As especificidades desta questão serão analisadas em item subseqüente (capítulo 4).
As peculiaridades existentes na Lei quanto à licitação das parcerias são enumeradas por Ricardo Pagliari Levy e Vânia Marques Ribeiro[10]:
– Licitação por concorrência;
– Inversão das fases da habilitação e propostas;
– Lances em viva voz;
– Proposta técnica eliminatória;
– Condições de celebração do contrato de PPP pelo segundo colocado;
– Saneamento de falhas na habilitação e propostas.
A Lei estabelece a instituição, por decreto, de órgão gestor de parcerias púbico-privadas federais. Este decreto foi publicado em 4 de março de 2005, sob o número 5.385.
3.FINANCIAMENTO HABITACIONAL EMBASADO EM CONSÓRCIOS PÚBLICOS
3.1.Os consórcios imobiliários no Estatuto da Cidade
O planejamento urbano adequado permite trazer à tona o arcabouço jurídico necessário à constituição e conseqüente implementação de fundos de investimento imobiliário e posteriores possibilidades de viabilização concreta de projetos de parceria público-privada nesta seara.
Para que tal mister se efetive, torna-se fundamental cumprir um iter organizacional pertinente ao cumprimento de etapas previstas em leis esparsas, mas que, se consideradas sob os auspícios da interpretação sistemática, certamente produzirão efeitos positivos quanto à melhoria das condições de outorga de financiamento habitacional, como fim imediato, e a superação de muitos quadros caóticos de política habitacional existentes nas cidades brasileiras, com fim mediato.
O modelo empírico almejado, em continuação aos instrumentos facilitadores explicitados no capítulo precedente, encontra respaldo, em um primeiro momento, em mecanismos disciplinados através da Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001, que regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição Federal.
O primeiro mecanismo de relevo possui o objetivo precípuo de angariar fundos para a implementação da política urbana e se denomina operação urbana consorciada. Ao analisar alguns aspectos deste mecanismo, Caramuru Afonso Francisco[11] preleciona:
Se as operações urbanas consorciadas se identificam com a outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso pela circunstância de que são instrumentos que buscam a implementação da política urbana com utilização de recursos outros que não são angariados exclusivamente pelo Poder Público através da arrecadação de tributos, distinguem-se pelo fato de que, ao contrário da outorga onerosa, não se está diante de uma contraprestação do particular, mas, sim, de uma ação conjunta, planejada com antecedência, com a participação de todos a fim da obtenção dos fins almejados na política urbana.
A referida Lei, que se autodenominou Estatuto da Cidade, estabelece a definição de operação urbana consorciada, in verbis: Considera-se operação urbana consorciada o conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental (art. 32, § 1º).
A operação urbana consorciada somente pode ser implementada a partir do balizamento contido em um plano diretor, vigente através de lei municipal. O Poder Público municipal editará, então, uma lei municipal específica, baseada no plano diretor, a qual disponha sobre a área a ser atingida por esta operação, assim como sobre as medidas que a comporão. Esta lei específica versará, portanto, sobre um plano de operação urbana consorciada (plano parcial de atuação urbanística).
Francisco[12] destaca uma característica fundamental deste mecanismo:
Ponto importante é o que obriga o controle da operação com participação da sociedade civil, nada mais justo diante da circunstância que a operação urbana consorciada foge aos âmbitos estritos da Administração, devendo, pois, haver na lei a criação de mecanismos e até órgãos de controle, com o estabelecimento de regras de escolha de seus elementos, que não poderá ficar ao arbítrio exclusivo do Poder Público, pois se tem verdadeira hipótese de parceria entre o Poder Público e a sociedade civil.
O segundo mecanismo de relevo está contido nas Disposições Gerais do Estatuto da Cidade e recebe o nome de consórcio imobiliário. Está conceituado como a forma de viabilização de planos de urbanização ou edificação por meio da qual o proprietário transfere ao Poder Público municipal seu imóvel e, após a realização das obras, recebe, como pagamento, unidades imobiliárias devidamente urbanizadas ou edificadas (art. 46, § 1º).
É necessário ponderar que o consórcio imobiliário representa uma alternativa ao mandamento constitucional contido no § 4º do art. 182 da Carta Magna, o qual faculta ao Poder Público municipal exigir do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, a promoção de seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente de parcelamento ou edificação compulsórios, assim como imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo.
Para que o consórcio imobiliário possa ser instituído, o proprietário em questão não poderá ter condições econômico-financeiras para cumprir a obrigação e a compulsoriedade deve ter sido previamente estabelecida por lei municipal específica para determinada área, de acordo com o plano diretor. O Estatuto também exige que este tipo de consórcio seja efetuado a pedido do particular e que haja controle social, o qual impossibilitará hipóteses de favorecimento.
O procedimento para instituição do consórcio imobiliário tem início com o requerimento do proprietário, que será encaminhado ao órgão municipal competente. Este órgão elaborará um parecer, após a participação popular (audiência pública). Toda a documentação será apresentada ao Prefeito Municipal, o qual, caso seja favorável, irá submetê-la à Câmara Municipal. Existe prevalência de leis orgânicas que exigem lei municipal para a aceitação de doação com encargo, como ocorre nos consórcios imobiliários.
Com relação ao valor do imóvel, o Estatuto estabelece que será o do valor venal, antes da execução das obras, especificamente o que seria o preço do imóvel em caso de desapropriação por inadequado aproveitamento, com a exclusão de eventuais lucros cessantes, expectativas de ganhos e juros compensatórios (art. 8º, § 2º).
A relevância deste instituto, que de modo paradoxo, surge ao final do Estatuto, encontra respaldo nos seguintes comentários de Lívia Maria Armentano Koenigstein Zago[13]:
O instituto do consórcio imobiliário é muito importante para a implementação da função social da propriedade e da própria cidade e é um instrumento relevante de urbanismo e da urbanização.
Por isto estanho e inconveniente vir tão oculto na teia das normas das “Disposições Gerais do Estatuto da Cidade”.
3.2.A Lei de Consórcios Públicos
Para que o montante de recursos públicos necessários à implementação das políticas urbanas supra mencionadas seja angariado, faz-se imprescindível aludir à edição da Lei n. 11.107, de 6 de abril de 2005, a qual dispõe sobre normas gerais de contratação de consórcios públicos para a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.
Cumpre salientar que a junção de esforços entre entes federados diversos representa um avanço quanto ao comprometimento de cada ente político para com a transferência de recursos destinados a obras públicas. A contratação de consórcios públicos para a realização de objetivos comuns aumenta o poder de financiamento de agentes fiduciários e tem como conseqüência o incremento do crédito imobiliário acessível.
Os pontos fundamentais da Lei de Consórcios Públicos são pertinentes à atribuição de personalidade jurídica aos consórcios e à possibilidade de serem integrados por entes de níveis distintos.
O consórcio público adquirirá personalidade jurídica de direito público, no caso de constituir associação pública, mediante a vigência das leis de ratificação do protocolo de intenções ou de direito privado, mediante o atendimento dos requisitos da legislação civil.
O consórcio público com personalidade jurídica de direito público integra a administração indireta de todos os entes da Federação consorciados. No caso de se revestir de personalidade jurídica de direito privado, o consórcio público observará as normas de direito público no que concerne à realização de licitação, celebração de contratos, prestação de contas e admissão de pessoal, que será regida pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT (art. 6º, § 2º).
Anteriormente à edição desta Lei, os consórcios públicos podiam ser formados somente por entes federados da mesma espécie, sendo esta a principal diferença entre estes e os convênios, que admitiam entes de níveis diversos.
Após o advento da Lei, a distinção deve se embasar na atribuição de personalidade jurídica aos consórcios, estando os convênios caracterizados como acordos de atuação conjunta com limitação temporal.
3.3.Contratos de alienação fiduciária de bens imóveis
O financiamento habitacional oferecido através de instituições financeiras contratadas por consórcios públicos oferecerá condições de ajuste adequadas à recuperação dos créditos de maneira célere, pelo intermédio de fundos de investimento imobiliário e também pelo oferecimento da modalidade contratual da alienação fiduciária, a qual, consoante o entendimento de Chalhub[14]:
É instrumento que poderá propiciar rápida recomposição de situações de inadimplemento, em prazos compatíveis com os compromissos perante os investidores e, ainda, poderá manter a regularidade dos fluxos financeiros necessários para atender a demanda por novos financiamentos.
Trata-se, portanto, de um instrumento apto a garantir ao credor a recuperação de seu crédito, nos casos de inadimplemento do devedor, com vistas a dar maior segurança jurídica nas relações contratuais, pois a hipoteca (largamente utilizada antes da edição da Lei n. 9.514/97) representa morosidade e baixo grau de segurança quanto à recuperação do crédito. A título de ilustração, com a alienação fiduciária em garantia de bens imóveis, a cobrança de um crédito imobiliário pode perdurar por aproximadamente um ano. Já na hipoteca, este lapso temporal pode se estender a cinco anos.
Fleury[15] explicita as características deste tipo de alienação fiduciária da seguinte forma:
Pelo contrato de alienação fiduciária, constitui-se em favor do credor uma propriedade resolúvel sobre o imóvel objeto do financiamento, sendo prevista sua obrigação de transferir a plena propriedade do imóvel ao devedor, uma vez que tenha resgatado a totalidade da dívida. Enquanto a dívida estiver em aberto, o devedor estará investido apenas na posse do imóvel. Ao quitar integralmente a dívida, a propriedade plena lhe será transferida, bastando para tanto simples pedido de cancelamento do registro da fidúcia.
4.INOVAÇÕES NA POLÍTICA PÚBLICA DE GERAÇÃO DE CRÉDITOS IMOBILIÁRIOS
4.1.As parcerias público-privadas e o crédito imobiliário
Todos os mecanismos adrede analisados são partes integrantes de um plano de ação pública que venha a aprimorar o financiamento habitacional de modo integral, com o repto de facilitar o acesso ao crédito imobiliário em todas as classes da população e primordialmente, diminuir a desigualdade social existente.
De acordo com dados oficiais do Banco Central[16], o saldo global dos depósitos de poupança (SBPE e rural) decresceu 0,27% em maio de 2005, se comparado a abril de 2005. Nos doze meses anteriores, junho de 2004 a maio de 2005, houve acréscimo de 42,31% no valor nominal os financiamentos concedidos e de 8,54% no número de unidades financiadas.
A operações do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), quando cotejadas com as efetuadas a taxas de mercado, apresentam os seguintes resultados: tomando-se como base os doze meses anteriores (junho de 2004 a maio de 2005) e comparando-os com o período de junho de 2003 a maio de 2004, houve acréscimo de 57,88% no volume de recursos e de 12,72% na quantidade de imóveis financiados. Com relação àquelas efetuadas a taxas de mercado, houve decréscimo de 34,13% nos recursos alocados e de 41,42% na quantidade de imóveis financiados.
Levando-se em consideração o SBPE como um todo, a quantidade de mutuários inadimplentes (contratos com mais de três prestações em atraso) foi equivalente a 29,65%. Dados preliminares da Caixa Econômica Federal indicam que as aplicações em habitação popular, saneamento, infra-estrutura, saques e outros correspondem a 64,50% da arrecadação de recursos do FGTS (em fevereiro de 2005). O déficit global da FCVS (contratos ativos mais contratos liquidados menos antecipações) atingiu R$ 78.282 milhões em março de 2005. As caixas econômicas são credoras de 37,31% dos recursos do déficit global, vindo a seguir as instituições privadas, as empresas públicas, as instituições públicas e as COOHAB’s, com 31,02%, 17,48%, 10,33% e 3,86%, respectivamente.
O estímulo ao financiamento habitacional para operações do SFH, objetivado pelo atual governo, possui as seguintes características: liberação de mais recursos, outorga de mais garantias e novos regramentos.
Quanto à liberação de mais recursos, a legislação determina que os bancos apliquem 65% dos recursos da caderneta de poupança em financiamentos habitacionais. No entanto, os bancos podem contabilizar como crédito habitacional o dinheiro que têm a receber do FCVS (Fundo de Compensação das Variações Salariais). Cumpre salientar que este fundo subsidiava financiamentos antigos. Com a criação do Proer, em 1995, os bancos foram levados a vender seus créditos contra o FCVS para bancos falidos socorridos pelo programa. Apesar disso, continuaram autorizados a contabilizar os valores como crédito habitacional.
A partir de 2001, o Conselho Monetário Nacional passou a exigir que o chamado “FCVS virtual” fosse, gradualmente, convertido em crédito habitacional de fato. A medida significa um potencial de R$ 12 bilhões em novos financiamentos neste ano, o que, para o mercado, estaria acima da demanda real dos mutuários. Como solução, o CMN fixou metas de expansão do crédito em 2005, de 30% no primeiro trimestre e 45% no segundo. A referida conversão concretizou-se através da Resolução n. 3.347/06.
A outorga de mais garantias está baseada em Lei aprovada em 2004 (Lei n. 10.931, de 03 de agosto de 2004), que dispõe sobre o patrimônio de afetação de incorporações imobiliárias e que estabeleceu a separação do patrimônio dos empreendimentos imobiliários do patrimônio das incorporadoras, para evitar que quebras das empresas afetem os mutuários. Para oferecer maior respaldo aos bancos, a Lei ainda estabelece que, em caso de contestação judicial, o mutuário tem de discriminar a parcela dos encargos questionada e continuar pagando o restante.
De acordo com os novos regramentos, o valor máximo do imóvel foi elevado de R$ 300 mil para R$ 350 mil e o valor máximo do financiamento, de R$ 150 mil para R$ 245 mil. Os bancos que cobrarem juros mais baixos em empréstimos menores poderão contabilizar as operações em valores maiores para efeito de enquadramento nas metas de expansão de crédito. Os juros máximos seguem em 12% ao ano e o prazo máximo continua de 15 anos, assim como o limite para a prestação inicial, de 30% da renda familiar do mutuário, mas a maioria dos bancos opera com percentual abaixo de 25%.
Apesar de todas estas considerações, o crédito habitacional com recursos da poupança terá efeito insignificante na redução do déficit habitacional. Primeiramente, porque as unidades financiadas ainda são contadas aos milhares, enquanto o déficit habitacional é medido em milhões de moradias. Em segundo lugar, porque o déficit ocorre nas famílias que não têm acesso aos empréstimos bancários (dados do governo apontam que 92% do déficit afeta as famílias com renda de até cinco salários mínimos). Estas famílias dependem de subsídios oficiais.
Para o governo, a eliminação do déficit habitacional depende de investimentos anuais de R$ 13 bilhões a R$ 14 bilhões por 20 anos. A título de exemplo, em 2004, a Caixa Econômica Federal, agente financeiro dos programas para a baixa renda, destinou R$ 4,5 bilhões a esse objetivo. Em 2005, a meta era desembolsar R$ 10 bilhões, mas somente cerca de R$ 2 bilhões foram liberados até maio.
O problema quanto ao déficit nos faz crer que a política de desenvolvimento urbano atual não se coaduna com as reais necessidades da sociedade, porquanto Cláudio Oliveira de Carvalho[17] sustenta, neste jaez:
A política de desenvolvimento ambiental-urbano que não tiver como prioridade atender as necessidades essenciais da população pobre das cidades estará em pleno conflito com as normas constitucionais norteadoras da política ambiental-urbana, com o sistema internacional de proteção dos direitos humanos, em especial com o princípio internacional do desenvolvimento sustentável.
Neste ponto, faz-se mister chamar a atenção quanto a uma das distorções ocorridas na política de financiamento no Brasil: a maneira injusta pela qual o cliente que se vê obrigado a lançar mão do cheque especial oferecido pelos bancos (a taxas de juros altos, ditados pelo COPOM), financia grandes produtores rurais e a casa própria da classe média, sem a sua anuência explícita.
Como o Banco Central não controla as taxas de quase 40% dos créditos disponíveis na economia brasileira, por serem empréstimos, a taxas subsidiadas que o Estado direciona por lei para a compra da casa própria, produção rural e financiamentos do BNDES, o sistema se torna cada vez mais distorcido. Aos olhos de leigos, esses empréstimos surgem como um benefício à sociedade, quando, na realidade, são motivadores de um maior distanciamento entre as classes sociais.
A instituição de parcerias público-privadas surge como um primeiro passo em um plano de ação pública que ultrapasse os liames de governos representados por partidos políticos sem credibilidade, pois será executado por seus beneficiários e por eles controlado.
Neste sentido, houve importante alteração na Lei de Concessões (Lei n. 8.987/95), concernente às garantias oferecidas pelas empresas ao tomar empréstimos para investir em concessões públicas. A modificação ocorreu através da Lei n. 11.196/05, segundo a qual os investidores poderão oferecer a própria receita futura do empreendimento como garantia. Outra modificação viabilizada, também relacionada ao objetivo de tornar mais fácil a obtenção de financiamento, é a possibilidade de a instituição que estiver financiando poder, em caso de inadimplência, assumir o controle do investidor privado na concessão.
Estes critérios corroboram a assertiva referente ao aumento da eficiência da intermediação financeira. Os pólos contratantes em parcerias público-privadas respondem pelo capital investido de modo bastante distinto, quando comparados aos contratantes de um contrato de financiamento habitacional convencional. A oferta de recursos disponibilizados em fundos de investimento imobiliário, cujas quotas são pulverizadas e adquiridas por condôminos que, ao final da integralização, serão proprietários de imóveis adquiridos em parceria com o ente público que anteriormente somente ditava as regras contratuais, de modo unilateral, certamente representará um enorme avanço quanto à disponibilização de crédito imobiliário e diminuição do déficit habitacional.
Indubitavelmente direcionados à classe média, que não será mais considerada mutuária, mas quotista nesta relação jurídica, os recursos serão geridos de modo transparente, com maior poder de cooperação entre os parceiros, nas fases pré e pós contratuais. Esta possibilidade, aliada à modificação na Lei de Concessões quanto ao mecanismo de arbitrar conflitos, para evitar disputas judiciais, erradicam a insegurança jurídica atual.
Os 40% referentes a créditos disponíveis na economia brasileira, utilizados para concessão de empréstimos a taxas subsidiadas poderão, então, ser controlados por um Banco Central autônomo, que efetivamente irá direcioná-los à composição de contratos de parceria público-privadas efetuados por consórcios públicos entre os entres federados, cujo objetivo seja a oferta de moradias populares às pessoas que não possuem as mínimas condições para adquiri-las (quiçá reduzindo drasticamente a quantidade de favelas no Brasil).
4.2.Implementação de contratos de parceria através de consórcios públicos
A relevância da política urbana, como o conjunto de diretrizes e ações, com vistas à ordenação e pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade, tendo por objetivo garantir o bem-estar de seus habitantes, encontra respaldo, na análise de Sérgio Ferraz[18], no próprio plano diretor:
Essa política urbana, com tais motivações e objetivos, não é imposta de cima para baixo, pela União. Sua sede instrumental é o plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, assim sujeito, pois, à vontade do habitante da cidade. É nesse plano diretor que se edifica o conjunto de diretrizes e normas regedoras da ordenação da cidade, seu desenvolvimento funcional e sua expansão territorial. Da descrição dessas coordenadas resulta o claro retrato da importância do regramento da propriedade imobiliária urbana, para que a política urbana consiga realmente ser implementada.
O regramento da propriedade imobiliária urbana poderá ser implementado caso seja facilitado por mecanismos contidos no Estatuto da Cidade (analisados no capítulo precedente), tais como a operação urbana consorciada e o consórcio imobiliário. Para que haja vontade política de efetivação deste tipo de política urbana por iniciativa dos chefes do Poder Executivo Municipal, faz-se necessário unir forças através do estabelecimento de consórcios públicos regionais (que podem ser compostos pelos respectivos Estados).
Com a intermediação de agentes financeiros credenciados pelo CMN e fiscalizados pelo Bacen, estes consórcios públicos estarão aptos a gerir recursos para a população de menor poder aquisitivo, a qual, através da alienação fiduciária de bens imóveis, obterá avaliação de risco de crédito reduzida, devido à queda no valor das parcelas a serem pagas, pois ocorrerá um subsídio real àqueles que verdadeiramente dele necessitam.
Esta segunda fase de implantação de um plano de ação pública baseado nestes mecanismos vem de encontro às seguintes afirmações de Fleury[19]:
A solução desse problema, em face da sua magnitude e pelo fato de o déficit habitacional estar concentrado em famílias com reduzida capacidade de absorver o encargo em sua renda, exige esforços que vão muito além do Crédito Imobiliário provido pelas instituições financeiras. É necessário o uso de mecanismos de subsídio direto e de crédito com base em recursos captados a taxas inferiores às de mercado, para que as camadas de menor renda possam adquirir moradia adequada.
4.3.Proposições de modificação no Sistema de Financiamento Imobiliário
Finalmente, cumpre trazer à baila algumas propostas de modificação na Lei n. 9.514/97, que dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário, com o escopo de adaptá-la à realidade do novo século e flexibilizá-la quanto à eficácia em sua aplicação pelas gerações vindouras.
A primeira modificação se relaciona à segurança advinda do preceito legal atinente aos critérios do reajuste da reposição integral do valor emprestado, pois o princípio da autonomia privada há de prevalecer nesta seara. É inconcebível que medidas provisórias venham a macular princípios jurídicos desta magnitude, na tentativa de fazer prevalecer a vontade transitória daquele que temporariamente ocupa determinada instância do poder.
Logo após, convém ampliar as possibilidades de securitização de crédito imobiliário, com a inclusão de valores mobiliários em curso no mercado de capitais: quotas de fundos de investimento imobiliário; valores mobiliários referentes a direitos creditórios (já constantes na Lei), com as alterações advindas da Resolução n. 2.907, emitida pelo Bacen em 29 de novembro de 2001 e regulamentada pela Instrução n. 356, da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), em 17 de dezembro de 2001 e os recentes valores mobiliários referentes aos fundos de investimento em participações.
As operações de securitização de recebíveis efetuadas através de Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs) devem ser descritas de modo pormenorizado no Sistema de Financiamento Imobiliário, devido à sua relevância, salientada por Simone Gordon e Bruno Dalarossa Amatuzzi[20], ao discorrerem sobre as características dos FIDCs:
Os FIDCs têm, entre outras características, o dever de destinar parcela preponderante de seu patrimônio líquido, ou seja, mais de 50% de sua carteira, à aplicação em direitos creditórios. Interessante notar ainda que, de acordo com as regras aplicáveis aos FIDCs, praticamente todo tipo de recebível, quer seja originado no setor público, quer seja originado no setor privado, pode ser objeto de securitização via FIDC.
A alusão aos contratos de parceria púbico-privada especificados como contratos habitacionais de parceria público-privada, que englobem em um sistema único de financiamento habitacional os contratos realizados sob a égide do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) e do Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI), emoldurados sob um plano de ação pública até então explicitado, deve ser efetivada como a mais importante modificação na Lei n. 9.514/97.
É inegável que o modo de tributação irá interferir diretamente na viabilização deste novo tipo de contrato habitacional. A experiência oferecida neste assunto, haurida ao longo de décadas de implementação, nos Estados Unidos, é de grande valia neste momento. Consoante informações oficiais da Associação Nacional de Fundos de Investimento Imobiliário dos Estados Unidos (NAREIT)[21], em tradução livre:
As regras seguintes resumem algumas das disposições básicas da lei tributária, aplicáveis aos Fundos de Investimento Imobiliário (FII). Estas regras são complexas e aqui é apresentado somente um resumo geral. Para ser qualificado como FII, uma entidade deve estar de acordo com uma série de requisitos pertinentes à organização, operação, distribuição e adequação. Se o FII estiver de acordo com estes requisitos, possuirá permissão para deduzir quaisquer dividendos pagos de sua receita tributável. Um FII que distribuía 100% de sua receita tributável, portanto, não terá tributada a obrigação tributária federal. Embora as leis tributárias estaduais sofram variações, a maioria dos Estados com um regime tributário baseado em receitas segue a lei federal e permite que haja a “dedução dos dividendos pagos” nos FIIs.
O modo pelo qual a tributação é efetuada nos Estados Unidos está evidentemente baseado no fato de se tratar de um país desenvolvido com as peculiaridades de uma economia estável. Seu exemplo demonstra ser possível vicejar formas de crescimento econômico através de cargas tributárias que o incentivem.
Também existe referência explícita à governança corporativa na Lei das Parcerias Público-Privadas (Lei n. 11.079/04) quando se estabelece que a sociedade de propósito específico deverá obedecer a padrões de governança corporativa e adotar contabilidade e demonstrações financeiras padronizadas, conforme regulamento (art. 9º, § 3º). A inserção dos postulados da governança corporativa em sede do Sistema de Financiamento Imobiliário assume grande relevância.
Em seminário internacional, realizado na cidade de São Paulo, sobre governança pública, ética e responsabilidade fiscal, em 11 de agosto de 2005, ocorreu palestra do Professor Dr. José Paschoal Rossetti sobre a governança pública no Estado Moderno, na qual se discorreu sobre a transposição dos conceitos de governança corporativa para governança pública.
Em síntese, os Estados – Nação devem possuir as seguintes características para a aferição da qualidade da governança pública:
1 – Liberdade de voz e voto, poder da opinião pública e prestação responsável de contas à sociedade;
2 – Estabilidade política e das instituições;
3 – Efetividade do governo;
4 – Qualidade do ambiente regulatório;
5 – Aplicação efetiva das leis: enforcement versus impunidade;
6 – Controle da corrupção, em todas as suas manifestações.
Estas características podem estar presentes neste novo Sistema de Financiamento Imobiliário que este trabalho de modo bastante simplificado, tentou demonstrar. Esta afirmação se sustenta nos principais impulsores externos de boa governança, já existentes no Brasil, enumerados por Adriana Andrade e José Pachoal Rossetti[22], da seguinte maneira:
1. pressões exercidas no âmbito do mercado de capitais por adequação dos institutos legais do país; 2. reduzida expressão de um mercado de dívida de longo prazo, levando as empresas a um novo ciclo de capitalização via oferta pública de ações; 3. ativismo dos investidores institucionais; e 4. disposição dos investidores em premiar as empresas melhor governadas.
Ante o exposto, resta-nos propugnar pelo que se deva realmente considerar quanto à função social do contrato, que não deve jamais estar dissociada da análise contratual pelo seu equilíbrio e para tanto faz-se necessário aludir aos ensinamentos de Eduardo Sens dos Santos[23], que pontifica:
A função social do contrato tem, justamente por ser “social”, o claro objetivo de garantir o equilíbrio dos pactos, equilíbrio este que deve ser determinado objetivamente. Vale dizer, não pode haver vício de consentimento ou onerosidade excessiva – as prestações das partes devem ser, em termos objetivos, equivalentes. E isso há sempre que ser realizado com vista a um princípio maior que é o da justiça geral. Para a noção de função social do contrato também concorre, pois, o conceito de equilíbrio contratual.
CONCLUSÃO
A maneira pela qual o crédito imobiliário tem sido oferecido no Brasil não corresponde às necessidades de uma população carente em recursos e impossibilita a efetivação de uma relação contratual equilibrada, no âmbito da parcela da população que possui alguns recursos.
O fato de se estabelecer como uma relação jurídica de longo prazo, faz surgir uma série de obstáculos que têm suas raízes em constantes modificações em uma política econômica instável, que se encontra completamente afastada do controle da maior parte da população, a qual simplesmente se torna refém dos grandes detentores do poder econômico.
O estabelecimento de mecanismos de acesso ao processo decisório quanto à oferta de crédito imobiliário não deve somente se embasar em elementos pré-existentes na história brasileira, com ênfase na experiência socioeconômica dos anos sessenta e setenta.
A população pode se conscientizar quanto à existência de instrumentos cujas características, embora advindas de sistemas de famílias de direito diferentes da existente no direito pátrio, possuem o condão de transformar o capital acumulado por poucos em fracionamentos disponíveis à participação da sociedade em políticas públicas que afetarão o bem comum e a justiça social.
A instituição do marco regulatório referente às parcerias público-privadas se configura como o primeiro passo para a implementação de planos de ação pública em setores extremamente deficitários de serviços públicos no país. Há de se pontuar que em um primeiro momento, os projetos de infra-estrutura serão colocados em evidência, contudo o universo no qual há possibilidade de aplicação deste novo tipo contratual é muito mais abrangente. Reúne entre elas a prestação de serviços públicos em obras de zoneamento urbano, saneamento básico e construção de moradias.
É justamente neste ponto que pretendemos colaborar com uma série de estudos efetuados ao longo de alguns anos, para encontrar modos aplicáveis às especificidades aqui existentes.
O plano de ação pública que implemente contratos habitacionais de parceria público-privada no Sistema de Financiamento Imobiliário, através de propostas direcionadas à projetos de lei elaborados para aprimorar a geração de crédito imobiliário estará condicionado a alguns requisitos básicos, como o total comprometimento em evitar a ocorrência de despesas públicas imprevistas, para o efetivo cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n. 101, de 4 de maio de 2000), a necessidade de previsibilidade e segurança ao parceiro privado com a conseqüente redução dos custos dos investimentos e a previsão de instrumentos capazes de garantir a prestação de serviços de qualidade por longo tempo a um custo adequado.
Destarte, este plano de ação concebe a parceria público-privada como geradora de crédito imobiliário, com o objetivo precípuo de comprovar que a propriedade sobre bens imóveis urbanos deve ser compreendida sob a conjuntura da utilização de bem inserido na coletividade e por este motivo, deve se desenvolver através de relações jurídicas equilibradas que corroboram o bem-estar de toda a população e que se coadunem com o preceito constitucional insculpido no art. 6º da Carta Magna, que eleva o direito à moradia à categoria de direito social de todos os brasileiros.
Informações Sobre o Autor
Fernanda Kellner de Oliveira Palermo
Mestre em Direito Administrativo, com ênfase em Obrigações Públicas pela Universidade Estadual Paulista (UNESP); Bacharel em Direito pela Universidade Estadual Paulista (UNESP); Advogada militante em Franca (SP), também atuando junto à Procuradoria Geral do Estado, através do Convênio com a Ordem dos Advogados (São Paulo); autora de artigos jurídicos no âmbito do Direito Obrigacional Público, Direito Administrativo, Direito Comercial e Direito Internacional e colaboradora do Jornal “Comércio da Franca”.